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Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

Resumos

INTRODUÇÃO: a exposição exagerada da gengiva ao sorrir é um dos problemas que afetam negativamente a estética do sorriso e, na maioria das vezes, está relacionada à atuação conjunta de alguns fatores etiológicos. A análise sistematizada de alguns aspectos do sorriso e da posição de repouso dos lábios facilita a correta avaliação desses pacientes. OBJETIVO: apresentar um checklist de características dentolabiais e ilustrar como esse método de registro de dados, durante o diagnóstico ortodôntico, pode facilitar a tomada de decisões no tratamento do sorriso gengival, que geralmente envolve o conhecimento da Ortodontia e de outras especialidades médico-odontológicas.

Ortodontia; Estética; Sorriso


INTRODUCTION: Excessive gingival display on smiling is one of the problems that negatively affect smile aesthetics and is, in most cases, related to several etiologic factors that act in concert. A systematic evaluation of some aspects of the smile and the position of the lips at rest can facilitate the correct assessment of these patients. OBJECTIVE: To present a checklist of dentolabial features and illustrate how the use of this record-keeping method during orthodontic diagnosis can streamline decision making in treating the gummy smile, which usually requires knowledge of orthodontics and other medical and dental specialties.

Orthodontics; Aesthetics; Smile


TÓPICO ESPECIAL

Checklist dos aspectos estéticos a serem considerados no diagnóstico e tratamento do sorriso gengival

Máyra Reis SeixasI; Roberto Amarante Costa-PintoII; Telma Martins de AraújoIII

IMestre em Ortodontia pela UFRJ. Professora Colaboradora do Curso de Especialização em Ortodontia da UFBA. Diplomada pelo Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial (BBO)

IIMestre em Ortodontia pela UFRJ. Professor de Ortodontia da EBMSP. Professor Colaborador do Curso de Especialização em Ortodontia da UFBA

IIIDoutora e Mestre em Ortodontia pela UFRJ. Professora Titular e Coordenadora do Centro de Ortodontia Prof. José Édimo Soares Martins-UFBA. Diretora Presidente do Board Brasileiro de Ortodontia e Ortopedia Facial

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Máyra Reis Seixas Rua Leonor Calmon Bittencourt, nº 44, sala 1301 – Cidade Jardim CEP: 40.296.210 - Salvador / BA E-mail: mayraorto@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: a exposição exagerada da gengiva ao sorrir é um dos problemas que afetam negativamente a estética do sorriso e, na maioria das vezes, está relacionada à atuação conjunta de alguns fatores etiológicos. A análise sistematizada de alguns aspectos do sorriso e da posição de repouso dos lábios facilita a correta avaliação desses pacientes.

OBJETIVO: apresentar um checklist de características dentolabiais e ilustrar como esse método de registro de dados, durante o diagnóstico ortodôntico, pode facilitar a tomada de decisões no tratamento do sorriso gengival, que geralmente envolve o conhecimento da Ortodontia e de outras especialidades médico-odontológicas.

Palavras-chave : Ortodontia. Estética. Sorriso.

INTRODUÇÃO

Quando facilmente observado pelos próprios pacientes, o sorriso gengival constitui uma queixa estética importante durante a anamnese ortodôntica. Apesar de aparecer com certa frequência nos consultórios, a literatura dedicada a esse assunto como tema central, abordando o seu diagnóstico e tratamento, é escassa. Tratar o sorriso é uma tarefa difícil para o ortodontista por algumas razões. Historicamente, sabe-se que no século passado, nas décadas de 50 e 60, o diagnóstico e o planejamento ortodôntico eram realizados com base na cefalometria e, por isso, os conceitos estéticos foram definidos, primariamente, numa vista de perfil. Ainda assim, a documentação ortodôntica continuou privilegiando os modelos de gesso, que são registros estáticos da oclusão, permanecendo distante da análise dinâmica da fala, do sorriso e da avaliação das características morfológicas e funcionais dos lábios. Como o ato de sorrir é um processo dinâmico, a beleza do sorriso não depende apenas do correto posicionamento dentário e esquelético, mas também da anatomia e funcionamento da musculatura labial - e sobre isso a Ortodontia precisa reconhecer que tem pouco ou nenhum controle.

SORRISO GENGIVAL

A maior parte dos profissionais da Odontologia consideram que, durante o sorriso, o lábio superior deve posicionar-se ao nível da margem gengival dos incisivos centrais superiores1,2,3. Porém, sabe-se que alguma quantidade de gengiva à mostra é esteticamente aceitável e, em muitos casos, confere uma aparência jovial4,5,6.

Apesar de existirem diversos parâmetros na literatura para definir o sorriso gengival (quantidade em milímetros de exposição da gengiva ao sorrir), o que mais parece interessar ao ortodontista é a opinião sobre o que é ou não bem aceito, esteticamente, pelo público em geral. Segundo pesquisa realizada por Kokich Jr. et al.7, somente ao atingir 4mm de exposição gengival o sorriso é considerado antiestético, tanto por dentistas clínicos como pelo público leigo. Para os ortodontistas, mais exigentes, 2mm de exposição gengival ao sorrir são suficientes para comprometer a harmonia do sorriso (Fig. 1).


A altura do sorriso é influenciada pelo sexo e pela idade. Existem evidências de que as mulheres apresentam sorrisos mais altos do que os homens8,9 e que a exposição dentogengival diminui com a idade8. Essa informação tem relevância clínica, uma vez que o sorriso gengival exibe certo grau de autocorreção com o passar do tempo, principalmente em indivíduos do sexo masculino10.

A sua etiologia está relacionada a diversos fatores como: excesso vertical maxilar; protrusão dentoalveolar superior; extrusão e/ou erupção passiva alterada dos dentes anterossuperiores; hiperatividade dos músculos elevadores do lábio superior. Contudo, em grande parte dos casos, alguns desses fatores ou mesmo todos encontram-se associados. O ortodontista parece ser o profissional mais capacitado a avaliar, criteriosamente, a participação de cada um deles, sendo a hiperatividade dos músculos elevadores do lábio superior o menos percebido e estudado.

DIAGNÓSTICO

A despeito do(s) fator(es) etiológico(s) envolvido(s) no sorriso gengival, existem aspectos a serem obrigatoriamente considerados durante a avaliação clínica dos pacientes. O registro sistematizado da distância interlabial em repouso, da exposição dos incisivos superiores durante o repouso e a fala, do arco do sorriso, da proporção largura/comprimento dos incisivos superiores e das características morfofuncionais do lábio superior, por meio de um checklist (Fig. 2), é de grande utilidade durante o diagnóstico. A inclusão desses dados na ficha de consulta ortodôntica assegura que informações fundamentais ao plano de tratamento não sejam esquecidas ou negligenciadas.


1. Distância interlabial em repouso

Para registro desse dado, é importante que o ortodontista inclua na documentação inicial uma fotografia aproximada dos lábios em repouso. Avaliações fonéticas por meio de filmagens são também de grande utilidade documental.

Não há relação direta entre sorriso gengival e quantidade de espaço interlabial em repouso11. Ao contrário do que se acreditou durante muito tempo, pacientes com comprimento normal do lábio superior e espaço interlabial reduzido podem apresentar exposição exagerada da gengiva ao sorrir. Quando o espaço interlabial em repouso é normal (1-3mm), o sorriso gengival é considerado de origem predominantemente muscular (Fig. 3A, B, C). Diante de um espaço interlabial aumentado, desarmonias dentoesqueletais (excesso vertical maxilar e/ou protrusão dos incisivos superiores) são, geralmente, a causa principal do problema, estando associadas ou não a alterações anatômicas e/ou funcionais do lábio superior (Fig. 4A, B, C)11,13. Diagnosticar a etiologia muscular do sorriso gengival é fundamental para reconhecer, de imediato, as limitações ortodônticas do tratamento e buscar auxílio em outras especialidades como, por exemplo, recursos da Medicina Estética. Além disso, o diagnóstico correto diminui o risco de se corrigir a exposição exagerada da gengiva em detrimento de outros aspectos estéticos favoráveis do sorriso. Isso sustenta o paradigma ortodôntico contemporâneo, que consiste em identificar os aspectos estéticos favoráveis do sorriso para certificar-se de que eles serão mantidos no tratamento dos problemas dentofaciais14.



2. Exposição dos incisivos superiores durante o repouso e a fala

Sabe-se que, durante a posição de repouso dos lábios, a quantidade de exposição dos incisivos superiores apresenta valores de aproximadamente 2 a 4,5mm nas mulheres e de 1 a 3mm nos homens (Fig. 5). Essa característica está diretamente relacionada com a aparência jovial do sorriso, sendo esperada a sua diminuição ao longo da vida (pelo alongamento do lábio superior, devido ao processo de maturação e envelhecimento dos tecidos)10,11,12.


Para o registro desse item, pode-se utilizar uma radiografia cefalométrica em norma lateral com os lábios em repouso e medir a distância, em milímetros, entre a borda incisal do incisivo central superior e o contorno inferior do lábio superior (Fig. 6). Avaliações fonéticas durante o exame clínico são também importantes. O paciente deve ser orientado a articular frases formadas por fonemas que favoreçam a captura da maior exposição dos incisivos8 e, como sugestão, pode-se adotar a frase "Tia Ema torce pelo time do Corinthians", seguida de um sorriso amplo e espontâneo, como exemplificado no link: www.dentalpress.com.br/journal.


Estão relacionados a uma maior exposição dos incisivos superiores em repouso: a extrusão desses dentes; o padrão facial dolicocefálico; o excesso vertical maxilar; o lábio superior curto. Quando o planejamento do tratamento envolve a impacção maxilar e/ou intrusão de dentes anterossuperiores, a magnitude da alteração dentoesqueletal não deve basear-se na quantidade de exposição gengival a ser diminuída, mas no grau de exposição de incisivos em repouso que se deseja manter. Pacientes que apresentam possibilidade estética de intrusão dos incisivos superiores não trazem grandes desafios em relação ao planejamento da correção ortodôntica ou ortocirúrgica do sorriso gengival (Fig. 3A, B, C). Por outro lado, pacientes que possuem boa exposição de incisivos durante o repouso e a fala necessitam de um planejamento mais cuidadoso (Fig. 4A, B, C)11,14.

3. Arco do sorriso

O termo arco do sorriso é descrito como a curvatura formada pela união das bordas incisais dos dentes anterossuperiores. Em um sorriso considerado estético e de aparência jovial, essa curvatura deve ser paralela à margem superior do lábio inferior (Fig. 7A)15. Sorrisos femininos possuem curvatura mais acentuada, enquanto nos masculinos essa apresenta-se mais plana. Nos indivíduos com padrão facial braquicefálico, o arco do sorriso é mais plano, quando comparado ao dos padrões meso e dolicocefálico11.


Em alguns pacientes com sorriso gengival, a intrusão dos incisivos superiores pode ser realizada. Porém, a não avaliação do arco do sorriso pode resultar em um inadequado achatamento da sua curvatura, tornando-o plano e menos atrativo16,17.

4. Proporção largura/comprimento dos incisivos superiores

A cosmética odontológica apresenta diversas considerações sobre proporção e morfologia dentária. Alguns autores apontam a importância de se alcançar proporções no sorriso que se harmonizem com a face17,18,19. A proporção estética "padrão-ouro" determina que a largura dos incisivos centrais superiores deve ser de aproximadamente 80% do seu comprimento (Fig. 8), com variação aceita entre 65% e 85%; e a dos incisivos laterais superiores em torno de 70%17,18,19.


A relação largura/comprimento (L/C) elevada é encontrada em dentes mais quadrados, enquanto a proporção mais baixa relaciona-se com uma aparência mais alongada. Em conceitos de prótese dentária, a proporção e a morfologia das coroas dos incisivos centrais superiores devem estar em harmonia com o tipo facial do paciente12,18,19.

Em indivíduos com sorriso gengival, é importante avaliar se as coroas dos dentes anteriores apresentam-se muito curtas. Caso isso seja observado, o próximo passo é diagnosticar a razão do encurtamento, que pode acontecer, fundamentalmente, por dois motivos:

A) Redução em altura das bordas incisais dos dentes superiores, por atrição e/ou fratura

Em alguns desses casos, os incisivos extruem levando junto todo o seu periodonto de inserção e proteção. Tal processo, chamado de "extrusão dentária compensatória"20, pode ser responsável por uma exposição exagerada da gengiva durante o sorriso. À sondagem periodontal, esses dentes apresentam valores normais de profundidade de sulco gengival e o tratamento pode ser realizado por meio de cirurgia periodontal com reabilitação protética ou Ortodontia associada à Dentística Restauradora:

• Cirurgia de aumento de coroa clínica com osteotomia

A realização desse procedimento, por provocar a exposição da superfície radicular e a necessidade de tratamento restaurador complementar, deverá ser exaustivamente discutida com o paciente (Fig. 9). Além disso, devido à conicidade das raízes, as coroas protéticas ganharão um formato mais triangular e dificilmente uma estética interproximal satisfatória será alcançada, não sendo raro o surgimento de "espaços negros" pós-operatórios. A vantagem dessa abordagem engloba um tempo menor de tratamento e a não necessidade do uso de aparelho ortodôntico. Como desvantagem, tem-se a diminuição da proporção coroa/raiz, perda de suporte ósseo e necessidade de restauração protética dos dentes envolvidos12,18,19,20.


• Intrusão ortodôntica e posterior restauração das proporções dentárias com procedimentos da Dentística Restauradora (Fig. 10)17.


B) Aumentos gengivais

Os fatores etiológicos relacionados aos aumentos gengivais são diversos e vão desde uma hipertrofia tecidual por razão infecciosa e/ou medicamentosa até a erupcão passiva alterada20,21. O processo de erupção dentária é considerado finalizado quando os dentes atingem o plano oclusal e entram em função. Os tecidos moles acompanham esse movimento e, ao final, a gengiva marginal migra apicalmente, até que esteja localizada próxima à junção cemento-esmalte (JCE). Todo esse processo é chamado de erupção passiva. Quando, por motivo desconhecido, a gengiva não migra para a posição esperada, dá-se o nome de erupção passiva alterada. À sondagem periodontal, esses dentes apresentam valores aumentados de profundidade de sulco gengival e tal situação representa indicação precisa para a atuação do periodontista no tratamento do sorriso gengival (Fig. 11)20,21. Normalmente, o aumento das coroas clínicas dos incisivos é realizado por meio da remoção do excesso de tecido gengival que recobre o esmalte cervical. Quando a distância entre a crista óssea alveolar e a JCE é menor que 1mm (insuficiente para a adaptação da inserção conjuntiva), a realização de osteotomia torna-se necessária para o estabelecimento de corretas distâncias biológicas21.


5. Características morfofuncionais do lábio superior

Os lábios participam de modo fundamental na expressão facial, principalmente no ato do sorriso, cujas variações estão relacionadas às características morfofuncionais labiais como: comprimento, espessura e inserção, direção e contração das fibras dos vários músculos a eles relacionados22.

Quanto ao comprimento, tem-se um valor médio para o lábio superior de 24mm para o sexo masculino, e 20mm para o sexo feminino23. Apesar de parecer que indivíduos com lábio superior curto tendem a expor mais gengiva ao sorrir, o comprimento labial não parece ter relação direta com o sorriso gengival11. Casos de excesso vertical maxilar acentuado, por exemplo, podem apresentar lábio superior de tamanho normal ou até mesmo bastante alongado, e esse fato dificulta a correção do sorriso gengival, já que o comprimento labial permite pouca ou nenhuma intrusão dos incisivos11,14.

Para avaliar o comprimento do lábio superior, mede-se a altura do filtro e das comissuras labiais. A altura do filtro é representada pela distância entre os pontos subnasal (Sn) e stômio (St) do lábio superior. Já as alturas das comissuras são obtidas medindo-se, perpendicularmente, a distância entre essas estruturas (C1 e C2) e suas projeções (C1' e C2') numa linha horizontal que une as duas bases alares (Fig. 12).


Os valores lineares dessas medidas não são particularmente importantes, mas sim a relação entre o comprimento do filtro e das comissuras. Em crianças e adolescentes, a altura do filtro é levemente mais curta do que a altura das comissuras, e essa diferença pode ser explicada pelo processo diferencial de maturação dos lábios durante o crescimento. Normalmente, quando isso acontece em adultos, ocasiona exposição aumentada dos incisivos durante a posição de repouso e fala (Fig. 12B)14.

Sabe-se também que lábios finos apresentam-se mais tensionados e respondem mais intensamente, tanto às modificações dentoalveolares como aos padrões contráteis da musculatura9,23.

A mobilidade do lábio superior, consequência da musculatura que o rege, parece ser o principal aspecto a ser considerado na avaliação dos tecidos moles envolvidos no sorriso24-28. Além do músculo que contorna internamente os lábios, o orbicular da boca, existem vários grupos musculares que influenciam na movimentação do lábio superior, a saber: músculo elevador do lábio superior, músculo elevador do lábio superior e asa do nariz, músculo elevador do canto da boca, zigomático maior, zigomático menor, depressor do septo nasal (Fig. 13)11.

A formação do sorriso apresenta dois estágios: o primeiro, sorriso voluntário, eleva o lábio superior em direção ao sulco nasolabial pela contração dos músculos elevadores que se originam nesse sulco e têm inserção no lábio. Os feixes mediais elevam o lábio superior na região dos dentes anteriores e os laterais na região dos dentes posteriores até encontrar a resistência do tecido adiposo das bochechas. O segundo estágio, sorriso espontâneo, inicia-se com maior elevação tanto do lábio superior como do sulco nasolabial, sob a ação de três grupos musculares: o elevador do lábio superior, com origem na região infraorbital; o músculo zigomático maior e as fibras superiores do bucinador (Fig. 13)11,22.


De acordo com a classificação de Rubin22, existem três tipos de sorriso: o chamado "Mona Lisa", no qual as comissuras labiais são mais deslocadas para cima pela ação do músculo zigomático maior; o "sorriso canino", quando o lábio superior é elevado uniformemente; e, finalmente, o "sorriso complexo", no qual o lábio superior comporta-se como no "sorriso canino" e o lábio inferior desloca-se inferiormente, expondo os incisivos inferiores.

Estudos revelam que indivíduos com sorriso gengival têm a musculatura relacionada ao lábio superior bem mais eficiente quando comparados aos que apresentam níveis normais de exposição gengival11,24-28.

Nos portadores de sorriso gengival com proporções faciais normais, comprimento dos lábios dentro dos limites médios, gengiva marginal localizada próximo à JCE e dentes com relação largura-comprimento normal, a etiologia pode estar associada à hiperatividade dos músculos responsáveis pela movimentação labial superior durante o sorriso. O lábio superior não hiperativo translada cerca de 6 a 8mm da posição de repouso para um amplo sorriso. Por outro lado, no lábio superior hiperativo, essa distância pode ser 1,5 a 2 vezes maior (Fig. 14)23. Nesses casos, alguns procedimentos plásticos estão disponíveis e começaram a ser estudados em pacientes com paralisia facial, desde 197327. Entre eles, a implantação de silicone no fundo do vestíbulo na base da espinha nasal anterior, a infiltração da toxina botulínica A e os procedimentos ressectivos nos músculos responsáveis pela mobilidade do lábio superior apresentam resultados estéticos favoráveis24-27.


O custo-benefício, considerando-se a durabilidade, segurança e morbidade desses procedimentos, deve ser analisado e estudado pelo ortodontista, para que essa abordagem seja sugerida com maior frequência e segurança aos pacientes.

APLICAÇÃO DO CHECKLIST

Caso Clínico 1

Paciente com 13 anos de idade, sexo feminino, relatando como queixa principal o tamanho reduzido dos incisivos superiores, apresentava as seguintes características: terços faciais proporcionais; perfil levemente convexo; suave retrusão mandibular; bom selamento labial; sorriso gengival moderado; má oclusão Classe I de Angle com leve extrusão dos incisivos superiores; sobremordida exagerada (Fig. 15).


A avaliação do checklist (Fig. 16) revelou espaço interlabial, exposição de incisivos superiores em repouso e características morfofuncionais do lábio superior normais, assim como curvatura adequada do arco do sorriso. A baixa proporção largura/comprimento dos incisivos superiores foi o único aspecto considerado desfavorável (Fig. 17). A sondagem periodontal inicial desses dentes mostrou valores aumentados de profundidade dos sulcos gengivais, indicando uma situação de erupção passiva alterada.



Foi realizado tratamento ortodôntico corretivo sem extrações e, após nova sondagem durante a fase de finalização, foi indicada gengivectomia em toda a região anterossuperior (Fig. 18). Com esse procedimento, obteve-se melhor proporção largura/comprimento dos incisivos superiores e redução da exposição gengival (Fig. 19, 20). O sorriso ganhou em estética e proporção dentária, mantendo a exposição de incisivos em repouso e a curvatura agradável do arco do sorriso (Fig. 20, 21).





Caso Clínico 2

Paciente com 18 anos de idade, sexo feminino, relatando como queixa principal o tamanho reduzido dos incisivos e a exposição gengival superior aumentada, apresentava as seguintes características: terços faciais proporcionais; perfil reto; sorriso gengival; má oclusão Classe I de Angle com leve extrusão dos incisivos superiores; sobremordida exagerada (Fig. 22).


A avaliação do checklist (Fig. 23) revelou tanto o espaço interlabial quanto a exposição de incisivos superiores em repouso normais, e um arco do sorriso agradável. A baixa proporção largura/comprimento dos incisivos superiores e a hipermobilidade do lábio superior ao sorrir foram aspectos considerados desfavoráveis (Fig. 24).



A sondagem periodontal inicial mostrou valores aumentados de profundidade dos sulcos gengivais dos incisivos, indicando uma situação de erupção passiva alterada, associada à hipermobilidade labial superior. Esses dois fatores contribuíram fortemente para o aumento da exposição gengival nas regiões anterior e posterior do sorriso.

O tratamento ortodôntico corretivo total foi realizado sem extrações. Em sua fase final, após nova sondagem periodontal, foi feita gengivectomia para eliminar pseudobolsas gengivais presentes em toda a região anterossuperior (Fig. 25). Restaurações em compósito nas bordas incisais das unidades 12, 11, 21 e 22 regularizaram a silhueta incisal, que, juntamente com a obtenção de adequada proporção largura/comprimento dos incisivos superiores, provocou a melhora estética do sorriso (Fig. 26). Apesar de algum grau de exposição gengival ainda presente, devido à hipermobilidade labial superior, o resultado estético do tratamento foi considerado satisfatório pela paciente (Fig. 27, 28).





Caso Clínico 3

Paciente com 21 anos de idade, sexo feminino, relatando como queixa principal o apinhamento dentário e a exposição gengival superior aumentada, apresentava as seguintes características: terços faciais proporcionais; perfil levemente côncavo; bom selamento labial; sorriso gengival; má oclusão Classe I de Angle; sobremordida exagerada; extrusão e inclinação lingual dos incisivos centrais superiores (Fig. 29). A avaliação do checklist (Fig. 30) revelou espaço interlabial normal, arco do sorriso agradável e exposição normal dos incisivos centrais superiores em repouso. A baixa proporção largura/comprimento desses dentes e a hipermobilidade labial superior foram aspectos considerados desfavoráveis. A sondagem periodontal inicial revelou profundidades de sulcos gengivais normais. Foram observados desgastes das bordas incisais dos incisivos centrais superiores, o que conduziu ao diagnóstico de extrusão dentária compensatória dessas unidades (Fig. 31).




O tratamento ortodôntico corretivo total foi realizado sem extrações, com intrusão e correção da inclinação lingual dos incisivos centrais superiores. Após o nivelamento superior, as bordas incisais das unidades 12 e 22 foram regularizadas com ameloplastia e as unidades 11 e 21 foram restauradas, provisoriamente, com compósito (Fig. 32). Essa abordagem possibilitou a melhora da proporção largura/comprimento e manutenção da exposição dos incisivos superiores em repouso. A pequena exposição gengival ainda presente, decorrente da hipermobilidade labial, não compromete a estética final do sorriso (Fig. 33, 34).




Caso Clínico 4

Paciente com 36 anos de idade, sexo feminino, relatando como queixa principal a presença de espaços na região de primeiros pré-molares, apresentava as seguintes características: terços faciais proporcionais; perfil suavemente convexo; selamento labial satisfatório; sorriso gengival; má oclusão Classe I de Angle; espaços residuais decorrentes de extrações de primeiros pré-molares; incisivos superiores extruídos e inclinados para lingual; sobremordida exagerada (Fig. 35).


A avaliação do checklist (Fig. 36) revelou: espaço interlabial e exposição de incisivos superiores em repouso aumentados; arco do sorriso agradável (porém com curvatura acentuada) e lábio superior curto, fino e com hipermobilidade. A proporção largura/comprimento dos incisivos superiores apresentava-se satisfatória (Fig. 37).



Durante o tratamento ortodôntico, foram realizados alinhamento e nivelamento dentários, correção das inclinações axiais dos incisivos, caninos e segundos pré-molares, e fechamento dos espaços com retração dos dentes anteriores (Fig. 38, 39, Tab. 1). Apesar de parte do checklist apontar para possibilidade de intrusão dos dentes superiores, qualquer tentativa de corrigir a exposição gengival desse modo poderia provocar achatamento indesejável no arco do sorriso e, por isso, o nivelamento dos dentes superiores demandou cuidado especial.



As características morfofuncionais do lábio superior - fino, curto e com hipermobilidade -, responsáveis pelo sorriso do tipo complexo, representavam a grande limitação para a correção ortodôntica da exposição exagerada da gengiva.

Foi restaurada a silhueta incisal superior através de remodelação cosmética dentária (ameloplastia das bordas incisais das unidades 12 e 22 e acréscimo provisório de compósito nas bordas incisais das unidades 11 e 21).

Apesar da melhora estética do sorriso em termos de posicionamento dentário, a exposição gengival foi praticamente mantida, para que a abordagem ortodôntica estivesse de acordo com o paradigma contemporâneo de tratamento (Fig. 40, 41).



Caso Clínico 5

Paciente com 25 anos de idade, sexo feminino, relatando como queixa principal a biprotrusão dentoalveolar e dificuldade para selar os lábios, apresentava as seguintes características: terço inferior da face aumentado; perfil convexo; ausência de selamento labial; sorriso gengival; má oclusão Classe I de Angle; biprotrusão dentoalveolar acentuada (Fig. 42).


A avaliação do checklist (Fig. 43) revelou alterações significativas em alguns aspectos: o espaço interlabial e a exposição de incisivos superiores em repouso encontravam-se bastante aumentados; o lábio superior curto mostrava também hipermobilidade; o arco do sorriso apresentava-se plano. A proporção largura/comprimento dos incisivos centrais superiores era satisfatória, embora houvesse desproporção entre o tamanho dos incisivos centrais e laterais (Fig. 44).



A protrusão dentoalveolar superior - presente nas más oclusões de Classe II, 1ª divisão e na Classe I biprotrusão de Angle - pode estar relacionada ao sorriso gengival, fato relatado há muito na literatura29. O "platô" alveolar formado por incisivos superiores excessivamente inclinados para vestibular parece provocar, durante o sorriso, um maior estiramento muscular do lábio superior, o qual retrai para cima e para trás, acomodando-se na região mais profunda do processo alveolar (Fig.46A).


Como muitas vezes a correção da protrusão superior reduz a exposição exagerada da gengiva ao sorrir, esse aspecto deve ser sempre considerado durante o planejamento do tratamento do sorriso gengival29,30.

Apesar de tratar-se de um caso clássico de excesso vertical maxilar, com indicação ortocirúrgica, a paciente não aceitou esse tipo abordagem. Restou a alternativa de diminuir a exposição gengival, ortodonticamente, pela redução da biprotrusão e do "platô" dentoalveolar anterossuperior. O tratamento corretivo total foi realizado com extrações das unidades 14, 24, 75 e 44, retração dos incisivos e máximo controle vertical (Fig. 45, 46 e Tab. 2).


Com a correção da biprotrusão, houve ganho estético facial (Fig. 45), melhora do selamento labial (Fig. 45, 46) e diminuição do deslocamento apical do lábio superior durante o sorriso (Fig. 47B). Numa vista aproximada, pode-se observar algumas alterações importantes: mudança do comportamento muscular do lábio superior ao sorrir (evidenciada pela eliminação do sulco horizontal formado entre o lábio superior e a base do nariz); melhora na relação entre o arco do sorriso e o lábio inferior (proporcionada pela sua recolocação superior e posterior) (Fig. 47).


Com o objetivo de melhorar o nivelamento do contorno gengival anterossuperior, as unidades 11 e 21 foram intruídas e suas bordas incisais aumentadas com compósito. Para estabelecer melhor relação proporcional entre os incisivos centrais e laterais superiores, as unidades 12 e 22 sofreram desgastes interproximais de esmalte e remodelação cosmética por meio de arredondamento do ângulo distovestibular.

A quantidade de exposição gengival ainda presente após a finalização do tratamento não comprometeu o grau de satisfação da paciente em relação aos seus ganhos dentofaciais (Fig.48).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A exposição excessiva da gengiva durante o sorriso é considerada uma alteração estética que, com frequência, leva os pacientes aos consultórios de Ortodontia. A dificuldade existente na abordagem desse problema é decorrente da multiplicidade dos seus fatores etiológicos, os quais, na maioria das vezes, estão conjuntamente presentes. Para avaliar esses casos, o ortodontista deve realizar uma análise estática e dinâmica do sorriso, assim como da fala e da posição de repouso dos lábios. Nessa análise, os seguintes aspectos devem ser obrigatoriamente observados: espaço interlabial, exposição dos incisivos superiores durante o repouso e a fala, arco do sorriso, proporção largura/comprimento dos incisivos superiores e características morfofuncionais do lábio superior. A utilização do checklist proposto nesse artigo auxilia o diagnóstico e planejamento, conduzindo à correção do sorriso gengival dentro do paradigma de tratamento ortodôntico contemporâneo.

AGRADECIMENTOS

Aos Doutores Edmália Barreto (Periodontia), Eutímio Torres (Prótese Dentária), Maria Cândida Teixeira e Alessandra Mattos (Dentística Restauradora), pela contribuição clínica nos casos apresentados.

Enviado em: dezembro de 2010

Revisado e aceito: março de 2011

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  • Endereço para correspondência

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Aceito
      Mar 2011
    • Recebido
      Dez 2010
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