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PRODUÇÃO EDITORIAL EM BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS: UM OLHAR SOBRE AS EXPERIÊNCIAS NO ÂMBITO INTERNACIONAL E BRASILEIRO

Editorial production in university libraries: a look at international and Brazilian experiences

RESUMO

Objetivo:

Investiga experiências de bibliotecas universitárias brasileiras com serviços de editoração, especialmente de materiais como livros, teses, dissertações, livros didáticos, dentre outros alternativos.

Método:

Pesquisas bibliográfica e de campo (quantos aos meios de investigação), exploratória e descritiva (quanto aos seus objetivos), e do ponto de vista da análise dos dados e demonstração dos resultados, possui abordagens qualitativa e quantitativa. Utiliza questionário semiestruturado e o aplica a 156 bibliotecas universitárias brasileiras, obtendo retorno de 36 instituições.

Resultado:

Através da revisão de literatura, verificou que os colóquios entre a produção e serviços editoriais em bibliotecas universitárias já se encontram em fase de consolidação, principalmente no contexto norte-americano. Isto é, na produção científica internacional. Em contrapartida, a temática no Brasil é pouco explorada. A partir da pesquisa de campo examinou que ao mesmo no contexto das práticas, há cinco bibliotecas universitárias desenvolvendo projetos de serviços editoriais de materiais não seriados.

Conclusões:

Conclui que as práticas editoriais em bibliotecas universitárias brasileiras ainda estão pouco amadurecidas. Todavia, nas bibliotecas que já oferecem serviços editoriais, o mesmo é bem-visto pela comunidade usuária e contribui com a visibilidade da biblioteca. Sugere que as bibliotecas brasileiras desenvolvam cooperação com iniciativas internacionais para apreender novas competências e modelos de negócios sustentáveis.

PALAVRAS-CHAVE:
Editoração; Produção Editorial; Biblioteca Universitária; Publicação Científica; Comunicação Científica; Edição de Livro

ABSTRACT

Objective:

Seeks to investigate the experiences of university libraries with publishing services, especially of materials such as books, theses, dissertations, textbooks, among other alternatives.

Methods:

Bibliographic and field research (as regards the means of investigation), exploratory and descriptive (as regards its objectives), and from the point of view of data analysis and demonstration of results, it has a qualitative and quantitative approach.

Results:

Through the literature review, it was verified that the production on the subject in the international literature is in advanced stages, mainly in the North American context. On the other hand, the theme in Brazil is little addressed in the literature. For this reason, it uses a semi-structured questionnaire as an instrument for data collection in the field with Brazilian university libraries (156 mapped), where it got 36 answers, finding five university libraries with experience in editorial production.

Conclusions:

It concludes that the editorial practices in Brazilian university libraries are still not very mature, due to some gaps that each information unit needs to fill, but it develops the potential of librarians' performance in the development of such projects and recommends reading materials to foster the emergence of these initiatives in the national territory.

KEYWORDS:
Publishing; Editorial Production; University Library; Scientific Publication; Scientific Communication; Book Edition

1 INTRODUÇÃO

Desde a Antiguidade, as bibliotecas vêm desempenhando posição central na aquisição, gestão e compartilhamento de informações e conhecimento para a comunidade científica e sociedade como um todo. Neste sentido, em cada época, influenciados pelas abordagens teóricas que sustentavam o ofício, pelas tecnologias disponíveis, pelo conhecimento produzido pelos bibliotecários e para os bibliotecários e - não menos importante - pelo contexto político, histórico e social, foram redesenhando suas práticas informacionais e profissionais.

É no desdobramento destas práticas informacionais que os bibliotecários desenvolvem produtos e serviços. Aqui nesta pesquisa, iremos discutir a oferta e desenvolvimento de serviços de editoração e publicação sob o recorte das bibliotecas universitárias brasileiras.

Para Araújo (2008ARAÚJO, Emanuel. A construção do livro: princípios da técnica de editoração. Rio de Janeiro: Lexicon, 2008., p. 39), os bibliotecários não só foram grandes guardiões do conhecimento, mas também produtores e reprodutores de conhecimento, “exercendo profunda influência nos caminhos da editoração”. Influência essa que não é um fenômeno recente. Jelušić e Stričević (2011JELUŠIĆ, Srecko; STRIČEVIĆ, Ivanka. A librarian’s guide on how to publish. Oxford, UK: Chandon Publishing, 2011. E-book. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=yx9tAgAAQBAJ&hl=pt-BR&lr=. Acesso em: 18 jan. 2021.
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) corroboram que as bibliotecas sempre foram publicadoras de materiais de informação, como seus catálogos, bibliografias, monografias, papers científicos, catálogos de exibição, periódicos e relatórios das operações das bibliotecas. Destacam ainda que o avanço da internet e das tecnologias facilitaram os trabalhos das bibliotecas nesse âmbito possibilitando a publicação não somente no formato impresso, mas também eletrônico. “Eles criam, editam, projetam, e distribuem o trabalho, que usam para se comunicar com seus leitores” (JELUŠIĆ; STRIČEVIĆ, 2011JELUŠIĆ, Srecko; STRIČEVIĆ, Ivanka. A librarian’s guide on how to publish. Oxford, UK: Chandon Publishing, 2011. E-book. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=yx9tAgAAQBAJ&hl=pt-BR&lr=. Acesso em: 18 jan. 2021.
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, p. 2, tradução nossa).

No contexto internacional, Santillán-Aldana e Mueller (2016), destacam que na literatura científica são relatadas experiências de bibliotecas que desenvolvem serviços de editoração com variados modelos de negócio. Nos Estados Unidos, os autores citam a Library Publishing Coalition (LPC) que é uma rede de bibliotecas, em sua maioria norte-americanas1 1 A Library Publishing Coalition aceita a filiação de novos membros fora do eixo norte-americano. , que desenvolvem e compartilham entre si boas práticas em serviços de editoração.

Todavia, ao examinarmos a produção científica brasileira buscando referências a projetos desta natureza, verificou-se que o tema é muito pouco tratado. Neste sentido, a pesquisa em tela justifica-se ao contribuir para o debate do tema.

Concentramo-nos, nesta comunicação2 2 A pesquisa é fruto de recorte do Trabalho de Conclusão de Curso do primeiro autor, apresentado a Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) para obtenção do grau de Bacharel em Biblioteconomia. , no exame do serviço de editoração em bibliotecas universitárias brasileiras, especialmente de materiais alternativos como livros, teses, dissertações, livros didáticos3 3 Conforme Santillán-Aldana e Mueller (2016) já há diferentes estudos que abordam a editoração de periódicos científicos em bibliotecas. . O corpus delimitado visa extrapolar e oferecer à comunidade acadêmica debates diferentes das experiências sobre a editoração de periódicos científicos por bibliotecários (SANTILLÁN-ALDANA; MUELLER, 2016SANTILLÁN-ALDANA, Julio; MUELLER, Suzana P. M. Serviços de editoração desenvolvidos por bibliotecas universitárias. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 21, n. 2, p. 84-99, abr./jun. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-99362016000200084&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 7 dez. 2021
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), onde já há significativa produção científica.

Nesta perspectiva, Brown, Griffiths e Rascoff (2007BROWN, Laura; GRIFFITHS, Rebecca; RASCOFF, Matthew. University Publishing in a Digital Age. Journal of Eletronic Publishing, [s.l.], v. 10, n. 3, outono 2007. online. DOI 10.3998/3336451.0010.301. Disponível em: http://hdl.handle.net/2027/spo.3336451.0010.301. Acesso em: 7 fev. 2021.
http://hdl.handle.net/2027/spo.3336451.0...
) explicam que a demanda por publicações desenvolvidas pelas universidades é alta, pois são instituições reconhecidas na comunidade científica que possuem investimentos altos para produção de pesquisas que deem retorno às necessidades da sociedade.

Não obstante, nossa pesquisa também objetiva anunciar um paralelo entre as práticas editoriais e a Biblioteconomia; apresentar experiências de bibliotecários com a editoração de publicações em bibliotecas universitárias e descrever experiências de bibliotecas universitárias públicas brasileiras onde serviços de editoração foram implementados.

2 METODOLOGIA

A pesquisa se caracteriza como bibliográfica e de campo, quantos aos meios de investigação, e exploratória e descritiva, quanto aos seus objetivos fins.

Nosso percurso metodológico iniciou-se com um mapeamento bibliográfico sobre “editoração em bibliotecas universitárias” aplicado nas bases indexadoras de artigos de periódicos científicos Library and Information Science Abstracts (LISA) e Base Referencial de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI).

Na intenção de mapear a produção cientifica4 4 As buscas ocorreram no período de dezembro de 2020 a janeiro de 2021. produzida sobre a temática nos últimos 10 anos foi selecionado o recorte temporal de 2010-2020. A seguir na tabela 1 apresenta-se as expressões de busca e filtros utilizados nas bases citadas:

Tabela 1
Execução da Busca em Bases de Dados e Seleção de Artigos Pertinentes a Pesquisa

Para seleção dos artigos pertinentes, realizou-se uma leitura documentária dos resumos de cada artigo recuperado na etapa anterior, de acordo com os seguintes critérios de inclusão.

  • ✓ O artigo trata expressamente sobre serviços de editoração em bibliotecas universitárias;

  • ✓ Aborda experiências concretas com serviços de editoração em bibliotecas universitárias e/ou por bibliotecários;

  • ✓ Discursa sobre oportunidades de bibliotecas e bibliotecários na aplicação destes serviços;

  • ✓ O trabalho está em língua portuguesa, inglesa ou espanhola;

  • ✓ O artigo foi revisado pelos pares;

  • ✓ Permite acesso ao texto completo do artigo, possível de ser baixado para leitura em ambiente offline.

E de acordo com os critérios de exclusão.

  • × O artigo não aborda serviços de editoração em bibliotecas universitárias;

  • × O enfoque da pesquisa é na editoração de periódicos científicos, ou na gestão de publicação em repositórios institucionais ou em bases de dados especializadas, não tendo a biblioteca participação na produção e edição de conteúdo;

  • × Não está escrito em língua portuguesa, inglesa ou espanhola;

  • × O trabalho não sofreu sistema de revisão por pares;

  • × A base não fornece acesso ao texto completo do artigo.

Ao todo, foram selecionados 37 artigos pela base LISA e 4 artigos pela BRAPCI, somando 41 ao todo.

Além dos artigos apurados através da pesquisa nas bases de dados acima referidas, foram selecionadas algumas fontes de informação como livros e documentos5 5 Itens arrolados na referência e ainda não traduzidos para o português brasileiro. da Library Publishing Coalition (LPC) e da Association of Research Libraries (ARL), organizações que promovem iniciativas de editoração e publicação em bibliotecas.

Entre as obras de referência sobre editoração selecionadas, destaca-se Araújo (2008ARAÚJO, Emanuel. A construção do livro: princípios da técnica de editoração. Rio de Janeiro: Lexicon, 2008.) . Outrossim, os escritos de Thompson (2013THOMPSON, John B. Mercadores de Cultura: o mercado editorial no século XXI. São Paulo: UNESP, 2013.), que trata da indústria editorial e livreira no contexto norte-americano e europeu. Ambas as obras oferecem para o contexto brasileiro uma visão sobre negócios e estratégias de como funcionam os processos de editoração e publicação. Ao mesmo tempo, apoiamo-nos em Bufrem (2015BUFREM, Leilah Santiago. Editoras Universitárias no Brasil: uma crítica para a reformulação da prática. 2.ed.rev.ampl. São Paulo: Edusp: Com-Arte, 2015.), que traça um panorama sobre a formação editorial no contexto universitário brasileiro.

Por fim, apoiamo-nos também na obra de Jelušić e Stričević (2011JELUŠIĆ, Srecko; STRIČEVIĆ, Ivanka. A librarian’s guide on how to publish. Oxford, UK: Chandon Publishing, 2011. E-book. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=yx9tAgAAQBAJ&hl=pt-BR&lr=. Acesso em: 18 jan. 2021.
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), cuja centralidade dialoga com a questão desta pesquisa, contribuindo com reflexões para bibliotecários que desejarem empreender com serviços de editoração em seus variados contextos.

Objetivando ter um panorama sobre a atuação dos bibliotecários brasileiros em tais serviços e explorar as possibilidades de trabalho em cadeia de produção nacional, optou-se por executar também uma pesquisa de campo.

Para tal etapa, foi elaborado como instrumento de coleta de dados um questionário estruturado, cujo objetivo foi conhecer a existência de práticas editoriais nas bibliotecas universitárias brasileiras. Ao mesmo tempo, apreciar as perspectivas dos bibliotecários que coordenam estes serviços e a relação do serviço com a missão das bibliotecas.

Foram convidadas, através de e-mail, ao todo 156 bibliotecas universitárias federais6 6 Mapeadas a partir do Sistema E-mec. Endereçamos a pesquisa à biblioteca central e/ou a presidência do Sistema de bibliotecas. , cuja participação na pesquisa se deu através da submissão de respostas ao questionário disponível no Google Forms, durante o período compreendido entre agosto e setembro de 2021. Foram recebidas 36 respostas, representando uma taxa de retorno de aproximadamente 23%.

Os dados foram sistematizados e tabulados no programa Microsoft Excel. Os dados qualitativos passaram por processo de análise de conteúdo segundo Bardin (2011BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 1. ed. rev. ampl. São Paulo: Edições 70, 2011.), compreendendo as etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Já na inferência, descrição e interpretação, seguiu-se as recomendações de Bogdan e Biklen (2003BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução a teoria e aos métodos. Porto, PT: Porto, 2003.), sendo destacados trechos significativos e agrupados de acordo com seu contexto e tema, estruturados em conceitos-chaves para descrição das práticas desenvolvidas nas bibliotecas universitárias brasileiras.

3 EDITORAÇÃO UNIVERSITÁRIA E O CAMPO DE PUBLICAÇÕES EM BIBLIOTECAS

Nos últimos anos, a editoração em bibliotecas tem atraído mais atenção dentro do campo profissional das bibliotecas acadêmicas, de acadêmicos que atendem as bibliotecas e de editoras científicas estabelecidas que desejam avaliar as oportunidades e ameaças que essa atividade oferece (BONN; FURLOUGH, 2015BONN, Maria; FURLOUGH, Mike (ed.). Getting the word out: academic libraries as scholarly publishers. Chicago, EUA: Association of College & Research Libraries, 2015. E-book. DOI 10.3998/3336451.0017.207. Disponível em:http://www.ala.org/acrl/sites/ala.org.acrl/files/content/publications/booksanddigitalresources/digital/9780838986981_getting_OA.pdf. Acesso em: 17 jul. 2021.
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, p. 1, tradução nossa)7 7 In recent years, library publishing activities have drawn increasing attention within the professional world of academic libraries, from the scholars those libraries serve and from established scholarly publishers that seek to assess both opportunities and threats presented by this activity. .

No que tange a editoração no âmbito universitário, as editoras universitárias têm desempenhado um importante papel na difusão de pesquisas concebidas pelo campo acadêmico. Nos Estados Unidos (EUA), um importante marco destas práticas é a criação, em 1937, da Association of American University Presses (AAUP). A associação foi criada com objetivo de cooperar pelo comprometimento com a produção e disseminação de pesquisas de e para a academia e sociedade civil (OKERSON; HOLZMAN, 2015OKERSON, Ann; HOLZMAN, Alex. The Once and Future Publishing Library. Washington, DC: Council on Library and Information Resources, 2015.). No Brasil, a emersão de associações de editoras universitárias se deu a partir dos anos 1980, quando apareceram dentre o meio preocupações com critérios técnicos de publicação e gerenciamento de editoras no plano universitário brasileiro (BUFREM, 2015BUFREM, Leilah Santiago. Editoras Universitárias no Brasil: uma crítica para a reformulação da prática. 2.ed.rev.ampl. São Paulo: Edusp: Com-Arte, 2015.).

Okerson e Holzman (2015OKERSON, Ann; HOLZMAN, Alex. The Once and Future Publishing Library. Washington, DC: Council on Library and Information Resources, 2015.) contam que muitas editoras na conjuntura estadunidense foram fundadas inicialmente com relacionamentos próximos às bibliotecas e aos pesquisadores. Aquelas fundadas com a liderança de bibliotecários foram perdendo a dependência de suas bibliotecas, conforme foram crescendo e expandindo o volume de publicações.

Bonn e Furlough (2015BONN, Maria; FURLOUGH, Mike (ed.). Getting the word out: academic libraries as scholarly publishers. Chicago, EUA: Association of College & Research Libraries, 2015. E-book. DOI 10.3998/3336451.0017.207. Disponível em:http://www.ala.org/acrl/sites/ala.org.acrl/files/content/publications/booksanddigitalresources/digital/9780838986981_getting_OA.pdf. Acesso em: 17 jul. 2021.
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) e Okerson e Holzman (2015OKERSON, Ann; HOLZMAN, Alex. The Once and Future Publishing Library. Washington, DC: Council on Library and Information Resources, 2015.) elencam algumas transformações nos cenários de publicação científica para situar o que desencadeou a atuação das bibliotecas em editoração:

  • a) o advento e evolução das tecnologias digitais que afetam cada estágio da editoração, desde a obra original até distribuição global;

  • b) a redução de custos para publicação, com construção de infraestruturas digitais acessíveis, como bibliotecas e repositórios digitais;

  • c) a restrição do orçamento para formação de coleções em bibliotecas, desproporcional à demanda dos usuários;

  • d) a elevação do preço de livros, periódicos, etc. científicos, e a necessidade de se libertar do controle dos editores comerciais predadores;

  • e) atração por modelos alternativos de publicação aliados à visão de Open Access (Acesso Aberto) ampliando o acesso a nível universal, e consequentemente o interesse e o valor dos produtos editoriais;

  • f) multiplicação dos desafios no balanceamento de prioridades institucionais.

Sobre algumas destas transformações no cenário de publicação, Sandy e Mattern (2018SANDY, Heather Moulaison; MATTERN, Janice Bially. Academic library-based publishing: a state of the evolving art. Library Trends, Illinois, v. 67, n. 2, p. 337-357, 2018. DOI: https://doi.org/10.1353/lib.2018.0040. Disponível em: https://www.ideals.illinois.edu/handle/2142/102336. Acesso em: 1 fev. 2021
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) aprofundam que nos últimos 20 anos, muitos editores científicos vêm perdendo gradativamente sua reputação de contribuintes na comunicação científica, passando a serem enxergados sob novos ângulos. Reportam assim duras críticas à falta de transparência de editores na seleção e edição de material a ser publicado e o alto preço destes produtos editoriais para o público-alvo, que necessita de acesso a esses conteúdo para continuidade da produção científica. Bonn e Furlough (2015BONN, Maria; FURLOUGH, Mike (ed.). Getting the word out: academic libraries as scholarly publishers. Chicago, EUA: Association of College & Research Libraries, 2015. E-book. DOI 10.3998/3336451.0017.207. Disponível em:http://www.ala.org/acrl/sites/ala.org.acrl/files/content/publications/booksanddigitalresources/digital/9780838986981_getting_OA.pdf. Acesso em: 17 jul. 2021.
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) relatam ainda que a evolução tecnológica possibilitou ampliar o espectro da comunicação em rede, que propiciou a execução de projetos editoriais em bibliotecas.

Durante a década de 1990, essa exploração muitas vezes ocorreu por meio de parcerias com editoras comerciais, aconselhando e auxiliando na formação de editoras científicas inovadoras e fornecendo infraestrutura e orientação para editoras científicas ou o fornecimento de recursos para coleções de digitalização (e os licenciamentos de bibliotecas). Durante este período, as bibliotecas estavam muito interessadas e frequentemente apoiavam esforços como JSTOR, Project MUSE, HighWire Press, Text Creation Partnership, Bryn Mawr Classical and Medieval Reviews e o desenvolvimento e distribuição de bancos de dados de fonte primária por Chadwyck-Healey, que mais tarde foi submetido à ProQuest. Os primeiros experimentos com a distribuição de conteúdo da Elsevier para bibliotecas (TULIP e PEAK) apareceram durante esse período, assim como a primeira instância online do Dicionário de Inglês Oxford, a Bibliografia de Estudos Asiáticos, o Thesaurus Linguae Graecae e Perseus (BONN; FURLOUGH, 2015BONN, Maria; FURLOUGH, Mike (ed.). Getting the word out: academic libraries as scholarly publishers. Chicago, EUA: Association of College & Research Libraries, 2015. E-book. DOI 10.3998/3336451.0017.207. Disponível em:http://www.ala.org/acrl/sites/ala.org.acrl/files/content/publications/booksanddigitalresources/digital/9780838986981_getting_OA.pdf. Acesso em: 17 jul. 2021.
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, p. 3, tradução nossa8 8 Throughout the 1990s, this exploration often took place through partnerships with commercial publishers, through advising and helping to shape innovative scholarly publishing ventures, and through providing infrastructure and guidance for scholar-driven publishing or providing sources of collections for digitization (and relicensing back to libraries). This period saw libraries keenly interested in and often supporting such efforts as JSTOR, Project MUSE, HighWire Press, the Text Creation Partnership, the Bryn Mawr Classical and Medieval Reviews, and the development and distribution of primary source databases by Chadwyck-Healey, later subsumed by ProQuest. Early experiments in distributing Elsevier content to libraries (TULIP and PEAK) appeared in this period, as did the first online instantiation of the Oxford English Dictionary, the Bibliography of Asian Studies, the Thesaurus Linguae Graecae, and Perseus. ).

Diante disso, produtores e consumidores de informação científica têm buscado novos caminhos para publicar e acessar esses materiais. Um destes modelos alternativos mencionados por Sandy e Mattern (2018SANDY, Heather Moulaison; MATTERN, Janice Bially. Academic library-based publishing: a state of the evolving art. Library Trends, Illinois, v. 67, n. 2, p. 337-357, 2018. DOI: https://doi.org/10.1353/lib.2018.0040. Disponível em: https://www.ideals.illinois.edu/handle/2142/102336. Acesso em: 1 fev. 2021
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) é a autopublicação, auxiliada pelas novas tecnologias de editoração e publicação eletrônica, o que possibilita que bibliotecas contribuam com este novo sistema de disseminação da informação científica.

Neste enquadramento, os autores identificam 3 processos: autopublicação independente , quando o autor se encarrega de todos os aspectos de produção e edição do material e também de sua distribuição, mesmo que delegue certas etapas do processo que não seja de sua especialidade; autopublicação através de uma organização , por meio da qual esta será paga pelo autor para auxiliar em algumas etapas do processo de publicação; autopublicação com impressão sob demanda (print-on-demandou POD), quando uma organização imprime o produto ou o publica na web para distribuir a certos indivíduos e organizações que necessitam de tal material com certa urgência.

Jelusic e Stricevic (2011JELUŠIĆ, Srecko; STRIČEVIĆ, Ivanka. A librarian’s guide on how to publish. Oxford, UK: Chandon Publishing, 2011. E-book. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=yx9tAgAAQBAJ&hl=pt-BR&lr=. Acesso em: 18 jan. 2021.
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) acrescentam que o processo de transição trazida pela editoração e publicação eletrônica, possibilita uma reunião numa mesma cadeia de produção - bibliotecários e editores. Os autores apresentam que ambos os grupos compartilham da mesma audiência e objetivam disseminar e publicar diferentes materiais de informação. Ademais, há o reconhecimento da necessidade de parcerias em prol da evolução das práticas de publicação científica (OKERSON; HOLZMAN, 2015OKERSON, Ann; HOLZMAN, Alex. The Once and Future Publishing Library. Washington, DC: Council on Library and Information Resources, 2015.).

O relatório “University Publishing in a Digital Age” (BROWN; GRIFFITHS; RASCOFF, 2007BROWN, Laura; GRIFFITHS, Rebecca; RASCOFF, Matthew. University Publishing in a Digital Age. Journal of Eletronic Publishing, [s.l.], v. 10, n. 3, outono 2007. online. DOI 10.3998/3336451.0010.301. Disponível em: http://hdl.handle.net/2027/spo.3336451.0010.301. Acesso em: 7 fev. 2021.
http://hdl.handle.net/2027/spo.3336451.0...
) foi o preâmbulo das mudanças no cenário de publicação por bibliotecas, aclarando sobre dinamização dos processos editoriais. Assim, comentou sobre a alta nos preços dos produtos editoriais oferecidos às bibliotecas, aconselhando que as bibliotecas buscassem desenvolver sistemas de publicação alternativos, com execução ampla e robusta como parte de sua missão nuclear, coordenando as atividades editoriais de materiais científicos produzidos pelas suas universidades mantenedoras.

Sob a perspectiva de que as tecnologias da informação e comunicação impactam os mecanismos de produção, preparação e distribuição de textos eletrônicos, a década de 90 é o palco de importantes parcerias entre bibliotecas e editores. Em paralelo, ocorre a criação de iniciativas como Scholarly Publishing and Academic Resources Coalition (SPARC) em 1998 pela Association of Research Libraries (ARL) objetivando desenvolver e compartilhar mecanismos para que os processos editoriais conduzidos por bibliotecas fossem competitivos frente àqueles conduzidos por editores comerciais.

Outro importante marco ocorre em janeiro de 2013, quando foi fundada nos Estados Unidos a Library Publishing Coalition (LPC). Trata-se de uma organização que buscou reunir bibliotecas acadêmicas e de pesquisa com projetos ativos de editoração e publicação localizadas dentro do território norte-americano, que até então operava programas isoladamente (MULLINS et al, 2008 apud LIPPINCOTT, 2016LIPPINCOTT, Sarah Kalikman. The Library Publishing Coalition: organizing libraries to enhance scholarly publishing. Insights the UKSG journal, [s.l.], v. 29, n. 2, p. 186-191, 2016. DOI: http://doi.org/10.1629/uksg.296. Disponível em: https://insights.uksg.org/articles/10.1629/uksg.296/. Acesso em: 18 jan. 2021.
http://doi.org/10.1629/uksg.296. Disponí...
).

A LPC se define em seu site como uma “associação independente, orientada à comunidade de membros de bibliotecas universitárias e de pesquisa engajadas na comunicação científica”, e define como “library publishing” (ou publicação em bibliotecas, tradução nossa) como o “conjunto de ações lideradas por bibliotecas e redes de bibliotecas universitárias e de pesquisa que apoiam a criação, disseminação e curadoria de trabalhos científicos, criativos e educacionais” (LIBRARY PUBLISHING COALITION, 2021, online, tradução nossa).

Segundo Schlosser (2018SCHLOSSER, Melanie. Building capacity for academy-owned publishing through the library publishing coalition. Library Trends, Illinois, v. 67, n. 2, p. 359-375, 2018. DOI: 10.1353/lib.2018.0041. Disponível em: https://www.ideals.illinois.edu/bitstream/handle/2142/102337/Schlosser.pdf?sequence=2. Acesso em: 1 fev. 2021
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), os objetivos centrais da LPC são compartilhar as ações feitas e lideradas por bibliotecários sobre publicação, proporcionar engajamento e educar demais profissionais sobre as boas práticas em produção editorial para que apliquem em suas respectivas bibliotecas, e também advogar pela autoridade dos bibliotecários neste serviço de comunicação, sobretudo com a abertura de novos contextos na publicação científica.

São variados os modelos de negócio, tipos de serviços e formatos de mídias com que as bibliotecas membros da LPC trabalham, com alguns exemplos como editoração e publicação de monografias, periódicos acadêmicos, conjunto de dados, recursos educacionais como livros didáticos, seja pela via verde pela auto inclusão em repositórios de acesso aberto, ou por outras vias de distribuição de conteúdo.

Também merecem destaque as estratégias de construção de softwares de código aberto (open-source) que apoiam a publicação eletrônica e distribuição de materiais de pesquisa em modelos alternativos. Exemplo é o lançamento do DSpace em 2002, que iniciou o movimento do repositório institucional e do compartilhamento livre dos materiais de pesquisa, e também da criação do Open Journal Systems (OJS) em 2001, software canadense que propicia a editoração de periódicos com mais facilidade e suporte técnico sob o fluxo editorial, sendo adotado aqui no Brasil como uma adaptação com nome de Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER).

No contexto brasileiro, temos no trabalho de Bufrem (2015BUFREM, Leilah Santiago. Editoras Universitárias no Brasil: uma crítica para a reformulação da prática. 2.ed.rev.ampl. São Paulo: Edusp: Com-Arte, 2015.) importantes contribuições. A autora resgata o prelúdio da editoração universitária no Brasil quando da formação das primeiras editoras universitárias durante a década de 1960, algumas nascendo da evolução de experiências como imprensas universitárias, reconstruindo suas estruturas com a formação de conselhos e formulação de políticas editoriais. Bufrem ressalta as políticas e programas estatais que influenciaram a construção de um mercado editorial universitário brasileiro, os seminários e associações profissionais que estimularam a evolução das práticas que congregaram no sistema de publicação atual.

Entretanto, nesse contexto, pouco se conhece sobre a contribuição das bibliotecas e bibliotecários neste sistema de produção. Não há indicação, nos estudos de Bufrem (2015BUFREM, Leilah Santiago. Editoras Universitárias no Brasil: uma crítica para a reformulação da prática. 2.ed.rev.ampl. São Paulo: Edusp: Com-Arte, 2015.), se as bibliotecas foram em algum momento casas editoriais nas universidades brasileiras, e, portanto, permanece a dúvida se bibliotecários desempenharam funções de editores-chefes, se puderam contribuir além do que lhe é convenientemente delegado. Diante deste contexto, a seguir discute-se brevemente a exposição de experiências destes serviços segundo a literatura internacional e nacional.

3.1 A PRODUÇÃO EDITORIAL EM BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS

Verificamos que na literatura internacional todo o espectro de atividades editoriais e de publicação, e também de apoio à produção, disseminação e preservação exercidas por bibliotecas estão contidas sob o termo guarda-chuva “library publishing” (BONN; FURLOUGH, 2015BONN, Maria; FURLOUGH, Mike (ed.). Getting the word out: academic libraries as scholarly publishers. Chicago, EUA: Association of College & Research Libraries, 2015. E-book. DOI 10.3998/3336451.0017.207. Disponível em:http://www.ala.org/acrl/sites/ala.org.acrl/files/content/publications/booksanddigitalresources/digital/9780838986981_getting_OA.pdf. Acesso em: 17 jul. 2021.
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). No entanto, Sandy e Mattern (2018SANDY, Heather Moulaison; MATTERN, Janice Bially. Academic library-based publishing: a state of the evolving art. Library Trends, Illinois, v. 67, n. 2, p. 337-357, 2018. DOI: https://doi.org/10.1353/lib.2018.0040. Disponível em: https://www.ideals.illinois.edu/handle/2142/102336. Acesso em: 1 fev. 2021
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) alertam que ainda não há uma definição precisa sobre o conceito de Publishing, que, por conseguinte, gera uma confusão sobre as atividades que são executadas.

Para melhor compreensão, Hahn (2008 apud SANTILLAN-ALDANA; MUELLER, 2016SANTILLÁN-ALDANA, Julio; MUELLER, Suzana P. M. Serviços de editoração desenvolvidos por bibliotecas universitárias. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 21, n. 2, p. 84-99, abr./jun. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-99362016000200084&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 7 dez. 2021
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) explica que os parâmetros para estabelecer o que são serviços de editoração em bibliotecas (SEB) são aqueles em que há necessariamente um processo de produção de conteúdo visando a publicação, podendo ou não serem serviços prestados a repositórios institucionais, não considerando aqueles de gerenciamento, disseminação, ou digitalização de documentos, ou demais independentes oferecidos às editoras universitárias para difusão pelas bibliotecas. Santillan-Aldana e Mueller (2016, p. 88-89) montam um quadro com as características principais dos SEBs (Quadro 1).

Quadro 1
Características do SEB

McCormick (2015) apresenta uma gama de processos de trabalho envolvidos na cadeira editorial, a saber: escrita, seleção, avaliação (revisão por pares), edição (formatação), design, composição, layout, produção de formatos específicos (online, e-book, impressão, multiformato), marketing e catalogação, distribuição e vendas. No entanto, Bonn e Furlough (2015BONN, Maria; FURLOUGH, Mike (ed.). Getting the word out: academic libraries as scholarly publishers. Chicago, EUA: Association of College & Research Libraries, 2015. E-book. DOI 10.3998/3336451.0017.207. Disponível em:http://www.ala.org/acrl/sites/ala.org.acrl/files/content/publications/booksanddigitalresources/digital/9780838986981_getting_OA.pdf. Acesso em: 17 jul. 2021.
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) comentam que as atividades variam na extensão do que certos programas priorizam e acertam a capacidade em cada uma destas funções.

Em estudo sobre autopublicação em bibliotecas, Mangas-Vega, Sanchez e Alonso (2018) indicam que os Estados Unidos concentram a maior parte dos estudos com aplicabilidade de práticas editoriais em bibliotecas públicas e universitárias. Estas últimas têm uma posição ativa no que tange à produção e disseminação de conteúdo, com experiências muito positivas quanto ao engajamento dos profissionais, no desenvolvimento da cadeia de negócio, na defesa de tais projetos geridos por bibliotecários, com orientação e auxílio para profissionais que desejem implementar em suas instituições.

Nesta linha, Watkinson (2014WATKINSON, Charles. The university as publisher revisited. Insights: the USKG journal, v. 27, n. 2, jul. 2014. DOI 10.1629/2048-7754.131. Disponível em: http://insights.uksg.org/articles/10.1629/2048-7754.131. Acesso em: 13 mar. 2021.
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) endossa que as bibliotecas têm se tornado centros de publicação, primeiramente, para desafiar o status quo das publicações acadêmicas, à medida que têm novos recursos eletrônicos para produção de documentos digitais e para publicação como plataformas digitais; em segundo lugar, por reconhecer as necessidades da comunidade por publicações desconhecidas que muitas das vezes não passam pelo filtro comercial de editores científicos, que não necessariamente demandam workflows complexos; e, por último, para educar uma nova geração de bibliotecários e demais profissionais da informação e comunicação sobre os processos tradicionais e alternativos de publicação, juntamente com serviços relacionados.

É importante esclarecer que os papeis das bibliotecas em empreendimentos editoriais podem ser diversos. Em alguns casos, as bibliotecas funcionam como a casa administrativa da editora universitária, em outros a biblioteca é a própria criadora, editora, curadora e publicadora de conteúdo, e também há bibliotecas que estabelecem uma parceria com editoras universitárias do seu campus para publicação de conteúdo, em que cada uma oferecerá um serviço de sua expertise (LIPPINCOTT, 2016LIPPINCOTT, Sarah Kalikman. The Library Publishing Coalition: organizing libraries to enhance scholarly publishing. Insights the UKSG journal, [s.l.], v. 29, n. 2, p. 186-191, 2016. DOI: http://doi.org/10.1629/uksg.296. Disponível em: https://insights.uksg.org/articles/10.1629/uksg.296/. Acesso em: 18 jan. 2021.
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).

Conforme o campo amadurece, ele experimenta o tipo de mudança que os fundadores do LPC imaginaram: passar de esforços locais ad hoc para iniciativas colaborativas que abrangem bibliotecas, fronteiras nacionais e até mesmo setores. A sustentabilidade e os novos modelos financeiros tornaram-se uma área de cooperação particularmente frutífera. A publicação em bibliotecas é geralmente subsidiada inteiramente pelo orçamento operacional da biblioteca, o que significa que as bibliotecas estão, de certo modo, livres das pressões orçamentárias enfrentadas pelos editores na obtenção de lucros ou recuperação de custos (LIPPINCOT, 2016, p. 189, tradução nossa9 9 As the field matures, it is experiencing the type of change the LPC’s founders envisioned: moving from ad hoc, local efforts to collaborative initiatives that span libraries, national borders, and even sectors. Sustainability and new financial models have become a particularly fruitful area for collaboration. Library publishing is generally subsidized entirely by the library’s operating budget, meaning libraries are free in a sense from the budget pressures faced by for-profit or cost-recovering publishers. ).

Em 2013, foi conduzida a primeira pesquisa pela LPC sobre editoração em bibliotecas resultando num trabalho publicado como Library Publishing Directory, que sistematiza as bibliotecas, seus modelos de negócio, suas tipologias de produtos, entre outras informações, para formação de uma rede de bibliotecas publicadoras que compartilham de seus conhecimentos teóricos e práticos advindos destes serviços (LIPPINCOTT, 2016LIPPINCOTT, Sarah Kalikman. The Library Publishing Coalition: organizing libraries to enhance scholarly publishing. Insights the UKSG journal, [s.l.], v. 29, n. 2, p. 186-191, 2016. DOI: http://doi.org/10.1629/uksg.296. Disponível em: https://insights.uksg.org/articles/10.1629/uksg.296/. Acesso em: 18 jan. 2021.
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).

Em seu mais recente diretório, de 2022, conta com somente 61 bibliotecas membros, dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Irlanda (LIBRARY PUBLISHING COALITION, 2022c, online). A organização explica que houve uma redução nas submissões durante os últimos anos por causa das consequências geradas da pandemia global de Covid-19 nas atividades e fluxos de trabalho das bibliotecas, repercutindo também no vínculo de novos membros, por ser uma filiação paga. Entretanto com a contribuição do grupo de trabalho Library Publishing Interest Group (LibPub SIG) da International Federation of Libraries Associations (IFLA) foram documentadas bibliotecas não-membros, incluindo além dos Estados Unidos, instituições da África do Sul, Alemanha, Austrália, Dinamarca, Hong Kong, Malásia, Noruega, Sérvia, Ucrânia, República Tcheca, e também do Brasil (LIBRARY PUBLISHING DIRECTORY, 2022, online), totalizando mais 84 bibliotecas que oferecem serviços de editoração.

Cumpre reiterar que a assessoria prestada pela LPC não se limita às bibliotecas do eixo norte-americano. A organização vem defendendo a colaboração e socialização de conhecimentos e experiências de maneira intercontinental. Para tanto, produz e divulga conteúdos abertos como materiais educativos, webinars, fóruns, entre outros, além de criar e divulgar editais para parcerias. O objetivo é “desenvolver um panorama de publicação científica que seja aberto, inclusivo e sustentável, tendo uma forte participação de bibliotecários” (LIBRARY PUBLISHING COALITION, 2021a, online, tradução nossa10 10 A scholarly publishing landscape that is open, inclusive, and sustainable. ).

À medida que as bibliotecas assumem esse novo papel, elas têm uma necessidade urgente de oportunidades de treinamento, tanto para funcionários/corpo docente presentes na biblioteca que desejam expandir seu conjunto de habilidades por meio de educação continuada e outras atividades de desenvolvimento profissional, quanto para a próxima geração de funcionários/corpo docente que está começando agora a perseguir um novo papel por meio de programas de graduação, estágios e outras etapas preparatórias (SKINNER et al., 2014SKINNER, Katherine et al. Library-as-Publisher: capacity building for the library publishing subfield. The Journal of Electronic Publishing, Michigan, v. 17, n. 2, 2014. DOI: https://doi.org/10.3998/3336451.0017.207. Disponível em: https://quod.lib.umich.edu/j/jep/3336451.0017.207/--library-as-publisher-capacity-building-for-the-library?rgn=main;view=fulltext. Acesso em: 7 fev. 2021.
https://doi.org/10.3998/3336451.0017.207...
, online, tradução nossa11 11 As libraries embrace this new role, they have a concurrent need for training opportunities, both for existing library staff/faculty who want to grow their publishing skill sets through continuing education and other professional development activities, and also for the next generation of staff/faculty who are beginning now to pursue this new role through degree programs, internships, and other preparatory steps. )

Tendo apresentado a contextualização no plano internacional sobre serviços editorais dirigido por e em bibliotecas, a seção a seguir disserta-se sobre as experiências de editoração em bibliotecas universitárias brasileiras.

3.2 PRODUÇÃO EDITORIAL EM BIBLIOTECAS UNIVERSITÁRIAS NO TERRITÓRIO BRASILEIRO

De acordo com Farias, Lima e Santos (2018FARIAS, Maria Giovanna Guedes; LIMA, Juliana Soares; SANTOS, Francisco Edvander Pires. Bibliotecário e Editoração: mercado e competências necessárias. Informação & Sociedade: estudos, João Pessoa, v. 28, n. 2, p. 63-81, maio/ago. 2018. Disponível em: http://www.brapci.inf.br/index.php/res/v/110772. Acesso em: 8 dez. 2021.
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), no contexto brasileiro, a relação entre a Biblioteconomia e a Editoração ainda é escassa. Os poucos trabalhos existentes limitam-se muito a normalização, indexação e gestão de periódicos científicos.

Na mesma linha, Santillán-Aldana e Mueller (2016) apresentam que os bibliotecários brasileiros e suas organizações têm exitosas experiências relacionadas a editoração de periódicos científicos e engajamento em iniciativas de promoção do movimento Ciência Aberta (Open Science), mas ainda carece de estudos mais aprofundados sobre a editoração de materiais não seriados.

Ainda de acordo com Farias, Lima e Santos (2018FARIAS, Maria Giovanna Guedes; LIMA, Juliana Soares; SANTOS, Francisco Edvander Pires. Bibliotecário e Editoração: mercado e competências necessárias. Informação & Sociedade: estudos, João Pessoa, v. 28, n. 2, p. 63-81, maio/ago. 2018. Disponível em: http://www.brapci.inf.br/index.php/res/v/110772. Acesso em: 8 dez. 2021.
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), o ensino de graduação praticado pelas Escolas de Biblioteconomia brasileiras foi, ao longo dos anos, estreitando e aprofundando seus laços com a comunicação científica. Ocorreu, porém, o distanciamento dos estudos acerca da indústria editorial, sua cadeia de produção, publicação e estratégias de desenvolvimento de coleções necessárias à sustentabilidade do negócio editorial. Assim, há pouco reconhecimento do mercado editorial como um ambiente empregador e de negócios informacional.

De maneira didática, Farias, Lima e Santos (2018FARIAS, Maria Giovanna Guedes; LIMA, Juliana Soares; SANTOS, Francisco Edvander Pires. Bibliotecário e Editoração: mercado e competências necessárias. Informação & Sociedade: estudos, João Pessoa, v. 28, n. 2, p. 63-81, maio/ago. 2018. Disponível em: http://www.brapci.inf.br/index.php/res/v/110772. Acesso em: 8 dez. 2021.
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) vislumbram a atuação de bibliotecários no mercado editorial brasileiro em 4 grandes cadeiras, a saber: Serviços de Publicação; Serviços de repositórios de acesso aberto; Serviços de aconselhamento e consultoria sobre direitos autorais e acesso aberto; e, por fim, Avaliação de recursos agregadores de valor.

Nesta linha, sintetizam as competências técnicas e habilidades que os bibliotecários devem desenvolver, quer seja pela via da instrução formal - concedida em escolas certificadoras -, quer seja pela via da instrução informal através da participação em eventos, cursos de curta duração, socialização com pares, entre outros meios, para que então gerenciem empreendimentos editoriais com expertise e sustentabilidade.

Figura 1
Conhecimentos, habilidades e atitudes para o bibliotecário atuar na editoração

Para Bonn e Furlough (2015BONN, Maria; FURLOUGH, Mike (ed.). Getting the word out: academic libraries as scholarly publishers. Chicago, EUA: Association of College & Research Libraries, 2015. E-book. DOI 10.3998/3336451.0017.207. Disponível em:http://www.ala.org/acrl/sites/ala.org.acrl/files/content/publications/booksanddigitalresources/digital/9780838986981_getting_OA.pdf. Acesso em: 17 jul. 2021.
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), é fundamental que as associações profissionais bibliotecárias atuem na defesa e promoção de serviços editoriais praticados pelas bibliotecas e seus profissionais. Outrossim, devem fortalecer que a produção científica do campo seja prioritariamente publicada em casas editoriais de redes de bibliotecas.

Todavia, o trabalho de Santillan-Aldana e Mueller datado de 2016 foi a única experiência que nossa pesquisa recuperou acerca da atuação de bibliotecas universitárias em serviços de editoração, sobretudo com outros formatos de publicação como monografias físicas e/ou digitais. Desta forma, a seguir apresentamos o resultado da investigação empírica realizada e discutimos se, ao menos no contexto laboral, tais práticas vêm ocorrendo.

Tal investigação e sistematização de resultados, além de contribuir com a produção científica nacional, pode fomentar o desenvolvimento de uma rede de bibliotecas editoras para troca de conhecimentos e contatos, aos moldes da LPC, elevando a visibilidade das práticas editoriais desenvolvidas pelos bibliotecários brasileiros.

4 RESULTADOS

A pesquisa obteve 36 respostas ao questionário enviado a 156 bibliotecas centrais e presidência/diretoria de sistemas de bibliotecas universitárias federais brasileiras mapeadas, representando uma taxa de retorno de 23%.

Dentre os respondentes, a maior parte se identificou como bibliotecários (47%), também alguns como bibliotecários-documentalistas (14%), diretores de sistema de bibliotecas (14%) e coordenadores (14%) da biblioteca em que atuam, e, em menor número, enquanto bibliotecário de referência (3%), supervisor da biblioteca (3%) e cargos técnicos de ensino superior (6%).

Quando questionadas sobre a existência de editoras para as universidades a que estão vinculadas, 58% das bibliotecas afirmaram que a universidade possui tal órgão e outros 42% negaram sua existência.

Antes de investigar propriamente a existência de serviços de editoração de teses, dissertações, livros didáticos desenvolvidos pelas bibliotecas alvo da pesquisa, apresentou-se alguns serviços considerados como de apoio à publicação segundo a LPC (MARON; LIPPINCOTT, 2016LIPPINCOTT, Sarah Kalikman. The Library Publishing Coalition: organizing libraries to enhance scholarly publishing. Insights the UKSG journal, [s.l.], v. 29, n. 2, p. 186-191, 2016. DOI: http://doi.org/10.1629/uksg.296. Disponível em: https://insights.uksg.org/articles/10.1629/uksg.296/. Acesso em: 18 jan. 2021.
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-2018), ou seja, serviços que não necessariamente são a produção e edição de conteúdo, mas que servem de suporte e incentivo à publicação científica, tais como: treinamentos relacionados à publicação e plataformas de publicação; gerenciamento de bases de dados e repositórios; consultorias sobre políticas editoriais e direitos autorais; outras práticas para conquistar credibilidade em meio a seus pares. Segundo Hawkins (2019), é comum que as bibliotecas iniciem serviços de editoração como tais processos. Neste sentido, o gráfico 1 apresenta os resultados obtidos:

Gráfico 1
Serviços de apoio a publicação desenvolvidos pelas bibliotecas

É possível verificar que o serviço mais comum desenvolvido pelas bibliotecas universitárias é a elaboração de fichas catalográficas, competência técnica exclusiva dos bibliotecários, porém existem outros serviços, como hospedagem de periódicos e livros de acesso aberto em sistemas de informação, e orientações de melhores práticas em publicação e editoração. Tais serviços já agregam valor à contribuição da biblioteca para a cadeia de publicação.

Partindo então para a questão central da pesquisa, isto é, a existência de serviços de editoração de livros, livros didáticos, monografias, teses e dissertações, verificou-se que somente 5 bibliotecas12 12 Prevendo resultados como esses, a pesquisa desenvolveu uma continuação do questionário para as bibliotecas que não possuem serviços de editoração, cujos resultados idealiza-se compartilhar em nova comunicação. (14%) confirmaram a existência de práticas editoriais entre o escopo de serviços. Comparado à quantidade de bibliotecas convidadas a participar da pesquisa, representa 3% da população.

Quando se questionou quando os serviços foram iniciados, tivemos os seguintes resultados: 1971 (1), 1997 (1), 2007 (1), 2014 (2).

A editoração na biblioteca pode emergir de uma extensão das suas atividades, aproveitando-se de conhecimentos tácitos da bagagem profissional da equipe para efetivar a biblioteca como editora, enquanto produtora e publicadora de materiais de informação. Pode ser também que a editora universitária tenha um próprio departamento ao qual está subordinada a biblioteca, sendo tais projetos administrados e/ou supervisionados pelo bibliotecário, ou em que seja estabelecida uma parceria entre ambas, compartilhando projetos e visões, tendo as duas o controle administrativo e criativo (MARON; LIPPINCOTT, 2018MARON, Nancy; LIPPINCOTT, Sarah. Library Publishing Curriculum. Atlanta, GA: Educopia Institute: Library Publishing Coalition: Institute of Museum and Library Services, 2016-2018. Disponível em: https://educopia.org/library-publishing-curriculum/. Acesso em: 12 jan. 2021.
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). Neste sentido, verificou-se que a maioria dos serviços encontrados é neste terceiro modelo (3 parcerias entre bibliotecas e editoras), enquanto somente 1 dos serviços são oferecidos por decisão própria da biblioteca como editora.

Prosseguimos perguntando sobre os profissionais que integram o conselho editorial destas iniciativas. Conforme pode ser observado no Gráfico 2, os bibliotecários não participam de todos os conselhos editoriais das bibliotecas que participam destes processos.

Gráfico 2
Profissionais participantes do Serviço de Editoração

Bailey (2017) parte do princípio da cultura da colaboração para desempenhar tais projetos. Esta deve vir do relacionamento direto com diversas instâncias da universidade, por exemplo, com a reitoria, os pesquisadores, os docentes e discentes, os departamentos de comunicação, dentre outras partes. A partir dessa troca de conhecimento, de recursos e práticas, tais serviços poderão evoluir em alcance e reputação.

Os modelos de negócio adotados pelas bibliotecas para execução de seus projetos editoriais são em 40% dos casos advindos de investimentos diretos da instituição mantenedora, ou seja, dependem do orçamento da universidade, 40% buscam colaboração voluntária da própria comunidade acadêmica na execução dos processos e 20% utilizam do orçamento próprio da biblioteca e de financiamento coletivo para financiamento de tais projetos. Interessante destacar que as bibliotecas usufruem de mais de uma fonte de recursos para apoio a estas iniciativas.

Segundo Hawkins (2019), as bibliotecas não têm interesse em cobrar taxas aos seus usuários por tais serviços. Geralmente, os enxergam como serviços essenciais que deverão ser gratuitos e acessíveis a toda comunidade universitária, potencialmente também à sociedade civil. O financiamento para tal deve vir primeiro da universidade, e não de vendas. No entanto, ao sofrer com barreiras econômicas e restrição a recursos necessários aos processos, vê-se a necessidade de terceirizar certas atividades e de captação de recursos por outros canais.

Sobre os tipos de materiais que publicam pelo serviço, destaca-se a presença proporcional de livros, monografias, teses, dissertações, entre outros.

Gráfico 3
Tipos de Produtos Editoriais das Bibliotecas

Para Adema e Schmidt (2010) as tecnologias trouxeram facilidades aos processos de edição eletrônica, tais como: a ampliação do espectro de programas de editoração; o alavancamento da rede de distribuição de materiais científicos, propiciando o modelo de publicação em acesso aberto; e o incremento à interatividade dos produtos monográficos das universidades, com recursos digitais de imagens, de sons e hiperlinks.

Maron e Lippincott (2018MARON, Nancy; LIPPINCOTT, Sarah. Library Publishing Curriculum. Atlanta, GA: Educopia Institute: Library Publishing Coalition: Institute of Museum and Library Services, 2016-2018. Disponível em: https://educopia.org/library-publishing-curriculum/. Acesso em: 12 jan. 2021.
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) defendem a formalização de uma política editorial para orientar o serviço editorial, descrevendo seu propósito, seu público-alvo, e definitivamente sua linha editorial. Evidentemente, estes podem mudar conforme o tempo, porém sob motivos justificáveis e que se tenha em mente a evolução concisa do serviço. Também é necessário apresentar na política editorial os processos que devem constar do planejamento de cada projeto editorial, como, por exemplo, a seleção e aquisição de conteúdo, a avaliação dos originais recebidos, a revisão de textos e de provas, o projeto gráfico, as formas de publicação e divulgação do produto editorial, o nível de participação dos autores em cada processo decisório e seus direitos inalienáveis.

Neste quesito, quatro das bibliotecas afirmaram possuir linha editorial definida. Duas delas confirmaram a área do conhecimento que trabalham e as outras duas descreveram em linhas gerais que trabalham com todas as áreas do conhecimento, uma relatando que suas publicações têm caráter técnico-científico, didático e cultural relacionado aos currículos de sua universidade. Todas as bibliotecas declararam ter política editorial formalizada e especificaram os critérios presentes nelas, como linha editorial (80%), direitos autorais (100%), licenciamento dos produtos editoriais (100%), tipologia dos produtos (80%), padronização da língua escrita (80%) e da formatação bibliográfica (100%), apresentação e estrutura lógica dos tópicos (60%), desenvolvimento argumentativo do texto (80%), uso de recursos visuais (60%) e bibliografia utilizada (40%).

O processo de seleção e aquisição de originais fica sob responsabilidade, na maioria os casos, por docentes da universidade, editores, consultores e pareceristas, com uma participação ainda pequena dos bibliotecários. É importante ressaltar a habilidade de bibliotecários na curadoria de conteúdo para formação de coleções, por isso defendemos o potencial de contribuição destes profissionais neste processo. As bibliotecas relataram que o processo se dá através de abertura de processo de submissão para os autores (100%) e também por buscas por originais pela comunidade da instituição (20%).

Quando questionadas se são elaborados contratos entre os autores e o serviço, para concordância sobre os processos editoriais implicados ao original e seus devidos direitos e bonificação, três manifestaram que não e duas que sim. Os contratos são importantes para tornar o processo mais transparente possível e assegurar a cada uma das partes que seu fazer esteja dentro da legalidade e das boas práticas.

Além disso, Maron e Lippincott (2018MARON, Nancy; LIPPINCOTT, Sarah. Library Publishing Curriculum. Atlanta, GA: Educopia Institute: Library Publishing Coalition: Institute of Museum and Library Services, 2016-2018. Disponível em: https://educopia.org/library-publishing-curriculum/. Acesso em: 12 jan. 2021.
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) apostam na construção de um manual de preparação e estilo compartilhado com autores, demonstrando o passo-a-passo do trabalho com o original, elencando diretrizes para preparação, normalização, revisões, e elaboração do projeto gráfico (escolha de tipografias, cores, escalas, arquitetura do material, confecção da capa, entre outros). Ao indagar sobre a formalização de normas para editoração dos materiais, importante para nortear a edição alinhada com os propósitos de cada projeto, três bibliotecas (60%) afirmaram ter elaborado suas próprias normas, duas bibliotecas (40%) indicaram que fizeram algumas adaptações das normas ABNT. Apresentamos no gráfico a seguir alguns dos softwares mais utilizados pelas bibliotecas nos seus devidos processos editoriais:

Gráfico 4
Programas de Editoração Eletrônica utilizados pelas bibliotecas

Para publicação dos materiais, o suporte escolhido pelas bibliotecas é o eletrônico (100%). No entanto, uma biblioteca optou também pela publicação em suporte impresso. Os locais de publicação são em sua maioria os próprios repositórios (80%) e bibliotecas digitais (80%) da unidade de informação, também com inclusão no próprio acervo físico da biblioteca (80%).

Os produtos editoriais são publicizados através das redes sociais das bibliotecas (40%), em canais de vendas internos ou externos à instituição (20%) e também por doações de exemplares a membros da comunidade acadêmica, sendo disponibilizados com licenças permissíveis para acesso, reuso, readaptação e recompartilhamento (60%). Somente uma biblioteca optou por acesso restrito aos membros da instituição e outra por canais de vendas e licenças restritas de copyleft.

Neste sentido, verificou-se que a maioria das bibliotecas está desenvolvendo serviços de editoração alternativos aos modelos de publicação tradicional comercial, com modelos de publicação em acesso aberto para expandir a circulação das produções científicas e democratizar o acesso ao conhecimento, porém algumas ainda publicam com modelos híbridos para angariar fundos para sustentabilidade do negócio.

Elaborou-se uma seção específica do questionário para reconhecer a atuação do bibliotecário em serviços editoriais e saber do seu crescimento profissional e desafios enfrentados ao longo do tempo de vigência de tais projetos.

Deste modo, quando questionadas se bibliotecários atuam como editores-chefes dos projetos, somente uma dentre as cinco bibliotecas confirmou o bibliotecário nesta categoria. Sua participação do planejamento do serviço está dentre as atividades:

Gráfico 5
Participação de bibliotecários nos segmentos do negócio

Os processos editoriais constituem um grande desafio para a atuação dos bibliotecários. Muitos não têm a formação adequada para lidar com a complexidade relacionada ao trabalho. Como consequência, algumas etapas do processo editorial são delegadas a profissionais especializados.

O Gráfico 6 confirma que em apenas 20% dos casos o bibliotecário participa da edição de conteúdo, em 80% dos casos atua oferecendo instruções editoriais aos autores, em 80% atua na indexação em repositórios e bibliotecas (80%), esta última um trabalho habitual deste profissional. Mas, além disso, vemos manifestações de 60% de participação dos bibliotecários em atividades de divulgação do produto, 40% na elaboração do projeto gráfico, 40% na revisão e 40% na tradução.

Gráfico 6
Participação de bibliotecários no fluxo editorial

Houve unanimidade quanto à contribuição dos serviços editoriais para aumento da visibilidade e reputação da biblioteca, assim como uma aproximação com a comunidade universitária. Quatro bibliotecas assinalaram que o serviço impulsiona a produção universitária para outros territórios além dos campi, inclusive internacionais, amplia o espectro de serviços que a biblioteca oferece para cumprir sua missão institucional e cultural. Nenhuma instituição indicou como uma das vantagens ser uma forma de captar recursos para a unidade de informação. Neste sentido, entendemos que as bibliotecas não se importam tanto com este fato, sendo um caráter basilar deste serviço o livre acesso, sem cobranças ou restrições.

Questionou-se aos nossos respondentes sobre os níveis de dificuldades encontrados pelas bibliotecas nas etapas dos processos editoriais, onde obtivemos 4 bibliotecas respondentes. Assim sendo, o gráfico 7 representa as atividades que necessitam ser estudadas por bibliotecários:

Gráfico 7
Nível de dificuldade enfrentado pelas bibliotecas universitárias acerca dos processos editoriais

O Gráfico acima expõe que as maiores dificuldades estão na impressão do material e comercialização do produto editorial, ou seja, aspectos do processo de confecção que necessita por vezes da terceirização dessas atividades para profissionais e empresas especializadas.

Outras consideradas médias dificuldades estão relacionadas à definição da linha editorial e, consequentemente, à busca e seleção dos originais que respeitam esse fundamento. Geralmente, a linha editorial escolhida deve respeitar as áreas do conhecimento do currículo da universidade em que a biblioteca está subordinada, porém é necessário reconhecer a amplitude e profundidade de disciplinas que serão tratadas. Para isso, uma pesquisa sobre aquelas que são relevantes, mas têm pouca literatura produzida em questão podem configurar um novo ponto de partida. Sobre a seleção e aquisição, é necessário investigar métodos eficazes e escrever políticas que auxiliem ao longo das tomadas de decisão. A tradução de material também está representada como de média dificuldade, e realmente é um processo complexo, pois não se trata de transliterar outro idioma, o tradutor precisa ter domínio do idioma a ser traduzido e do idioma nativo para reconhecer a transcrição adequada para o público em questão.

Quanto à preparação e normalização bibliográfica, revisão de conteúdo e hospedagem do produto, a maior parte das bibliotecas considerou não ter dificuldades nestas etapas. Acredita-se que estas etapas são habitualmente desempenhadas por bibliotecários, de acordo com suas competências na normalização e armazenagem de recursos em repositórios e bibliotecas digitais. Quanto à diagramação do produto, duas bibliotecas consideraram ter nenhuma dificuldade, enquanto na preservação digital outras duas consideraram ter pouca dificuldade.

Partiu-se então por investigar se as bibliotecas aplicam pesquisas de satisfação sobre o serviço editorial entre seus usuários. Somente uma biblioteca negou realizar avaliação, enquanto três realizam sem periodicidade determinada e uma biblioteca com frequência anual. Dentre os critérios mais trabalhados nestas pesquisas, estão a cobertura temática da linha editorial (60%), a normalização do texto (60%), a diagramação do material (60%), o projeto gráfico (40%), a legibilidade do texto (40%), estrutura e organização (40%), acessibilidade (40%), presença de conteúdos interativos (40%), e estilo literário (20%). A avaliação geral do serviço está representada no Gráfico 12:

Gráfico 8
Avaliação Geral do Serviço Editorial

Ao final do questionário, foi facultado aos respondentes a possibilidade de dissertar sobre as suas motivações e experiências ao oferecerem estes serviços, sobretudo em relação com suas missões institucionais. Somente duas instituições de manifestaram:

BIBLIOTECA A - Desafiante pq seguidamente estamos apresentando a toda comunidade acadêmica que o fazer da biblioteca perpassa aquela observação minúscula (somente) de empréstimo e consulta de livros!

BIBLIOTECA B - A vinculação da Supervisão de Bibliotecas à Editora é recente, sendo necessária a construção e amadurecimento dos trabalhos colaborativos entre os setores. A Supervisão de Bibliotecas era, anteriormente, vinculada à Pró-reitoria de Ensino de Graduação.

De um lado, um respondente descreve a experiência como desafiadora, chegando a aproximar de quebra de paradigma sobre o espaço de atuação da biblioteca. Já a outra biblioteca considera que necessita amadurecer suas relações de parceria com a editora, visto que o vínculo administrativo é muito recente, para tornar possível a colaboração em outras etapas do serviço, para além do que é delegado à sua equipe.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa teve por objetivo analisar o serviço de editoração em bibliotecas universitárias brasileiras, especialmente de materiais alternativos como livros, teses, dissertações, livros didáticos. Neste sentido, com base nos resultados ora já apresentados, entendemos que cumprimos tal objetivo.

De maneira específica, a pesquisa apresentou cinco bibliotecas universitárias brasileiras que desenvolvem tais projetos, em sua maioria em parceria com editoras universitárias, sendo uma somente por iniciativa própria da biblioteca. Através dos dados coletados, foi possível refletir sobre as práticas editoriais das bibliotecas e traçar planos estratégicos para aprimoramento das iniciativas e dos projetos beneficiando sua comunidade usuária.

Além disso, a tecitura de ideias apresentadas permitiu empreender reflexões sobre a atuação de bibliotecários em projetos editoriais, especialmente no que tange às fragilidades mapeadas para tal atuação. Em paralelo, a pesquisa apresenta experiências internacionais, um tanto quanto amadurecidas nas últimas décadas e capazes de fornecer importantes contribuições para a trajetória brasileira.

Como limitação da pesquisa e percurso metodológico adotado, apresenta-se as dificuldades em conseguir retorno da maioria das bibliotecas que contatou. Trata-se de um fenômeno inevitável da pesquisa de campo virtual, somada às complexidades provenientes deste período de pandemia, em que as instituições estão fechadas, em trabalho remoto, e mais restringidas ao atendimento das demandas de sua comunidade interna. Todavia, os resultados encontrados são promissores para abertura do diálogo entre bibliotecários brasileiros.

As experiências mapeadas evidenciam que nas bibliotecas universitárias onde os serviços de editoração foram implementados há uma compreensão de que este serviço é bem-visto pela comunidade acadêmica e sociedade civil e pode agregar valor aos propósitos da instituição. Todavia, os bibliotecários relatam que ainda sofrem preconceitos acerca de suas iniciativas com editoração e participação neste mercado de trabalho por parte de editores comerciais e científicos.

As dificuldades decorrentes de uma formação inadequada dos bibliotecários brasileiros para lidar com a complexidade dos processos editoriais é um desafio a ser enfrentado pelas associações profissionais e outros órgãos. Neste sentido, os investimentos em educação continuada configuram-se como necessários.

Ao mesmo tempo, a pesquisa em tela argumenta que é necessário que os bibliotecários editores brasileiros socializem suas práticas e saberes em comunidades de práticas, relatos de experiência e publicações científicas. Nesta linha, verificou-se que no plano internacional, o corpo de membros da LPC tem se dedicado a divulgar seus projetos editoriais e compartilham materiais de orientação produzidos, visando que outras reproduzir tais iniciativas em suas instituições.

Mesmo perante recursos materiais, financeiros e humanos limitados, a pesquisa em tela defende a premissa de que bibliotecários podem dar início com alguns serviços de apoio a publicação com processos simples. Ao iniciar sob perspectivas menores, os bibliotecários vão retrabalhando seu escopo de serviços ao longo do tempo expandindo para novas áreas, como marketing, edição e aquisição, e, assim, ganhando mais autonomia ao exercer suas funções ao longo do processo. Construção de relacionamentos, capacidade para inovação e experimentação são habilidades necessárias para se ter um desenvolvimento promissor no campo da editoração em bibliotecas.

É essencial relembrar que os serviços de editoração estão atrelados a diversidade em múltiplos aspectos: de área do conhecimento e respectivas linhas editoriais, de suporte ou formato de publicação, de público-alvo, de autoridades, de processos e níveis de habilidades empenhadas, dentre outras mais, e por isso se faz necessário que o bibliotecário responsável pela administração da biblioteca, que tem conhecimento holístico da unidade de informação em que atua, avalie os pontos de encontro entre as práticas editoriais e a capacidade institucional em desenvolver tal serviço, tendo em conta a proposição do bem social que promove aos usuários.

Por fim, entende-se que esta pesquisa contribuiu com a função no ciclo de comunicação científica desde a produção, até a disseminação da informação, resgatando a perspectiva democrática, diversa e inovadora do bibliotecário.

REFERÊNCIAS

  • LICENÇA DE USO

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  • PUBLISHER

    Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação. Publicação no Portal de Periódicos UFSC . As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.
  • 1
    A Library Publishing Coalition aceita a filiação de novos membros fora do eixo norte-americano.
  • 2
    A pesquisa é fruto de recorte do Trabalho de Conclusão de Curso do primeiro autor, apresentado a Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) para obtenção do grau de Bacharel em Biblioteconomia.
  • 3
    Conforme Santillán-Aldana e Mueller (2016) já há diferentes estudos que abordam a editoração de periódicos científicos em bibliotecas.
  • 4
    As buscas ocorreram no período de dezembro de 2020 a janeiro de 2021.
  • 5
    Itens arrolados na referência e ainda não traduzidos para o português brasileiro.
  • 6
    Mapeadas a partir do Sistema E-mec. Endereçamos a pesquisa à biblioteca central e/ou a presidência do Sistema de bibliotecas.
  • 7
    In recent years, library publishing activities have drawn increasing attention within the professional world of academic libraries, from the scholars those libraries serve and from established scholarly publishers that seek to assess both opportunities and threats presented by this activity.
  • 8
    Throughout the 1990s, this exploration often took place through partnerships with commercial publishers, through advising and helping to shape innovative scholarly publishing ventures, and through providing infrastructure and guidance for scholar-driven publishing or providing sources of collections for digitization (and relicensing back to libraries). This period saw libraries keenly interested in and often supporting such efforts as JSTOR, Project MUSE, HighWire Press, the Text Creation Partnership, the Bryn Mawr Classical and Medieval Reviews, and the development and distribution of primary source databases by Chadwyck-Healey, later subsumed by ProQuest. Early experiments in distributing Elsevier content to libraries (TULIP and PEAK) appeared in this period, as did the first online instantiation of the Oxford English Dictionary, the Bibliography of Asian Studies, the Thesaurus Linguae Graecae, and Perseus.
  • 9
    As the field matures, it is experiencing the type of change the LPC’s founders envisioned: moving from ad hoc, local efforts to collaborative initiatives that span libraries, national borders, and even sectors. Sustainability and new financial models have become a particularly fruitful area for collaboration. Library publishing is generally subsidized entirely by the library’s operating budget, meaning libraries are free in a sense from the budget pressures faced by for-profit or cost-recovering publishers.
  • 10
    A scholarly publishing landscape that is open, inclusive, and sustainable.
  • 11
    As libraries embrace this new role, they have a concurrent need for training opportunities, both for existing library staff/faculty who want to grow their publishing skill sets through continuing education and other professional development activities, and also for the next generation of staff/faculty who are beginning now to pursue this new role through degree programs, internships, and other preparatory steps.
  • 12
    Prevendo resultados como esses, a pesquisa desenvolveu uma continuação do questionário para as bibliotecas que não possuem serviços de editoração, cujos resultados idealiza-se compartilhar em nova comunicação.

EDITORES

Edgar Bisset Alvarez, Ana Clara Cândido, Patrícia Neubert, Genilson Geraldo, Mayara Madeira Trevisol, Jônatas Edison da Silva, Camila Letícia Melo Furtado e Beatriz Tarré Alonso.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Nov 2022
  • Aceito
    12 Jan 2023
  • Publicado
    10 Abr 2023
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