Acessibilidade / Reportar erro

O conhecimento não verbal na história das ciências: o saber-fazer de César Lattes

RESUMO

O físico brasileiro César Lattes foi um dos principais responsáveis pelo trabalho de observação experimental do decaimento do méson pi no méson mi entre 1946 e 1948. Parte desse processo se deu através do desenvolvimento da habilidade visual de percepção das formas dos traços deixados pelas partículas nos detectores. Lattes aprendeu a “ver” os rastros deixados por mésons a partir das diferenças que eles possuíam se comparados aos causados por outras partículas. Apresentarei a dimensão não verbal da prática científica através de uma discussão de ideias de diferentes autores e de rascunhos de artigos e inscrições de Lattes em seus cadernos de laboratório. O intuito é compreender o papel do saber não verbalizado na observação dos mésons e o que Lattes compreendia sobre sua própria prática.

PALAVRAS-CHAVE:
César Lattes; Mésons; Prática científica; Ludwik Fleck; Conhecimento tácito

ABSTRACT

The Brazilian physicist César Lattes was for a leading figure in experimental observations of the decay of pi mesons into mi mesons between 1946 and 1948. Part of this process derived from the development of the visual ability to perceive the shapes of traces left by the particles in the detectors. Lattes learned to “see” the tracks left by mesons from their differences vis-à-vis other particles. I will present the non-verbal dimension of scientific practice by discussing ideas from various authors, article drafts and laboratory records left by Lattes. The aim is to understand the role of non-verbalized knowledge in the observation of mesons and how Lattes understood his own practice.

KEYWORDS:
César Lattes; Mesons; Scientific practice; Ludwik Fleck; Tacit knowledge

Instrumentos e estilos de investigação

Udwik fleck, em sua atuação como cientista, usou instrumentos, manejou fenômenos naturais através de lentes de microscópios, evocou uma linguagem específica para se expressar, pensou a partir de conjuntos de textos e compartilhou ideias com seus pares sobre os fundamentos de sua prática, assumindo, nesse último momento, “seu eu” filosófico, que atravessava sua rotina profissional e vida particular. O biólogo e epistemólogo polonês nos forneceu um conjunto de ações que, ao olharmos com atenção, nos permite ver pontos de contato com a prática da física nuclear dos anos 1940. Isso porque os grupos de pesquisa aos quais o físico brasileiro César Lattes fez parte, assim como Fleck, usavam o microscópio para o desenvolvimento de seu trabalho, permitindo-nos tomar esse instrumento como ponte entre a cognoscibilidade humana e a natureza observada.

A relação, no nosso caso, científica (entendida dentro dos marcos da modernidade) que estabelecemos com a natureza nos permite entender que o conjunto de instrumentos disponível em um laboratório é um dos elementos centrais na interpretação que elaboraremos sobre ela. Esses instrumentos compõem, na visão de Martin Krieger (1984KRIEGER, M. Doing physics: how physicists take hold of the world. Indianapolis: Indiana University Press, 1984., p.xviii), “[...] um conjunto de ferramentas que fornece uma maneira temporária de se apropriar do mundo e fazer algo com ele. Os toolkits têm um pequeno número de instrumentos e nós os adaptamos a novas situações”.1 1 Todas as traduções para o português são de responsabilidade do autor deste artigo. No original: “[…] a set of tools [that] provides a provisional way of taking hold of the world and doing something with it. Toolkits have a small number of tools and we adapt those tools to new situations”. Krieger nos fornece um útil entendimento para pensarmos a prática científica de Lattes, na medida em que as escolhas instrumentais que o físico brasileiro operou delimitam as características dos resultados que ele esperava encontrar e já haviam sido fruto de escolhas feitas por quem os construiu, seguindo determinadas informações para investigar uma dimensão delimitada da natureza.

Nessas circunstâncias, Krieger (1984KRIEGER, M. Doing physics: how physicists take hold of the world. Indianapolis: Indiana University Press, 1984., p.101-3) chama a atenção para as relações possíveis entre ferramentas e seus manuseios, que dão forma a ações, a práticas científicas específicas. Dependendo do fenômeno estudado, as possibilidades de como manuseá-lo, medi-lo, “vê-lo” etc. estão diretamente ligadas a um instrumento e não a outro (Fleck, 1986c_______. Scientific observation and perception in general [1935]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986c. p.59-78., p.66-7). A decisão sobre qual instrumento utilizar vai variar de cientista para cientista e depender das circunstâncias (financeira, de acesso à tecnologia, de filiação teórica etc.) de cada laboratório. Quando o fenômeno não é bem entendido, a variabilidade instrumental em sua investigação é maior, pois ainda não se sabe qual ou quais ferramentas farão emergir os padrões que definirão suas características. Em alguns casos, há a necessidade de construção de novos instrumentos, que ofereçam informações distintas sobre a realidade. Em outros, podemos aperfeiçoar instrumentos existentes.

Considerando que há uma dialética entre teoria, os dados produzidos, as ações de realização do experimento, os instrumentos e a natureza investigada, da qual fazemos parte, perceberemos relações não tão evidentes que podem estar no escopo de filósofos, sociólogos e de historiadores que se debruçam sobre a ciência. Com isso, quero indicar que a relação entre os diferentes aspectos da investigação da natureza pode nos fornecer indícios sobre como seus praticantes veem seu próprio trabalho. Suas escolhas instrumentais e teóricas podem revelar a ideia que eles têm sobre o que é um dado ou uma informação válida em uma circunstância específica. Quando olhamos essas relações ao longo do tempo, podemos compreender o que entendíamos sobre ciência. “Ao longo de um período de tempo”, sustenta Robert Ackermann (1985ACKERMANN, R. Data, instruments and theory. Princeton: Princeton University Press, 1985., p.31), “os limites de um domínio de dados se estabelecem devido ao reconhecimento da sua instrumentação padrão. Quando novos dados são produzidos por novos tipos de instrumentos, um novo domínio pode ser criado para o qual diferentes tipos de teorias são necessários”.2 2 No original: “Over a period of time, the boundaries of a data domain may settle because of recognition of standard instrumentation for that domain. When new data are produced by new kinds of instruments, a new domain may be created for which quite different kinds of theories are needed”.

Tanto o domínio científico já estabelecido como quanto o que surge diante do novo, como apontado por Ackermann, possuem habilidades racionais, para operar o ferramental matemático e estabelecer relações lógicas do sistema de uma dada disciplina, e corporificadas, para manusear instrumentos que, grosso modo, servem como extensões de nossos corpos para alcançarmos informações inacessíveis aos nossos sentidos. A dimensão científica ligada à agência corporal confere a expertise necessária para um cientista interpretar, por exemplo, dados visuais em uma chave específica na medida em que o “como olhar” é sempre parte de uma disposição mental que oferece possíveis compreensões sobre a informação. Michel Paty formula essa ideia melhor do que nós ao dizer: “Junto com o caráter simbólico de todo conhecimento, um outro traço essencial a considerar é que o centro de toda inteligibilidade e de toda formação de conhecimento simbólico é o sujeito individual. Esse compreende a dimensão intelectual [...], mas inclui também outras dimensões (afetiva, estética, ética etc., sem omitir as bases físicas dessas disposições, a saber, os próprios corpos)” (Paty, 2012, p.292, grifos nossos).

Ao olharmos para a prática científica, vemos instrumentos e natureza em relação. Vemos o homem, ou melhor, o cientista, que é parte da natureza, agindo sobre ela para melhor compreendê-la, o que, no limite, significa conhecer a si próprio através de interpretações do sistema que somos parte.

Claro que se deve privilegiar, nessa consideração, o caráter objetivo do conhecimento uma vez estabelecido, e valorizar o que contribui a estabelecê-lo como tal, caracterizando suas bases epistemológicas, a saber, a função do racional, os conceitos e a teoria, bem como a atenção à experiência e aos critérios de validação que compreendem a crítica. Mas as outras funções do pensamento, que se apagam nas formulações em termos de conteúdos cognitivos objetivos, desempenham seguramente um papel na interiorização intelectual que produz a compreensão num sujeito individual. (Paty, 2012PATY, M. Do estilo em ciência e em história das ciências. Estudos Avançados, v.26, n.75, p.291-308, 2012., p.292, grifos nossos)

O processo de compreensão, em um primeiro momento, é indicado como individual por Paty (2012PATY, M. Do estilo em ciência e em história das ciências. Estudos Avançados, v.26, n.75, p.291-308, 2012., p.294), que o inscreve, posteriormente, na intersubjetividade e no tempo histórico. Perguntamo-nos sobre esse processo em Lattes. Como ele se deu? O que podemos saber sobre a sequência de atos que levaram uma interpretação da natureza individual ao seu compartilhamento e elaboração na comunidade científica, que é o grupo que regula o que pode ou não ser dito a respeito daquilo que se observa? Perguntamo-nos o que pode ter nos chegado como vestígio das “outras funções do pensamento”, aquelas não objetivas, que se apagam, como sugere Paty.

Lendo as minúcias do que foi registrado nos cadernos de bancada que usou em diferentes laboratórios, percebemos que Lattes esteve envolvido na execução de boa parte das ações de produção, captura e identificação dos mésons,3 3 A nomenclatura usada à época era por conta da massa, estimada teoricamente entre a do próton e a do elétron, que o méson possuía. Hoje, a classificação dessas partículas é de acordo com suas interações. Atualmente, o méson pi é uma partícula da classe dos mésons, que, por sua vez, é um tipo de hádron. Estes interagem seguindo as regras da força forte. O méson mi é conhecido nos dias atuais como múon e é tido como um lépton, interagindo de acordo com a orientação da força fraca. e fez circular internacionalmente esse saber-fazer, contribuindo para sua sistematização, inexistente até aquele momento. O processo de observação experimental dos mésons ocorreu, primeiramente, ligado à percepção visual e, posteriormente, à argumentação matemática. As evidências que validaram sua aceitação científica foram produzidas, coletadas e analisadas através do uso de determinados instrumentos, que precisavam de habilidades específicas para seu manuseio. São essas habilidades, que estão no âmbito do não dito, que nos interessam. Nas palavras de Fleck (1986bFLECK, L. Problems of the science of science [1946]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986b. p.113-28., p.118):

Não se pode considerar as ciências apenas como um conjunto de frases ou um sistema de pensamentos. Elas são fenômenos culturais complexos, às vezes singulares, às vezes coletivos, compostos por instituições separadas, ações separadas e eventos separados. Por sentenças escritas, costumes não escritos, objetivos próprios, métodos, tradições e desenvolvimento. Preparação da mente, inteligência manual. (grifos nossos)4 4 No original: “One cannot look upon the sciences as being only a set of sentences or a system of thoughts. They are complex cultural phenomena, at one time perhaps individual, at present collective ones, made up of separate institutions, separate actions, separate events. Written sentences, unwritten customs, one’s own aims, methods, traditions, development. Preparation of mind, cleverness of hands”.

Ao olharmos para a dinâmica desses “fenômenos culturais complexos” vemos a agência de Lattes através de seu trânsito por laboratórios na Universidade de São Paulo, no Brasil, na de Bristol, na Inglaterra, e na de Berkeley, nos Estados Unidos, presente nas diferentes formas de conceber a produção de dados e sua análise, de acordo com as circunstâncias que cada dimensão do processo científico possui, seguindo a visão oferecida por David Gooding (1992GOODING, D. Putting agency back into experiment. In: PICKERING, A. (Ed.). Science as practice and culture. Chicago: The University of Chicago Press, 1992. p.65-112., p.75):

O local do experimento não se restringe a uma localização física (uma bancada de trabalho, um laboratório ou uma estação de campo), como um conjunto de espaços interligados nos quais diferentes habilidades são postas em prática. [...] Pelo contrário. O local do experimento abrange diversos campos de atividade. O espaço das manipulações concretas; os espaços mentais, nos quais a elaboração de imagens e a modelagem acontecem; [...] o lugar social, no qual os observadores negociam interpretações das ações uns dos outros; o espaço físico do laboratório ou campo, no qual as observações são realizadas; e o espaço retórico e literário no qual elas são descritas e sistematizadas em argumentos.5 5 No original: “The place of experiment is not so much a physical location (workbench, laboratory, field station) as a set of intersecting spaces in which different skills are exercised. […] But this ranges over several fields of activity. The space of concrete manipulations; mental spaces in which exploratory imaging and modeling take place; […] the social place in which observers negotiate interpretations of each other’s actions; the physical space of the laboratory or field, in which observations are fashioned, and the rhetorical and literary space in which they are reported and put to work in arguments”.

É importante termos em mente as circunstâncias culturais dessas práticas, a sociedade na qual elas se inserem, tendo em vista que Fleck (1986c_______. Scientific observation and perception in general [1935]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986c. p.59-78., p.75) indica que: “O conteúdo das observações, ou seja, o que foi visto em um determinado lugar, depende do estilo de pensamento predominante: cada nova camada [de conhecimento] revela seu próprio estilo de motivação, e todos os detalhes de uma dada época têm algum estilo padrão”.6 6 No original: “The content of observations, i.e., what had been seen in the given place, depend on the prevailing thought-style: each new layer is to uncover its own style motivation, and all the details of a certain epoch have some common style”. Os condicionamentos que atuavam sobre a prática científica de Lattes atuavam sobre toda a comunidade de físicos nucleares. Entretanto, em cada um dos laboratórios envolvidos havia um saber localizado, com ênfase na investigação de um aspecto da realidade, investigando-o de maneira própria, partindo do princípio de que as condições de realização de pesquisa e os parâmetros epistêmicos que as regem não são homogêneos, o que abre espaço para a ideia de estilo na ciência. Para ser preciso na definição da categoria que usamos nesse artigo, Fleck (2010, p.149) diz que o estilo de pensamento é uma: “[...] percepção direcionada em conjunção com o processamento correspondente no plano mental e objetivo. Esse estilo é marcado por características comuns dos problemas que interessam a um coletivo de pensamento; dos julgamentos, que considera como evidentes e dos métodos, que aplica como meios do conhecimento”.

Realizarei nas próximas páginas uma análise sobre a ciência entendida como um “fenômeno cultural complexo”, refletindo sobre algumas de suas manifestações práticas ocorridas nos laboratórios pelos quais Lattes passou enquanto carregava seu estilo de pensamento fundante, adquirido na USP, reformulando-o ao longo de seu trabalho entre 1946 e 1948.

Cognição corporificada e formas de sua expressão

O filósofo húngaro-britânico Michael Polanyi, lido e citado por Fleck, possui concepções que permeiam sua ideia de conhecimento tácito que nos serão úteis para analisar trabalhos como o de César Lattes. Polanyi (1962, p.55) diz:

Uma arte que não pode ser especificada em detalhes não pode ser transmitida por regras escritas, uma vez que não existe receita para ela. Ela pode ser transmitida apenas através do exemplo do mestre ao aprendiz. Isso restringe o alcance da difusão da ciência a contatos pessoais e, consequentemente, entendemos que a artesania científica tende a se circunscrever a tradições locais. [...] enquanto os conteúdos articulados da ciência são ensinados com sucesso em centenas de novas universidades ao redor do mundo, a arte não especificável da pesquisa científica ainda não penetrou em muitas delas.7 7 No original: “An art which cannot be specified in detail cannot be transmitted by prescription, since no prescription for it exists. It can be passed on only by example from master to apprentice. This restricts the range of diffusion to that of personal contacts, and we find accordingly that craftsmanship tends to survive in closely circumscribed local traditions. […] while the articulate contents of science are successfully taught all over the world in hundreds of new universities, the unspecifiable art of scientific research has not yet penetrated to many of these”.

Não ignoramos que apesar de ter citado literalmente apenas frases curtas de Polanyi (Fleck, 1986dFLECK, L. Crisis in science [unpublished, 1960]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986d. p.153-60., p.156), é fato que Fleck de suas ideias se aproxima na medida em que também vê na pessoa experimentada a detentora do saber científico não dito, daquilo que é incorporado e diz respeito à percepção de formas, no seu caso, em microbiologia. A citação é longa, mas instrutiva. Vejamos o que Fleck (1986c, p.59-60) nos diz sobre isso:

A minha profissão me obriga a fazer observações diárias de coisas que, a partir de certo ponto de vista, são bem simples: preparações microscópicas. Quando, por exemplo, eu olho para a preparação microscópica de uma cultura de difteria, vejo apenas um certo número de linhas com uma certa estrutura específica (ou cor), uma certa forma e um certo arranjo, usando uma linguagem comum. Contudo, seria inútil de minha parte tentar descrever para o leigo, de forma incontestável, os três elementos desta imagem em palavras; o leigo é, inicialmente, simplesmente incapaz de ver a imagem em sua forma característica, como vista pelo observador treinado. No entanto, após um curto período de tempo, quase todos os iniciantes adquirem a habilidade para percebê-la e alcançam resultados consistentes. Portanto, é preciso primeiro aprender a olhar para ser capaz de ver o que forma a base de uma determinada disciplina.8 8 No original: “My own profession makes me carry out daily observations of things which are very simple from a certain standpoint: of microscopic preparations. When I look at the microscopic preparation of, e.g., a diphtheria culture, then, to use a common parlance, I see only a certain number of lines having a certain specific structure (or colour), a certain form and a certain arrangement. However, it would be futile on my part to try to describe these three elements of the image so as to render in words, univocally for the layman, the image of the characteristic form which is seen by the trained observer, but which the layman is simply unable to see at the beginning. Nevertheless, after a short period of time, almost all of the pupils acquire the ability to perceive it, and reach results which are consistent. Thus one has first to learn to look in order to be able to see that which forms the basis of the given discipline”.

Dependendo do objeto estudado, como aqueles ligados diretamente à identificação visual de características físicas, o cientista precisa desenvolver uma “percepção de forma” que escapa às limitações impostas pelas expressões linguísticas. Nesse caso, apenas com a presença de alguém experimentado na realização das observações em questão, o chamado expert, orientando a execução dos reconhecimentos das características dos entes naturais e dos efeitos por eles causados é que esse saber pode ser utilizado e partilhado. Há uma incomensurabilidade perceptiva que impede que entes e fenômenos que não fazem parte de um quadro mental já instalado sejam vistos. Quando vistos, a primeira reação é de estranheza. Karin Knorr-Cetina entende que os entes e fenômenos naturais são manipulados nos laboratórios e transformados em objetos simbólicos, que “[…] são elaborados constantemente por medições tais como em gráficos, figuras, impressões, diagramas, tabelas e similares”.9 9 No original: “[…] are provided by the constantly generated measurement traces, that is by graphs, figures, printouts, diagrams, tables and the like”. Continuando o raciocínio, em sua visão, necessariamente, os objetos simbólicos passam por um processo de significação, no qual:

Primeiro, os objetos simbólicos devem ser reconhecidos como instância de alguma coisa e, assim, relacionados a um termo conhecido ou a um conceito científico através do qual ouvimos interpretações às quais eles estão sujeitos. Em segundo lugar, e, talvez, mais importante, os cientistas devem “dar sentido” a esses reconhecimentos. Em parte, isso já acontece quando uma instância é reconhecida como algo em meio a outros casos em que descrições simples, a partir da observação padrão, claramente não funcionam, exigindo [...] procedimentos de identificação. (Knorr-Cetina, 1981, p.340)10 10 No original: “First they must be recognized as an instance of something and thereby assimilated with an everyday term or a scientific concept by which we have heard that they are subject to interpretation. Second and perhaps more important, scientists must ‘make sense’ of these recognitions. Partly this happens already when an instance is recognized as something, in all cases where simple descriptions in standard observation terms do not clearly fit and require […] identification procedures”.

Se, mesmo diante da estranheza, esse ente ou fenômeno possui características identificáveis a partir das suas diferenças com o que se tem como padrão, o conhecimento sobre ele pode avançar através de procedimentos para singularizá-lo entre, em um primeiro momento, os membros do laboratório e, posteriormente, na comunidade científica. As situações que emergem a partir da percepção de forma nos levam a entender as ciências observacionais, como, por exemplo, as que usam o microscópio, a partir do que Fleck chama de “problema da objetividade científica”, que impõe a subjetividade humana às tentativas de medição dos fenômenos naturais. Esse é o ponto da proposta de Fleck que pode ser aproximado às investigações de mésons com microscópio, feitas pelos laboratórios das Universidades de Bristol e de Berkeley.

Fleck argumenta que no processo científico das ciências observacionais nem tudo pode ser compreendido através de formulações racionalizadas, sejam elas verbais ou escritas. Analisando imagens em catálogos de anatomia do século XVII, ele percebe que a representação por desenhos cumpria um papel importante nessa área:

[...] dos símbolos de uma determinada forma, surgem, aos poucos, esquemas que destacam, de maneira evidente, algumas de suas características. Esses desenhos apresentam seu objeto em uma perspectiva, ou estilo, específica, enfatizando de forma precisa suas particularidades. [...] a naturalização que cada época opera de seus padrões consiste na acentuação de certos aspectos de modo que eles estejam de acordo com o estilo aceito por sua sociedade. (Fleck, 1986c_______. Scientific observation and perception in general [1935]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986c. p.59-78., p.76)11 11 No original: “[…] from the symbols of a certain shape, schemas arise gradually which vividly underline some features. These drawings present their object in a specific style perspective, by stressing precisely the features of the object. […] the naturalism of every epoch consists in a stressing of features such that they may be consistent with the style of a given epoch and given society”.

Por estarem no âmbito das formulações e interpretações variáveis, as ciências observacionais se sujeitam ao momento de prefiguração (momento no qual a ideia é concebida antes de ir para a mídia que a sustentará) para sua expressão (Holmes, 1981HOLMES, F. The fine structure of scientific creativity. History of Science, v.19, n.60, p.60-70, 1981.), que contém tanto aspectos de seu conteúdo científico, bem como das concepções mais amplas acerca da realidade e das práticas adotadas pelo coletivo de pensamento ao qual pertence o indivíduo que a gerou. Cremos que esse processo de prefiguração se estende a inscrições não somente imagéticas, como indicado por Fleck, mas, também, textuais. Os elementos circunstanciais permanecem textualmente, aparecendo através de analogias, de figuras de linguagem, de conceitos ou do uso de qualquer recurso que evoque o sentido pretendido ao longo das várias reescrituras do processo científico, desde a produção e análise de dados à sua apropriação e uso em sequências de argumentos (White, 2019WHITE, H. Meta-história. A imaginação histórica do século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2019., p.47). Desse modo, a integralidade do corpo humano e a expressão de sua cognoscibilidade são elementos importantes para pensarmos uma epistemologia científica que tenha como base não apenas os aspectos lógicos formais do pensamento, mas, também, aqueles que se manifestam por outras apreensões da realidade, não necessariamente racionalizadas.

No processo de construção de um fato científico, os cientistas tentam identificar os padrões que um fenômeno ou ente da natureza possui. Nessa tentativa, os esforços executados anteriormente por seus pares são levados em conta e exercem o que Fleck chama de peso da tradição, que é seguida por sequências de atos de cognição (Fleck, 1986aFLECK, L. On the crisis of reality [1929]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986a. p.47-58., p.47). Para se ler um dado é necessário usar a disposição mental construída pelo grupo que o cientista faz parte, que legitima o que será dito sobre a natureza. Aqui, a tradição age para condicionar compreensões de mundo, ou, em outras palavras, para que o sujeito “veja” a realidade em uma chave específica.12 12 Para que haja a quebra dessa forma de compreender o mundo é necessária uma mudança no estilo de pensar, onde a tendência intelectual predominante seja desenraizada, libertando a cognição das amarras que impedem o novo de ser visto. Para Polanyi (1962POLANYI, M. Personal knowledge. Towards a post-critical philosophy. London: Routledge, 1962., p.56), “Este procedimento reconhece o princípio de todo tradicionalismo de que o conhecimento prático está muito mais incorporado na ação do que expresso em regras sobre como agir”.13 13 No original: “This procedure recognizes the principle of all traditionalism that practical wisdom is more truly embodied in action than expressed in rules of action”.

Através da História, podemos recuperar elementos de certas tradições ao precisarmos o objeto que investigamos no processo de sua concepção. Como estamos analisando o surgimento de dados experimentais que confirmaram a “existência” de um processo de decaimento de partículas, cujas massas estavam entre a do eléctron e a do próton, afirmamos que até aquele momento, por volta de 1947, não havia ações sistematizadas para vê-lo; não existia uma tradição experimental para identificá-lo, por mais que existissem postulações teóricas sobre suas características e algumas imagens de traços produzidos por uma das duas partículas envolvidas, o múon, feitas em 1936 com uma câmara de Wilson (Anderson; Neddermeyer, 1937ANDERSON, C.; NEDDERMEYER, S. Note on the nature of cosmic-ray particles, Physical Review, v.51, p.884, May 1937.), que foram interpretadas erroneamente, como se soube anos depois (Monaldi, 2005MONALDI, D. Life of µ: the observation of the spontaneous decay of mesotrons and its consequences, 1938-1947, Annals of Science, v.62, n.4, p.419-55, 2005.), por, entre outros fatores, não existir a tradição visual a qual nos referimos. Portanto, nesse esforço de compreensão histórica, tateamos um terreno da cultura científica do passado no qual predominava a dúvida sobre o que estava sendo observado (Fleck, 1986c_______. Scientific observation and perception in general [1935]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986c. p.59-78., p.61).

Na sequência de atos de cognição, o que os cientistas buscam são elementos que lhes permitam codificar seus dados (por semelhança ou diferença) em um quadro referencial fundado na tradição na qual estão inseridos. Isso é inescapável, já que nossos enunciados são sempre espacialmente e temporalmente determinados. Fleck (1986aFLECK, L. On the crisis of reality [1929]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986a. p.47-58., p.48) diz que esse processo: “[…] procura semelhanças com algo familiar, deixando de lado o novo, que é incomparável”.14 14 No original: “[…] he is looking for similarities with something familiar, thus overlooking the new, which is incomparable”. O desdobramento dessa ideia é que Fleck toma a cognição como um ato ativo, circunscrevendo a ação de significação do sujeito na base do que lhe é familiar. É o conjunto prévio de significantes e seus signos que legitima o que deve ser ou não reconhecido no ato de observação. Extrapolando os atos de cognição para o campo linguístico, eles se aproximam, em certa medida, do que Ludwig Wittgenstein chama de “busca por semelhanças de família”. Se Fleck está preocupado com a agência do sujeito no ato de cognição, o segundo Wittgenstein faz algo parecido na criação de sentidos na linguagem, onde o ato de pô-la em prática, isto é, a ação de execução de uma lógica gramatical, é o que cria significados para aqueles que possuem os decodificadores para significá-la (Condé, 2012CONDÉ, M. Ciência e linguagem: Fleck e Wittgenstein. In: ___. Ludwik Fleck. Estilos de pensamento na ciência. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. p.77-108., p.87-9).

No processo de criação dessa cadeia de significados científicos, expressos obrigatoriamente através de linguagens, temos nos rascunhos imagéticos dos arranjos experimentais, nas palavras escolhidas para descrever experiências etc. a porta de entrada a situações ocorridas no passado que nos permitem verificar os atos de cognição que envolveram a observação dos mésons, no processo de passagem da física nuclear para a física de partículas na sua esfera experimental. Quando os cientistas precisam textualizar seus objetos simbólicos ou suas ações nos processos científicos, podem ocorrer tensões entre a semântica das palavras e a descrição do ato, do ente, do símbolo ou do fenômeno ao qual o texto se refere. Quando podemos comparar os textos publicados aos seus rascunhos, como faremos adiante, temos uma oportunidade ímpar para observar esses processos.

A presença de Lattes e suas representações científicas

Cerca de um ano e meio após as primeiras detecções de mésons usando raios cósmicos na Universidade de Bristol, ocorridas na segunda metade de 1946, Lattes se transferiu para a Universidade de Berkeley para utilizar o cíclotron do Radiation Laboratory e tentar detectar mésons em condições controladas. Poucos físicos possuíam familiaridade com o trabalho de análise das então novas emulsões nucleares, com maior densidade em sua composição química, ao microscópio, disponibilizadas a partir de 1945.15 15 Cabe anotar que as partículas carregadas escureciam os grãos de brometo de prata que compunham a emulsão e deixavam traços visíveis de suas trajetórias. Esses traços eram localizados e analisados pelos físicos ao microscópio. Suas características físicas (alcance, quantidade de grãos ionizados por área etc.) permitiam estabelecer relações lógicas com informações já conhecidas sobre outras partículas e identificar qual delas causou o traço analisado, ou trabalhar com a possibilidade de estar visualizando algo desconhecido, quando as informações contidas nos traços eram diferentes do que se tinha como referência. Na realidade, naquelas circunstâncias, os físicos vinculados à Universidade de Bristol eram os únicos capazes de identificar que partícula causou um determinado traço na emulsão apenas ao olhá-lo, sem a necessidade de realização de medidas. Isso por um período de cerca de dois anos. Essa primazia ocorreu porque o grupo de Bristol era um dos poucos laboratórios que tinha acesso às novas emulsões e, sobretudo, possuía um programa de análise de traços de partículas ao microscópio, com as antigas chapas fotográficas halftone, desde o final dos anos 1930.

A centralidade de Lattes nessa situação se deu porque ele foi o físico designado para calibrar a nova emulsão no início de 1946, tendo a oportunidade de ser o primeiro físico no mundo a manusear sistematicamente esse instrumento e, consequentemente, desenvolver sua percepção de formas para alcançar os resultados que conhecemos. Como esses eventos eram desconhecidos em praticamente toda a comunidade de físicos à época, não é exagero dizer que ninguém fora de Bristol possuía a expertise necessária para distinguir um traço causado por um méson em meio a uma multidão de outros traços deixados nas emulsões por prótons ou por partículas alfa. Portanto, em laboratórios diferentes do da Universidade de Bristol mal se sabia identificar o que medir.

Poucos dias após sua chegada a Berkeley, ocorrida no início de fevereiro de 1948, Lattes identificou o traço do méson pi negativo (Tavares; Gurgel; Videira, 2020TAVARES, H.; GURGEL, I.; VIDEIRA, A. A.. César Lattes e as técnicas de produção e detecção de mésons: a prática científica como objeto histórico. Revista Brasileira de Ensino de Física, v.42, p.e20200330-e20200330-23, 2020.). Sua recordação sobre esse episódio em entrevista ilustra a importância de ele ter padrões de diferenciação de traços em sua bagagem epistêmica, formados a partir de observações anteriores, feitas em 1946 e 1947.

C[iência]H[oje] - Como é que você via o píon na chapa?

C[ésar]L[attes] - Com microscópio; é um traçado de pontinhos. O mais fácil de detectar no cíclotron era o [méson] negativo, porque o traçado da [partícula] alfa era diferente. [...] Já o [méson] positivo que nós fizemos depois foi diferente[,] pois o traçado da alfa era de um jeito e tínhamos de fazer o positivo de outro, e então vinham mais nêutrons e foi mais difícil. Agora o negativo era mais fácil porque tinha assinatura.16 16 César Lattes, [Entrevista]. Com anotações e correções a caneta do próprio autor. 1996. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 05, documento 06, p.15-16.

No trecho acima, Lattes chama a atenção para o fato de que o traço causado pelo méson negativo, diferente do deixado pelo positivo, possuía caraterísticas únicas, identificáveis ao olhar. É interessante notarmos que ele próprio é quem está falando sobre a percepção de formas dos traços causados por partículas subnucleares. Na mesma entrevista, Lattes diz que a equipe de Eugene Gardner, líder do grupo ao qual o brasileiro se vinculou em Berkeley, estava: “[...] produzindo [mésons] desde 30 de novembro de [19]46, mas nós só pegamos em fevereiro de [19]48, eles estavam bobeando esse tempo todo. Então não é verdade que eu fiz parte da equipe que fez o méson artificial, eu não fiz coisíssima nenhuma, eu detectei e não é a mesma coisa”.17 17 César Lattes, [Entrevista]. Com anotações e correções a caneta do próprio autor. 1996. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 05, documento 06, p.17. Esse trecho oferece uma boa noção de como Lattes entendia seu trabalho. O que Lattes levou para Berkeley foi seu “saber detectar”, seu “saber ver”, que só passou a estar disponível com sua presença no laboratório.

Por mais que cartas e manuais sobre o método de detecção de partículas nas emulsões circulassem à época (Powell; Occhialini, 1947POWELL, C.; OCCHIALINI, G. P. S. Nuclear physics in photographs. Tracks of charged particles in photographic emulsions. Oxford: Clarendon Press, 1947.), a presença humana era necessária para o compartilhamento do saber corporificado para que os mésons fossem reconhecidos. Do contrário, os físicos de Berkeley não estariam “bobeando” para identificá-los e não teriam deixado entradas em seus cadernos de laboratório que indicam a inexistência desse “saber ver”: “Trabalho teórico recente indica que é possível fazer mesotrons com as energias agora disponíveis no cíclotron de 184. A seção de choque prevista, no entanto, é tão pequena que os mesotrons podem não estar sendo observados, embora eles estejam sendo produzidos”. 18 18 No original: “Recent theoretical work indicates that there is a possibility of making mesotrons at the energies now available from the 184” cyclotron. The cross section predicted, however, are so small that the mesotrons might not have been observed even though they are being made”. RADIATION LABORATORY. [Caderno de bancada]. National Archives Records and Administrations, San Bruno, Record Group 326: Atomic Energy Commission, Department of Energy, Lawrence Laboratory, Physics Division, Eugene Gardner Logbooks of Meson detection experiments by Gardner Research Group, 1945-1955, box 05, book 09, p.211. Seção de choque é a probabilidade que uma partícula possui de estar sendo produzida.

Esse ato de identificação da partícula através das características da aparência da forma que ela deixa na emulsão ainda levou Lattes a outros problemas. Como o que é visto ao microscópio é o traço causado pela partícula, se analisarmos o primeiro momento de expressão dessa ação visual, encontraremos suas representações nos cadernos de laboratório, feitas quando o observador ainda estava com as emulsões sob suas oculares. Bruno Latour (1986LATOUR, B. Visualization and cognition: thinking with eyes and hands. Knowledge and society: Studies in the sociology of culture past and present, v.6, p.1-40, 1986., p.10), analisando esse “modo de pensar com as mãos”, entende que emerge um espaço de criação simbólica nesse processo de transposição da ideia, que formamos acerca dos elementos naturais, para o papel, e anota que: “[...] a principal qualidade do novo espaço não é ser objetivo, como muitas vezes afirma uma definição ingênua de realismo, mas ter consistência visual. Essa consistência acarreta a ‘arte de descrever’ tudo e a possibilidade de passar de um tipo de traço visual a outro”.19 19 No original: “[…] the main quality of the new space is not to be objective as a naive definition of realism often claims, but rather to have optical consistency. This consistency entails the ‘art of describing’ everything and the possibility of going from one type of visual trace to another”. Essa descrição em imagens nunca é isolada. A inscrição é feita dentro de uma circunstância que inclui “[…] vários outros recursos textuais - legendas, títulos, narrativas, tabelas, gráficos, fotografias e imagens - bem como as práticas nas quais esses recursos textuais desempenham algum papel” (grifos nossos), como indicado por Michael Lynch (1991LYNCH, M. Science in the age of mechanical reproduction: moral and epistemic relations between diagrams and photographs. Biology and Philosophy, v.6, p.205-26, 1991., p.209), o que nos permite salientar as ações, aquilo que não necessariamente é dito, com as quais as inscrições, que tomamos como fontes históricas, se relacionam.

No início da sequência de atos de cognição de Lattes registrados em Berkeley, elementos interessantes surgem. Primeiro, entendemos que ele sabia que sua representação simbólica do traço causado pelo méson negativo na emulsão nuclear ia circular por todo seu grupo (Figura 1). O que importava nesse momento era, além de tentar representar com algum nível de fidedignidade a forma vista na emulsão, acrescentar dados de localização do evento que iam permitir que outros observadores o recuperassem e também o vissem. Após os esforços perceptivos iniciais, Lattes executou medidas do alcance do traço e, com o avançar das experiências para a detecção do méson positivo, passou a usar uma fórmula para calcular sua massa a partir da curvatura causada pelo campo magnético ao qual ele era exposto. Essas etapas ainda eram de produção e coleta de dados, nas quais os físicos submetiam os entes a interações em situações controladas e registravam as características dos fenômenos que ocorriam. Chamo atenção para a força que as imagens possuem nessas circunstâncias, na medida em que é possível dizer que os arranjos experimentais eram concebidos nas reuniões entre os membros do grupo e imediatamente inscritos nos cadernos do laboratório, como a sugestão, dada por Lattes, de disposição dos instrumentos para a captura do méson positivo na Figura 2.

A presença de Lattes em Berkeley, manuseando o aparato disponível com o intuito de explorar ao máximo o que ele podia oferecer, sem se preocupar com o bom funcionamento técnico dos equipamentos, significava uma nova postura diante da instrumentação. “Lattes foi uma das primeiras pessoas no que hoje é a ‘tradição de usuário de aceleradores’ na física”, relembra Wolfgang Panofsky, que trabalhou com Lattes em Berkeley, “[...] ele não tinha interesse no que fazia o cíclotron funcionar, no que era necessário para operá-lo, ou em como você usava o talento dos técnicos e engenheiros para fazer as coisas acontecerem. [...] Ele somente usou os mesotrons saindo do alvo” (Panofsky, 2004).20 20 No original: “He was one of the early people in what is now the ‘user tradition’ in physics. He had no interest whatever in the cyclotron, in what made it go, in what is needed to really run it, how you have to use the talents of engineers and technicians and so forth to make things go. […] He Just used the pions coming out of the target”. Panofsky nos oferece testemunho de mais um dos aspectos da atitude científica de Lattes que não encontra abrigo sob a racionalização dos procedimentos.

Depois da concepção dos detalhes da experiência, da construção dos periféricos necessários, da realização das exposições das emulsões ao feixe do acelerador, da localização dos traços e de sua análise ao microscópio, temos a escrita dos rascunhos dos primeiros artigos. Organizados por etapas, esses textos descrevem o arranjo usado, a metodologia empregada, os dados coletados e como eles foram analisados. No uso da linguagem ordinária para descrever essa sequência de atos, é possível ver a ação do olho, a prefiguração da ideia, não mais analisando as formas do fenômeno causado pelo ente na emulsão, emulando-as em diagramas, como o da Figura 1, mas, sim, nesse momento, codificando-as em uma representação textual.

A escrita de um artigo científico sobre física de partículas, definitivamente, possui uma dificuldade que pode não ser percebida à primeira vista. Isso porque as palavras farão referência a um complexo de transferências de significados entre os entes, os fenômenos que eles causam, as ações de mensuração de suas grandezas e os símbolos físico-matemáticos usados. Mesmo considerando a eficácia do processo de transferência dos significados, sempre se perde algo ao longo das transposições entre suas diferentes representações.

Após a identificação do méson negativo, Lattes foi o responsável pela redação de um primeiro texto para comunicação interna (Gardner; Lattes, 1948GARDNER, E.; LATTES, C. M. G. The production of mesons by the 184”-inch Berkeley Cyclotron. In: WAKERLING, R. K. Research progress meeting. February 26, 1948. University of California, Radiation Laboratory. Disponível em <http://escholarship.org/uc/item/3jd6q00p#page-1>. Acesso em: 21 out. 2021.
http://escholarship.org/uc/item/3jd6q00p...
), transpondo para palavras o que observou, as medidas que fez e os resultados alcançados. Ao analisarmos essa sequência de transposições, daquilo que é observado à sua forma textual, é possível perceber que, em alguns momentos, o físico brasileiro teve dúvidas sobre que palavras usar para se referir aos seus atos de cognição. Julgamos ser interessante colocar lado a lado os trechos dos rascunhos deixados por Lattes e seus respectivos formatos publicados, que podem ter tido a revisão de Gardner.

Inicialmente, na Figura 3, Lattes conduziu sua escrita usando “tracks”, palavra que ele alterou, ainda no rascunho, para “particles”. Não há como sabermos os motivos que o levaram à troca. O que podemos afirmar é que há uma ligação direta entre a partícula (o ente não observado) e o traço (o fenômeno visto e medido por Lattes) na qual a identidade daquela é dada pela análise deste. É interessante observarmos que os entes e fenômenos aos quais Lattes se refere são levados à sua cognição por ações que também passam por substituições terminológicas nos rascunhos de seus artigos. Enquanto na Figura 4 vemos que Lattes substituiu “observations” por “measurements”, quando olhamos o rascunho da legenda da fotografia do decaimento do méson pi no mi, na Figura 5, percebemos que o físico brasileiro evidenciou que as ações que executava podiam ser descritas por diversos termos. A desintegração do méson pi no méson mi foi, afinal, “reported”, “described” ou “observed”? Obviamente, essas dúvidas não aparecem no formato do artigo publicado. Afinal, é um artigo que inaugurava a física de partículas e não tinha como objetivo tratar sua filosofia.

Figura 1
Registro da primeira observação de um méson negativo nos cadernos do Radiation Laboratory feita por César Lattes. A imagem contém um diagrama dos traços observados na emulsão e suas coordenadas no canto superior direito. Lattes também deixou, no canto inferior direito, as energias estimadas dos mésons e, abaixo do diagrama do traço, seus alcances (Range).

Figura 2
Rascunho feito por Eugene Gardner, líder do grupo de emulsões, do arranjo experimental sugerido por Cesar Lattes, para a captura do méson positivo e negativo. À esquerda, temos o arranjo representado na publicação. Diferente do registrado no rascunho, a autoria do arranjo na publicação é coletiva.

Figura 3
Manuscrito de César Lattes da “produção de mésons pelo cíclotron Berkeley de 184” polegadas.

Figura 4
Manuscrito de César Lattes da “produção de mésons pelo cíclotron Berkeley de 184” polegadas.

Figura 5
Manuscrito de César Lattes da “produção de mésons pelo cíclotron Berkeley de 184” polegadas.

Considerações finais

Em retrospecto, é possível dizer que Lattes elaborou ao longo de seu trânsito por diferentes laboratórios uma ideia específica sobre o que era física experimental. Quando perguntado sobre os quarks, ele deixou claro o que pensava: “Só interessa o que você pode detectar ou o que você pode induzir a partir do que você detectou”.21 21 César Lattes, [Entrevista]. Com anotações e correções a caneta do próprio autor. Sem data. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 05, documento 07, p.01. Essa posição guarda relação com um problema que o físico brasileiro via para identificar as participações individuais em projetos de grande escala: “O top [quark] parece que agora foi detectado, o trabalho é bem grosso, mas as primeiras cinco páginas são 333 assinaturas. Isso é física?”, pergunta Lattes, adicionando: “Espera aí! Com que cada um contribui? Quem é o arquiteto do trabalho?”.22 22 César Lattes, [Entrevista]. Com anotações e correções a caneta do próprio autor. 1996. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 05, documento 06, p.26. O que temos aqui é uma inadequação de valores. Lattes foi formado em uma física pré-Segunda Guerra Mundial, de caráter artesanal, onde manusear os entes para visualizar diretamente os fenômenos por eles causados era o critério de aceitação experimental, o que explica sua visão sobre os quarks. Quando ele deixou a USP em direção à Inglaterra, em 1946, a física começava a ter os instrumentos necessários para avançar experimentalmente na dimensão subnuclear. Faltavam as habilidades para fazê-lo, que acabaram sendo desenvolvidas pelo próprio Lattes. Ele circulou por diferentes laboratórios para utilizar suas ferramentas científicas, desenvolvendo e disponibilizando nesses locais suas habilidades corporificadas de percepção de formas e de uso desses instrumentos, que foram tomadas como padrão pela comunidade científica por um determinado tempo.

Grosso modo, Lattes foi o sujeito histórico que esteve no centro da passagem da física nuclear para a de partículas, inaugurando a figura de usuário de aceleradores que ainda hoje tem espaço na comunidade científica. Como o trabalho de detecção exigia certa artesania no trato com as emulsões nucleares, parte de suas atividades reproduzia a forma de fazer física que ele aprendera entre 1941 e 1943, quando em contato com professores que atuavam desde os anos 1920. Em outras palavras, Lattes pôs em prática uma física de caráter artesanal usando equipamentos cuja construção e manutenção começavam a obedecer a um regime de, por um lado, especialização do cientista e, por outro, distribuição de tarefas por numerosas equipes, o que, no limite, tornava o físico individualmente alheio à investigação da natureza que o mesmo instrumento proporcionava. Para entender a posição de Lattes sobre o que é importante na física experimental, portanto, é necessário compreender que ele estava entre dois paradigmas instrumentais, um de caráter artesanal, que perdia espaço, e outro com características industriais, que surgia.


Cesar Lattes (1924-2005).

Mas, afinal, Lattes observou, reportou ou descreveu aquilo que se entendia por mésons? A validade dessa hesitação terminológica se dá porque exprimir nossa relação com entes inobserváveis do nível subnuclear gera problemas quando usamos a linguagem ordinária. À dúvida de Lattes não há respostas bem definidas. A relevância de sua indecisão sobre como expressar terminologicamente seus atos de cognição está na própria indeterminação de uma resposta. Essa ausência de objetividade terminológica se soma aos aspectos não formais que compunham seu trabalho, principalmente a aqueles ligados à percepção de formas, no seu conhecimento tácito acerca dos mésons. Portanto, há um nível intangível no trabalho científico de Lattes sobre o qual temos somente indícios indiretos ao olharmos para o conjunto de suas ações.

Os vestígios históricos indicam, superficialmente, que esse nível, de alguma maneira, atuava sobre os atos de cognição de Lattes e sobre sua forma de expressá-los. Devemos desprezá-lo por conta da dificuldade para acessá-lo? Creio que não, mesmo não possuindo elementos para melhor compreendê-lo. O que temos que ter em mente é que são as informações contidas nas fontes históricas com as quais trabalhamos que vão nos permitir dizer algo sobre o passado com o qual lidamos. Logo, devemos trazer à luz, também, os vestígios com inscrições cujos atos a elas relacionados não são passíveis de interpretações históricas, na medida em que esses registros componham, ao lado dos registros interpretáveis, os caminhos de pensamento adotados por nossos cientistas. Assumindo essa posição, formaremos um quadro mais completo de investigação histórica e aumentaremos as chances de perceber relações não aparentes nas rotinas científicas em seus vários espaços de manifestação. Como vimos nas primeiras seções desse artigo, há inúmeras reflexões sobre os aspectos não racionalizados na ciência que podem nos auxiliar a expandir nossas pesquisas.

Não sabemos se Lattes chegou a pensar sobre isso, mas, no fundo no fundo, seu trabalho nos permite olhar para as múltiplas representações da realidade e suas transformações no tempo, levando-nos a um exercício de autoconhecimento coletivo. Essa variedade de representações guarda ligação com a complexidade cultural da existência humana. Isso indica que devemos tratar a natureza a partir de uma perspectiva pluralista, que não deve ser confundida com um relativismo ingênuo de inexistência de padrões. O que há, ao contrário, são vários deles, sobre os quais a história e a filosofia das ciências têm o dever de se debruçar.

Agradecimento

A realização desse trabalho não seria possível sem o apoio da Fapesp para a realização de meu pós-doutorado no Instiuto de Física da USP, Processo n.2018/05959-8.

Referências

  • ACKERMANN, R. Data, instruments and theory. Princeton: Princeton University Press, 1985.
  • ANDERSON, C.; NEDDERMEYER, S. Note on the nature of cosmic-ray particles, Physical Review, v.51, p.884, May 1937.
  • BURFENING, J.; GARDNER, E.; LATTES, C. M. G. Positive Mesons Produced by the 184-inch Berkeley Cyclotron. AECD - United States Atomic Commission. Technical Information Branch. October, 1948. Disponível em <https://escholarship.org/uc/- item/6fs9h99w>. Acesso em: 21 out. 2021.
    » https://escholarship.org/uc/- item/6fs9h99w
  • BURFENING, J.; GARDNER, E.; LATTES, C. M. G. Positive Mesons Produced by the 184-Inch Berkeley Cyclotron. Physical Review, v.75, n.3, p.382-7, 1949.
  • CONDÉ, M. Ciência e linguagem: Fleck e Wittgenstein. In: ___. Ludwik Fleck. Estilos de pensamento na ciência. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. p.77-108.
  • FLECK, L. On the crisis of reality [1929]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986a. p.47-58.
  • FLECK, L. Problems of the science of science [1946]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986b. p.113-28.
  • _______. Scientific observation and perception in general [1935]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986c. p.59-78.
  • FLECK, L. Crisis in science [unpublished, 1960]. In: COHEN, R.; SCHNELLE, T. (Ed.) Cognition and facts: materials on Ludwik Fleck. Dochdrecht: D. Reidel, 1986d. p.153-60.
  • _______. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010.
  • GARDNER, E.; LATTES, C. M. G. The production of mesons by the 184”-inch Berkeley Cyclotron. In: WAKERLING, R. K. Research progress meeting. February 26, 1948. University of California, Radiation Laboratory. Disponível em <http://escholarship.org/uc/item/3jd6q00p#page-1>. Acesso em: 21 out. 2021.
    » http://escholarship.org/uc/item/3jd6q00p#page-1
  • GOODING, D. Putting agency back into experiment. In: PICKERING, A. (Ed.). Science as practice and culture. Chicago: The University of Chicago Press, 1992. p.65-112.
  • HOLMES, F. The fine structure of scientific creativity. History of Science, v.19, n.60, p.60-70, 1981.
  • KNORR-CETINA, K. Social and scientific method or what do we make of the distinction between the natural and the social sciences? Philosophy of the Social Sciences, v.11, n.3, p.335-59, 1981.
  • KRIEGER, M. Doing physics: how physicists take hold of the world. Indianapolis: Indiana University Press, 1984.
  • LATOUR, B. Visualization and cognition: thinking with eyes and hands. Knowledge and society: Studies in the sociology of culture past and present, v.6, p.1-40, 1986.
  • LATTES, C. [Caderno de Berkeley]. Arquivo Central do Sistema de Arquivos, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, s.d., v.15, p.12.
  • LYNCH, M. Science in the age of mechanical reproduction: moral and epistemic relations between diagrams and photographs. Biology and Philosophy, v.6, p.205-26, 1991.
  • MONALDI, D. Life of µ: the observation of the spontaneous decay of mesotrons and its consequences, 1938-1947, Annals of Science, v.62, n.4, p.419-55, 2005.
  • PANOFSKY, W. Wolfgang Panofsky [Entrevista]. Em 8 de abr. 2004. Niels Bohr Library & Archives, American Institute of Physics, College Park, MD, USA. Disponível em <https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/39783-2>. Acesso em: 21 out. 2021.
    » https://www.aip.org/history-programs/niels-bohr-library/oral-histories/39783-2
  • PATY, M. Do estilo em ciência e em história das ciências. Estudos Avançados, v.26, n.75, p.291-308, 2012.
  • POLANYI, M. Personal knowledge. Towards a post-critical philosophy. London: Routledge, 1962.
  • POWELL, C.; OCCHIALINI, G. P. S. Nuclear physics in photographs. Tracks of charged particles in photographic emulsions. Oxford: Clarendon Press, 1947.
  • TAVARES, H.; GURGEL, I.; VIDEIRA, A. A.. César Lattes e as técnicas de produção e detecção de mésons: a prática científica como objeto histórico. Revista Brasileira de Ensino de Física, v.42, p.e20200330-e20200330-23, 2020.
  • WHITE, H. Meta-história. A imaginação histórica do século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2019.

Notas

  • 1
    Todas as traduções para o português são de responsabilidade do autor deste artigo. No original: “[…] a set of tools [that] provides a provisional way of taking hold of the world and doing something with it. Toolkits have a small number of tools and we adapt those tools to new situations”.
  • 2
    No original: “Over a period of time, the boundaries of a data domain may settle because of recognition of standard instrumentation for that domain. When new data are produced by new kinds of instruments, a new domain may be created for which quite different kinds of theories are needed”.
  • 3
    A nomenclatura usada à época era por conta da massa, estimada teoricamente entre a do próton e a do elétron, que o méson possuía. Hoje, a classificação dessas partículas é de acordo com suas interações. Atualmente, o méson pi é uma partícula da classe dos mésons, que, por sua vez, é um tipo de hádron. Estes interagem seguindo as regras da força forte. O méson mi é conhecido nos dias atuais como múon e é tido como um lépton, interagindo de acordo com a orientação da força fraca.
  • 4
    No original: “One cannot look upon the sciences as being only a set of sentences or a system of thoughts. They are complex cultural phenomena, at one time perhaps individual, at present collective ones, made up of separate institutions, separate actions, separate events. Written sentences, unwritten customs, one’s own aims, methods, traditions, development. Preparation of mind, cleverness of hands”.
  • 5
    No original: “The place of experiment is not so much a physical location (workbench, laboratory, field station) as a set of intersecting spaces in which different skills are exercised. […] But this ranges over several fields of activity. The space of concrete manipulations; mental spaces in which exploratory imaging and modeling take place; […] the social place in which observers negotiate interpretations of each other’s actions; the physical space of the laboratory or field, in which observations are fashioned, and the rhetorical and literary space in which they are reported and put to work in arguments”.
  • 6
    No original: “The content of observations, i.e., what had been seen in the given place, depend on the prevailing thought-style: each new layer is to uncover its own style motivation, and all the details of a certain epoch have some common style”.
  • 7
    No original: “An art which cannot be specified in detail cannot be transmitted by prescription, since no prescription for it exists. It can be passed on only by example from master to apprentice. This restricts the range of diffusion to that of personal contacts, and we find accordingly that craftsmanship tends to survive in closely circumscribed local traditions. […] while the articulate contents of science are successfully taught all over the world in hundreds of new universities, the unspecifiable art of scientific research has not yet penetrated to many of these”.
  • 8
    No original: “My own profession makes me carry out daily observations of things which are very simple from a certain standpoint: of microscopic preparations. When I look at the microscopic preparation of, e.g., a diphtheria culture, then, to use a common parlance, I see only a certain number of lines having a certain specific structure (or colour), a certain form and a certain arrangement. However, it would be futile on my part to try to describe these three elements of the image so as to render in words, univocally for the layman, the image of the characteristic form which is seen by the trained observer, but which the layman is simply unable to see at the beginning. Nevertheless, after a short period of time, almost all of the pupils acquire the ability to perceive it, and reach results which are consistent. Thus one has first to learn to look in order to be able to see that which forms the basis of the given discipline”.
  • 9
    No original: “[…] are provided by the constantly generated measurement traces, that is by graphs, figures, printouts, diagrams, tables and the like”.
  • 10
    No original: “First they must be recognized as an instance of something and thereby assimilated with an everyday term or a scientific concept by which we have heard that they are subject to interpretation. Second and perhaps more important, scientists must ‘make sense’ of these recognitions. Partly this happens already when an instance is recognized as something, in all cases where simple descriptions in standard observation terms do not clearly fit and require […] identification procedures”.
  • 11
    No original: “[…] from the symbols of a certain shape, schemas arise gradually which vividly underline some features. These drawings present their object in a specific style perspective, by stressing precisely the features of the object. […] the naturalism of every epoch consists in a stressing of features such that they may be consistent with the style of a given epoch and given society”.
  • 12
    Para que haja a quebra dessa forma de compreender o mundo é necessária uma mudança no estilo de pensar, onde a tendência intelectual predominante seja desenraizada, libertando a cognição das amarras que impedem o novo de ser visto.
  • 13
    No original: “This procedure recognizes the principle of all traditionalism that practical wisdom is more truly embodied in action than expressed in rules of action”.
  • 14
    No original: “[…] he is looking for similarities with something familiar, thus overlooking the new, which is incomparable”.
  • 15
    Cabe anotar que as partículas carregadas escureciam os grãos de brometo de prata que compunham a emulsão e deixavam traços visíveis de suas trajetórias. Esses traços eram localizados e analisados pelos físicos ao microscópio. Suas características físicas (alcance, quantidade de grãos ionizados por área etc.) permitiam estabelecer relações lógicas com informações já conhecidas sobre outras partículas e identificar qual delas causou o traço analisado, ou trabalhar com a possibilidade de estar visualizando algo desconhecido, quando as informações contidas nos traços eram diferentes do que se tinha como referência.
  • 16
    César Lattes, [Entrevista]. Com anotações e correções a caneta do próprio autor. 1996. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 05, documento 06, p.15-16.
  • 17
    César Lattes, [Entrevista]. Com anotações e correções a caneta do próprio autor. 1996. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 05, documento 06, p.17.
  • 18
    No original: “Recent theoretical work indicates that there is a possibility of making mesotrons at the energies now available from the 184” cyclotron. The cross section predicted, however, are so small that the mesotrons might not have been observed even though they are being made”. RADIATION LABORATORY. [Caderno de bancada]. National Archives Records and Administrations, San Bruno, Record Group 326: Atomic Energy Commission, Department of Energy, Lawrence Laboratory, Physics Division, Eugene Gardner Logbooks of Meson detection experiments by Gardner Research Group, 1945-1955, box 05, book 09, p.211. Seção de choque é a probabilidade que uma partícula possui de estar sendo produzida.
  • 19
    No original: “[…] the main quality of the new space is not to be objective as a naive definition of realism often claims, but rather to have optical consistency. This consistency entails the ‘art of describing’ everything and the possibility of going from one type of visual trace to another”.
  • 20
    No original: “He was one of the early people in what is now the ‘user tradition’ in physics. He had no interest whatever in the cyclotron, in what made it go, in what is needed to really run it, how you have to use the talents of engineers and technicians and so forth to make things go. […] He Just used the pions coming out of the target”.
  • 21
    César Lattes, [Entrevista]. Com anotações e correções a caneta do próprio autor. Sem data. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 05, documento 07, p.01.
  • 22
    César Lattes, [Entrevista]. Com anotações e correções a caneta do próprio autor. 1996. Imagens Arquivo Central, Sistema de Arquivos Unicamp, Campinas, caixa 05, documento 06, p.26.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2021
  • Aceito
    08 Fev 2022
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo Rua da Reitoria,109 - Cidade Universitária, 05508-900 São Paulo SP - Brasil, Tel: (55 11) 3091-1675/3091-1676, Fax: (55 11) 3091-4306 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: estudosavancados@usp.br