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Enzimas amilolíticas de mandioquinha-salsa (Arracacia xanthorrhiza Bancroft.)

Amylolytic enzymes from peruvian carrot (Arracaia xanthorrhiza Bancroft.)

Resumos

O objetivo do presente trabalho foi de caracterizar as enzimas amilolíticas de mandioquinha-salsa (Arracacia xanthorrhiza Bancroft.). Foram realizados ensaios mediante a determinação da atividade enzimática, variando-se as condições do meio, tais como temperatura, pH e concentração de cátions. Em gel de eletroforese foram detectadas três bandas protéicas com intensa atividade hidrolítica. As enzimas apresentaram pH ótimo de atividade em torno de 6,0 e mostraram-se mais sensíveis a valores de pH alcalino quando pré-incubadas a 50oC. A temperatura ótima de ativação enzimática foi de 50oC, enquanto aos 70oC, a atividade amilásica foi reduzida em 80%. Em temperaturas altas temperaturas (60 e 70oC), a inativação enzimática ocorreu após 60 e 25min de incubação, respectivamente. Ensaios de estabilidade térmica mostraram que as amilases mantiveram alta atividade após 25h mediante a incubação a 20 e 30oC. Os valores de Km, Vmax e energia de ativação foram de 0,41mg/mL, 1,11mg/mL/min e 7,53kcal/mol, respectivamente. Constatou-se que a presença de Ca+2 ou Mg+2 provoca aumento na atividade amilásica, enquanto íons de Cu+2 causam uma diminuição. Apesar da discreta atividade amilásica apresentada, as enzimas demonstraram ter alta resistência e estabilidade térmicas.

mandioquinha; batata-baroa; Arracacia xanthorriza; alfa-amilase; beta-amilase; caracterização enzimática


This investigation was undertaken to characterize amylases from Peruvian carrot (Arracacia xanthorrhiza Bancroft.). Activity assays were performed in different changing pHs, temperatures, time and cation concentrations. PAGE zymograms and the amylase activity essays were detected by starch-iodine complex. The results showed that Peruvian carrot has three amylase components on the crude extract. The enzymes had optimum pH at 6.0. Amylases were more sensitive to basic pH when the pre-incubation occured at 50oC. The best activation temperature occurred at 50oC, whereas at 70oC the amylase activity was reduced by 80%. Assays of thermal stability at 20 and 30oC showed that amylases could maintain high activity following 25 hours of exposure at those temperatures. At higher temperatures, 60 and 70oC, enzymatic inactivation occurred after 60 and 25 minutes, respectively. Km, Vmax and activation energy value were 0.41mg/mL, 1.11mg/mL/min and 7.53kcal/mol, respectively. The presence of Ca+2 or Mg+2 ions increased the amylase activity whereas Cu+2 decreased it. In spite of the rather low amylase activity detected, the enzymes showed high resistance and thermal stability.

peruvian carrot; Arracacia xanthorriza; alpha-amylase; beta-amylase; enzyme characterization


Enzimas amilolíticas de mandioquinha-salsa (Arracacia xanthorrhiza Bancroft.)

Amylolytic enzymes from peruvian carrot (Arracaia xanthorrhiza Bancroft.)

Tatiana da Costa Raposo Pires; Erika Matos da Veiga; Flávio Finardi Filho* * A quem a correspondência deve ser enviada.

Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo – USP

RESUMO

O objetivo do presente trabalho foi de caracterizar as enzimas amilolíticas de mandioquinha-salsa (Arracacia xanthorrhiza Bancroft.). Foram realizados ensaios mediante a determinação da atividade enzimática, variando-se as condições do meio, tais como temperatura, pH e concentração de cátions. Em gel de eletroforese foram detectadas três bandas protéicas com intensa atividade hidrolítica. As enzimas apresentaram pH ótimo de atividade em torno de 6,0 e mostraram-se mais sensíveis a valores de pH alcalino quando pré-incubadas a 50oC. A temperatura ótima de ativação enzimática foi de 50oC, enquanto aos 70oC, a atividade amilásica foi reduzida em 80%. Em temperaturas altas temperaturas (60 e 70oC), a inativação enzimática ocorreu após 60 e 25min de incubação, respectivamente. Ensaios de estabilidade térmica mostraram que as amilases mantiveram alta atividade após 25h mediante a incubação a 20 e 30oC. Os valores de Km, Vmax e energia de ativação foram de 0,41mg/mL, 1,11mg/mL/min e 7,53kcal/mol, respectivamente. Constatou-se que a presença de Ca+2 ou Mg+2 provoca aumento na atividade amilásica, enquanto íons de Cu+2 causam uma diminuição. Apesar da discreta atividade amilásica apresentada, as enzimas demonstraram ter alta resistência e estabilidade térmicas.

Palavras-chave: mandioquinha; batata-baroa; Arracacia xanthorriza; alfa-amilase; beta-amilase; caracterização enzimática.

SUMMARY

This investigation was undertaken to characterize amylases from Peruvian carrot (Arracacia xanthorrhiza Bancroft.). Activity assays were performed in different changing pHs, temperatures, time and cation concentrations. PAGE zymograms and the amylase activity essays were detected by starch-iodine complex. The results showed that Peruvian carrot has three amylase components on the crude extract. The enzymes had optimum pH at 6.0. Amylases were more sensitive to basic pH when the pre-incubation occured at 50oC. The best activation temperature occurred at 50oC, whereas at 70oC the amylase activity was reduced by 80%. Assays of thermal stability at 20 and 30oC showed that amylases could maintain high activity following 25 hours of exposure at those temperatures. At higher temperatures, 60 and 70oC, enzymatic inactivation occurred after 60 and 25 minutes, respectively. Km, Vmax and activation energy value were 0.41mg/mL, 1.11mg/mL/min and 7.53kcal/mol, respectively. The presence of Ca+2 or Mg+2 ions increased the amylase activity whereas Cu+2 decreased it. In spite of the rather low amylase activity detected, the enzymes showed high resistance and thermal stability.

Keywords: peruvian carrot; Arracacia xanthorriza; alpha-amylase; beta-amylase; enzyme characterization.

1 – INTRODUÇÃO

A mandioquinha-salsa é originária da região andina da América do Sul, compreendida por Venezuela, Equador, Peru, Bolívia e sobretudo pela Colômbia, local de cultivo intensivo e extensivo, onde se encontra a maior diversidade de plantas da espécie. No Brasil, a mandioquinha-salsa, também conhecida como batata baroa, foi introduzida por volta de 1900, trazida das Antilhas [5], sendo cultivada e consumida nas regiões Sudeste e Sul. Para fins alimentícios são utilizadas apenas as raízes da planta, desprezando-se as porções aéreas, compostas por ramas e pelo pedúnculo. Caracteriza-se como alimento energético apresentando 25g, em média, de carboidratos totais por 100g de raiz [11] , sendo largamente empregada em formulações de alimentos infantis, em sopas e em purês.

A conservação da mandioquinha-salsa é um ponto crítico na comercialização das raízes [2]. Comparativamente ao ciclo de produção da planta, que varia entre 10 a 11 meses, as raízes possuem curta vida pós-colheita, cuja duração máxima é de 7 dias à temperatura ambiente. Este fato tem implicações diretas no manuseio, na distribuição e na disponibilização do produto, fazendo com que os preços sofram flutuações acentuadas ao longo do ano [9, 11, 12].

Os mecanismos de deterioração pós-colheita da mandioquinha ainda não foram suficientemente elucidados. Sabe-se, entretanto, que a lavagem das raízes acelera o processo de deterioração, resultando em perda acentuada de textura e desenvolvimento de bolores nas extremidades; este mecanismo de deterioração pode ser retardado pela manutenção das raízes sob refrigeração, porém acarreta custos adicionais sem a eliminação efetiva do problema. Uma hipótese para explicar esta via de deterioração seria a hidrólise enzimática de carboidratos e o conseqüente fornecimento de açúcar para o crescimento microbiano.

A ação de enzimas amilolíticas na mandioquinha ainda não é conhecida, ao contrário de outros tubérculos, similares a ela em relação ao alto teor de amido em sua composição, como a mandioca [10] , a batata [7] e a batata-doce [8], e tampouco há estudos de qualquer outra participação enzimática na deterioração destas raízes. A exemplo de outros organismos, o passo inicial no estudo de amilases é a caracterização bioquímica das enzimas através de parâmetros cinéticos como Km, Vmáx, pH ótimo e temperaturas de ativação e de desnaturação [4, 10, 14, 16, 17, 18]. No presente trabalho, o objetivo foi caracterizar as enzimas amilolíticas de mandioquinha-salsa em termos de temperatura e pH ótimos e de estabilidade, determinação de parâmetros cinéticos, bem como de estudar a influência de íons sob diversas condições de meio de reação.

2 – MATERIAL E MÉTODOS

2.1 – Material

Raízes de mandioquinha-salsa (Arracacia xanthorrhiza Bancroft. cv Amarelo comum), colhidas no mesmo dia, provenientes da região de São Bento do Sapucaí (SP), não lavadas, constituíram o material para análise. As raízes foram embaladas em sacos de polietileno e armazenadas sob congelamento (-18ºC) até a sua utilização.

Diversos reagentes, como amido de batata, EDTA, Coomassie, acrilamida, fosfato de sódio, foram adquiridos da empresa Sigma Co. Os demais reagentes de uso comum em laboratório eram de grau analítico.

2.2 – Métodos

2.2.1 – Extrato enzimático

As raízes de mandioquinha-salsa depois de descongeladas, foram lavadas para a remoção de terra e impurezas e imediatamente trituradas. Após a remoção da casca, a raiz foi cortada em pequenos cubos (± 2,0cm de aresta); rotineiramente cerca de 250g de amostra foram homogeneizados com 100mL de água destilada em liquidificador comum. O homogenato foi, então, filtrado e centrifugado a 13.000 x g por 30 min a 4ºC e, em seguida, dialisado contra água à temperatura de 4ºC por um período mínimo de 12h. A amostra foi armazenada em tubos Eppendorf de 1,5mL, a temperatura de –18ºC até a sua utilização; os tubos foram descongelados conforme a necessidade para execução dos ensaios.

2.2.2 – Determinação do teor de proteínas

As proteínas foram quantificadas pelo método descrito por Bradford [3] usando a albumina sérica bovina (BSA) como padrão.

2.2.3 – Determinação da atividade amilásica total

Para a detecção da atividade amilásica, foi empregado o método da medida do complexo amido-iodo [15] que consiste na mistura do extrato enzimático em solução de 0,1% de amido de batata, em tampão fosfato pH 6,9, 20mM, seguida de interrupção da reação através da adição de solução de iodo I2 10mM e KI 14mM. Uma unidade de atividade amilásica (U) foi definida como sendo a quantidade de amido (em nanogramas) hidrolisada por minuto por miligrama de proteína presente no extrato enzimático.

Efeito da temperatura – A temperatura ótima de atividade amilásica foi determinada através da incubação do extrato enzimático em diferentes temperaturas (de 25 a 70oC), na presença de substrato, durante 15 min. A temperatura ótima de atividade enzimática foi descrita como a temperatura na qual houve a maior diminuição da intensidade de cor do complexo amido-iodo.

Para a determinação da estabilidade térmica, o extrato enzimático foi pré-incubado em diferentes temperaturas (de 20 a 70oC), na presença de substrato, variando-se também os intervalos de tempo. A atividade amilásica residual foi determinada a 37oC, por 15 min, a pH 6,9.

Efeito do pH – No ensaio para a avaliação do pH ótimo de atividade, o extrato enzimático foi incubado em diferentes soluções tamponadas: entre pH 3,7 e 5,5 foi utilizado tampão acetato 0,2M; entre pH 6,0 e 8,0, tampão fosfato 0,2M; entre pH 8,0 e 10,0, tampão de ácido bórico–cloreto de potássio 0,1M. Em todas as soluções acima foi adicionado o substrato, seguindo-se uma incubação por 15min, a 37oC. A avaliação do efeito do pH sobre a estabilidade amilásica foi realizada através de pré-incubação do extrato enzimático em diferentes valores de pH (de 4,0 a 10,0), durante 15 min a 5e 50oC. Em seguida foi determinada a atividade amilásica residual, a 50oC, por 15 min, a pH 6,9.

Efeito de íons – Para verificar o efeito da presença de cátions na atividade amilásica, o extrato enzimático foi pré-incubado a 50 e 70oC, por 15 min. Em seguida, foi determinada a atividade amilásica na presença de íons Ca+2, Mg+2, Mn+2, Cu+2 e de EDTA. O EDTA foi usado na concentração final de 2,5mM. Os cátions utilizados foram adicionados através de soluções de CaCl2, MgCl2, MnCl2 e CuSO4 nas concentrações de 0,2mM, 0,2mM, 2,5mM e 1,0mM, respectivamente. Para a obtenção de valores de referência, os mesmos ensaios foram realizados sem a incubação prévia do extrato enzimático a 50 ou 70oC.

Parâmetros cinéticos – Para a determinação da energia de ativação catalisada pela enzima, foi construído o gráfico de Arrhenius considerando as temperaturas de 25 a 70oC. A curva foi traçada entre os valores de temperatura de 25 a 50oC, onde ocorrem valores crescentes de atividade enzimática. O valor da Ea, foi calculado pela tangente da curva. O gráfico de Michaelis-Menten foi obtido através da variação da concentração de substrato (0,05 a 0,30mg/mL). Os valores de Km e Vmáx foram calculados a partir do ponto que intercepta o eixo 1/S e 1/V no gráfico de Lineweaver-Burk.

Eletroforese – Foi utilizada a eletroforese não desnaturante em gel de poliacrilamida, descrita por Finardi-Filho e Lajolo [6], para a identificação das bandas de atividade amilásica bem como para a revelação de proteínas do extrato, através da revelação com Coomassie brilhante blue R.

3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 – Temperatura

Os resultados do ensaio de temperatura ótima de atividade amilásica do extrato de mandioquinha (Figura 1) apresentam um perfil próprio com valor máximo em torno de 50oC. Em temperaturas superiores a 50oC, a atividade enzimática é bastante reduzida, indicando que a temperatura ótima de ativação enzimática é muito próxima das condições de desnaturação protéica. A 60 e 70oC, a atividade enzimática é reduzida a aproximadamente 80 e 30%, respectivamente, em relação à atividade máxima obtida na temperatura ótima. Em outras raízes as temperaturas ótimas obtidas situaram-se em 60°C para a mandioca [10] e de 71,5oC e 53oC para a- e b-amilases de batata-doce, respectivamente [8].


Os ensaios de estabilidade térmica a 20 e 30oC demonstraram que as enzimas amilolíticas provenientes de mandioquinha-salsa mantiveram a atividade constante mesmo após 25h de incubação nessas temperaturas (Figuras 2 e 3). Quando submetidas a temperaturas de 60 e 70oC, conforme se pôde inferir anteriormente, a inativação enzimática ocorreu em 60 e 25min, respectivamente (Figura 2). A 50oC, temperatura ótima, as amilases mantiveram aproximadamente 60% de sua atividade inicial mesmo após 5h de incubação. A estabilidade do extrato enzimático, medida através da atividade amilásica residual, segue uma tendência linear até a temperatura de 50°C. Nos ensaios a 20 e 30oC, nota-se que a atividade enzimática permaneceu estável em até 25h de incubação. A mesma linearidade foi observada também a 40 e 50oC, em até 4h de monitoração. Porém, houve perda exponencial de atividade nas temperaturas de 60 e 70°C (Figuras 2 e 3).



3.2 – pH

O efeito da variação do pH do meio é demonstrado através dos resultados de dois ensaios (Figuras 4 e 5). A Figura 4 mostra que o pH ótimo para a atividade amilásica encontra-se em torno de 6,0. Em procedimento semelhante, o mesmo resultado foi obtido em extratos de mandioca [10]. Em amilases de cereais os valores de pH de máxima atividade encontram-se entre 5,0 e 6,0 para a-amilase e entre 4,0 e 6,0 para b-amilase [17].



No segundo ensaio, após incubação por 15 min em duas temperaturas distintas, as enzimas tornaram-se relativamente menos estáveis a pHs alcalinos quando a incubação ocorre a 50oC (Figura 5). A temperatura de 5oC, as amilases demonstraram a capacidade de manter uma alta atividade amilásica em pHs entre 6,0 e 9,0. HAGENINAMA, VÉZINA, SIMARD [8] obtiveram resultados similares para a-amilases de batata-doce. Diversos estudos anteriores mostram que a-amilases provenientes de plantas são geralmente estáveis em pHs entre 5,5 e 8,0 [17] . Uma provável explicação para esta diferença de comportamento parece estar relacionada ao grau de ionização das moléculas e às mudanças conformacionais que podem ocorrer na estrutura protéica da enzima em pH alcalino.

3.3 – Presença de íons

Os resultados apresentados na Tabela 1 indicam que a presença de CaCl2 aumenta a atividade amilásica em 95% em relação à atividade do extrato enzimático não incubado previamente. A presença de EDTA, quelante de cátions, reduz 53% da atividade amilásica original, demonstrando que as enzimas são dependentes de Ca+2. A incorporação de MgCl2 ao extrato original também aumenta a atividade amilásica, porém em 34%. Quando o EDTA é adicionado na presença de Ca+2, a atividade amilásica é reduzida a 73%, enquanto na presença de Mg+2, a atividade é reduzida a 34% da atividade amilásica original. A adição de CuSO4 diminui a atividade em 39%. Mediante a adição de MnCl2, praticamente não ocorre alteração na atividade amilásica, demonstrando que o Mn+2 não substitui os anteriores, Ca+2 e Mg+2, na ativação da amilase.

No ensaio no qual o extrato foi pré-incubado a 50oC, os resultados indicaram diminuição de somente 5% da atividade amilásica total. A adição de Ca+2 aumenta a atividade amilásica em 60% enquanto que a adição de Mg+2 praticamente não resulta em alteração. A adição de EDTA, neste caso, reduz a atividade em 23%. No entanto, não houve alteração significativa quando o EDTA foi adicionado na presença de Ca+2 e Mg+2, onde a atividade foi reduzida a 25% em ambos os casos. Esses resultados indicam que, no caso da pré-incubação a 50oC, a adição de Ca+2 não causa alteração significativa no aumento da atividade amilásica quando em presença de EDTA, ao contrário do que foi observado em ensaios sem pré-incubação do extrato. Estranhamente, apenas nesta condição, a presença de Mn+2 aumentou a atividade amilásica em torno de 15%.

Em todos os casos, a pré-incubação a 70oC diminuiu a atividade amilásica. A esta temperatura, grande parte das enzimas presentes no extrato são desnaturadas, com perda da atividade enzimática. Tendo em vista que a-amilases provenientes de plantas possuem moléculas de cálcio em sua estrutura [17], os resultados acima confirmam a existência de amilases a e b no extrato de mandioquinha-salsa. A presença necessária de Ca+2, ou de Mg+2, é indicativo da ação de a-amilases e sua remoção com EDTA, com um nível residual de atividade, pode indicar a ação de b-amilase, que não necessita de nenhum tipo de metal para a sua ativação [13].

Alguns metais pesados têm mostrado poder de inibição da atividade amilásica, tais como o mercúrio, a prata, o cobre e o chumbo [17]. Nos extratos de mandioquinha o Mn+2 parece não afetar a atividade enzimática, exceto quando incubados a 50°C, enquanto o Cu+2 desestabiliza a enzima mantendo os níveis de atividade semelhantes aos dos tratamentos com EDTA. Estes comportamentos não têm correspondência com enzimas de fontes diferentes. Em a-amilase bacteriana, por exemplo, os íons Mg+2, Mn+2 e Ca+2 no meio de reação não causam alteração nos valores de atividade amilásica, ao passo que a presença de Cu+2 diminui a atividade amilásica em 51% [13].

HAGENINAMA, VÉZINA, SIMARD [8], trabalhando com batata-doce, utilizaram concentrações mais altas de EDTA, CaCl2 e MgCl2 (10mM, 5mM e 5mM, respectivamente) em seus experimentos. No presente trabalho, as concentrações destes íons foram adaptadas às condições experimentais para evitar a interferência do iodo utilizado na detecção de atividade enzimática. Para amilases de batata-doce, a presença de CaCl2 durante a pré-incubação a 70oC preservou atividade a-amilásica em até 67%, enquanto que a presença de Mg+2 não apresentou ação protetora em a-amilases de batata-doce. Quando o agente quelante é adicionado, a atividade a-amilásica é reduzida a 19% [8].

Em relação aos outros íons, Aguilar et al. [1] realizaram experimentos com amilases de Lactobacillus manihotivorans utilizando MnCl2 e CuSO4 em concentrações finais de 10mM. Em ambos os trabalhos, os autores obtiveram resultados de organismos com maior atividade amilásica, que tanto poderiam ser explicados pela maior expressão das enzimas quanto pela maior atividade específica, o que justifica o emprego de reagentes menos sensíveis do que o método do iodo/iodeto. Como os cátions Mn+2 e Cu+2 precipitavam nas concentrações utilizadas nos trabalhos acima descritos, foram testadas concentrações mais baixas em ensaios preliminares, sem prejuízo dos efeitos constatados pelos íons.

3.4 – Energia de ativação

O valor de Ea obtido através do valor da tangente na reta no gráfico de Arrhenius foi de 7,53 kcal/mol (Figura 6). Calculando a Ea de a-amilase de batata-doce descrita por Hageninama, VÉZINA, SIMARD [8] , o valor obtido foi de, aproximadamente, 8,40kcal/mol, similar ao obtido no presente trabalho. Swain & Dekker [16] obtiveram um valor de Ea de 7,6 kcal/mol.


3.5 – Determinação de Km e Vmax

Os valores de Km e Vmax obtidos através do gráfico de Lineweaver-Burk (Figura 7) foram de 0,41mg/mL e 1,11mg/mL/min, respectivamente. Comparativamente, os valores de Km e Vmax encontrados em diversos trabalhos mostram a diversidade de comportamento das enzimas amilásicas. AGUILAR et al. [1] encontraram para a-amilase bacteriana valores de 3,44mg/mL e 0,45mg/mL/min, respectivamente. HAGENINAMA, VÉZINA, SIMARD [8] obtiveram Km = 2,08mg/mL e Vmax = 0,407mg/mL/min para a-amilases de batata-doce e de 3,71mg/mL e 0,969mg/mL/min para b-amilases. SWAIN & DEKKER [16] obtiveram um valor de Km de 0,2mg/mL para a-amilases de ervilhas. Os valores de Km e Vmax obtidos por outros autores são diferentes dos valores obtidos neste trabalho devido a diversos fatores, como o organismo, fonte da enzima, grau de purificação da amostra, tipo de enzima envolvida e suas características estruturais e físico-químicas. Além disso, todas essas enzimas citadas previamente foram purificadas e concentradas, o que lhes confere, conseqüentemente, valores mais elevados de Km, sobretudo se as enzimas forem extracelulares, como as de origem bacteriana.


3.6 – Eletroforese

Três bandas protéicas com atividade amilolítica foram detectadas em gel de eletroforese no extrato enzimático (Figura 8). Através do deslocamento das bandas observa-se a migração das bandas a e b, de intensidade similar, e de uma banda isolada, c, de atividade menor (ou de menor concentração) do que as anteriores. Pelas características apresentadas é possível supor que tratam-se de duas a-amilases e uma b-amilase


4 – CONCLUSÃO

Há pelo menos três enzimas amilolíticas ativas no extrato enzimático de mandioquinha-salsa. O extrato enzimático apresentou alta atividade hidrolítica a 50oC e pH ótimo em torno de 6,0. Entretanto, a 5oC, a atividade amilásica mostrou-se tão alta em pH 6,0 quanto em pH 9,0. A hidrólise do amido pela enzima aumenta na presença de Ca+2 e mantém apenas 20% da atividade original quando na presença de EDTA. Os resultados indicaram a possível presença de duas isoformas de a-amilase e uma de b-amilase no extrato enzimático in vitro, que poderiam, portanto, também estarem ativas na raiz íntegra.

As enzimas foram identificadas desta maneira com base nas seguintes informações: 1) a atividade amilásica aumenta na presença de Ca+2 (indicando a atuação de a-amilases), porém, na presença do agente quelante EDTA, ainda observa-se atividade remanescente (que pode vir a ser proveniente da b-amilase); 2) Nos gráficos de temperatura e pH ótimos, pode-se observar um perfil próprio, com dois máximos presentes nas curvas (no caso da curva de pH ótimo, nos pHs 6,0 e 8,0 e, no caso da curva de temperatura ótima, a 35 e 50oC), como se houvesse mais de uma forma enzimática atuando no substrato; 3) No gel de eletroforese foram detectadas três bandas protéicas, sendo que duas bem próximas e uma terceira um pouco mais distante, reforçando as evidências de três amilases, duas a e uma b.

5 – AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pelo apoio financeiro, e ao Engo Agrônomo Amélio José Bertí, do Núcleo de Produção de Sementes e Mudas da Secretaria da Agricultura de São Bento de Sapucaí, pela doação de raízes de mandioquinha-salsa.

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido para publicação em 27/06/2001. Aceito para publicação em 26/02/2002.

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  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Mar 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Aceito
      26 Fev 2002
    • Recebido
      27 Jun 2001
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