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O CAPACITISMO E SUAS FORMAS DE OPRESSÃO NAS AÇÕES DO DIA A DIA

Capacitism and its forms of oppression in everyday actions

RESUMO

Objetivo:

O acesso à informação, ao conhecimento a respeito de determinado assunto é fundamental para a eliminação de preconceitos, comportamentos discriminatórios, entre outras questões. Neste sentido, o estudo tem como proposta apresentar o capacitismo e suas formas de opressão instituídas na sociedade.

Método:

Teórico-reflexivo, fundamentado por uma revisão de literatura de natureza exploratória com abordagem qualitativa nos moldes de um ensaio.

Resultado:

Por intermédio de um estudo teórico, de cunho ensaístico, ressaltamos que comportamentos capacitistas podem acontecer de forma subliminar por meio de demonstrações ditas piedosas ou de expressões preconceituosas revestidas de caráter filantrópico relacionadas às características físicas ou mentais de indivíduos considerados com deficiência. O capacitismo também se revela de forma explícita por meio de expressões e olhares ofensivos e distanciamento corporal.

Conclusões:

Conhecer, via acesso às informações, essas formas de desrespeito às diversidades humanas, constitui-se no primeiro passo rumo à desconstrução do capacitismo em uma sociedade que almeja ser inclusiva. De acordo com esse quadro evidenciamos o papel da Ciência da Informação na disseminação de conhecimentos acerca da temática, bem como no emprego de termos de cunho ético, em seus produtos documentários.

PALAVRAS-CHAVE:
Capacitismo; Formas de capacitismo; Inclusão Social; Ciência da Informação

ABSTRACT

Objective:

Access to information, to knowledge about a certain subject is fundamental for the elimination of prejudices, discriminatory behaviors, among other issues. In this sense, the study proposes to present capacitism and its forms of oppression instituted in society.

Methods:

Theoretical reflexive, based on an exploratory literature review with a qualitative approach in the form of an essay.

Results:

By means of a theoretical study, of essayistic nature, we emphasize that capacitating behaviors can happen subliminally by means of so-called pious demonstrations or prejudiced expressions dressed as philanthropic character related to the physical or mental characteristics of individuals considered deficient. Capacitism is also explicitly revealed through offensive looks and expressions and bodily distancing.

Conclusions:

Knowing, through access to information, these forms of disrespect for human diversity are the first step toward the deconstruction of capacitism in a society that aims to be inclusive According to this framework, we evidence the role of Information Science in the dissemination of knowledge about the subject, as well as in the use of ethical terms in its documentary products.

KEYWORDS:
Capacitism; Forms of capacitismo; Diversity; Inclusion; Information Science

1 INTRODUÇÃO

A diversidade humana deve ser compreendida no âmbito de um conjunto de diferenças, de particularidades que caracterizam as pessoas como seres únicos e singulares. A dessemelhança contempla não somente aspectos biológicos, mas também comportamentais, culturais e sociais, os quais, a partir da pluralidade evidenciada, compõem uma sociedade.

Ao longo da história, concepções relacionadas às pessoas com deficiência1 1 Apesar de termos algumas ressalvas quanto ao emprego da expressão “pessoas com deficiência” para mencionar as condições físicas e mentais de alguns indivíduos, ela será utilizada no estudo, uma vez que é a expressão abalizada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006). estão ligadas à inclusão versus exclusão, segregação versus integração. Após a década de 90, foram formuladas legislações para pessoas com características específicas, como a impossibilidade de ver, ouvir ou se locomover sem auxílio de equipamentos, entre outras, buscando preconizar a inclusão social por intermédio da igualdade de oportunidades a serem oferecidas. Em que pese a importância desses instrumentos legais, muitas reflexões e mudanças de paradigmas ainda se fazem necessárias quando relacionadas à estigmatização de indivíduos que se distanciam do padrão de corpo perfeito, e/ou da mente ágil, inteligente, ou seja, aqueles considerados com deficiência.

Nas palavras de Santos (2021SANTOS, Larissa Xavier dos. Deficiência para um dicionário marxista: a política capacitista de uma palavra. Pensata: Revista dos Alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNIFESP, São Paulo, v. 9, n. 2, fev. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.34024/pensata.2020.v9.11100. Acesso em: 10 jun. 2023.
https://doi.org/10.34024/pensata.2020.v9...
, p. 12) tais ponderações, são imprescindíveis “[...] para compreender corpos que possuem particularidades que são compreendidas como ‘falhas’, isto é, características corporais que determinam a identidade de um grupo social resumida como deficiente.” São considerados com deficiência aqueles que possuem atributos físicos ou mentais que os diferenciam daqueles considerados perfeitos, que se inserem no padrão dominante da dita “normalidade”. A falta de informação a respeito dessa população, as ideias preconcebidas por parte da sociedade, acreditamos, fundamentam discriminações que trazem impactos negativos na vida dessas pessoas uma vez que propiciam a consolidação de uma cultura capacitista.

Assim, o capacitismo pode ser encarado como uma forma de opressão que define o indivíduo pela crença de que pessoas com deficiências são incapazes de realizar diferentes atividades, uma vez que possuem corpos ou mentes fora do padrão aceito como normal. Refletir acerca disso possibilita a desconstrução dessa concepção tão reducionista e perversa. De acordo com Mello (2016MELLO, Anahi Guedes de. Deficiência, incapacidade e vulnerabilidade: do capacitismo ou a preeminência capacitista e biomédica do Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC. Ciência & Saúde Coletiva [online]. Rio de Janeiro, v. 21, n.10, p.3265-3276, out. 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.07792016. Acesso em: 12 jun. 2023.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
, p. 3274, grifo nosso), o capacitismo,

[...] pode até ser uma categoria insuficiente na língua portuguesa, mas é justamente a capacidade de ser e fazer que é reiteradamente negada às pessoas com deficiência em diversas esferas da vida social. Por isso, para efeitos práticos, proponho a sua adoção nos movimentos sociais, nas produções acadêmicas e em documentos oficiais e políticas públicas.

O capacitismo, termo originário do vocábulo americano ableism, diz respeito à concepção de que somente o corpo “perfeito” é considerado “normal” e que os outros corpos, em virtude das suas particularidades, são classificados como deficientes. Estudos indicam que o termo, associado ao movimento pelos direitos das pessoas com deficiência e dos movimentos feministas, ganhou notoriedade nos Estados Unidos nas décadas de 1970 e 1980 (PRIMERANO, 2022PRIMERANO, Adrien. L’émergence des concepts de “capacitisme” et de “validisme” dans l’espace francofone: entre monde universitaire et monde militant. Alter, [S. l.], v. 16, n. 2, p.43-58, 2022. Disponível em: https://journals.openedition.org/alterjdr/683?lang=en. Acesso em: 18 jun.2023.
https://journals.openedition.org/alterjd...
, tradução livre). De acordo com o autor, a expressão capacitismo, está intimamente relacionada à ideia da obrigação de se ter um corpo válido, ao estabelecer uma dicotomia hierárquica entre pessoas com deficiência e pessoas sem deficiência e um sistema de opressão. De acordo com Campbell (2008CAMPBELL, Fiona Kumari. Refusing Able(ness): a preliminary conversation about ableism. M/C Journal, [S. l.], v. 11, n. 3. 2008. DOI:https://doi.org/10.5204/mcj.46. Disponível em: https://journal.media-culture.org.au/index.php/mcjournal/article/view/46. Acesso em: 6 jul. 2023.
https://doi.org/10.5204/mcj.46. Disponív...
, tradução livre), o capacitismo diz respeito a uma rede de crenças, processos e práticas em que corpos com características diferenciadas daqueles considerados normais são marginalizados, pois a deficiência, é apresentada como um estado diminuído do ser humano.

Para Sassaki (2014SASSAKI, Romeu Kazumi. Capacitismo, incapacitismo e deficientismo na contramão da inclusão. Reação: Revista Nacional de Reabilitação, São Paulo, v. 96, n. 7, p. 10-12, jan./fev. 2014. Disponível em: https://revistareacao.com.br/wp-content/uploads/2018/05/ED96.pdf. Acesso em: 12 jun. 2023.
https://revistareacao.com.br/wp-content/...
, p. 10), “O capacitismo está focalizado nas supostas ‘capacidades das pessoas sem deficiência’ como referência para mostrar as supostas ‘limitações das pessoas com deficiência”. Neste contexto, a deficiência está semanticamente ligada à incapacidade, desqualificação, à menor valia. Ainda que seja um termo pouco conhecido no Brasil as crenças pejorativas envolvendo pessoas com deficiências, vêm, há muito tempo, contribuindo para o aumento da exclusão social, uma vez que transformam-se em barreiras que impedem ou dificultam as relações sociais e/ou de trabalho desses cidadãos nas sociedades em que vivem.

O capacitismo é expresso por meio de atitudes intencionais ou não, internalizadas pela sociedade. Muitas vezes insultuosas, quer seja de forma direta, como a utilização de termos pejorativos, olhares ofensivos, afastamento corporal; quer seja de forma velada, disfarçada de comportamentos protetores, piedosos, bem como a formulação de exaltações à capacidade de superação ou algo similar, a cultura capacitista se faz presente. Todas essas formas discriminatórias, contribuem para o efeito de sentido pretendido, ou seja, consolidação do imaginário social existente que relaciona determinados públicos, à fragilidade, incapacidade e dependência.

Diante dessa categorização equivocada em que o capacitismo se assenta, cabe à sociedade combatê-lo, produzindo e disseminando informações que esclareçam a respeito das características de determinados grupos, seus direitos e deveres. Seguindo essa linha de raciocínio, importa enfatizar que o princípio que institui o ser humano “é a ação [...] de in-formar (dar forma, existência material, a um pensamento ou ideia) e se-informar (utilizar os registros materiais do conhecimento para construir suas ideias e pensamentos) (ARAÚJO, 2018ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O que é Ciência da Informação. Belo Horizonte: KMA, 2018., p. 102, grifos do autor).

A Ciência da Informação, ao possibilitar, por meio de procedimentos e produtos informacionais, o acesso, à recuperação da informação produzida para e pelos diferentes grupos sociais, torna-se instrumento de conscientização. Nesse sentido, consideramos as “áreas de interesse pertinentes à Ciência da Informação, bem como suas inter-relações e possibilidades de intervenção na sociedade” (FREIRE, 2006FREIRE, Gustavo Henrique de Araújo. Ciência da Informação: temática, histórias e fundamentos. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 11, n. 1, p. 6-19, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-99362006000100002. Acesso em: 12 fev. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1413-9936200600...
, p. 6). Assim, faz parte da Ciência da Informação contribuir com a minimização de preconceitos em diversos contextos sociais ao preocupar-se com as distorções semânticas, indicando possíveis modos de construção de sistemas de organização e representação do conhecimento, pautados em decisões éticas.

A produção e disseminação de informação, reiteramos, contribuem sobremaneira para mudar o contexto histórico, sobretudo as atitudes e ações que envolvem o capacitismo e principalmente para mudar a percepção da deficiência como algo negativo, por meio de leis e de procedimentos que expressem o apoio da sociedade. No âmbito da Ciência da Informação, Arquivologia, Biblioteconomia e Museologia, por exemplo, a não utilização de expressões capacitistas em seus resumos e palavras-chave, entre outros produtos informacionais relacionados à área, colabora para a diminuição dessas concepções tão prejudiciais ao estabelecimento de uma sociedade inclusiva.

Com o intuito de apresentar o capacitismo e suas formas de opressão instituídas na sociedade e seu nocivo impacto na vida de muitos seres humanos, realizamos um estudo de caráter teórico-reflexivo, fundamentado por uma revisão de literatura de natureza exploratória com abordagem qualitativa nos moldes de um ensaio. Assim, nos reportamos a Medeiros (1997MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica: a prática de fichamentos, resumos, resenhas. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1997., p. 181), quando define o gênero textual Ensaio, como sendo “[...] uma exposição metódica dos estudos realizados e das conclusões originais a que se chegou após apurado exame do assunto.” Tal opção metodológica, surgiu da iminente necessidade de propiciar mais esclarecimentos a respeito das consequências de uma cultura capacitista em uma sociedade que se quer inclusiva.

2 AS DEFICIÊNCIAS E O CAPACITISMO

Os diferentes tipos de preconceitos estão sempre presentes na constituição da espécie humana. Nessa perspectiva, “Os estudos sobre o direito das pessoas com deficiência não estão dissociados dos fatos históricos, reveladores que são da evolução da sociedade e da consequente edição de suas leis”, como nos lembra Gugel (2008GUGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e a sua relação com a história da humanidade. AMPID (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência), 2008. Disponível em: http://www.ampid.org.br/ampid/Artigos/PD_Historia.php. Acesso em: 11 jun.2023.
http://www.ampid.org.br/ampid/Artigos/PD...
, p. 1). De acordo com a autora, na mesma obra e página, nos grupos primitivos era impossível a sobrevivência de uma pessoa com deficiência, devido ao ambiente hostil e porque se constituíam em um fardo para os outros membros do grupo. Crianças que nasciam com alguma limitação, eram abandonadas ou sacrificadas. Havia naquela época e de acordo com padrões previamente estabelecidos, a ideia de que a pessoa que não se encontrava dentro dos padrões deveria ser excluída, discriminada, pois era considerada, devido às limitações, um castigo de Deus.

Na trajetória humana, as percepções a respeito das pessoas que possuem características que as diferenciam da maioria, sempre estiveram e ainda estão relacionadas à falta de informação e consequentemente, apoiam-se no misticismo, superstição e aversão. No que tange aos tipos de preconceitos mais evidenciados, inserem-se aqueles relacionados ao gênero, questões religiosas, cor da pele, etnia, faixa etária, classe social, pela aparência física e, consequentemente, pela característica física considerada inadequada aos padrões ditos normais. Entretanto, qualquer forma de preconceito, de discriminação, é prejudicial a vida humana e à sociedade.

Para compreender a temática relacionada à deficiência, importa mencionar a discussão acerca de seus modelos, os quais, considerando diferentes períodos históricos, tiveram relevantes transformações fundamentadas, seja pela necessidade das pessoas ou pelos sistemas social, político e econômico. Augustin (2012AUGUSTIN, Ingrid Renata Lopes. Concepções de membros do Conselho Municipal de Educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2012. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/644?show=full. Acesso em: 11 jun. 2023.
https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/...
) esclarece que movimentos de humanização e caridade à pessoa com deficiência foram consolidados a partir das passagens bíblicas, durante a era pré-cristã, iniciada ainda no Império Romano, as quais sugeriam o respeito e a ajuda - a caridade passou receber a valorização, como forma de redenção. Nesta perspectiva, Sampaio e Ferreira (2019SAMPAIO, Thiago da Silva; FERREIRA, Vitor Siqueira. Modelos de deficiência/ Modelos de deficiência. Revista Brasileira de Desenvolvimento, Curitiba, v. 5, n. 11, p.25676-25683, nov. 2019. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/4719. Acesso em: 21 jun. 2023.
https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs...
, p. 25678), ressaltam que:

A forma como uma determinada sociedade entende a deficiência interfere definitivamente no modo que as pessoas com deficiência são tratadas. Ao longo da história do movimento político das pessoas com deficiência, conceitos e paradigmas foram e são alterados sistematicamente.

Contagiada pelas ideias humanistas da Revolução Francesa, no século XIX, a sociedade começou a compreender que a população com deficiências não necessitava apenas “de hospitais e abrigos, mas, também, de atenção especializada”. É nesse período que são criadas organizações para estudar os problemas de cada deficiência, preocupando-se também, com a reabilitação para atuarem no mundo do trabalho, bem como “Difundem-se então os orfanatos, os asilos e os lares para crianças com deficiência física” (GUGEL, 2008GUGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e a sua relação com a história da humanidade. AMPID (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência), 2008. Disponível em: http://www.ampid.org.br/ampid/Artigos/PD_Historia.php. Acesso em: 11 jun.2023.
http://www.ampid.org.br/ampid/Artigos/PD...
, p. 1). Dando continuidade aos estudos a respeito dessa população, no século seguinte podemos constatar que houve um avanço em busca pelo bem-estar das pessoas com deficiência, no que diz respeito à tecnologia. Nas palavras de Gugel (2008GUGEL, Maria Aparecida. A pessoa com deficiência e a sua relação com a história da humanidade. AMPID (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência), 2008. Disponível em: http://www.ampid.org.br/ampid/Artigos/PD_Historia.php. Acesso em: 11 jun.2023.
http://www.ampid.org.br/ampid/Artigos/PD...
, p. 2)

Os instrumentos que já vinham sendo utilizados - cadeira de rodas, bengalas, sistema de ensino para surdos e cegos, dentre outros - foram se aperfeiçoando. A sociedade, não obstante as sucessivas guerras, organizou-se coletivamente para enfrentar os problemas e para melhor atender a pessoa com deficiência.

Assim sendo, apresentamos três enfoques dados à concepção de deficiência, ressaltando que estes modelos emergem de acordo com a necessidade da sociedade, assim como das próprias pessoas com deficiência:

● Modelo Caritativo: a pessoa com deficiência é vista como vítima de sua incapacidade, reforçado pelo conceito de caridade, no sentido de piedade e vistos como incapazes e carentes de total assistência. O modelo caritativo, vê as pessoas com deficiência como vítimas de circunstâncias, que merecem pena e precisam de ajuda.

Para elucidar, Augustin (2012AUGUSTIN, Ingrid Renata Lopes. Concepções de membros do Conselho Municipal de Educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2012. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/644?show=full. Acesso em: 11 jun. 2023.
https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/...
, p. 56) relaciona ao modelo caritativo, o modelo religioso, “presente em sociedades religiosas extremistas, com o conceito de que a deficiência é um castigo, seja da própria pessoa com deficiência ou até mesmo atribuída à família”. Dando continuidade, a autora ressalta que nesse contexto, buscavam justificativas da situação das pessoas com deficiência nos ensinamentos da religião. Outra derivação do modelo caritativo, na perspectiva de Augustin (2012, p. 53) é o modelo moral. Considerado o mais antigo, “no qual muitas culturas associam a deficiência à vergonha e culpa.” Essa proposta descarta a pessoa com deficiência de qualquer meio ou participação social, o que pode ocasionar sérios problemas de saúde e impacto na autoestima desses cidadãos. O modelo caritativo considera essas pessoas como “tendo uma vida trágica e sofrida, merecedora de ajuda e caridade, pois é considerada diferente da normalidade” (AUGUSTIN, 2012AUGUSTIN, Ingrid Renata Lopes. Concepções de membros do Conselho Municipal de Educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2012. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/644?show=full. Acesso em: 11 jun. 2023.
https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/...
, p. 53). Neste contexto, observa-se que são pessoas que têm à disposição transporte especial, escolas especializadas, prédios especiais. Entretanto, como afirma a autora, essa diferenciação, muitas vezes, faz com que as pessoas com deficiências se percebam como pessoas necessitadas de ajuda, dependentes de caridade, entre outros aspectos.

● Modelo Médico (ou Modelo Biomédico): a deficiência é vista como um problema da pessoa, que deve ser tratado e curado. A pessoa com deficiência precisa se ajustar ou se adaptar ao ambiente. Sassaki (2014SASSAKI, Romeu Kazumi. Capacitismo, incapacitismo e deficientismo na contramão da inclusão. Reação: Revista Nacional de Reabilitação, São Paulo, v. 96, n. 7, p. 10-12, jan./fev. 2014. Disponível em: https://revistareacao.com.br/wp-content/uploads/2018/05/ED96.pdf. Acesso em: 12 jun. 2023.
https://revistareacao.com.br/wp-content/...
), menciona que no modelo médico a deficiência é tida como fator responsável pela não participação/não aceitação de pessoas com deficiência nos sistemas da sociedade. Considerada um fator negativo, a deficiência precisaria ser eliminada ou reduzida a fim de que a pessoa com deficiência fosse parte da sociedade.

Neste cenário, França (2013FRANÇA, Tiago Henrique. Modelo Social da Deficiência: uma ferramenta sociológica para a emancipação social. Lutas Sociais, São Paulo, v.17, n.31, p.59-73, jul./dez. 2013. Disponível em: https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol%2031/tiago-henrique-franca.pdf. Acesso em: 1 out. 2022.
https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol%...
, p. 60) observa que no modelo médico

[...] a deficiência seria a consequência lógica e natural do corpo com lesão, adquirida inicialmente por meio de uma doença, sendo uma como consequência desta. A deficiência seria em si a incapacidade física, e tal condição levaria os indivíduos a uma série de desvantagens sociais. Uma vez sendo identificada como orgânica, para se sanar a deficiência, dever-se-ia fazer uma ou mais intervenções sobre o corpo para promover seu melhor funcionamento (quando possível) e reduzir assim as desvantagens sociais a serem vividas.

O século XVIII foi o período em que a medicina avançou na busca pela reabilitação de pessoas, pois “A ciência começou a compreender a deficiência dissociando-a de bruxarias e outras explicações místicas, voltando-se, consequentemente, para a descoberta da cura de algumas patologias existentes” (AUGUSTIN, 2012AUGUSTIN, Ingrid Renata Lopes. Concepções de membros do Conselho Municipal de Educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2012. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/644?show=full. Acesso em: 11 jun. 2023.
https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/...
, p. 53). Foram estas transformações que permanecem até os dias atuais como modelo médico, ou seja, de atendimento e serviços para a pessoa com deficiência. Esse modo de raciocínio, entende que a pessoa com deficiência é portadora de uma patologia e desta forma, busca a redução de incidência de deficiência, no que tange aos benefícios físicos e sensoriais. No entanto, há considerações com relação ao modelo médico, ao reconhecer que a sociedade, limita às pessoas com deficiência, mantendo a percepção da anormalidade, sendo assim as pessoas continuam sendo vistas como diferentes da maioria das pessoas, como assevera Augustin (2012AUGUSTIN, Ingrid Renata Lopes. Concepções de membros do Conselho Municipal de Educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2012. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/644?show=full. Acesso em: 11 jun. 2023.
https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/...
).

● Modelo Social: emergiu nos anos 1960, como reação estimulada ao modelo médico. Definindo a deficiência um atributo do indivíduo, bem como uma complexidade de condições as quais (muitas) são criadas pelo ambiente social que envolvem barreiras relacionadas às atitudes negativas e exclusão pela sociedade. Sampaio e Ferreira (2019SAMPAIO, Thiago da Silva; FERREIRA, Vitor Siqueira. Modelos de deficiência/ Modelos de deficiência. Revista Brasileira de Desenvolvimento, Curitiba, v. 5, n. 11, p.25676-25683, nov. 2019. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/4719. Acesso em: 21 jun. 2023.
https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs...
) descrevem que o objetivo do modelo social era questionar a compreensão da deficiência, que era tratada como um problema estritamente do indivíduo, e erigi-la às situações causadas por condições sociais. Para elucidar, Sassaki (2014SASSAKI, Romeu Kazumi. Capacitismo, incapacitismo e deficientismo na contramão da inclusão. Reação: Revista Nacional de Reabilitação, São Paulo, v. 96, n. 7, p. 10-12, jan./fev. 2014. Disponível em: https://revistareacao.com.br/wp-content/uploads/2018/05/ED96.pdf. Acesso em: 12 jun. 2023.
https://revistareacao.com.br/wp-content/...
, p. 10) pontua que “A deficiência é apenas um dos atributos da diversidade humana. Ela não é necessariamente negativa, errada ou indesejável” e o fator responsável pela não participação, assim como pela não aceitação de pessoas com deficiência, constitui-se de barreiras existentes na sociedade, ou seja, aquelas atitudinais, arquitetônicas, comunicacionais, metodológicas, instrumentais, programáticas e naturais. As deficiências não são restritas ao corpo do indivíduo e que a vida, o dia a dia da pessoa com deficiência pode ser melhorada.

No que diz respeito ao modelo social, França (2013FRANÇA, Tiago Henrique. Modelo Social da Deficiência: uma ferramenta sociológica para a emancipação social. Lutas Sociais, São Paulo, v.17, n.31, p.59-73, jul./dez. 2013. Disponível em: https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol%2031/tiago-henrique-franca.pdf. Acesso em: 1 out. 2022.
https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol%...
, p. 62) esclarece que

As principais premissas que acompanham essa definição de deficiência postulam que: a deficiência é uma situação, algo que sistematicamente acontece durante a interação social; a deficiência deve ser erradicada; as pessoas com deficiência devem assumir o controle de suas próprias vidas; os profissionais e especialistas que trabalham com a questão devem estar comprometidos com o ideal da independência.

Essa definição de deficiência, está ligada a um estilo de vida imposto às pessoas com determinadas lesões no corpo, inclusivamente marcado pela exclusão e opressão vivenciadas (FRANÇA, 2013FRANÇA, Tiago Henrique. Modelo Social da Deficiência: uma ferramenta sociológica para a emancipação social. Lutas Sociais, São Paulo, v.17, n.31, p.59-73, jul./dez. 2013. Disponível em: https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol%2031/tiago-henrique-franca.pdf. Acesso em: 1 out. 2022.
https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol%...
). O “Modelo Social aponta criticamente para o modo como a sociedade se organiza, desconsiderando a diversidade das pessoas e excluindo pessoas com deficiência de meios sociais e políticos.” (AUGUSTIN, 2012AUGUSTIN, Ingrid Renata Lopes. Concepções de membros do Conselho Municipal de Educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2012. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/644?show=full. Acesso em: 11 jun. 2023.
https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/...
, p. 53). Cabe ressaltar que o modelo social tem contribuído para que a pessoa com deficiência retome o controle de sua própria vida, tomando decisões, participando de forma ativa e política de sua comunidade. Busca-se por meio das doutrinas de igualdade, oportunidades a partir de uma base equitativa. Argumenta que nesse contexto que “não haveria deficiência dentro de uma sociedade plenamente desenvolvida, reflexão que leva a compreender que a deficiência assume uma dimensão social que leva ao processo de exclusão” (AUGUSTIN, 2012, p. 55).

Ao concordar com esta afirmação França (2013FRANÇA, Tiago Henrique. Modelo Social da Deficiência: uma ferramenta sociológica para a emancipação social. Lutas Sociais, São Paulo, v.17, n.31, p.59-73, jul./dez. 2013. Disponível em: https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol%2031/tiago-henrique-franca.pdf. Acesso em: 1 out. 2022.
https://www4.pucsp.br/neils/revista/vol%...
) reforça a ideia de que o modelo social, ao compreender a deficiência como uma construção social, subsidiou a luta pela integração das pessoas com deficiência. Nesta direção, Augustin (2012AUGUSTIN, Ingrid Renata Lopes. Concepções de membros do Conselho Municipal de Educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2012. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/644?show=full. Acesso em: 11 jun. 2023.
https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/...
) observa que o modelo social, aponta três barreiras principais enfrentadas pela pessoa com deficiência: as barreiras de acessibilidade, institucionais e atitudinais e que ao superá-las, acredita-se que haverá um impacto benéfico para toda a comunidade.

A Lei Brasileira da Inclusão das Pessoas com Deficiência (LBI), Lei n° 13.146, de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), é destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Assim, a deficiência é resultante da interação entre o sujeito que possui impedimento de longo prazo - de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, - com barreiras de acessibilidade impostas pelo meio, mais especificamente, pelo Estado e pela sociedade. No que tange à “barreira”, trata-se de qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa com deficiência e o exercício de seus direitos (BRASIL, 2015).

Diante do panorama evidenciado, destacamos os tipos de barreiras e ações mais recorrentes na atualidade. As barreiras de acessibilidade são obstáculos perceptíveis ou não, que um indivíduo encontra para interagir, se comunicar e ter autonomia às determinadas situações do dia a dia, tais como:

  • a) barreiras urbanísticas: Nas vias e espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo Exemplos: calçadas irregulares, falta de piso podotátil e de rampas; ruas sem rampas de acesso; não há vagas de estacionamento exclusivo para pessoas com deficiência;

  • b) barreiras arquitetônicas: em construções e edifícios públicos ou privados. Exemplo: calçamento estreito e irregular; rampas de acesso muito íngremes, falta de sanitários adaptados;

  • c) barreiras nos transportes: nos sistemas e meios de transportes. Exemplo: falta de ônibus adaptados e pontos de ônibus com caminhos inacessíveis, para atender às pessoas com deficiência;

  • d) barreiras nas comunicações e na informação: dificultam ou impossibilitam a expressão ou o recebimento de mensagens, pois há barreiras na comunicação interpessoal, na escrita e na comunicação virtual, dificultando o recebimento de informações por meio de sistemas de comunicação e de tecnologias. Exemplos: apresentações de eventos sem intérpretes de Libras; sem adaptação de software e sem Libras;

  • e) barreiras atitudinais: Nem sempre intencionais ou percebidas. No entanto, são atitudes e barreiras que devem ser excluídas, pois impedem ou prejudicam a participação social das pessoas com deficiência em igualdade de condições. Exemplos: utilização de rótulos e estereótipos; elaborar projetos sem incluir aspectos de acessibilidade; promover eventos sem prever a participação de pessoas com deficiência; não atender ou atender precariamente os usuários com deficiência e

  • f) barreiras tecnológicas: barreiras que impedem e dificultam o acesso das pessoas com deficiências às tecnologias. Exemplos: computadores sem tecnologia assistiva, aplicativos pensados apenas para pessoas sem deficiência; sites sem tradução para Libras.

Seron et al. (2021SERON, Bruna Barboza; SOUTO, Elaine Cappellazzo; MALAGODI, Bruno Marson; GREGUOL, Márcia. O esporte para pessoas com deficiência e a luta anticapacitista - dos estereótipos sobre a deficiência à valorização da diversidade. Movimento: Revista de Educação Física da UFRGS, Porto Alegre, v. 27, p.e 27048, p. 1-16, jan./dez. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8918.113969. Acesso em: 12 jun. 2023.
https://doi.org/10.22456/1982-8918.11396...
, p. 4) afirmam que “o modelo social compreende a deficiência como uma forma particular de opressão social em que as desvantagens sociais são decorrentes de contextos e ambientes pouco sensíveis à diversidade”, ou seja, a deficiência não está no corpo, porém em barreiras sociais. Se o problema é com a sociedade e o meio ambiente, a sociedade e o meio ambiente precisam mudar. Nessa perspectiva, Augustin (2012AUGUSTIN, Ingrid Renata Lopes. Concepções de membros do Conselho Municipal de Educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2012. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/644?show=full. Acesso em: 11 jun. 2023.
https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/...
, p. 56) acrescenta que

Se um usuário de cadeira de rodas não pode usar um ônibus, o ônibus deve ser redesenhado. Desta forma, esse Modelo aponta para a eliminação das barreiras atitudinais, físicas e institucionais, buscando melhorar a vida das pessoas com deficiência, dando-lhes as mesmas oportunidades que os outros numa base equitativa. Levada à sua conclusão lógica, não haveria deficiência dentro de uma sociedade plenamente desenvolvida.

É facilmente observável que a discriminação está inserida em nossa sociedade, por meio de crenças estigmatizadoras envolvendo as pessoas com deficiências, mesmo com campanhas de divulgação e diferentes formas de conscientização. A este respeito Seron et al. (2021SERON, Bruna Barboza; SOUTO, Elaine Cappellazzo; MALAGODI, Bruno Marson; GREGUOL, Márcia. O esporte para pessoas com deficiência e a luta anticapacitista - dos estereótipos sobre a deficiência à valorização da diversidade. Movimento: Revista de Educação Física da UFRGS, Porto Alegre, v. 27, p.e 27048, p. 1-16, jan./dez. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8918.113969. Acesso em: 12 jun. 2023.
https://doi.org/10.22456/1982-8918.11396...
, p. 3), descrevem que “A deficiência sempre foi equivocadamente compreendida como um padrão anormal da existência humana”. No entanto, é possível constatar, em especial nas duas últimas décadas, um significativo avanço com relação a legislação “sobre a garantia de direitos de acesso de pessoas com essa condição nas mais diversas atividades sociais, [...]” (SERON et al., 2021SERON, Bruna Barboza; SOUTO, Elaine Cappellazzo; MALAGODI, Bruno Marson; GREGUOL, Márcia. O esporte para pessoas com deficiência e a luta anticapacitista - dos estereótipos sobre a deficiência à valorização da diversidade. Movimento: Revista de Educação Física da UFRGS, Porto Alegre, v. 27, p.e 27048, p. 1-16, jan./dez. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.22456/1982-8918.113969. Acesso em: 12 jun. 2023.
https://doi.org/10.22456/1982-8918.11396...
, p. 3). Em que pese esses movimentos em prol desses indivíduos, há muito o que se fazer ainda. A discriminação e o preconceito nunca tiveram uma perspectiva obsoleta, ao contrário, encontram-se presentes na sociedade seja a de outrora ou contemporânea.

Decorre, das pessoas que têm uma deficiência, seja ela físico-motora, visual, auditiva, intelectual, e outras, a noção de que são pessoas inferiores em relação aos indivíduos que não possuem deficiência. Mello e Cabistani, (2019MELLO, Letícia Souza; CABISTANI, Luiza Griesang. Capacitismo e lugar de fala: repensando barreiras atitudinais. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 23, p.118-139, abr. 2019. Disponível em: https://revistadpers.emnuvens.com.br/defensoria/article/view/112/97. Acesso em: 12 jun. 2023.
https://revistadpers.emnuvens.com.br/def...
, p. 120) afirmam que o preconceito com “pessoas com deficiência configura-se como um mecanismo de negação social, já que as diferenças são vistas como carência, falta ou impossibilidade”. Corroborando esta afirmação, Augustin (2012AUGUSTIN, Ingrid Renata Lopes. Concepções de membros do Conselho Municipal de Educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2012. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/644?show=full. Acesso em: 11 jun. 2023.
https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/...
), nos lembra que a concepção que se tem de deficiência é reflexo de paradigmas historicamente constituídos. Nessa direção, ao nos reportarmos a uma pessoa com deficiência julgando-a inapta ou mesmo incapaz, devido a sua limitação, cometemos contra ela uma violência capacitista, refletindo a falta de conscientização, respeito e empatia em relação a importância da sua inclusão, bem como de acessibilidade.

Para Vendramin (2019VENDRAMIN, Carla. Repensando mitos contemporâneos: o capacitismo. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL REPENSANDO MITOS CONTEMPORÂNEOS, 3., 2019, Campinas, SP. Anais [...]. Campinas, SP: UNICAMP/SOFIA, 2019. p.16-25. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/simpac/article/view/4389. Acesso em: 6 jul.2023.
https://www.publionline.iar.unicamp.br/i...
, p. 17) “Capacitismo é a leitura que se faz a respeito de pessoas com deficiência, assumindo que a condição corporal destas é algo que, naturalmente, as define como menos capazes” e encontra-se presente em simples ações do dia a dia, ofendendo aqueles indivíduos considerados “anormais”, ampliando o processo de exclusão social, quando são estabelecidas barreiras que impedem as relações sociais dessas com seu meio de convívio social. Diante disto, se faz necessário inverter aquilo que foi construído como norma, ou seja,

[...] como regime de verdade e como problema habitual: compreender o discurso da deficiência, para logo revelar que o objeto desse discurso não é a pessoa que está em uma cadeira de rodas ou o que usa um aparelho auditivo ou o que não aprende segundo o ritmo e a forma como a norma espera, senão os processos sociais, históricos, econômicos e culturais que regulam e controlam a forma acerca de como são pensados e inventados os corpos e as mentes dos outros. Para explicá-lo mais detalhadamente: a deficiência não é uma questão biológica e sim uma retórica social, histórica e cultural (SKLIAR, 1999SKLIAR, Carlos. A invenção e a exclusão da alteridade “deficiente” a partir dos significados da normalidade. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p.15-32, jul./ dez.1999. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/55373/33644 . Acesso em: 2 out. 2022.
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacao...
, p. 18).

Neste contexto, a deficiência está rela cionada com a ideia da normalidade, com sua historicidade e com os aspectos culturais. Assim, torna-se claro o quanto a sociedade influencia na qualidade de vida das pessoas ao adotar um modelo social de convivência caracterizado como o “da deficiência”, que considera a pessoa como incapaz de realizar algo sozinha, desconsiderando assim,

[...] o que as pessoas com deficiência são capazes de ser e fazer para serem consideradas plenamente humanas. Isto é, “esquece-se” que as pessoas com deficiência podem desenvolver outras habilidades não agregadas à sua incapacidade biológica (não ouvir, não enxergar, não andar, não exercer de forma plena todas as faculdades mentais ou intelectuais etc.) e serem socialmente capazes de realizar a maioria das capacidades que se exige de um “normal”, tão ou até mais que este (MELLO, 2014MELLO, Anahi Guedes de. Gênero, Deficiência, Cuidado e Capacitismo: uma análise antropológica de experiências Narrativas e Observações Sobre Violência Contra Mulheres Com Deficiência. 2014. 260 f. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/182556?show=full. Acesso em: 21 jun. 2023.
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
, p. 94).

Desta forma, reiteramos que ações de caráter capacitista podem ocorrer de forma direta, tais como o bullying, violência física e, de forma indireta e não menos cruel, por meio da superproteção e exclusão como forma de “proteger” o indivíduo. As pessoas com deficiência, reiteramos, experimentam capacitismo de muitas formas, desde o aparentemente benevolente (infantilização, ajuda inesperada ou não solicitada, invasão de privacidade) até o abertamente hostil (NARIO-REDMONT; SILVERMAN, 2019, tradução livre).

Portanto, o capacitismo trata-se de uma postura que procede de um julgamento moral, associado, unicamente à capacidade e à funcionalidade de estruturas corporais, que busca avaliar. Assim sendo, é fato que a análise de questões culturais e sociais se torna relevante para que seja possível suscitar discussões no sentido de buscar e possibilitar uma sociedade mais justa, que respeite as diferenças entre os indivíduos. Para Foucault (2001FOUCAULT, Michel. Os Anormais. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 204), a norma quando vista “como regra de conduta, como lei informal, como princípio de conformidade", coteja com a irregularidade, assim como com a desordem, a esquisitice, a excentricidade, o desnivelamento e a discrepância e assim, age e reage “como princípio de funcionamento adaptado e ajustado". No tocante, ainda segundo o autor

A norma está em jogo no interior das normalidades diferenciais. O normal é que é primeiro, e a norma se deduz dele, ou é a partir desse estudo das normalidades que a norma se fixa e desempenha seu papel operatório. Logo, eu diria que não se trata mais de uma normação, mas sim, no sentido estrito, de uma normalização (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população. São Paulo: Martins Fontes, 2008., p. 82).

Neste contexto, delineamos a possibilidade de uma sociedade inclusiva fundamentada em uma perspectiva igualitária, ou seja, uma sociedade com comportamentos associados ao rompimento do processo capacitista, vivenciado pelas pessoas com deficiência ao longo da história. Uma sociedade inclusiva vale lembrar, é pautada na integração de todas as pessoas, por meio de um conjunto de medidas direcionadas a indivíduos excluídos do meio social. Como a deficiência é uma condição intrinsecamente adversa, faz parte do senso comum que as pessoas com deficiência são socialmente vulneráveis. Entretanto, importa ressaltarmos que a vulnerabilidade não deve ser confundida ou interpretada como incapacidade em função de uma premissa capacitista. Nesta perspectiva, torna-se imprescindível, cada vez mais, ampliar os estudos, disseminar informações e ações visando oportunizar reflexões acerca das deficiências humanas, em especial, a tendência de discurso de normalização a elas impostas.

Com base em Sassaki (2003SASSAKI, Romeu Kazumi. Como chamar as pessoas que têm deficiência. In.: SASSAKI, Romeu Kazumi. (Org.) Vida independente: História, movimento, liderança, conceito, filosofia e fundamentos. São Paulo: RNR, 2003. p.12-16.) e no Dicionário Anticapacitista (2022) destacamos alguns comportamentos sociais voltados à proposta de ações anticapacitistas, como a seguir:

  • - não esconder ou camuflar a deficiência;

  • - mostrar com dignidade a realidade da deficiência;

  • - valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência;

  • - defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas;

  • - identificar nas diferenças todos os direitos que lhes são pertinentes e a partir daí encontrar medidas específicas para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de participação” (dificuldades ou incapacidades);

  • - evitar o emprego da palavra "portador" e substituir por pessoa com deficiência, pessoa com síndrome de Down, pessoa cega, pessoa surda, pessoa com nanismo;

  • - lembrar que não são pessoas especiais ou pessoas com necessidades especiais. Esses termos fomentam a ideia de que pessoa com deficiência é frágil, precisa de ajuda ou é uma coitada ou tadinha;

  • - é importante evitar também o uso das expressões “superou a deficiência", "apesar da deficiência", "venceu a deficiência", pois esse tipo de linguagem reforça que a deficiência é um problema ou um mal, quando é uma condição ou característica;

  • - nem sempre as pessoas com deficiência precisam de ajuda. Por isso, é importante perguntar antes dar o braço a um cego ou empurrar uma cadeira de rodas. Espere que a pessoa responda e em caso positivo questione a maneira correta de proceder;

  • - não formular expressões como “Dar uma de João sem braço” quando queremos mencionar que a pessoa não está disposta a ajudar ou quando é preguiçosa. “Dar uma mancada” para elucidar um erro cometido. Perguntar “está cego/surdo” quando o interlocutor não está prestando atenção, uma vez que poder ouvir ou ver não está relacionado com a capacidade de prestar atenção. Empregar palavras no diminutivo, como ceguinho ou mudinho tem uma conotação de diminuição do valor da pessoa devido às suas características.

Seguindo esse mesmo pensamento, o Dicionário Anticapacitista (2022) lista algumas expressões e questionamentos que devem ser excluídos do nosso vocabulário, como por exemplo:

  • - nossa, nem acredito que você tem alguma deficiência! Achar que essa expressão é elogiosa, parte do princípio que ter alguma deficiência é algo ruim e que deva ser escondido, o que é uma inverdade;

  • - mas como você consegue fazer as coisas? Pessoas com características diferenciadas são tão capazes quanto quaisquer indivíduos. O que os diferencia é que às vezes eles necessitam de algumas adaptações, resultantes das inúmeras barreiras que enfrentam;

  • - essa pessoa é um exemplo de superação! Ainda que muitos acreditem tratar-se de elogio, essa afirmativa evidencia um pensamento capacitista, ao considerar que deficientes são tão incapazes, que qualquer ação que realizem, transforma-se em exemplo de triunfo;

  • - mesmo sendo cego/surdo você é tão inteligente! Mesmo sob forma de elogio, essa afirmação revela a concepção de que a inteligência é atributo somente de pessoas consideradas normais e, portanto, é carregada de opressão capacitista.

A análise de algumas expressões, comportamentos e concepções, empregadas no cotidiano, evidencia o quanto a sociedade impede que as pessoas com deficiência possam viver em condições de igualdade. De forma subliminar ou explícita, ao adotar um modelo social de convivência caracterizado como o da deficiência em contraponto com o da normalidade, a sociedade promove e valida a cultura de exclusão. Uma sociedade acolhedora e que respeita a diversidade humana, dificulta sobremaneira que essa cultura separatista continue proliferando. Como pondera Santos (2021SANTOS, Larissa Xavier dos. Deficiência para um dicionário marxista: a política capacitista de uma palavra. Pensata: Revista dos Alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UNIFESP, São Paulo, v. 9, n. 2, fev. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.34024/pensata.2020.v9.11100. Acesso em: 10 jun. 2023.
https://doi.org/10.34024/pensata.2020.v9...
, p. 1), “Desconstruir a naturalização do capacitismo é um caminho para repensarmos o modo em que vivemos[...]”, entre outras questões.

Mello e Cabistani (2019MELLO, Letícia Souza; CABISTANI, Luiza Griesang. Capacitismo e lugar de fala: repensando barreiras atitudinais. Revista da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, n. 23, p.118-139, abr. 2019. Disponível em: https://revistadpers.emnuvens.com.br/defensoria/article/view/112/97. Acesso em: 12 jun. 2023.
https://revistadpers.emnuvens.com.br/def...
), descrevem que, atualmente, o paradigma inclusivo para o tratamento das pessoas com deficiência vem se consolidando. Ratifica-se a possibilidade de pensar a inclusão tanto pelo reconhecimento de lutas históricas de participação social de grupos vistos como minoritários, assim como na garantia de direitos sociais e nas formas de se viver na atualidade. Neste sentido, a “inclusão é uma condição necessária tanto para a diminuição das desigualdades quanto para a constituição de uma forma de vida mais democrática e participativa na contemporaneidade” (FROHLICH; LOPES, 2018FROHLICH, Raquel; LOPES, Maura Corcini. Serviços de apoio à inclusão escolar e a constituição de normalidades diferenciais. Revista Educação Especial, Santa Maria, v. 31, n. 63, p. 995-1008, out./dez. 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5902/1984686X33074. Acesso em: 11 jun. 2023.
http://dx.doi.org/10.5902/1984686X33074...
, p. 211).

Por certo, uma das formas que os indivíduos entram em contato com a realidade ocorre pela informação confiável, veiculada pelos meios de comunicação ou de massa. Logo, “um dos objetivos da ciência da informação seria contribuir para a informação se tornar, cada vez mais, um elemento de inclusão social, trazendo desenvolvimento para as pessoas e nações” (FREIRE, 2006FREIRE, Gustavo Henrique de Araújo. Ciência da Informação: temática, histórias e fundamentos. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 11, n. 1, p. 6-19, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-99362006000100002. Acesso em: 12 fev. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1413-9936200600...
, p. 17).

3 A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

É neste cenário que este estudo se estabelece, possibilitando reflexões a respeito de estratégias de disseminação de informação e conhecimento confiáveis, estabelecidos pela ética. Os profissionais da informação devem se organizar elaborando textos ou documentos que possam atender a necessidade de um determinado grupo da sociedade, cujas informações produzidas e veiculadas “serão úteis para seus usuários potenciais e que delas resultarão benefícios para a sociedade” (FREIRE, 2006FREIRE, Gustavo Henrique de Araújo. Ciência da Informação: temática, histórias e fundamentos. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 11, n. 1, p. 6-19, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-99362006000100002. Acesso em: 12 fev. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1413-9936200600...
. p. 17). Desta forma,

A Ciência da Informação deva continuar sua epopeia para descobrir novas formas de pensar e agir de maneira ativa nos diversos processos de comunicação na sociedade. Sociedade onde existem, cada vez mais, pessoas que precisam ter acesso à informação, nas mais diversas fontes e através dos mais variados canais. O que, em se tratando das atividades de informação [...], valorizando o que de mais importante existe no processo de comunicação da informação, os seres humanos, principal personagem desta narrativa. (FREIRE, 2006FREIRE, Gustavo Henrique de Araújo. Ciência da Informação: temática, histórias e fundamentos. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 11, n. 1, p. 6-19, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-99362006000100002. Acesso em: 12 fev. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1413-9936200600...
, p. 17).

Ao reportarmos à Freire (2006FREIRE, Gustavo Henrique de Araújo. Ciência da Informação: temática, histórias e fundamentos. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 11, n. 1, p. 6-19, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-99362006000100002. Acesso em: 12 fev. 2023.
https://doi.org/10.1590/S1413-9936200600...
, p. 16) quando ressalta que “a importância da informação no cotidiano da sociedade contemporânea, em especial nas atividades de educação e comunicação”, torna-se claro o caráter emergencial da promoção do anticapacitismo na sociedade brasileira, a partir de estudos e pesquisas da área da Ciência da Informação. Logo, aludimos a respeito da responsabilidade da Ciência da Informação em colaborar na imperiosa busca por caminhos que propiciem condições para a melhoria dos aspectos elucidados. De acordo com esse cenário de enaltecimento da informação, do conhecimento, como possibilidade de extinção de preconceitos, cabe evidenciar a Ciência da Informação. Partícipe do grande campo de conhecimento das Ciências Sociais Aplicadas, de acordo com Silva (2006SILVA, Armando Malheiro da. A informação: da compreensão do fenómeno e construção do objecto científico. Porto: Afrontamento, 2006., p. 140)

[...] investiga os problemas, temas e casos relacionados com o fenômeno info-comunicacional perceptível e cognoscível através da confirmação ou não das propriedades inerentes à gênese do fluxo, organização e comportamentos informacionais (origem, coleta, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transformação e utilização da informação).

De maneira complementar, mencionamos Araújo (2018ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O que é Ciência da Informação. Belo Horizonte: KMA, 2018., p. 40), quando destaca o enfoque social da Ciência da Informação ao observar nela “[...] uma postura em que os sujeitos passaram a ser vistos como o principal ator e objetivo dos chamados sistema de informação.” Desse modo, lembramos que o caráter interdisciplinar da área da Ciência da Informação associa-se a disseminação da informação para a garantia de direitos, assim como da participação social de grupos considerados minoritários, ao produzir e disseminar informação, desenvolver conhecimento e, sobretudo, constituir formas de se viver na atualidade. Quer seja por intermédio de atividades de mediação, no âmbito das unidades de informação, bibliotecas, arquivos e museus, quer seja no momento da escolha de termos para representar diferentes objetos informacionais, por meio de processos indexatórios realizados pelo profissional da informação, deve-se ter em mente a busca pela inclusão.

A concepção desses espaços, as unidades de informação, também devem ser pensadas visando o acolhimento de usuários com diferentes caraterísticas físicas e intelectuais. Percebe-se que há importantes instrumentos legais e normativos visando a inclusão, a participação e autonomia da pessoa com deficiência. No entanto, estes instrumentos podem ser redesenhados, sobretudo, no que tange em políticas públicas para que não sejam negligenciados. Ressalta-se os direitos da pessoa com deficiência, em encontrar condições viáveis (sem barreiras ou mesmo com resquícios de um processo histórico-cultural, por vezes, equivocado) possibilitando sua participação pessoal e social.

Evidenciamos, ainda, no ensaio em pauta, a relevância e necessidade de campanhas de conscientização a respeito do capacitismo e dos danos causados por atitudes discriminatórias em unidades de informação, as quais, além do papel de informar têm como compromisso social, desconstruir preconceitos. Logo, torna-se fundamental e necessário evidenciar uma Ciência da Informação anticapacitista. Portanto, reitere-se veementemente neste estudo, o papel da disseminação e na socialização da informação, por meio de reflexões, estudos e conhecimentos pautados na ética, que considerem o princípio da igualdade em todos os contextos e, acima de tudo, na valorização de todos os seres humanos, sem distinções.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acredita-se que se cumpriu o intuito deste ensaio, apresentando o tema capacitismo e suas formas de opressão instituídas na sociedade. Ao considerar a década que o termo ganhou notoriedade, percebe-se que, ainda, a temática é pouco divulgada, principalmente no cenário nacional. Observa-se que muitas pessoas não têm a devida compreensão conceitual do termo capacitismo e sua implicação na atualidade. Assim, espera-se que este estudo sirva de alerta e, sobretudo, que possa agregar informação e conhecimento à população.

Em diversas situações do cotidiano, desvelam-se facetas de uma cultura capacitista, a qual valoriza os seres humanos baseada em suas capacidades. Ocasionado por concepções perversas, endossadas pelo senso comum, o capacitismo está presente em mensagens aparentemente inofensivas, subliminares e/ou de forma explícita por meio de agressões verbais e físicas, bem como a segregação de indivíduos com características diferentes daquelas consideradas normais. Revelado por intermédio de palavras, expressões, “brincadeiras” ou ações, realizadas muitas vezes de forma automática, sem reflexões a respeito, esse tipo de estigmatização causa inúmeros sofrimentos a uma expressiva parte da população. A erradicação desses comportamentos não se constitui em um processo simples e rápido uma vez que demanda expressivas mudanças culturais.

Atualmente, muito se fala a respeito dos direitos e das necessidades das pessoas com deficiência. No entanto, é do conhecimento de muitos, que eles, ainda, têm encontrado barreiras para a sua aceitação e participação em vários âmbitos da vida social. A acessibilidade associa-se à condição de possibilidades, tanto para conceber a inclusão como a garantia do acesso aos espaços, assim como para a informação e para conhecimento, contribuindo desta forma para a quebra de barreiras, de preconceitos e da desinformação.

Assim, acreditamos que a disseminação de informações a respeito do capacitismo e seus malefícios pode ser compreendida como aspecto primordial para a edificação de uma sociedade anticapacitista, pois a informação institui-se como poderosa entidade de transformação do ser humano. Em contrapartida, a escassez de materiais encontrados no contexto brasileiro a respeito da temática capacitista, torna evidente a necessidade de produzir conhecimentos que possam suscitar reflexões de forma a modificar as concepções a esse respeito, desmistificando entre outros fatores, muitos comportamentos que se dizem fraternais. Somente por meio do entendimento e discussões a respeito da equivocada pecha que recai sobre as pessoas com deficiência é que poderão ocorrer mudanças nas esferas política, econômica e social da população.

Em decorrência, queremos ressaltar o papel da Ciência da Informação como agente responsável pela organização e disseminação de informação e conhecimento e sua responsabilidade em elaborar representações de forma ética e anticapacitista, contribuindo com a supressão dessa forma de opressão, de desrespeito à diversidade que nos constitui.

REFERÊNCIAS

  • ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. O que é Ciência da Informação. Belo Horizonte: KMA, 2018.
  • AUGUSTIN, Ingrid Renata Lopes. Concepções de membros do Conselho Municipal de Educação acerca da educação da pessoa com deficiência intelectual. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Educação) - Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, 2012. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/644?show=full Acesso em: 11 jun. 2023.
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  • FINANCIAMENTO

    Não se aplica.
  • 1
    Apesar de termos algumas ressalvas quanto ao emprego da expressão “pessoas com deficiência” para mencionar as condições físicas e mentais de alguns indivíduos, ela será utilizada no estudo, uma vez que é a expressão abalizada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006).
  • CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM

    Não se aplica
  • APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

    não se aplica.
  • LICENÇA DE USO

    Os autores cedem à Encontros Bibli os direitos exclusivos de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution (CC BY) 4.0 International. Estra licença permite que terceiros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho publicado, atribuindo o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico.
  • PUBLISHER

    Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Editado por

EDITORES

Edgar Bisset Alvarez, Ana Clara Cândido, Patrícia Neubert, Genilson Geraldo, Mayara Madeira Trevisol, Jônatas Edison da Silva, Camila Letícia Melo Furtado e Beatriz Tarré Alonso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2023
  • Aceito
    24 Jul 2023
  • Publicado
    04 Ago 2023
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