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Subsídios do Instituto Florestal para o Projeto Floram

COMENTÁRIOS CRÍTICOS

Subsídios do Instituto Florestal para o Projeto FLORAM

Equipe do IF-CPRN, Secretaria do Meio Ambiente, SP

Introdução

O Instituto Florestal, como agente florestal mais antigo do Estado e possivelmente do Brasil, sente-se no dever de se reportar ao Instituto de Estudos Avançados da USP, onde se encontra em gestação o Projeto FLORAM, no sentido de apresentar sua contribuição, já que para isto foi solicitado pelo digno Diretor desta organização, Dr. Jacques Marcovitch, no "workshop" realizado no dia 21 de junho, na sede da Secretaria do Meio Ambiente, cm resposta à fala de um dos nossos pesquisadores.

Enaltecemos o discurso, que começa a difundir a preocupação do Instituto de Estudos Avançados, fazendo votos de êxito para que se enriqueça da energia de todos os setores da sociedade brasileira, no intuito de que as barreiras burocráticas e econômicas sejam vencidas ao nível do país e do exterior e a fim de que este ideal consiga se tornar realidade.

É de se louvar a iniciativa do conceituado Instituto em abordar não só em âmbito nacional, mas planetário, temática de tal magnitude e nos sentimos de certa forma amparados, no sentido de continuarmos perseguindo o ideal que há mais de um século vimos propalando neste Estado, conforme atestam os Anexos I e 2. Com o mesmo espírito, em 1981 o Instituto Florestal do Estado de São Paulo encaminhou ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestai — IBDF o documento " Elenco de Medidas para Promover o Reflorestamento e a Conservação dos Recursos Florestais em São Paulo" (Anexo 3), com o intuito de provocar a reativação do reflorestamento no Estado.

Em 1984, apresentou ao Governo do Estado a "Proposta de Política Florestal para o Estado de São Paulo — Plano Emergencial" (Anexo 4) que, dentro das limitações regionais e orçamentárias, tentou também conduzir o assunto no mesmo rumo hoje perseguido pelo Projeto FLORAM.

Conforme ficou patente pela fala de nosso representante no mencionado "workshop", a Instituição possui inquietações com relação à condução do processo ao nível do Estado de São Paulo e muitas delas poderiam ser extrapoladas para o âmbito nacional, apreensões estas que gostaríamos de passar ao grupo de estudos, como forma de contribuição de nosso Instituto face ao enfrentamento que teve durante todos estes anos com a realidade florestal.

Ponderações

Algumas dúvidas se nos apresentam, ainda, com relação ao dimensionamento do Projeto FLORAM em nível nacional:

— O que levou à definição da área de 20 milhões de hectares?

— O enfoque fundamental foi o da demanda atual das indústrias?

— E quanto à demanda futura?

— No orçamento previsto para os reflorestamentos protetivos, estariam incluídos também os recursos para a implantação efetiva das Unidades de Conservação federais, estaduais e municipais já criadas?

— Haverá meios financeiros para demarcação discriminatória, desapropriação, recursos humanos e materiais para fiscalização e manejo dessas áreas?

— Como seria o sistema de fiscalização para controlar as ações propostas?

Nossa preocupação, no entanto, se concentra em dois pontos básicos, que poderiam ser negativos sob o ponto de vista do desenvolvimento social:

1. Conseqüências ambientais que viriam na esteira do reflorestamento

As explanações até agora difundidas pelo Projeto FLORAM não dão indício dos mecanismos que seriam adotados para seu controle. Em projeto de tamanha envergadura, a abrangência planetária, que leva a encarar o problema ambiental sob a ótica da escala do "efeito estufa", pode incorrer no pecado de olvidar-se dos ajustes à realidade fática do dia-a-dia.

Aliás, no "Zoneamento Econômico Florestal do Estado" (Anexo 5), onde as distâncias entre a visão macro e a micro estavam menos afastadas que no Projeto FLORAM, incorreu-se em distorção ao incluir toda a Região Administrativa de Sorocaba entre as "Áreas Prioritárias ao Reflorestamento", sem levar em consideração que este fenômeno traria, na esteira das conseqüências, a atração de indústrias ligadas ao setor papeleiro, que são altamente poluidoras. A conseqüência foi a luta da sociedade civil, na década de 70, contra a instalação da Braskraft na área de influência do Rio Paranapanema, a única bacia ainda não poluída na época.

Por outro lado, os estudos desenvolvidos por pesquisador do Instituto Florestal para a Região Administrativa de Ribeirão Preto, no período de 1962 a 1984 (Anexo 6), dão conta de que os reflorestamentos incentivados foram mais devastadores que o próprio Pró-Álcool, tão condenado sob o ponto de vista ambiental.

Face ao avanço indiscriminado da agricultura, as florestas brasileiras vêm sendo destruídas rapidamente com perda de material genético de qualidade superior. A biodiversidade nas espécies florestais é uma defesa da natureza contra pragas, moléstias e condições adversas. A seleção natural, agindo sobre essa variabilidade genética, tem como conseqüência a evolução. A falta dessa biodiversidade é fator contra o plantio clonal em silvicultura. Quem incursiona neste campo corre o risco de perder tudo, a menos que lance mão de medidas como a mistura de clones.

O plantio clonal é um dos caminhos trilhados de maneira prática, hoje em dia, em várias empresas nacionais. O melhoramento genético é, em todos os países, fundamentalmente baseado no emprego do máximo de biodiversidade, através de plantios de populações-base e a seleção de indivíduos com características fenotípicas desejáveis, propagação vegetativa, instalação de pomares clonais de primeira geração e de gerações mais avançadas.

2. Conseqüências fundiárias e econômicas

Apesar do Projeto FLORAM abrigar a idéia da implantação do reflorestamento em pequenas e médias propriedades, o que foi ressaltado durante a fala do Dr. Werner Zulauf no "workshop", gostaríamos de lembrar que os reflorestamentos incentivados, com início na década de 60, também tiveram esta preocupação, inclusive contemplando-a com os instrumentos legais necessários. Estes instrumentos, no entanto, não foram suficientes para fazer frente aos "lobbies" do capital.

Para não se iludir de que foram coisas do tempo da "Ditadura", basta comparar os preços de exportação de celulose em relação aos preços da madeira pagos pelas indústrias aos agricultores no período, inclusive após a Nova República (Gráfico 1).


O Gráfico 2 mostra a posição ocupada pelo Brasil, em relação a outros países, quanto ao custo da madeira (fibra curta e longa) destinada ao fabrico da celulose.


Na época, não houve o cuidado de se criar a estrutura necessária para que as ações previstas na legislação se concretizassem. Ao contrario, a estrutura de extensão florestal no Estado de São Paulo foi totalmente desarticulada no período.

Posteriormente, no período de 1980 a 1983, o Instituto Florestal liderou, no Estado, o "Programa de Reflorestamento em Pequenos e Médios Imóveis Rurais" - REPEMIR. Através desta experiência (Anexo 7), nosso Instituto, agora, mesmo sem as atribuições de um órgão de extensão, detectou que houve reação positiva por parte dos agricultores frente ao programa. Curiosamente, ficou evidenciada a maior procura por espécies que não vinham de encontro aos programas visados pela produção de papel e celulose; os investidores deram preferência às essências voltadas a usos mais nobres da madeira, como o Eucalyptus citriodora, em detrimento das de crescimento mais rápido, mas com madeira de qualidade inferior.

Ficou também evidenciado que programas dessa natureza só alcançam sucesso quando há disponibilidade de mudas de boa qualidade na época da implantação e assistência técnica na fase pré e pós-plantio, demonstrando a necessidade de uma estrutura adequada de apoio e extensão florestal.

Um dos méritos dos reflorestamentos em pequenos e médios imóveis rurais é o da sua pulverização em pequenos maciços florestais, minimizando os impactos ambientais e, conseqüentemente, a propagação de doenças e pragas, facilitando, por outro lado, o atendimento do mercado local de madeira.

Em contrapartida, é oportuno alertar, no rol das estratégias preconizadas para os plantios industriais — representados por reflorestamentos clonáis de elevada produtividade: os riscos de ocorrência de doenças e pragas florestais podem se suceder a níveis alarmantes, em razão das perdas da variabilidade genética, de resistência vertical ou horizontal, sem contar com outros agravantes que afetam a biodiversidade da fauna pela eliminação do sub-bosque, abrigo de muitas populações naturais, controladoras de pragas e doenças.

Contribuições para a evolução do Projeto FLORAM

O Anexo 8 contém o programa de atividades e pesquisas em desenvolvimento em nossa Instituição.

Dentre os estudos e ações desenvolvidos e em andamento no Instituto Florestal, julgamos de importância imediata para a evolução do Projeto FLORAM as seguintes contribuições:

a) O "Macrozoneamento das Terras da Região do Rio Ribeira de Iguape, SP" (Anexo 9), que analisa o problema florestal em um contexto mais amplo, face às demais atividades da região, dá idéia de como o Instituto Florestal poderia subsidiar o Projeto FLORAM quando os estudos descerem ao nível de regionalização. A proposta do referido estudo partiu deste Instituto em 1977 e, apesar de todos os entraves políticos e burocráticos, a filosofia original pôde ser, em parte, recuperada em 1988, quando foi viabilizado.

b) Ainda no nível de uso e ocupação do solo, as áreas críticas em processo de degradação por ação antrópica vêm sendo estudadas pelo Instituto Florestal, considerando os fatores físicos, climáticos e biológicos somados aos fatores antrópicos para a proposição de alternativas de prevenção e correção (Anexo 10).

c) Os estudos de hidrologia florestal, que vêm sendo desenvolvidos no Núcleo Cunha do Parque Estadual da Serra do Mar e na Estação Experimental de Mogi Guaçu (Anexo 11), objetivam subsidiar o manejo e monitoramento de bacias hidrográficas visando a produção qualitativa e quantitativa de água. Vale destacar que a extrapolação da experiência para outras localidades terá efeito multiplicador, ampliando a possibilidade de recuperação e preservação de outros mananciais.

d) A Instituição possui em seu quadro, também, pesquisadores que vêm se dedicando às questões relacionadas com a recomposição e o manejo para regeneração natural de florestas nativas. A publicação "Reflorestamento Heterogêneo com Essências Indígenas" (Anexo 11) bem exemplifica este tipo de ação em área degradada do município de Cosmópolis — SP, assim como a "Regeneração Natural de Mata Ciliar na Estação Ecológica de Bauru" (no prelo), que exemplifica o segundo caso.

e) Visando florestas de produção, o Instituto Florestal vem desenvolvendo estudos de melhoramento genético florestal com espécies selecionadas de coníferas e folhosas, exóticas e nativas, objetivando o aumento da produtividade, por área, das florestas. Estes estudos, por ora, compreendem a conservação genética destas essências, instalação de populações-base, seleção de matrizes, instalação de 66 procedências e progênies, formação e manejo de pomares, produção de sementes melhoradas e intercâmbio tecnológico com empresas e instituições de pesquisa. O Anexo 13 dá idéia da amplitude de especies e procedências que vêm sendo trabalhadas pelo Instituto Florestal visando florestas de produção.

Na área de Pinus, nove especies e variedades estão sendo trabalhadas e os pomares clonáis, de primeira geração, já se encontram em produção, com ganho genético em torno de 10%. Na área de Eucaliptus, sete espécies estão sendo trabalhadas com objetivo de produção de madeira para serraria e energia. As espécies em estudo estão com suas populações-base implantadas e, algumas, já em fase de seleção fenotípica.

O Programa de "Melhoramento Genético" do Instituto Florestal é formado pelos seguintes subprogramas:

1) Pinus Tropicais — cujas espécies e variedades prioritárias são Pinus caribaea var. hondurensis, P. caribaea var. caribaea, P. caribaea var. bahamensis, P. oocarpa, P. kesiya e P. patula tecunumanii.

2) Pinus Subtropicais — cujas espécies e variedades prioritárias são: Pinus elliottii var. elliottii, P. taedas P. maximinoi.

3) Eucalyptus spp. — cujas espécies e variedades prioritárias são: Eucalyptus citriodora, E. tereticornis, E. camaldulensis, E. urophylla, E. cloeziana, E. resinífera e E. pilularis.

A biodiversidade nas espécies florestais é uma defesa da natureza contra pragas, moléstias e condições adversas.

4) Essências Nativas — cujas espécies prioritárias para os trabalhos de conservação genética através de populações-base são: pinheiro-brasileiro (Araucana angustiofolia), óleo de copaiba (Copaifera langsdorfii), guaritá (Astronium graveolens), timburi (Enterolobium contortisiliquum), pessegueiro-bravo (Prunus myrtifolia),cambaru (Dipteryx alata), amendoim (Pterqgyne nitens),aroeira (Astronium urundeuva), jacarandá-paulista (Machaerium villosum),guarucaia (Peltopherum dubium), jequitibá-rosa (Cariniana legalis), pau-d'alho (Gallesia gorazema), cabreúva (Miroxylon peruiferum), pau-marfim (Balfourodendron riedelianum),ipê-roxo (Tabebuia avellanedae), jatobá (Hymenaea rtiibocarpa), louro-pardo (Cordia trichotoma) e ipê-amarelo (Tabebuia vellosoi).

5) Propagação Vegetativa — prioritariamente está se trabalhando com: Pinus patula tecunumanii, P. elliottii var. elliottii, P. taeda e Pinus tropicais.

6) Resinagem — prioritariamente está se trabalhando com Pinus caribaea var. hondurensis, P. caribaea var. bahamensis e P. elliottii var. elliottii.

f) Quanto às pesquisas e à produção de sementes pelo Instituto Florestal, também se encontram em expansão tanto as das essências nativas como as das exóticas, O Gráfico 3 dá idéia da sua evolução no período de 1980 a 1989, valendo destacar que sementes de Pinus e Eucalyptus já contam com ganhos genéticos devido ao trabalho de melhoramento.


Por outro lado, o Anexo 14 dá idéia da variedade de espécies produzidas pela Instituição.

g) O "Inventário Florestal", em fase final de execução, tem por objetivos:

— obter a distribuição espacial e a quantificação por área da cobertura vegetal natural e do reflorestamento no Estado;

— mapear e quantificar a cobertura vegetal natural de acordo com os tipos fitofisionômicos (mata, capoeira, cerradão, cerrado, campo cerrado, várzea, restinga, etc.);

— mapear e quantificar o reflorestamento em termos de área e volume de madeira disponível;

— mapear áreas que devam ser mantidas com características de preservação permanente.

h) O "Zoneamento Ecológico Florestal", também em execução pelo Instituto Florestal, objetiva:

— estabelecer unidades ecológico-florestais com características de regiões homogêneas quanto a clima, solo e topografia;

— indicar, por unidade ecológica, espécies florestais e procedencias com potencial para serem utilizadas em programas de recomposição de áreas florestais degradadas;

— indicar fontes de abastecimento de sementes, de essências exóticas e nativas, com qualidade reconhecida para atender aos programas anteriormente citados;

— indicar, ao pequeno e médio agricultor, espécies florestais recomendáveis para o suprimento das matérias-primas de uso mais corrente, além de papel e celulose.

i) Com relação ao grave problema das queimadas e dos incêndios florestais, principal chamariz da opinião pública internacional em relação ao Brasil, de modo especial na Amazônia, o Estado de São Paulo mantém hoje o programa "Mata Fogo", envolvendo, além do Instituto Florestal, todos os setores da Defesa Civil do Estado, com a participação da Casa Militar, da CPRN, da CETESB, do DEPRN, da Polícia Florestal e de Mananciais, do Corpo de Bombeiros, das Prefeituras Municipais e das Empresas do Setor Florestal.

Este programa teve origem no Instituto Florestal que, em 1984, iniciou trabalho de polarização para organizar a comunidade na região de Itapeva e Itararé, de modo especial com a arregimentação dos reflorestadores e dos poderes públicos da região, no que foi também apoiado pela direção da FLONA de Capão Bonito.

Esta iniciativa havia evoluído, em 1986, para um trabalho conjunto com a Delegacia do IBDF, Polícia Florestal e de Mananciais, DEPRN, CONSEMA, Associação dos Reflorestadores, entre outros, na tentativa de ampliar este tipo de organização para todo o Estado. Hoje, nesta ação conjunta, o suporte físico fundamental tem sido a rede de Florestas e Estações Experimentais, Parques Estaduais, Estações Ecológicas e Viveiros Florestais sob administração do Instituto Florestal. O Anexo 15 demonstra este tipo de ação, através dos registros das ocorrências de incêndios atendidas em junho de 1990, o que é possível visualizar através do Gráfico 4, que revela os tipos de percentuais.


Com o relato apresentado, tivemos a intenção de demonstrar o potencial de nossa Instituição, naquilo que poderia contribuir para o desenvolvimento do Projeto FLORAM, e colocamo-nos à disposição para os esclarecimentos que se fizerem necessários.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Ago 1990
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