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F*da-se a polícia! Formações estatais antinegras, mitos da fragilidade policial e a urgência de uma antropologia da abolição1 Versão ampliada e traduzida ineditamente em português do artigo originalmente publicado em Focaal em 2021.

Resumos

O Brasil, país com as maiores taxas de civis mortos pelas forças públicas, tem registrado uma proliferação de estudos antropológicos sobre violência e cultura policial nas últimas décadas. Não só antropólogas e antropólogos dedicam cada vez mais atenção aos desafios e possibilidades do “policiamento democrático”, como os próprios agentes têm se tornado etnógrafos - ou pelo menos empregam algumas das técnicas da etnografia - em suas tentativas de fornecer relatos “privilegiados” do trabalho policial. Este artigo se concentra não tanto nas vítimas paradigmáticas do terror policial no Brasil, mas no papel crítico que a etnografia urbana pode desempenhar na desmistificação da “guerra à polícia” e no avanço de um movimento intelectual insurgente pela abolição dessa instituição moderna moralmente indefensável.

Palavras-chave:
etnografias da polícia; antinegritude; formações estatais; necropoder; antropologia da abolição


Brazil, as the country with the highest rates of civilians killed by the police, has seen a proliferation of anthropological studies on police violence and police culture within the last few decades. Not only have anthropologists dedicated increasing attention to the challenges and possibilities of democratic policing, but officers themselves have become ethnographers-or at least relied on some of ethnography’s techniques-in their attempts to provide “privileged” accounts of police praxis. F*ck the Police! focuses not so much on the paradigmatic victims of police terror in Brazil, but instead on the critical role that urban ethnographers can play in demystifying the “war on police” and advancing an insurgent intellectual movement that pushes toward the abolition of this morally indefensible modern institution.

Keywords:
ethnographies of police; antiblackness; state formations; necropower; anthropology of abolition


Introdução

Na manhã de 6 de maio de 2021, a Polícia Militar invadiu a favela do Jacarezinho, na cidade do Rio de Janeiro, e matou 28 pessoas durante uma operação militar sugestivamente chamada Operação Exceptis. Denúncias de execuções extrajudiciais de indivíduos que já haviam se rendido e fotos de cadáveres abandonados nos becos da favela circularam amplamente na internet. Jacarezinho se soma a um histórico insidioso que inclui e vai muito além do Massacre do Carandiru de 1992, quando 111 presos foram mortos pela polícia de São Paulo durante uma rebelião no maior presídio do país, e dos igualmente infames crimes de maio de 2006, quando pelo menos 600 pessoas foram mortas no período de uma semana (MÃES DE MAIO, 2019MÃES DE MAIO. Memorial dos nossos filhos. São Paulo: Nós por Nós, 2019.).

Enquanto organizações de direitos humanos denunciaram Jacarezinho como execução sumária, autoridades policiais defenderam o massacre argumentando que “a única execução que ocorreu foi a do policial, infelizmente. As outras mortes que ocorreram foram de traficantes que agrediram a vida dos agentes e foram neutralizados” (BETIM, 06/05/2021BETIM, Felipe. “Operação policial mata 25 pessoas no Jacarezinho: Massacre ocorre mesmo com resolução do STF que suspende operações na pandemia. Um policial civil morreu baleado na cabeça e duas pessoas ficaram feridas por tiros que chegaram a um vagão do Metrô”. El País, Brasil, 6 mai. 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-06/operacao-policial-mata-25-pessoas-no-jacarezinho-em-segunda-maior-chacina-da-historia-do-rio.html
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). Em uma rede social, o presidente da República Jair Bolsonaro elogiou “todos os guerreiros que arriscam a vida na missão diária de proteger as pessoas de bem” e lamentou que, em vez de homenagear a vida do policial morto durante a operação, ativistas de direitos humanos estivessem tratando “criminosos que roubam, matam e destroem famílias” (VEJA, 09/05/2021VEJA. “Bolsonaro parabeniza polícia do Rio após operação no Jacarezinho: Operação para coibir o tráfico de drogas resultou na morte de 28 pessoas; Ministério Público investiga as circunstâncias dos óbitos”. Veja, Brasil, 9 mai. 2021. Disponível em: https://veja.abril.com.br/%20brasil/bolsonaro-parabeniza-policia-do-rio-de-janeiro-apos-acao-no-jacarezinho/
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) como vítimas inocentes.

A narrativa maniqueísta de vitimização policial apregoada por Bolsonaro é vinho velho em garrafas novas. Ainda assim, tem sido revigorada sob a formação política conservadora, evangélica e político-militar que levou o ex-capitão do exército ao Palácio do Planalto. A mitologia da vitimização policial o ajudou a galvanizar o apoio popular em torno da imagem fictícia de oficiais patriotas indefesos prontos para colocar suas vidas em risco para proteger os cidadãos de bem e salvar o país. Embora com particularidades importantes, o mantra da fragilidade policial - “vidas azuis importam” - representa uma estratégia discursiva poderosa, mobilizada por políticos de direita e endossada por associações de policiais, grupos evangélicos e até comunidades marginalizadas em muitas partes do globo.

Um paralelo inevitável pode ser traçado com a França2 1 Este artigo, uma versão traduzida, ampliada e revisada de texto publicado originalmente em “comentários” da revista Focaal: Journal of Gloobal and Historical Anthropology (ALVES, 2021). O texto se beneficiou de comentários muito generosos de Charlie Hale. Também sou grato pelos comentários de Micol Seigel, Graham Denyer-Willis e Tathagatan Ravindran, bem como pelo envolvimento do público acadêmico em vários ambientes onde foram apresentadas algumas versões preliminares. Débora Silva, Rute Fiúza, Dina Alves, Debaye Mornan, Rosângela Borges, João Costa Vargas e José Carlos Freire têm sido interlocutores generosos nos diálogos permanentes sobre a democracia como regime de violabilidade da carne negra e sobre a necessidade imperiosa da insurgência na academia. Obrigado a Ingrid Banks, Terrance Wooten e Amanda Pinheiro pelos debates sobre “a feroz urgência do agora” durante o fórum Cities Under Fire na Universidade da Califórnia, Santa Bárbara. Editores/as da Revista Dilemas forneceram assistência editorial inestimável. Erros e omissões são única e dolorosamente meus. , por exemplo, onde policiais se tornaram contramanifestantes nos protestos incisivos dos “coletes amarelos” contra as reformas neoliberais do presidente Emmanuel Macron. A retórica da polícia como “símbolo e rosto da França” foi mobilizada na tentativa de associar os assassinatos de dois policiais as manifestações públicas contra a delinquência estatal e a perversidade das políticas de austeridade naquele país. Ataques isolados à polícia foram tratados como um ataque aos valores centrais da República Francesa e instrumentalizados como uma oportunidade para aumentar o poder da polícia por meio de uma ampla reforma penal abrangendo a segurança doméstica e novas diretrizes antiterrorismo que, entre outras coisas, transforma ativistas em “terroristas” e policiais em vítimas dos “danos psicológicos e físicos” provocados por quem tenta filmar suas condutas (BBC, 19/05/2021BBC. “Under Deadly Attack French Police Demand Better Protection”. BBC, News, 19 mai. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-europe-57156837
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). A associação Alliance até empregou uma análise sociológica para explicar a suposta violência contra a polícia. Em entrevista à BBC, um dos seus líderes admitiu que a letalidade da polícia francesa é menor do que nunca, ao mesmo tempo que exagerou os perigos de um policial ser atacado durante as patrulhas nos bairros da periferia de Paris. A violência contra policiais, argumentou, se difundiu e evoluiu para uma “agressão geral de baixo nível”. Outro porta-voz da corporação vai mais longe e pede um entendimento da violência contra a polícia mais além da letalidade. Ele diz que “hoje não é [apenas] ser morto, é ser atacado diariamente.” Stanislas Gaudon, alto comissário da polícia francesa, também é citado na mesma entrevista à BBC, lamentando hiperbolicamente que “quando olhamos quantas armas apreendemos [dos manifestantes], fica claro que muitas pessoas não vieram protestar, mas matar policiais” (BBC, 19/05/2021BBC. “Under Deadly Attack French Police Demand Better Protection”. BBC, News, 19 mai. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-europe-57156837
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).

Seja fictícia ou real, a ameaça de vitimização policial sempre existe. Ainda assim, mesmo no Brasil, onde 343 policiais foram mortos apenas em 2018 (FBSP, 2019FBSP. Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2019. Brasília: Fórum Brasileiro da Segurança Pública (FBSP), 2019.) - um número extremamente alto quando comparado aos EUA, onde 181 policiais morreram no mesmo ano (NLEOM, 19/07/2020NLEOM. 2020. “Causes of Law Enforcement Deaths Over the Past Decade (2010-2019)”. Facts & Figures, Memorial, 19 jul. 2021. Disponível em: https://nleomf.org/memorial/facts-figures/officer-fatality-data/causes-of-law-enforcement-deaths/
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), e à França, com média de dez mortes anuais (ASSOCIATED PRESS, 2021) -, essa é uma profissão que, ao contrário da crença popular, tem taxas de letalidade muito baixas em todo o mundo. Embora ocorram agressões e assassinatos de agentes da lei, esse risco é parte integrante do trabalho da polícia. Na verdade, é argumento amplamente aceito entre pesquisadoras e pesquisadores da polícia que nenhuma ocupação civil usufrui de tamanha proteção. Por outro lado, como a banalidade das chacinas no Brasil ilustra, levantar a mão contra um policial é crime que, não raras vezes, tem consequências letais para comunidades inteiras. Amplamente normalizada na sociedade do “homem cordial”, a estrutura repressiva do Estado é ordinariamente empregada na vingança das vidas azuis.

No Brasil, quando um policial é morto, dezenas de jovens pobres e predominantemente negros são mortos nas vinganças organizadas por agentes do Estado e seus defensores. Por exemplo, organizações de direitos humanos denunciaram a operação sangrenta no Jacarezinho como uma resposta à morte do policial, cujo enterro no dia seguinte foi marcado por aplausos e gritos de “não foi em vão” (CAMPBELL, 07/05/2021CAMPBELL, Tatiana. “Enterro de policial tem aplauso e salva de tiros”. UOL, Cotidiano, 7 mai. 2021. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2021/05/07/enterro-de-policial-morto-tem-aplauso-e-salva-de-tiros-nao-foi-em-vao.htm
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). A polícia brasileira chega a usar táticas de terror para pressionar governos a lhes conceder melhores condições laborais e para galvanizar influência e apoio político de olho nas disputas eleitorais. Por exemplo, repetindo um padrão que vem se tornando cada vez mais comum no país, em fevereiro de 2020, dias antes do carnaval, a Polícia Militar do Ceará entrou em greve. Embora o envolvimento direto de grevistas nas chacinas que se seguiram seja objeto de investigação ainda em andamento, várias denúncias apontam para esquadrões da morte ligados à polícia e homens encapuzados em patrulhas policiais aterrorizando a população. Coincidência ou não, pelo menos 200 indivíduos foram mortos no intervalo de uma semana (JUCÁ, 21/02/2020JUCÁ, Beatriz. “Ala radical da PM do Ceará ecoa bolsonarismo: Motim expõe disputas internas na corporação e não tem liderança clara. Eleição municipal e contexto nacional turvam xadrez político. Estado, que terá Exército nas ruas, contabiliza 51 mortos em 48 horas”. El País, Brasil, 21 fev. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-02-21/ala-radicalizada-da-pm-no-ceara-ecoa-bolsonarismo-e-cria-bomba-relogio-dificil-de-desarmar.html
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; ADORNO, 06/03/2020ADORNO, Luis. “Durante motim, 312 pessoas assassinadas no Ceará”. UOL, Cotidiano, 6 mar. 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/03/06/durante-motim-da-pm-312-pessoas-foram-assassinadas-no-ceara.htm
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ul...
)3 2 Agradeço a Don Kalb por chamar minha atenção para essas semelhanças nos contextos aparentemente dissimilares do Brasil e da França. . Sem sucesso, o então governador Camilo Santana (PT) denunciou esses usos do terror como uma tática para colocar o governo de joelhos. Denúncias generalizadas de violações de direitos humanos por policiais em serviço e à paisana, de tortura a assassinatos, são consistentemente recebidas com indiferença em um país onde quase 30 mil pessoas foram mortas pela polícia nos últimos seis anos (2015-2020), das quais 99% eram moradores de favela, do sexo masculino e 75% eram jovens negros (G1, 06/06/2021G1. “Monitor da Violência”. Portal G1, Monitor da Violência, 6 jun. 2021. Disponível em: https://especiais.g1.globo.com/monitor-da-violencia/2018/mortos-por-policiais-no-brasil/
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).

Neste artigo, concentro-me não tanto nas vítimas paradigmáticas do terror policial no Brasil, mas no papel crítico que a etnografia urbana pode desempenhar na desmistificação da “guerra à polícia” e no avanço de um movimento intelectual insurgente pela abolição dessa aberração moderna. O Brasil é o ponto de partida da análise por razões óbvias. Sendo o país com as maiores taxas de civis morto pelas forças públicas, tem se registrado uma proliferação de estudos antropológicos de alto nível sobre violência e cultura policial nas últimas décadas. Não só antropólogas e antropólogos dedicam cada vez mais atenção aos desafios e possibilidades do “policiamento democrático”, como também os próprios agentes têm se tornado etnógrafos - ou pelo menos empregam algumas das técnicas da etnografia - em suas tentativas de fornecer relatos “privilegiados” do trabalho policial (ver FRANÇA, 2019FRANÇA, Fábio Gomez de. “‘O soldado é algo que se fabrica’: Notas etnográficas sobre um curso de formação policial militar”. Revista Tomo, vol. 2, n. 34, pp. 359-392, 2019.; MUNIZ e SILVA, 2010MUNIZ, Jacqueline de Oliveira; SILVA, Washington França da. “Mandato policial na prática: Tomando decisões nas ruas de João Pessoa”. Caderno CRH, vol. 23, n. 60, pp. 449-473, 2010.; STORANI, 2008STORANI, Paulo. Vitória sobre a morte: O rito de passagem na construção da identidade dos operações especiais do Bope. Niterói: Eduff, 2008.).

O presente texto não ambiciona fazer uma revisão da literatura do campo prolífico de estudos policiais no Brasil (para uma visão geral, ver MUNIZ et al., 2018MUNIZ, Jacqueline; CARUSO, Haydee; FREITAS, Felipe. “Os estudos policiais nas ciências sociais: Um balanço sobre a produção brasileira a partir dos anos 2000”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica, vol. 1, n. 2, pp.148-187, 2018.; AQUINO e HIRATA, 2018AQUINO, Jania Perla; HIRATA, Daniel. “Inserções etnográficas ao universo do crime: Algumas considerações sobre pesquisas realizadas no Brasil entre 2000 e 2017”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, vol. 84, n. 2, pp. 1-24, 2018.), tampouco oferece um balanço do incrível histórico de etnografias críticas da ação policial no Brasil e no mundo. Também não pretende criticar um trabalho em particular ou mesmo sugerir que o incipiente campo da antropologia da polícia negligencie as críticas apresentadas a seguir. Menos ambicioso e pretensioso, este é um apelo radicado na experiência e perspectiva negra, para que se busquem novas abordagens no estudo da polícia, em meio a uma tendência extremamente problemática de sanitarização do terror policial e promoção da polícia como promotora da paz - e seus agentes como pacificadores ameaçados - enquanto a agenda da segurança pública impõe um regime de governança necropolítica selado em um pacto de violabilidade contra grupos raciais historicamente marginalizados do projeto nacional. Que o terror policial seja retroalimentado em uma simbiose entre segurança urbana e securitização global fica evidente na natureza supranacional da violência antinegra assim como sua centralidade na pax colonial inter e intra regional.

Qual é o papel da antropologia neste regime supranacional de governança racial? Crucialmente, como um projeto global, a prática da antropologia - e a etnografia da polícia em particular (STEINBERG, 2020STEINBERG, Jonny. “Ethnographies of Global Policing”. Annual Review of Law and Social Science, vol. 16, n. 2, pp. 131-145, 2020.) - não pode prescindir de uma discussão sobre a função da polícia (assim como da antropologia) como força geopolítica. Não é anacronismo barato: a ordem colonial é reconfigurada e continuamente reforçada por um complexo policial-militar-universitário que envolve invasões de geografias-problemas por soldados, pacificação por policiamento comunitários, saque neocolonial por projetos de reconstrução, e intervenção humanitária por ongueiros, para não mencionar o extrativismo acadêmico por pesquisadores em trabalho de campo. Os massacres policiais de jovens por descumprirem a quarentena imposta pelo governo na periferia de Nairóbi (KIMARI, 2020KIMARI, Wangui. “Outlaw Nairobi Versus the Pandemics”. City & Society, vol. 32, n. 12, pp. 1-9, 2020.) em um estado (Kenia) que se consolida como portal geoestratégico para os interesses transnacionais na Africa, os encontros diário de migrantes norte-africanos, tratados como terroristas, com a força policial nos banlieues de Paris (BEAMAN, 2020BEAMAN, Jean. “Underlying Conditions: Global Anti-blackness Amid COVID-19”. City & Community, vol. 19, n. 3, pp. 516-522, 2020.), a colonização sionista expressa na militarização e no asfixiamento da vida urbana na Palestina (SHALHOUB-KEVORKIAN e IHMOUD, 2014SHALHOUB-KEVORKIAN, Nadera; IHMOUD, Sarah. “Exiled at Home: Writing Return and the Palestinian Home”. Biography, vol. 27, n. 2, pp. 377-397, 2014.), o regime necropolítico europeu de policiamento fronteiriço no mar Mediterrâneo (PRESTI, 2019PRESTI, Laura. “Terraqueous Necropolitics”. ACME: An International Journal for Critical Geographies, vol. 18, n. 6, pp. 1347-1367, 2019.), as estratégias de contenção preventiva de migrantes de origem árabe no sudoeste de Sydney (MCELHONE, 2017MCELHONE, Megan. “‘Now They’re Extraordinary Powers’: Firearms Prohibition Orders and Warrantless Search Powers in New South Wales”. Current Issues in Criminal Justice, vol. 28, n. 3, pp. 329-337, 2017.) ou as batidas policiais nas favelas de São Paulo, todos esses “campos” de operação militar e/ou “campos de pesquisa” permanecem como zonas contínuas e sobrepostas do não-ser (FANON, 1967FANON, Frantz. Black Skin, White Masks. Nova York: Grove Press, 1967.), impostas por homens e mulheres em uniforme para proteger a zona doméstica e global do ser (ALVES, 2014ALVES, Jaime. “De Ferguson a São Paulo: Entre a zona do não-ser e a rebelião permanente”. Geledés, Questão Racial, Artigos e Reflexões, 09 out. 2014. Disponível em: https://www.geledes.org.br/racismo-nos-eua-brasil-e-mundo-o-corpo-negro-habita-zona-da-morte/
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). Em todo lugar, o terror policial é peça central na imposição de um apartheid racial - em nome da estabilidade global e da segurança interna - que borra as fronteiras geoontológicas entre o local e o global, o doméstico e o transnacional, e reafirma a pós-vida do colonialismo (JAMES e ALVES, 2018JAMES, Joy; ALVES, Jaime. “States of Security, Democracy’s Sanctuary, and Captive Maternals in Brazil and the United States”. Souls, vol.10, n. 4, pp. 345-367, 2018.; KEENAN, 2008KEENAN, Jeremy. “US Militarization in Africa: What Anthropologists Should Know about AFRICOM”. Anthropology Today, vol. 24, n. 5, pp. 16-20, 2008.; SUSSER, 2020SUSSER, Ida. “Covid, Police Brutality and Race: Are Ongoing French Mobilizations Breaking Through the Class Boundaries?”. FocaalBlog, 3 dez. 2020. Disponível em: http://www.focaalblog.com/2020/12/03/ida-susser-covid-police-brutality-and-race-are-ongoing-french-mobilizations-breaking-through-the-class-boundaries/
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)4 3 Embora proibidas na constituição brasileira, as greves da polícia têm sido cada vez mais comuns nos últimos anos. Suas consequências mortíferas quase nunca são investigadas pelos órgãos de controle, embora abundam as denúncias de assassinatos como tática de pressão política. Ver O Globo, (2012) e a descrição etnográfica de De Souza (2016) sobre a greve policial em Salvador/Bahia. .

Pois bem, como antropólogas e antropólogos poderiam tratar objetivamente as narrativas de vitimização policial sem participar da neocolonização em curso? O que significa etnografar a partir dessas zonas da morte e do sofrimento social? Se, como Anna Souhami (2019)SOUHAMI, Anna. “Constructing Tales of the Field: Uncovering the Culture of Fieldwork in Police Ethnography”. Policing and Society, vol. 30, n. 2, pp. 206-223, 2019. argumenta vigorosamente, “a dinâmica da cultura policial tão fortemente criticada [pelos etnógrafos] se reflete na construção do processo etnográfico” (p. 207), que tipo de vínculo se deve evitar entre antropólogos/as e interlocutores para que não se endorse (mesmo que involuntariamente) o tropo da fragilidade policial? O que a narrativa falaciosa da vitimização policial engendra? Por fim, qual deve ser o lugar da antropologia da polícia - como campo de conhecimento emergente - no apelo urgente pela defesa das vidas negras? Embora estudar a polícia (e qualquer instituição dominante) não leve necessariamente a um alinhamento acrítico com o poder, o animus antinegro da prática policial torna extraordinariamente desafiador e politicamente comprometedor para antropólogas e antropólogos trabalhar com a polícia e simultaneamente abraçar de maneira consequencial as críticas dos movimentos sociais à polícia como um projeto fundado na antinegritude (Charlie Hale, comunicação pessoal). Ou seja, a antropologia da polícia, mesmo quando altamente crítica às estruturas policiais, parece sublinhar um paradigma de reforma liberal que vai contra os três “Ds” que as vítimas paradigmáticas do terror policial exigem: desfinanciamento, desarme e desmonte do Estado policial.

O mito da fragilidade policial

Há uma cena no filme Queen and Slim (2019), dirigido por Melina Matsoukas e Lena Waithe, que vale a pena recuperar aqui. O jovem casal negro está a caminho do seu primeiro encontro romântico quando um policial branco os aborda em uma blitz de rotina. A pequena infração de trânsito termina em uma transação letal quando Slim (Daniel Kaluuya) reage à violência policial contra Queen (Jodie Tuner), que é baleada na perna. Slim quer se entregar, mas Queen (uma jovem advogada) o lembra de que sua negritude já selou seu destino. Os “matadores de policiais” fogem pelo sul dos EUA, na esperança de chegar a Cuba. À medida que uma reportagem sobre o casal fugitivo se torna viral, a história de Queen e Slim mobiliza outros afro-americanos que acompanham com esperança o esforço inútil do casal para escapar das garras do sistema de justiça penal estadunidense. A cena que mais me impressiona mostra Júnior, um menino negro, em primeiro plano, liderando uma manifestação do Black Lives Matter. Com os punhos no ar, ele grita: “Deixe-os ir, deixe-os ir!”. Quando um policial tenta detê-lo, Júnior puxa a arma do policial e lhe dá um tiro letal.

Pode-se especular: o que levaria um adolescente a tal ato de violência? Talvez a dolorosa consciência de seu não-lugar no regime jurídico antinegro? Talvez a tentativa desesperada, no contexto impossível da “justiça fugitiva”, de parar a “máquina trituradora de carne humana”5 4 Esta pode ser uma dimensão do que a filósofa Denise Ferreira da Silva (2015) chama de “globalidade” ou seja, um projeto político-epistemológico de governança racial hierarquizando o humano e mapeando o globo em zonas de subordinação e de titularidade de direito. que a polícia representa? O filme e a cena em questão geraram um caloroso debate sobre a natureza e o escopo da resistência à violência policial na era do Black Lives Matter. Lena Waithe considerou o filme “uma meditação sobre a vida negra na América” (KING, 27/11/2019KING, Noel. “Lena Waithe’s ‘Queen & Slim’ is an Odyssey for the Black Lives Matter Era”. NPR, Movie Interviews, 27 nov. 2019. Disponível em: https://www.npr.org/2019/11/27/783223371/waithes-queen-slim-is-an-odyssey-set-in-the-era-of-black-lives-matter
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). No entanto, enquanto as cineastas deram representação cinematográfica a um “estado de cativeiro” muito familiar para as comunidades negras sob cerco ordinário (WILDERSON, 2018WILDERSON, Frank B. We’re Trying to Destroy the World: Anti-blackness and Police Violence after Ferguson. Nova York: Palgrave Macmillan, 2018., p. 58), alguns comentaristas receberam o filme como uma “guerra aos policiais”, enquanto outros culparam as cineastas por “aprofundarem a divisão” e irem muito à esquerda em suas sugestões de que “os negros toleram, protegem e são inspirados pela violência recíproca contra a polícia como resultado de suas experiências com a Lei” (VAUGHN, 27/11/2019VAUGHN, Kenya. “Queen & Slim, a Well-acted Interpretation of a Tragically Flawed Story”. The St. Louis American, Entertainment, 27 nov. 2019. Disponível em: https://www.stlamerican.com/entertainment/living_it/queen-slim-a-well-acted-interpretation-of-a-tragically-flawed-story/article_a53ff2b2-10b0-11ea-aab4-4b187c4c4cbe.html
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).

A retórica da “guerra-à-polícia” e suas ressonâncias no movimento “Blue Lives Matter” nos EUA, bem como seu movimento paralelo (embora difuso) pró-polícia no Brasil de Bolsonaro, podem ser lidos como o que o jurista Frank Rudy Cooper chama, baseado nos trabalhos de Robin DiAngelo (2018)DIANGELO, Robin. White Fragility: Why It’s So Hard for White People to Talk about Racism. Nova York: Beacon Press, 2018., como “o mito da fragilidade policial”. Cooper (2020)COOPER, Frank Rudy. “Cop Fragility and Blue Lives Matter”. University of Illinois Law Review, vol. 2, n.1, pp. 621-662, 2020. afirma que tal mitologia traça uma falsa equivalência entre “vidas azuis” e “vidas negras” ao “reposicionar policiais e brancos em geral, como as novas vítimas” do racismo (p. 654). Nesse sentido, “o [surgimento do] movimento Blue Lives Matter é melhor explicado como autopreservação branca do que como uma reação à vulnerabilidade policial a ataques” (COOPER, 2020COOPER, Frank Rudy. “Cop Fragility and Blue Lives Matter”. University of Illinois Law Review, vol. 2, n.1, pp. 621-662, 2020., p. 655). Ao sequestrar o discurso do movimento de direitos civis transformando policiais em minorias raciais, Cooper afirma, a polícia também canibaliza os termos do debate sobre a importância da vida negra. A vida negra é relativizada pela sobrevalorização da (vitimização da) polícia como uma minoria injustiçada.

Isso, por sua vez, parece ressoar na ambivalência (falta de vontade política?) da academia em lidar com a particularidade cruel dessa estrutura de poder neocolonial. Enquanto algumas estudiosas expõem a impossibilidade de libertar o sistema de justiça de sua colonialidade (ver BEST e HARTMAN, 2005BEST, Stephen; HARTMAN, Saidiya. “Fugitive Justice”. Representations, vol. 92, n. 1, pp. 1-15, 2005.; FLAUZINA e PIRES, 2020FLAUZINA, Ana; PIRES, Thula. “STF e a naturalização da barbárie”. Revista Direito e Práxis vol. 11, n. 2, pp. 1211-1237, 2020.; MCDOWELL e FERNANDEZ, 2018MCDOWELL, Meghan G.; FERNANDEZ, Luis A. “‘Disband, Disempower, and Disarm’: Amplifying the Theory and Practice of Police Abolition”. Critical Criminology, vol. 26, n. 3, pp. 373-391, 2018.; SEGATO, 2007SEGATO, Rita Laura. “El color de la cárcel em América Latina”. Nueva Sociedad, vol. 3, n. 208, pp. 142-161, 2007.), vemos uma proliferação de trabalhos sobre reforma policial ou, no caso da antropologia da polícia, um investimento abusivo na experiência policial como um novo objeto de investigação cuja violência inerente deve ser entendida em relação às normas culturais e dinâmicas de poder societal. Não tenho nada contra a seleção de policiais como sujeitos etnográficos, e não estou sugerindo que tal engajamento desrespeite a ética profissional. De fato, como ilustra uma gama de trabalhos, entre os quais as intervenções de Vinícius Esperança (2015)ESPERANÇA, Vinicius. “Etnografia do etnógrafo”. Iluminuras, vol. 16, n. 39, pp. 77-103, 2015. com o exército e a polícia no contexto do programa de “pacificação” de favelas cariocas, a seleção crítica e politicamente comprometida da polícia como interlocutora de pesquisa tem sido crucial não apenas para interrogar a etnografia policial, mas também para iluminar processos sociais que de outra forma continuariam obscuros.

Nesse sentido, recentes etnografias inovadoras sobre a polícia (estou conscientemente agrupando pesquisadores/as de disciplinas distintas cujo trabalho emprega a etnografia como metodologia primária) têm lançado luz sobre como policiais justificam suas ações como habitus - “apenas fazendo seu trabalho” - que reflete uma visão socialmente compartilhada do mundo onde operam. A tortura e os assassinatos seriam uma forma de ordenar o caótico mundo social produzido pela suposta leniência cultural com transgressores da lei. Em geografias racializadas como as banlieues de Paris, os guetos de Los Angeles ou as favelas brasileiras, essas etnografias críticas têm mostrado, a policia impõe imaginários socioespaciais de pertencimento, titularidade de direito e merecimento a vida (DENYER-WILLIS, 2015DENYER-WILLIS, Graham. The Killing Consensus: Police, Organized Crime, and the Regulation of Life and Death in Urban Brazil. Berkeley, CA: University of California Press, 2015.; FASSIN, 2013FASSIN, Didier. Enforcing Order: An Ethnography of Urban Policing. London: Polity, 2013.; GARMANY, 2014GARMANY, Jeff. “Space for the State? Police, Violence, and Urban Poverty in Brazil”. Annals of the Association of American Geographers, vol. 104, n. 6, pp. 1239-1255, 2014.; ROUSSELL e GASCÓN, 2014ROUSSELL, Aaron; GASCÓN, Luis Daniel. “Defining ‘Policeability’: Cooperation, Control, and Resistance in South Los Angeles Community-Police Meetings”. Social Problems, vol. 61, n. 2, pp. 237-258, 2014.). Análises etnográficas ajudam a entender como a polícia também participa na produção de uma forma peculiar de ordem política em áreas contestadas por narcotraficantes, paramilitarismo, power brokers, grupos evangélicos ou ONGs (ver ARIAS, 2006ARIAS, Desmond. “The Dynamics of Criminal Governance: Networks and Social Order in Rio de Janeiro”. Journal of Latin American Studies, vol. 24, n. 3, pp. 293-325, 2006.; PENGLASE, 2014PENGLASE, Ben. Living with Insecurity in a Brazilian Favela. New Brunswick, NJ: Rutgers University Press, 2014.; LARKINS, 2015LARKINS, Erika Mary Robb. The Spectacular Favela. Berkeley: University of California Press, 2015.; SALEM e BERTELSEN, 2020SALEM, Tomas; BERTELSEN, Bjørn Enge. “Emergent Police States: Racialized Pacification and Police Moralism from Rio’s Favelas to Bolsonaro”. Conflict and Society, vol. 6, n. 1, pp. 86-107, 2020. ). Outras intervenções explicam como policiais negociam seus encontros diários com a violência na própria corporação e o descrédito público. Em alguns trabalhos, agentes policiais são retratados como atores políticos cujas práticas, emoções e subjetividades ecoam sistemas morais mais amplos (PAUSCHINGER, 2020PAUSCHINGER, Dennis. “Working at the Edge: Police, Emotions and Space in Rio de Janeiro”. Environment and Planning D: Society and Space, vol. 38, n. 3, pp. 510-527, 2020.; BUENO e DENYER-WILLIS, 2019BUENO, Samira; DENYER WILLIS, Graham. “The Exceptional Prison”. Public Culture, vol. 31, n. 3, pp. 645-663, 2019.; ver também JAUREGUI, 2014JAUREGUI, Beatrice. “Provisional Agency in India: Jugaad and Legitimation of Corruption”. American Ethnologist, vol. 41, n. 1, pp. 76-91, 2014.). Uma contribuição crucial destaca o papel da polícia e do policiamento na produção de modos de “sociabilidade” e gestão dos conflitos (KARPIAK, 2010KARPIAK, Kevin. “Of Heroes and Polemics: ‘The Policeman’ in Urban Ethnography”. Political and Legal Anthropology Review, vol. 33, n. 12, pp. 7-31, 2010.; SCLOFSKY, 2016SCLOFSKY, Sebastián. “Policing Race in Two Cities: From Necropolitical Governance to Imagined Communities”. Social Justice, vol. 6, n. 2, pp. 1-14, 2016.; MUNIZ e ALBERNAZ, 2017MUNIZ, Jacqueline de Oliveira; ALBERNAZ, Elizabete. “Moralidades entrecruzadas nas UPPs: Uma narrativa policial”. Cadernos Ciências Sociais, vol. 3, n. 2, pp. 115-151, 2017.). Da mesma forma, investigações antropológicas de inspiração foucaultiana têm possibilitado uma compreensão da polícia como um mecanismo de regulação do espaço urbano e do regime racializado de cidadania (por exemplo, ALVES, 2018ALVES, Jaime. The Anti-Black City: Police Terror and Black Urban Life in Brazil. University of Minnesotta Press, 2018.; COLLINS, 2014COLLINS, John. “Policing Productive Folds: Syncretism and Authenticity in Brazilian Cultural Heritage”. The Journal of Latin American and Caribbean Anthropology, vol. 19, n. 3, pp. 473-501, 2014.; GARMANY, 2014GARMANY, Jeff. “Space for the State? Police, Violence, and Urban Poverty in Brazil”. Annals of the Association of American Geographers, vol. 104, n. 6, pp. 1239-1255, 2014.).

Uma contribuição mais recente de Jeffrey Martin propõe novos rumos no subcampo da antropologia da polícia, desafiando as noções weberianas de poder policivo como a expressão máxima da soberania estatal e, em vez disso, destacando sua dimensão biopolítica. Sua perspectiva, bastante culturalista para o meu gosto, enfatiza o potencial democrático da polícia em promover a paz por meio do poder performativo não repressivo (ver MARTIN, 2020MARTIN, Jeffrey. “Weak Police, Strong Democracy: Civic Ritual and Performative Peace in Contemporary Taiwan”. Current Anthropology, vol. 61, n. 6, pp. 657-685, 2020.; ver também os comentários de vários autores na mesma publicação). Finalmente, há recente apelos pela “publicidade, praticidade e solidariedade epistêmica” entre antropólogos, sistemas de justiça e públicos em geral para responder ao chamado pelo engajamento político-acadêmico com problemas prementes de corrupção e violência nas forças públicas (MUTSAERS et al., 2015MUTSAERS, Paul et al. “The Anthropology of Police as Public Anthropology”. American Anthropologist, vol. 117, n. 4, pp. 786-789, 2015., p. 788).

Essas e muitas outras intervenções (muitas para serem listadas neste espaço onde privilegio abordagens antropológicas) refletem uma importante contribuição teórica para desmistificar essa insidiosa instituição e lançar luz sobre a subjetividade de seus agentes. Nas últimas décadas, tornou-se um consenso no campo de pesquisa sobre o tema - independentemente da perspectiva teórica - que polícia e policiamento são muito mais do que pessoal uniformizado patrulhando as ruas. Ao tornar etnograficamente visível o que polícia e policiamento “produzem” - as fronteiras geo-ontológicas e seus desdobramentos na gestão racializada da vida civil e biológica -, etnógrafos e etnógrafas forneceram compreensões perspicazes de performances cotidianas de soberania estatal, de produção de identidades e gestão da vida (ver KARPIAK e GARRIOTT, 2018KARPIAK, Kevin; GARRIOTT, William (orgs.). The Anthropology of Police. Londres: Routledge, 2018.; MARTIN, 2018MARTIN, Jeffrey. “Police and Policing”. Annual Review of Anthropology, vol. 47, n.12, pp. 133-148, 2018.; STEINBERG, 2020STEINBERG, Jonny. “Ethnographies of Global Policing”. Annual Review of Law and Social Science, vol. 16, n. 2, pp. 131-145, 2020. para uma visão geral).

Minha intervenção não vai contra essas contribuições que localizo vagamente no campo das “etnografias da polícia”. Sem desconsiderar suas abordagens altamente críticas, minha preocupação aqui é com o que a antropologia autoriza e o que ela produz ao dar tanta voz e espaço à polícia nestes tempos conturbados de protestos contra o terror policial antinegro. Em obra referencia do novo sub-campo da disciplina, The Anthropology of Police, os editores Kevin Karpiack e William Garriott fazem algumas perguntas cruciais: “Quais são os riscos éticos e políticos de tentar humanizar a polícia? Há algum fundamento pelo qual se possa justificar uma abordagem que assuma tal projeto de humanização em detrimento de um projeto centrado em catalogar, criticar e condenar os danos perpetuados pela polícia?” (2018, pp. 6-7). Os autores respondem a essa questão imperativa fazendo um chamado pelo estudo da polícia tanto como uma forma de desafiar a tendência da disciplina em não “estudar o poder”, quanto como uma tentativa de entender noções contemporâneas de humanização embutidas nas práticas de policiamento e estratégias de segurança humana. Para eles, não se pode compreender o mundo e o que significa ser humano sem compreender o trabalho da polícia (KARPIACK e GARRIOTT, 2018, p. 8).

Nesse sentido, costuma-se argumentar, o risco compensa: quando atentas à própria posicionalidade, etnografias críticas do policiamento podem lançar luz sobre questões importantes como a cultura do militarismo, a corrosão da democracia e a normalização da violência. Eu concordo. Em meu trabalho, na periferia de São Paulo e nas zonas marginalizadas de Santiago de Cali, encontros etnográficos fragmentados com policiais (geralmente homens negros ou racializados oriundos do estrato social mais baixo da sociedade que supostamente servem e protegem) me ajudaram a entender como agentes fazem sentido dos discursos e praticas aparentemente contraditórias de defender os assassinatos de “criminosos” ao mesmo tempo que apoiam entusiasticamente uma “nova” polícia comunitária orientada para os direitos humanos se desligando energicamente dos “maus policiais” para em seguida abraçar uma cruzada hipermilitarista para “salvar” a família heteropatriarcal e os valores cristãos (a respeito ver também AMAR, 2013AMAR, Paul. The Security Archipelago: Human-Security States, Sexuality Politics, and the End of Neoliberalism. Durham, NC: Duke University Press, 2013.).

Embora fazer etnografia com e da polícia não esteja necessariamente em contradição com a ética e as promessas politicas da antropologia em lançar luz sobre os problemas humanos - algo que, sem dúvida, etnógrafos e etnógrafas da polícia invariavelmente adotam em seus desafios intelectuais -, e embora devamos suspender as suposições da obrigatoriedade em aderir a orientação teórico-metodológica decolonial, militante e ativista que mudou os fundamentos da disciplina nas últimas três décadas (HALE, 2008HALE, Charles R. Engaging Contradictions: Theory, Politics, and Methods of Activist Scholarship. Berkeley, CA: University of California Press, 2008.; HARRISON, 1992HARRISON, Faye V. “Anthropology as Agent of Transformation”. In: HARRISON, Faye (org.). Decolonizing Anthropology: Moving Further Toward an Anthropology for Liberation. Washington, DC: American Anthropological Association, 1992, pp. 1-15.), fazer pesquisas no contexto da atual “crise” da segurança pública exige que se enfrente questões éticas ainda mais duras no presenciar, interpretar e escrever sobre o terror estatal e a perigosa humanização do trabalho policial. Esse desafio é ainda mais pronunciado para aqueles e aquelas antropólogas “nativas” cuja identidade de gênero ou racial (ou ambas) lhes confere acessos privilegiados (ver ESPERANÇA, 2015ESPERANÇA, Vinicius. “Etnografia do etnógrafo”. Iluminuras, vol. 16, n. 39, pp. 77-103, 2015.; KRASKA, 1996KRASKA, Peter B. “Enjoying Militarism: Political/Personal Dilemmas in Studying US Police Paramilitary Units”. Justice Quarterly, vol. 13, n. 3, pp. 405-429, 1996.) ou as torna alvo potencial (MEDEIROS, 2019MEDEIROS, Flavia. “Sobre discursos e práticas da brutalidade policial: um ensaio interseccional e etnográfico”. Revista da ABPN, vol. 11, n. 30, pp. 108-129, 2019.; SOUHAMI, 2019SOUHAMI, Anna. “Constructing Tales of the Field: Uncovering the Culture of Fieldwork in Police Ethnography”. Policing and Society, vol. 30, n. 2, pp. 206-223, 2019.) da violência policial no trabalho de campo.

No meu caso, minha etnografia estava alinhada politicamente com o movimento negro e empática com indivíduos que adotam formas i(extra)legais de resistência contra a barbárie estatal. Ainda assim, não poucas vezes fui questionado sobre de que lado estava. Por exemplo, sem medir palavras, um jovem negro, que na época ganhava a vida no que ele autodenomina como o “mundo do crime”, me disse que eu era um “c*zão” e “zé povinho” por ser “muito certinho, muito ingênuo, cagando com medo de morrer”. Em Cali, na Colômbia, embora, para meu alívio, eu fosse considerado “no secuestrable” - como um membro de uma pandilla local costumava dizer em tom de brincadeira e talvez marcando a diferença entre minha aparência física de pessoa negra “parda” e a de outros pesquisadores gringos geralmente do Norte global -, às vezes eu era desagraçadamente associado à classe média mestiça e seu regime de moralidade que exige a agressão policial contra jovens negros do oriente de Cali, vistos como o bode expiatório dos espantosos níveis de violência da cidade.

Considerando o campo de poder em que nossas etnografias são feitas (participar de ou mediar reuniões burocráticas entre vítimas e funcionários do Estado, pegar carona no banco de trás de uma viatura em busca dos “melhores” momentos/ângulos ou “vivenciar” uma batida na favela), o antropólogo crítico, humanista e bem-intencionado estabiliza e dá normalidade -principalmente, mas não apenas, por meio de uma escrita medrosa e sem riscos - aos mundos geográficos e ontológicos que a polícia cria. Se engajarmos seriamente com o fato inegável denunciado pela academia negra de que vivemos a pós-vida da escravidão (HARTMAN, 2008HARTMAN, Saidiya. Lose Your Mother: A Journey Along the Atlantic Slave Route. New York: Macmillan, 2008.), como a prática da antropologia pode desafiar o regime de terror racial para além da autocrítica, da posicionalidade e da promoção da diversidade em departamentos e linhas de pesquisa timidamente incorporadas em algumas instituições?

Pois bem, minha provocação aqui não é tanto que devemos parar de estudar a polícia, mas que devemos nos desvencilhar de uma análise sedutora do poder que, embora convincente em termos teóricos e descrição etnográfica “densa”, pode involuntariamente dar voz a estruturas de poder antiéticas personificada pela polícia. Seguindo a afirmação de Frank Wilderson (2018)WILDERSON, Frank B. We’re Trying to Destroy the World: Anti-blackness and Police Violence after Ferguson. Nova York: Palgrave Macmillan, 2018. de que o terror policial “é uma tática contínua de renovação humana... uma tática para garantir o lugar da humanidade” (p. 48) no mundo antinegro6 5 No seu clássico O povo brasileiro, Darcy Ribeiro descreve o colonialismo como um “projeto antropofágico”, ou uma “máquina de moer gente” (RIBEIRO, 1995, p. 45). Como Ribeiro, muitos (ver PAIXÃO, 2005; ALVES 2018) têm argumentado que essa antropofagia se mantem viva na violência racial cotidiana contra as gentes negras no Brasil e nas Américas. , devemos nos perguntar o que implica tal projeto antropológico de humanização desse monstro. Se não queremos que nosso trabalho acabe alimentando e corroborando o ceticismo sobre uma disciplina com uma história horrorosa de cumplicidade com práticas de dominação, então está na hora de um “foda-se a polícia!” sem remorso, sem meias palavras e sem desculpa nos estudos sobre a polícia.

Antropologia quilombista

Era 13 de maio, aniversário da abolição da escravatura no Brasil, quando milhares se reuniram no centro de São Paulo para protestar contra o massacre de Jacarezinho ocorrido alguns dias antes. Em meio à pandemia de Covid-19 que até então havia ceifado meio milhão de vidas, marchamos pelas ruas cercados por um cordão de policiais armados até os dentes e pela versão local do “caveirão”, o temido veículo blindado usado nas repressões policiais. Marchávamos pelas ruas gritando a plenos pulmões: “Não acabou, tem que acabar, queremos o fim da Polícia Militar”. Uma manifestante carregava uma faixa lembrando a pergunta feita por Marielle Franco dias antes de ser assassinada: “Quantos terão que morrer antes que essa guerra termine?”. Ativistas se revezavam no carro de som para denunciar o terror policial e interrogar o 13 de maio como “falsa abolição”, enquanto outras expunham as atuais condições de cativeiro que substituíram o chicote: segregação espacial, fome, pandemia... Um pequeno tumulto começou entre alguns manifestantes. É que alguém havia parado para dar uma flor a um policial, um gesto que gerou protestos de quem gritava “polícia assassina”. Tomei notas precárias depois da manifestação, mas me lembro bem da voz de Bia, uma ativista negra queer, ecooando no alto-falante. Ela denunciou os assassinatos diários de pessoas negras trans como parte do genocídio antinegro em andamento no Brasil e na diáspora africana. Segundo ela, o Jacarezinho e as guerras ordinárias são uma resposta branca à recusa negra em morrer. “Decidimos resistir, permanecer vivas”. Ela encerrou sua intervenção explodindo “um foda-se!” para a abordagem reformista do terror policial e enfatizando a urgência de abraçar sua posição ontológica - como uma pessoa negra trans cujo corpo desviante marca uma posição permanente fora do regime de legalidade, fora do mundo da cidadania, fora do domínio da humanidade - na guerra assimétrica entre a população negra e o Estado brasileiro. Em uma explosão de fúria que pode ser melhor descrita como um chamado desesperado à ação, Bia gritou: “Eles estão matando as pessoas negras trans a pauladas nas ruas! É hora de parar com essa farsa e abraçar a desordem. Eu sou a desordem, porra!”. Bia rasgou as notas do seu discurso e as jogou sob a multidão.

O apelo de Bia, em meio a números insidiosos de mortes causadas pela pandemia de Covid-19 e pelos assassinatos cometidos por policiais em meio a crise sanitária, pode ser atualizado aqui como um renovado convite por uma antropologia quilombista que leve a sério a luta insurgente pela descolonização. Em colaboração no livro Decolonizando a antropologia, organizado por Faye Harrison, Ted Gordon exortava colegas de profissão a adotarem uma prática disciplinar que não apenas se recusasse a servir ao opressor, mas também “[servisse] ativamente [aos interesses] dos oprimidos” (1992, p. 155). De acordo com Gordon, a dívida da antropologia para com as gentes sofridas não pode ser paga a não ser por meio de uma práxis acadêmica radical que instrumentalize métodos e teorias a serviço do que ele chama de “antropologia da libertação”. Seguindo os passos dessa orientação teórica, a antropóloga Savannah Shange (2019)SHANGE, Savannah. Progressive Dystopia: Abolition, Antiblackness, and Schooling in San Francisco. Durham, NC: Duke University Press, 2019. nos insta a aplicar “as ferramentas de nosso ofício na busca da libertação e adotar a prática do desafio vigilante da pós-vida da escravidão” (p. 159). A antropologia abolicionista responde à lealdade dos e das estudiosas da polícia à lei - o que no contexto da sua pesquisa ela chama de progressismo carcerário - recusando as promessas de segurança do estado e da academia neoliberal (SHANGE, 2019SHANGE, Savannah. Progressive Dystopia: Abolition, Antiblackness, and Schooling in San Francisco. Durham, NC: Duke University Press, 2019., p. 42). Embora não seja um protesto suficientemente forte para barrar a máquina de matar as gentes negras, o imperativo “F*da-se a polícia!” poderia ser uma outra maneira de atendermos o convite de Shange para criarmos espaços abolicionistas em nossa escrita e nossas práticas. Como primeiro passo, é imperativo confronta-nos a transformar o conhecimento acadêmico em práxis insurgente. Para ir direto ao ponto, indivíduos estrangulados por um policial que os asfixia com o joelho no pescoço, crânios quebrados por botas militares que sem piedade esmagam cabeças das vítimas contra o concreto, corpos feridos e calculadamente deixados agonizando nas ruas ou amarrados a patrulhas policiais e arrastados por avenidas, estupros nas viaturas, assassinatos a pauladas nas ruas, desaparecimentos e extorsões deveriam ser suficientes para nos convencer da urgência de uma antropologia que trabalhe contra a polícia, não com ela. Basta!

Analisando as manifestações desencadeadas pelo assassinato de Michael Brown em Ferguson, a jurista Christy Lopez recupera as palavras proféticas de Martin Luther King durante sua marcha em Washington em 1963. Alí, Dr. King pedia uma “resposta pública indignada” de toda a sociedade contra a violência racial. Lopez (2021)LOPEZ, Christy. “Responding to the Dual Crisis in Ferguson”. In: BRESCIA, Ray; STERN, Eric (orgs.). Crisis Lawyering: Effective Legal Advocacy in Emergency Situations. Nova York: NYU Press, 2021, pp. 63-87. argumenta que as respostas violentas abertas por momentos de comoção podem ser um catalisador para mudanças que de outra forma seriam mitigadas pelo reformismo liberal. Como ela afirma, momentos como os protestos violentos em Ferguson podem acentuar uma crise aguda e abrir espaço para uma aliança coletiva em torno do que Martin Luther King identificava como a “urgência feroz do agora” (LOPEZ, 2021LOPEZ, Christy. “Responding to the Dual Crisis in Ferguson”. In: BRESCIA, Ray; STERN, Eric (orgs.). Crisis Lawyering: Effective Legal Advocacy in Emergency Situations. Nova York: NYU Press, 2021, pp. 63-87., pp. 81-82). Em minha opinião, esse despertar forçado é o que falta à antropologia nesta dobra histórica das manifestações pelas vidas negras. Sejamos honestos: como disciplina, falhamos miseravelmente em aliar-nos com as vítimas do terrorismo policial muito além dos efêmeros protestos, painéis em conferências, cartas abertas, cursos inovadores ou artigos em periódicos acadêmicos como este. Nós antropólogos e antropólogas parecemos estar demasiado investidos em uma economia da respeitabilidade que nos dá acesso ao poder institucional “para engajarmos com a antropologia como uma prática de abolição” (SHANGE, 2019SHANGE, Savannah. Progressive Dystopia: Abolition, Antiblackness, and Schooling in San Francisco. Durham, NC: Duke University Press, 2019., p. 10) que requereria questionar posições acadêmicas e por em risco o carreirismo.

Nada pode ser mais ilustrativo dessa dissonância tão abismal do que o léxico político que usamos para descrever o terrorismo policial - é revelador que a palavra “terror” mal é articulada no campo da antropologia da polícia - e o deliberado silêncio para o chamado das ruas para “acabar com a p*rra do mundo”. Com punhos no ar e “sangue no raciocínio”, manifestantes no Sul e no Norte insistem que “o Brasil é um cemitério de negros”, que “os EUA são uma plantação”, que “a Colômbia não é um país, e sim uma fossa comum”, que “a polícia é o novo feitor de escravos” ou ainda que “eles nos roubaram tudo, inclusive nosso medo”. Enquanto as vítimas do terror são arrastadas para o campo de batalha - barricadas, ruas bloqueadas com pneus em chama, delegacias apedrejadas e patrulhas incendiadas são apenas reações contra a delinquência estatal -, o que a antropologia tem a oferecer além de textos bem elaborados, análises sanitarizadas e boas intenções? Falta-nos raiva! Talvez a falta de indignação seja explicada não apenas porque acreditamos que a polícia pode ser salva de si mesma, mas também porque nos beneficiamos do regime terrocrático de direitos que faz da polis, em seus fundamentos ideológicos e materiais, um território político vital para a vida civil branca (ver MARTINOT e SEXTON, 2003MARTINOT, Steve; SEXTON, Jared. “The Avant-Garde of White Supremacy”. Social Identities, vol. 9, n. 2, pp. 169-181, 2003.; RODRIGUEZ, 2006RODRIGUEZ, Dylan. Forced Passages: Imprisoned Radical Intellectuals and the U.S. Prison Regime. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2006.).

Embora a indignação higienizada e contida possa nos garantir estabilidade laboral e respeitabilidade acadêmica, a urgência feroz do agora nos pede mais do que simpatia e pena. Precisamos colocar recursos institucionais, conhecimento técnico e até mesmo nossos corpos na linha de frente para proteger as comunidades de onde extraímos nossas “matérias-primas” para o avanço da disciplina. Assim como a polícia, e diferentemente dos trabalhadores em geral, pesquisadores da polícia (incluindo antropólogos/as) enfrentam um risco muito baixo no desempenho de seu trabalho intelectual. Ainda assim escolhemos posições ainda mais seguras (conservadoras?) na sala de aula, nas orientações e em nossos textos. Agentes policiais são, na pertinente definição de Micol Seigel (2018)SEIGEL, Micol. Violence Work: State Power and the Limits of Police. Durham, NC: Duke University Press, 2018., “trabalhadores da violência”. São profissionais que essencialmente empregam a violência, representada como um bem público, como seu instrumento de trabalho. Os antropólogos, eu diria, são “trabalhadores da violência” não apenas na sua perpetuação do projeto de alteridade inaugurado com o colonialismo, mas também ao assumir uma postura “reformista”, “neutra” ou distante em relação aos movimentos sociais que exigem mudanças radicais nestas primeiras décadas distópicas do novo século. Pior ainda, ao dar voz e vez à polícia com base em um pretensioso tecnicismo de “apenas” coletar dados, a antropologia acaba atuando como relações públicas do Estado - endossando a narrativa dominante da guerra entre dois lados - e ajudando a sufocar a luta abolicionista. A batalha ideológica, fartamente documentada, que parentes das vitimas travam para recuperar a biografia (e honrar) as pessoas assassinadas e desaparecidas torna pertinente perguntar: de que lado estamos?

Para ser justo, a pratica de produzir conhecimento contra-insurgente que sirva ao propósito da dominação vai muito além da nossa disciplina. Na academia neoliberal, o “profissional acadêmico” é um agente do Estado, e a universidade é um lugar estratégico para a “guerra ao compromisso com a guerra” (HARNEY e MOTEN, 2013HARNEY, Stefano; MOTEN, Fred. The Undercommons: Fugitive Planning and Black Study. Nova York: Minor Compositions, 2013., p. 40). No contexto do Black Lives Matter, nos EUA, por exemplo, acadêmicos politicamente engajados geralmente (mesmo sem querer) são guiados pela preocupação com a autopreservação. Essa agenda oculta e inconsciente promove uma justiça vigilante que tenta domesticar a raiva negra e controlar o escopo da mudança radical (BEDECARRÉ, 2018BEDECARRÉ, Kathryn. Doing the Work: The Black Lives Matter Movement in Austin. Tese (Doutorado em Estudos da África e da Diáspora Africana) - University of Texas, Austin, 2018.). Talvez pesquisadoras bem-intencionadas como você que me lê ressalvem que a natureza da violência praticada pela etnografia da polícia difere em grau e escopo do terror produzido pela polícia nas ruas. Não seria exagero equiparar antropologia e policiamento? Talvez, mas, como Hortense Spillers nos lembraria em um contexto mais amplo de um regime de violação fundante do mundo moderno, que tal ao menos admitirmos que “paus e pedras podem quebrar nossos ossos, mas as palavras certamente nos matarão” (SPILLERS, 1987SPILLERS, Hortense. “Mama’s Baby, Papa’s Maybe: An American Grammar Book”. Diacritics, vol. 17, n. 2, pp. 65-81, 1987., p. 68)?

Para ser coerente com a (incompleta) virada descolonial da disciplina, o subcampo da antropologia da polícia não deve ter ambiguidade em considerar a “violência” policial como terror, não deve ter dúvidas de que o trabalho da policia é reatualizar diariamente um pacto coletivo e expansivo de violabilidade selado primariamente na carne negra, e deve recusar as falsas promessas de reforma dessa instituição irreparável. Para os etnógrafos e etnógrafas, recusar-se a realizar “trabalho de violência” pode exigir traição ao Estado - incluindo a rejeição do autopoliciamento exigido pela academia corporativa neoliberal - e, em vez disso, abraçar a posição de um sujeito insurgente cuja “coerência é moldada na formação política que emana das comunidades enfrentando crises e conflitos” (ver JAMES e GORDON, 2008JAMES, Joy; GORDON, Edmund T. “Afterword”. In: HALE, Charlie (org.). Engaging Contradictions: Theory, Politics, and Methods of Activist Scholarship. Berkeley, CA: University of California Press, 2008, pp. 371-382., p. 371)7 6 Frank Wilderson continua: “Não é uma tática ou uma estratégia para tirar nossas terras ou nossos direitos. Nunca tivemos nenhum direito” (2018, p. 48). Para uma discussão relacionada sobre a singularidade do não-sujeito negro em outros contextos da diáspora africana, ver VARGAS, 2018. .

Não tenho respostas de como seria uma antropologia insurgente da polícia. Esse é um exercício de imaginação política e uma práxis etnográfica que este autor falha em articular. Ainda assim, se a promessa de estudar a polícia é a de iluminar seus fundamentos para democratiza-la, espera-se que a mudança de rumos nas abordagens nos permita produzir um conhecimento insurgente a serviço do projeto de uma nova sociedade onde a democracia não repouse na violabilidade dos corpos e territórios negros e enegrecidos. Neste sentido, embora nenhum de nós tenha ilusões sobre o trabalho real a ser feito e o preço a ser pago para enfrentar o monstro, um ponto de partida seria a recusa em legitimar, “humanizar” e promover a reforma da polícia, sem falar em evitar a tentação de equacionar a vulnerabilidade (contextual) dos policiais à violência e o terror (mundano) que as comunidades negras sofrem nas mãos de quem supostamente deveria servir e proteger toda a sociedade. Em última análise, aqueles e aquelas de nós que fazemos etnografia em colaboração com homens e mulheres em uniformes devemos nos perguntar se é possivel expressar empatia e lamentar a vida perdida dos “trabalhadores da violência” - já que, como etnógrafos, desenvolvemos vínculos emocionais com nossos interlocutores, mesmo quando críticos de seus comportamentos - e permanecer comprometidas em abolir um regime de lei que exige e legitima a evisceração de vidas negras por vidas azuis. Como atender à demanda ético-humanística pelo luto de todas as vidas - o mantra é que todas as vidas importam - e ao mesmo tempo estar atentos à antinegritude que torna a humanidade, a cidadania, e o regime de direitos possíveis? Dito de outra forma, se a vida policial é instrumento bélico - na medida em que sua identidade funcional está ligada a violência estatal que performa - e uma expressão máxima da vitalidade do Estado em sua autopreservação, então como lamentar e preservar vidas azuis sem legitimar o terror inerente à sua existência?

Está além deste comentário refletir sobre as possibilidades de desvincular o papel da polícia da concepção ocidental (westphalian) de poder soberano (MARTIN, 2020MARTIN, Jeffrey. “Weak Police, Strong Democracy: Civic Ritual and Performative Peace in Contemporary Taiwan”. Current Anthropology, vol. 61, n. 6, pp. 657-685, 2020.)8 7 Aqui é pertinente chamar a atenção para o que Harney e Moten consideram como “os undercommons [ou subcomuns] da universidade”. Eles perguntam: “Como aqueles que subvertem a profissão - quem subverte e subvertendo escapam - como esses fugitivos problematizam seu lugar, problematizam a universidade, obrigam a universidade a considerá-los um problema, um perigo (2013, p. 30)?” . Tampouco há espaço para teorizar as múltiplas formas pelas quais o Estado se constitui como uma prática mundana de dominação antropomorfizada e performada por agentes políticos muito além da polícia (KURTZ, 2006KURTZ, Donald. “Political Power and Government: Negating the Anthropomorphized State”. Social Evolution and History, vol. 5, n. 2, pp. 91-111, 2006.; VIANNA e FREITAS, 2011VIANNA, Adriana; FARIAS, Juliana. “A guerra das mães: Dor e política em situações de violência institucional”. Cadernos Pagu, vol. 37, pp. 79-116, 2011.). Basta dizer que, pelo menos no contexto aqui delineado, a arte de governar é a arte da antinegritude, e mesmo em sociedades com diferentes trajetórias coloniais, corpos e lugares policiáveis são antes de tudo racializados como não-brancos ou (próximos dos corpos) negros. Em meu contexto etnográfico, aprendi rapidamente, por exemplo, que uma pessoa branca ou mestiça que vive nas áreas marginalizadas de Cali, Colômbia, é alguém que, por cair em desgraça, “le tocó una vida de negro [acabou vivendo uma vida de negro]”. O que essa despossessão (econômica e ontológica) normalizada revela/esconde sobre corpos violáveis, puníveis, matáveis?

Formações-estatais-como-formações-antinegras explica por que é no terreno da soberania que se deve situar o trabalho da polícia. Como Micol Seigel e outros têm insistido (SEIGEL, 2018SEIGEL, Micol. Violence Work: State Power and the Limits of Police. Durham, NC: Duke University Press, 2018.; ver também JAMES, 1996JAMES, Joy. Resisting State Violence: Radicalism, Gender, and Race in US Culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996.; KRASKA, 2007KRASKA, Peter B. “Militarization and Policing: Its Relevance to 21st Century Police”. Policing: A Journal of Policy and Practice, vol. 1, n. 4, pp. 501-513, 2007.) uma das realizações mais importantes da violência estatal é a mistificação da atividade policial como trabalho civil em oposição ao exercício militar. A polícia, diz o mito, trabalha sob o registro da cidadania para proteger e servir a sociedade civil enquanto o militar trabalha sob o domínio da soberania para proteger a nação. O mito é desafiado no emprego mais que banal do exército na sufocação, ao longo da nossa historia, de levantes populares dentro das fronteiras nacionais para não falar na pax urbana da qual é cada vez mais os guardiões, no seja no Rio, em Port al Prince ou nas periferias de Santiago de Cali. Do mesmo modo, a polícia tem sido cada vez mais importante nas missões estabilizadoras precedidas pelas invasões imperiais bélicas em várias partes do mundo, a exemplo de Bagdad e Cabul. Tanto a polícia como os militares são produtos da mesma lógica do inimigo. O campo em que a polícia opera é o militar; nas sociedades contemporâneas ela protege a democracia por meio do terror, um terror empregado de forma higienizada, calculada e legítima.

Esse não é um ponto periférico. Basta considerar a natureza dos encontros diários das comunidades negras com policiais-soldados nas ruas e como o policiamento é “vivido” como terror (novamente, asfixiadas com o joelho no pescoço, arrastadas em viaturas pelas as ruas, desmembradas e desaparecidas) em oposição à violência contingente vivenciada por pessoas brancas vítimas do Estado (ALVES e VARGAS, 2017ALVES, Jaime; VARGAS, João. “On Deaf Ears: Antiblack Police Terror, Multiracial Protest, and White Loyalty to the State”. Identities, vol. 24, n. 3, pp. 254-274, 2017.; WILDERSON, 2018WILDERSON, Frank B. We’re Trying to Destroy the World: Anti-blackness and Police Violence after Ferguson. Nova York: Palgrave Macmillan, 2018.). É por isso que se a lógica da inimizade9 8 A esse respeito, ver a discussão perspicaz de Graham Denyer Willis e Beatrice Jauregui (entre outros) em resposta a intervenção de Martin (2020) na seção de comentários da revista Current Anthropology. é o que sustenta o persistente regime de terror antinegro imposto pela polícia, do ponto de vista das vitimas paradigmáticas, reformar a polícia é um absurdo e celebrar vidas azuis é insano.

Como desafiar a posição assimétrica marcada pelas fantasias racistas de vidas policiais aterrorizadas e inimigos negros aterrorizantes? Quando um policial morre, é um acidente de trabalho que nos comove e nos dói, como nos doi a morte do professor, da piloto de avião, da empregada domestica, do motorista de ônibus ou da gari. Quando um policial mata, a morte é tão somente um dos seus arsenais, ou recurso laboral por assim dizer, na performance da soberania estatal. Grau, causalidade e probabilidade importam aqui. Mesmo no Brasil, onde o número de policiais mortos é inaceitavelmente alto, as vidas policiais não estão em perigo como as histerias conservadoras querem nos fazer crer. As vidas de policiais eventualmente mortos “em serviço” são vidas instrumentalizadas por uma máquina de guerra alimentada no antagonismo antinegro do Estado-nação. Assim, a polícia e suas vítimas pertencem a dois registros muito diferentes, e se há um dilema ético em relativizar qualquer morte - uma abordagem que eu recuso firmemente - há um risco igual ou até maior em agrupar a delinquência policial-estatal e a violência retaliatória das suas vítimas. Não há absolutamente nenhuma equivalência entre vidas azuis e vidas negras, e mesmo que o investimento em uma suposta equivalência esteja na ordem do dia do mantra liberal de que “todas as vidas importam”, não é trabalho da antropologia conciliar essas duas posições. É no espírito do compromisso moral e político da antropologia com os oprimidos - um compromisso que, embora empático com os destituídos do mundo, também é altamente crítico das relações de poder e contradições internas das lutas por emancipação - que devemos insurgir contra essa falsa equivalência.

Tomando como base seu trabalho com ativistas do movimento de libertação sul-africano, Nancy Scheper-Hughes (1995)SCHEPER-HUGHES, Nancy. “The Primacy of the Ethical: Propositions for a Militant Anthropology”. Current Anthropology, vol. 36, n. 3, pp. 409-440, 1995. pergunta: “o que torna a antropologia e os antropólogos isentos da responsabilidade humana de assumir uma posição ética (e mesmo política) no confronto com eventos históricos que temos o privilégio de testemunhar?” (p. 411). A autora trata essa questão destacando os desafios de não relativizar a violência dos oprimidos e, ainda assim, posicionar o trabalho de campo como o locus da luta política contra os sistemas de opressão. Ela compara a antropóloga espectadora com a antropóloga companheira. Enquanto a primeira tem uma distância neutra e objetiva, a última se posiciona “dentro dos eventos humanos como um ser responsivo, reflexivo e moralmente comprometido” e é “responsável pelo que vê e pelo que deixa de ver, como age e como deixa de agir em situações críticas” (SCHEPER-HUGHES, 1995SCHEPER-HUGHES, Nancy. “The Primacy of the Ethical: Propositions for a Militant Anthropology”. Current Anthropology, vol. 36, n. 3, pp. 409-440, 1995., p. 419).

Como a antropóloga companheira poderia responder moralmente a urgência feroz de agir contra o terror policial antinegro que denunciamos em nossas etnografias? Como fazê-lo para além de nossos escritos e ainda assim não sermos mal interpretadas como incitadores da violência contra a polícia? Embora a antropologia insurgente proposta aqui tenha muito a aprender com diferentes contextos históricos e etnográficos nos quais a violência retaliatória tem sido usada como ferramenta legítima para combater sistemas de dominação racial (COBB, 2014COBB, Charles E. This Nonviolent Stuff’ll Get You Killed: How Guns Made the Civil Rights Movement Possible. Tucson, AZ: Basic Books, 2014.; UMOJA, 2013UMOJA, Akinyele Omuja. We Will Shoot Back: Armed Resistance in the Mississippi Freedom Movement. New York: NYU Press, 2013.; ABUFARHA, 2009ABUFARHA, Nasser. The Making of a Human Bomb: An Ethnography of Palestinian Resistance. Durham, NC: Duke University Press, 2009.), obviamente minha crítica aqui não é um argumento a favor da violência contra policiais, muitas das quais pessoas negras das comunidades empobrecidas que aterrorizam. Também não estou fechando os olhos para a gama de possibilidades políticas que antropólogos e antropólogas militantes e ativistas abraçam como “trabalhadoras-negativas”, intelectuais públicos ou autoetnógrafas “indignadas” em suas defesas intransigentes das gentes sofridas (a esse respeito, ver RALPH, 2020RALPH, Laurence. The Torture Letters: Reckoning with Police Violence. Chicago: University of Chicago Press, 2020.; MEDEIROS 2019MEDEIROS, Flavia. “Sobre discursos e práticas da brutalidade policial: um ensaio interseccional e etnográfico”. Revista da ABPN, vol. 11, n. 30, pp. 108-129, 2019.; ROCHA, 2018ROCHA, Luciane. “Maternidad indignada: Reflexiones sobre el activismo de las madres negras y el uso de las emociones em investigación activista”. Anthropologica, vol. 36, n. 41, pp. 35-56. 2018.; MULLINGS, 2015MULLINGS, Leith. “Anthropology Matters”. American Anthropologist, vol. 117, n. 1, pp. 4-16, 2015.; SCHEPER-HUGHES, 1995SCHEPER-HUGHES, Nancy. “The Primacy of the Ethical: Propositions for a Militant Anthropology”. Current Anthropology, vol. 36, n. 3, pp. 409-440, 1995.)10 9 Sobre a “política da inimizade” e como ela informa as práticas estatais no mundo antinegro contemporâneo, ver, entre outros, MBEMBE, 2003. . Inspirado nos infindáveis esforços de ativistas negras e negros para tornar legíveis os horrores indescritíveis da violência estatal em lugares como o Brasil, Colômbia e os EUA, quiçá pretensiosamente, convido pesquisadores a se rebelar mudando os termos do engajamento etnográfico com a polícia e, assim, questionando a lealdade (nossa e da disciplina) ao regime da lei e da ordem antinegra. Se somos “muito certinhos, muito ingênuos, cagando de medo de morrer” - como meus interlocutores no mundo do crime costumavam me “ofender” ao ver meu vocabulário chato e petulante de militante de esquerda - para tocar fogo no mundo, então pelo menos nossas escolhas metodológicas e teóricas deveriam defender os mortos e honrar as vidas perdidas nessa guerra assimétrica.

Que fique entendido, então, que o foda-se a polícia! não é um artifício retórico, mas um convite para levarmos às consequências os apelos desesperados que o Dr. King, Bia e tantos outros interlocutores e interlocutoras nos fazem, às vezes no silêncio visceral que acompanha as múltiplas mortes vividas na dor do massacre, do desaparecimento, da espera, da desonra: “estamos agora diante do fato de que amanhã é hoje. (...) Neste enigma da história que se desenrola, existe algo como ser tarde demais. A procrastinação ainda é a ladra do tempo. Não é hora para apatia ou complacência. Este é um momento de ação vigorosa e positiva!” (KING, 1967KING, Martin. “Beyond Vietnam”. Riverside Church Speech, 4, abr. 1967. Disponível em: https://inside.sfuhs.org/dept/history/US_History_reader/Chapter14/MLKriverside.htm
https://inside.sfuhs.org/dept/history/US...
). Atender a essa urgência fatal, articulada na Marcha de Washington, no Treze de Maio e nos protestos mundo afora, exigiria um profundo escrutínio de como a participação da disciplina antropologia na sociabilidade antinegra lhe possibilita ser ao mesmo tempo sofisticada, vazia de sentido e letal. Também exige que consideremos como a sociabilidade antinegra (ver VARGAS, 2018VARGAS, João. The Denial of Antiblackness: Multiracial Redemption and Black Suffering. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 2018.) limita as tentativas genuínas de luta contra a violência policial canibalizadas no progressismo carcerário de certa intelectualidade humanista. Quais os termos do enfrentamento e o que significa resistir ao terror policial para as comunidades em que a morte faz parte da gestão da vida e do fazer-cidade? O que significa o projeto politico antropológico de humanização da polícia para aqueles e aquelas posicionados ontologicamente fora da Humanidade? Para pessoas como Bia, a ativista negra queer no centro de São Paulo, cujos corpos marcados tornam o lugar social de “novas” escravas fugitivas como Queen e Slim muito familiar e íntimo, a resposta é bastante óbvia. Sem hesitações, foda-se a maldita polícia!

Notas

  • 1
    Este artigo, uma versão traduzida, ampliada e revisada de texto publicado originalmente em “comentários” da revista Focaal: Journal of Gloobal and Historical Anthropology (ALVES, 2021ALVES, Jaime A. “F*ck the Police! Antiblack statecraft, the myth of cops’ fragility, and the fierce urgency of an insurgent anthropology of policing. Focaal: Journal of Global and Historical Anthropology, vol. 91, pp. 100-114, 2021.). O texto se beneficiou de comentários muito generosos de Charlie Hale. Também sou grato pelos comentários de Micol Seigel, Graham Denyer-Willis e Tathagatan Ravindran, bem como pelo envolvimento do público acadêmico em vários ambientes onde foram apresentadas algumas versões preliminares. Débora Silva, Rute Fiúza, Dina Alves, Debaye Mornan, Rosângela Borges, João Costa Vargas e José Carlos Freire têm sido interlocutores generosos nos diálogos permanentes sobre a democracia como regime de violabilidade da carne negra e sobre a necessidade imperiosa da insurgência na academia. Obrigado a Ingrid Banks, Terrance Wooten e Amanda Pinheiro pelos debates sobre “a feroz urgência do agora” durante o fórum Cities Under Fire na Universidade da Califórnia, Santa Bárbara. Editores/as da Revista Dilemas forneceram assistência editorial inestimável. Erros e omissões são única e dolorosamente meus.
  • 2
    Agradeço a Don Kalb por chamar minha atenção para essas semelhanças nos contextos aparentemente dissimilares do Brasil e da França.
  • 3
    Embora proibidas na constituição brasileira, as greves da polícia têm sido cada vez mais comuns nos últimos anos. Suas consequências mortíferas quase nunca são investigadas pelos órgãos de controle, embora abundam as denúncias de assassinatos como tática de pressão política. Ver O Globo, (2012) e a descrição etnográfica de De Souza (2016)DE SOUZA, Raquel. Cruel Coexistence: Police Violence and Black Disposability in Salvador/ Bahia. Tese (Doutorado) - University of Texas, Austin, 2016. sobre a greve policial em Salvador/Bahia.
  • 4
    Esta pode ser uma dimensão do que a filósofa Denise Ferreira da Silva (2015)DA SILVA, Denise Ferreira. “Globality”. Critical Ethnic Studies, vol. 1, n. 1, pp. 33-38, 2015. chama de “globalidade” ou seja, um projeto político-epistemológico de governança racial hierarquizando o humano e mapeando o globo em zonas de subordinação e de titularidade de direito.
  • 5
    No seu clássico O povo brasileiro, Darcy Ribeiro descreve o colonialismo como um “projeto antropofágico”, ou uma “máquina de moer gente” (RIBEIRO, 1995RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: Formação e sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995., p. 45). Como Ribeiro, muitos (ver PAIXÃO, 2005PAIXÃO, Marcelo. “Antropofagia e racismo: Uma crítica ao modelo brasileiro de relações raciais”. Clacso, 2005. Disponível em: http://flacso.org.br/files/2015/10/ANTROPOFAGIA-E-RACISMO-MARCELO-PAIXÃO.pdf
    http://flacso.org.br/files/2015/10/ANTRO...
    ; ALVES 2018ALVES, Jaime. The Anti-Black City: Police Terror and Black Urban Life in Brazil. University of Minnesotta Press, 2018.) têm argumentado que essa antropofagia se mantem viva na violência racial cotidiana contra as gentes negras no Brasil e nas Américas.
  • 6
    Frank Wilderson continua: “Não é uma tática ou uma estratégia para tirar nossas terras ou nossos direitos. Nunca tivemos nenhum direito” (2018, p. 48). Para uma discussão relacionada sobre a singularidade do não-sujeito negro em outros contextos da diáspora africana, ver VARGAS, 2018VARGAS, João. The Denial of Antiblackness: Multiracial Redemption and Black Suffering. Minneapolis, MN: University of Minnesota Press, 2018..
  • 7
    Aqui é pertinente chamar a atenção para o que Harney e Moten consideram como “os undercommons [ou subcomuns] da universidade”. Eles perguntam: “Como aqueles que subvertem a profissão - quem subverte e subvertendo escapam - como esses fugitivos problematizam seu lugar, problematizam a universidade, obrigam a universidade a considerá-los um problema, um perigo (2013, p. 30)?”
  • 8
    A esse respeito, ver a discussão perspicaz de Graham Denyer Willis e Beatrice Jauregui (entre outros) em resposta a intervenção de Martin (2020)MARTIN, Jeffrey. “Weak Police, Strong Democracy: Civic Ritual and Performative Peace in Contemporary Taiwan”. Current Anthropology, vol. 61, n. 6, pp. 657-685, 2020. na seção de comentários da revista Current Anthropology.
  • 9
    Sobre a “política da inimizade” e como ela informa as práticas estatais no mundo antinegro contemporâneo, ver, entre outros, MBEMBE, 2003MBEMBE, Achille. “Necropolitics”. Public Culture, vol. 15, n. 3, pp. 11-40, 2003..
  • 10
    A etnografia epistolar de Laurence Ralph (2020)RALPH, Laurence. The Torture Letters: Reckoning with Police Violence. Chicago: University of Chicago Press, 2020. sobre tortura policial em Chicago é um exemplo poderoso de como usar as ferramentas da disciplina para mobilizar públicos contra o terror policial.

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Fontes da imprensa

Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Mar 2022
  • Aceito
    30 Mar 2022
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