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REVISITANDO A NOÇÃO DE CAMPO DE PIERRE BOURDIEU PARA COMPREENDER A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA

REVISANDO LA NOCIÓN DE CAMPO DE PIERRE BOURDIEU PARA COMPRENDER LA PRODUCCIÓN DE CONOCIMIENTOS EN LA EDUCACIÓN FÍSICA BRASILEÑA

RESUMO:

Este artigo teve por objetivo (re) visitar a noção de campo de Pierre Bourdieu para compreender a Educação Física brasileira como um campo de produção de conhecimentos não neutro, repleto de interesses nas disputas pelo poder. A construção da escrita se deu por dois aspectos metodológicos. O primeiro via apreciação bibliográfica de obras de Bourdieu e de autores da Educação Física brasileira que se debruçaram sobre o autor. O segundo alicerçado na análise sociológica realizada na tese doutoral produzida por um dos autores. Consideramos que o exercício realizado neste artigo permite pensar sobre alternativas analíticas na construção teórico-metodológica de novos estudos. Apontamos que o campo é recente, em construção e permeado por tensões acadêmico/profissionais que interferem em sua identidade. Todo o percurso apresentado explica os interesses próprios de agentes e instituições que jogam simbolicamente na trama de suas conveniências. Cremos ser essencial o desvelamento dos múltiplos elementos que tencionam esse campo, principalmente no que diz respeito à sua institucionalização, incremento e política.

Palavras-chave:
Educação Física; Pierre Bourdieu; noção de campo; formação profissional

RESÚMEN:

Este artículo tuvo como objetivo (re) visitar la noción de campo de Pierre Bourdieu para entender la Educación Física brasileña como un campo de producción de conocimiento no neutral, lleno de intereses en disputas de poder. La construcción de la escritura se dio por dos aspectos metodológicos. El primero fue una revisión bibliográfica de trabajos de Bourdieu y autores de la Educación Física brasileña que estudiaron al autor. El segundo se basa en el análisis sociológico realizado sobre la tesis doctoral elaborada por uno de los autores. Consideramos que el ejercicio realizado en este artículo nos permite pensar en alternativas analíticas en la construcción teórica y metodológica de nuevos estudios. Señalamos que el campo es reciente, en construcción y permeado por tensiones académicas/profesionales que interfieren con su identidad. Todo el recorrido presentado explica los intereses de agentes e instituciones que juegan simbólicamente en el tejido de sus conveniencias. Creemos que es fundamental develar los múltiples elementos que pretenden este campo, principalmente en lo que se refiere a su institucionalización, incremento y política.

Palabras clave:
Educación física; Pierre Bourdieu; noción de campo; formación profesional

ABSTRACT:

This article aimed to (re) visit Pierre Bourdieu's notion of the field to understand Brazilian Physical Education as a field of non-neutral knowledge production, full of interests in power disputes. The construction of writing took place from two methodological aspects. The first was a bibliographic review of works by Bourdieu and authors of Brazilian Physical Education who studied the author. The second is based on the sociological analysis carried out on the doctoral thesis produced by one of the authors. We consider that the exercise carried out in this article allows us to think about analytical alternatives in the theoretical and methodological construction of new studies. We point out that the field is recent, under construction and permeated by academic / professional tensions that interfere with its identity. The entire route presented explains the interests of agents and institutions that play symbolically in the fabric of their conveniences. We believe it is essential to unveil the multiple elements that intend this field, mainly concerning its institutionalization, increase, and policy.

Keywords:
Physical Education; Pierre Bourdieu; the notion of field; professional training

INTRODUÇÃO

Neste artigo objetivamos (re) visitar a noção de campo de Pierre Bourdieu para compreender a Educação Física brasileira3 3 Ao tratar a Educação Física brasileira como um campo de produção de conhecimentos repleto de interesses, partimos da visão macro do campo em suas questões educacionais, políticas, acadêmicas e profissionais, para focalizar as disputas no eixo das políticas de formação inicial entre licenciatura e bacharelado, que foi o objeto central da tese doutoral de um dos autores. , partindo da ideia de que a Educação Física no Brasil é um campo de produção de conhecimentos não neutro e repleto de interesses nas disputas pelo poder. Buscamos embasamentos nas teorias de Bourdieu sobre a noção de campo e de autores que aplicaram esse conceito (direto ou indiretamente) nos estudos da Educação Física brasileira (BETTI, 1996BETTI, Mauro. Por uma teoria da prática. MotusCorporis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 73-127, 1996.; BRACHT, 2003BRACHT, Valter. Identidade e crise da educação física: um enfoque epistemológico. In: BRACHT, V.; CRISÓRIO, R. (Org.). A educação física no Brasil e na Argentina: Campinas: Autores Associados, 2003.; PAIVA, 2004PAIVA, Fernanda S. L. Notas para pensar a EF a partir do conceito de campo. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, p. 51-82, jul./dez. 2004. n. especial.; STIGGER, et al (2010STIGGER, Marcos P.; et al. Revista Movimento: análise dos sentidos e da repercussão de um periódico que “se faz” no campo da Educação Física brasileira. Movimento, Porto Alegre, v. 16, p. 113-154, 2010. n. especial.); LAZZAROTTI FILHO (2011LAZZAROTTI FILHO, Ari. O modus operanti do Campo acadêmico-científico da Educação Física no Brasil. Tese (Doutorado em Educação Física). Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física, 2011.); RIBEIRO (2016RIBEIRO, Iury. Formação em Educação Física no Brasil: novas orientações legais, outras identidades profissionais? Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2016.), SOUZA NETO, et al (2016SOUZA NETO, Samuel de; et al. Conflitos e tensões nas Diretrizes Curriculares da Educação Física: o campo professional como espaço para lutas e disputas. Pensando a Prática, Goiânia, v. 19, n. 4, p. 734-746, out/dez. 2016.); entre outros).

Bourdieu é um dos autores contemporâneos que se dedicou de forma exaustiva na sistematização de ideias que apontassem para superação dos paradigmas objetivos (conhecimento objetivista) e subjetivos (conhecimento fenomenológico) da teorização sociológica, a partir dos pressupostos dialéticos entre agente e estrutura social. Sua abordagem ficou conhecida como praxiológica, que de acordo com Sapiro (2017SAPIRO, Gisèle. Conhecimento praxiológico (Verbete). In: CATANI, Afrânio Mendes; et.al. (Orgs). Vocabulário Bourdieu. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. p.126-128.) buscava não reduzir as práticas ao simples fazer mecânico de uma regra.

Desta forma, Bourdieu alicerçou suas proposições a partir de diferentes concepções teóricas do objetivo ao fenomenológico, estabelecendo os contrapontos e críticas que se fizeram pertinentes. Não poupou esforços para retroalimentar suas obras, criticando ou refletindo sobre o determinismo, o estruturalismo, o marxismo, o existencialismo, o construtivismo e o neoliberalismo. Consequentemente, não se estabeleceu epistemologicamente na tradição sociológica comum da modernidade. Ele fixou o estudo das estruturas objetivas e das representações subjetivas que até então pareciam restabelecer posturas inconciliáveis (JOURDAIN e NAULIN, 2017JOURDAIN, Anne & NAULIN, Sidonie. A teoria de Pierre Bourdieu e seus usos sociológicos. Traduzido de Francisco Morás. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.).

De acordo com Jourdain e Naulin (2017JOURDAIN, Anne & NAULIN, Sidonie. A teoria de Pierre Bourdieu e seus usos sociológicos. Traduzido de Francisco Morás. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.) Bourdieu superou a oposição entre o objetivismo e subjetivismo através do que chamou de estruturalismo genético e da constante “vigilância epistemológica4 4 De acordo com Thiry-Cherques (2006) a vigilância epistemológica proposta por Bourdieu advém da matriz filosófica, da prática etnológica e de sua posterior dedicação à sociologia ancoradas à filosofia das ciências de Gaston Bachelard. Pierre Bourdieu, a partir de Bachelard (1984) guia a ideia de que o pensamento deve ser operado como um movimento de pinça, que descobre, integra e supera as limitações das teorias em uma composição conceitual cada vez mais abrangente. ”. Jourdain e Naulin (2017)JOURDAIN, Anne & NAULIN, Sidonie. A teoria de Pierre Bourdieu e seus usos sociológicos. Traduzido de Francisco Morás. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017. afirmam que foi no livro “Coisas Ditas” que Bourdieu manifestou a vontade de superação paradigmática. Para os autores a tarefa de (re) visitar Bourdieu requer dos investigadores no campo social duas posturas essenciais. A primeira tem a ver com romper com a linguagem ordinária para tratar das estruturas objetivas e a segunda reintegrar as visões de mundo subjetivas que contribuem para a construção de um espaço social.

Desta forma, o projeto de compreender sociologicamente a ação humana fez com que Bourdieu estabelecesse sua unidade teórica a partir de um sistema de conceitos densos nascidos do confronto incessante entre teoria e prática empírica. Conceitos como habitus, illusion, campo, violência simbólica, doxa, hexis corporal, capital, entre outros. Estes conceitos renovaram a análise sociológica e tornaram capazes os enfrentamentos em pesquisas sobre as relações entre agente e estrutura social (BARANGER, 2017).

Lahire (2017LAHIRE, Bernard. Os limites do conceito de campo. In: Souza, Jesse; Bittlingmayer, Uwe (coord.). Dossier Pierre Bourdieu. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017. p. 11-28., p.33) afirma que na obra de Bourdieu a teoria de campo se situa na continuidade de uma longa tradição de reflexões sociológicas e antropológicas sobre a diferenciação histórica das atividades ou funções sociais e sobre a divisão social do trabalho. Neste sentido, compreendemos que Bourdieu, caso desenvolvesse seu olhar sobre a Educação Física na atualidade, não o faria como profissão ou ciência, mas sim como campo de produção de conhecimentos ou campo acadêmico e/ou campo profissional.

A Educação Física brasileira é um campo constituído pelos sujeitos em diferentes espaços institucionais, como as universidades, os conselhos profissionais, os movimentos sociais, os ministérios/secretárias especiais (Educação, Saúde e Esporte/Lazer), os centros de pesquisa e extensão, as comissões editorais, os grupos de estudos, entre outros. A partir desta realidade entendemos que a organização de um campo específico, necessita uma interpretação histórica e apreensão da realidade social.

Para Bourdieu (2004)BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2004a. a constituição social de um campo, com suas peculiaridades, seus motes materiais e simbólicos, é gerado na trama da realidade a partir da relação complexa entre texto e contexto. Isto quer dizer que, para não enveredarmos na armadilha do “erro do curto-circuito” necessitaremos compreender as “relações de força entre os diferentes tipos de capital ou, mais precisamente, entre os agentes suficientemente providos de um dos diferentes tipos de capital para poderem dominar o campo correspondente” (BOURDIEU, 2008BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 8. ed. Tradução de Mariza Corrêa. Campinas: Papirus, 2008., p. 52).

Por este preâmbulo, compreendemos a necessidade em detalhar a trajetória do percurso investigativo que Bourdieu desenvolveu ao construir o conceito de campo. O processo de (re) visitar este conceito se dá por dois aspectos metodológicos. O primeiro baseado na apreciação bibliográfica de obras de Bourdieu e de autores da Educação Física brasileira que nas últimas décadas investiram esforços por contextualizar o campo da Educação Física imerso por relações de força e o segundo alicerçado na análise sociológica realizada uma tese doutoral desenvolvida por um dos autores. Na continuidade apresentamos as considerações de Pierre Bourdieu sobre o conceito de campo.

AS CONSIDERAÇÕES DE PIERRE BOURDIEU SOBRE CAMPO

Na produção teórica de Bourdieu, as considerações sobre campo, bem como os conceitos de habitus, capital e poder tornam-se essenciais para entendermos a vida social e sua prática. Seguimos a lógica desenvolvida pelo autor de que suas considerações sobre campo estão intimamente ligadas ao corpo teórico de produção dos conceitos realizados ao longo de suas pesquisas. Assim, consideramos importante o alicerce de conceitos como o de habitus, o de capital e o de poder que circundam em uma lógica sistêmica ao conceito de campo e apenas podem ser aplicados em uma perspectiva teórica concatenada com a realidade social própria do campo e nunca de forma isolada ou reduzida.

Neste sentido, os conceitos se articulam de forma simbiótica. Não teceremos considerações sobre as características sociais de um campo sem delegar importância aos fundamentos epistemológicos que trazem os demais conceitos. Essa dinâmica não foi organizada de forma explícita por Bourdieu, ou seja, o autor não construiu pedagogicamente essa relação em texto específico, porém em muitas de suas obras esclarece que seus conceitos, ou a apropriação de seus conceitos é dada de forma empírica, sistematizada e dentro do código teórico em que as práticas são constituídas e significadas pelos agentes e instituições.

No que tange a constituição desses conceitos, Thiry-Cherques (2006)THIRY-CHERQUES, Hermano R. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. RAP, Rio de Janeiro, v. 40, 1, p. 27-55, jan./fev. 2006. explicita que os conceitos primários formulados e aperfeiçoados por Bourdieu foram: habitus e campo. De forma secundária outros conceitos foram agregados formando uma rede de interações que orientaram a sociologia relacional, a explicação, a partir de uma análise, em geral fundada em estatísticas, das relações internas do objeto social. As teorias sobre campo e habitus estão emaranhadas e se complementam em suas possibilidades, consequências e reflexões, no entanto, devem ser compreendidas de forma particular para na sequência implicarem complementações.

De acordo com Martinez e Campos (2015MARTINEZ, Flávia Wegrzyn; CAMPOS, Jeferson de. A sociologia de Pierre Bourdieu. Revista eletrônica da feati, - nº 11- p. 1-15, julho/2015- ISSN 2179-1880.) o conceito de campo apareceu nas pesquisas de Bourdieu como uma “estenografia conceitual”, ou seja, uma forma de escrita que utiliza caracteres abreviados especiais, permitindo que se anotem as palavras com a mesma rapidez com que são pronunciadas. Isso permitiu que Bourdieu não se limitasse apenas ao exercício de interpretação interna da explicação externa, pois em todos os casos existem as inferências culturais próprias dos agentes e das instituições que implicam na construção do social. Assim sendo, seu exercício de criação baseou-se em relativizações teóricas e constante vigilância epistemológica no uso das palavras e termos.

O aparecimento do conceito de campo aconteceu no momento em que as pesquisas de Bourdieu giravam em torno da revisão sobre a sociologia da religião (comentário do capítulo consagrado à sociologia religiosa em Wirtschaft und Gesellschaft5 5 De acordo com Thiry-Cherques (2006) “Economia e sociedade” é um livro do economista político e sociólogo Max Weber, publicado postumamente na Alemanha em 1922 por sua esposa Marianne. Juntamente com a “Ética Protestante” e o “Espírito do Capitalismo”, é considerada uma das obras mais importantes de Weber. ) e sobre a sociologia da arte (no seminário na Escola Normal, por volta de 1960). Bourdieu (2004a)BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2004a. afirmou que suas intenções teóricas, aquelas que se condensam nos conceitos de habitus, por exemplo, estavam presentes, sob uma forma pouco evidente e elaborada, desde a origem de seu trabalho. Desta maneira, é essencial revelar que o conceito de campo é muito mais recente do que se imagina e foi empregado de forma inaugural por Bourdieu em uma pesquisa sobre o “contexto” intelectual e artístico francês, tomando maior vazão ao longo da década de 1980.

Evidentemente nos anos 80 e 90, Bourdieu aperfeiçoou o conceito de campo em seus escritos e reflexões. Destacamos que o termo não foi forjado unilateralmente pelo autor. Lahire (2017LAHIRE, Bernard. Os limites do conceito de campo. In: Souza, Jesse; Bittlingmayer, Uwe (coord.). Dossier Pierre Bourdieu. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017. p. 11-28.) lembra que Bourdieu definiu a noção de campo por meio da combinação de propriedades pertencentes a universos teóricos diferentes, em particular, os de Durkheim e de Weber. Além disso, autores como Merleau-Ponty e Sartre já haviam aplicado essa terminologia em vertentes epistemológicas próprias. Porém, Bourdieu (2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b., p.56) deu o tom ao conceito por ele lapidado lembrando que “é possível ter uma impressão de "imprecisão" diante de certas noções que forjei, se as considerarmos como produto de um trabalho conceitual, quando na verdade me empenhei no sentido de fazê-las funcionar em análises empíricas, em vez de deixá-las ‘girar em falso’”.

A partir dessa revelação, Bourdieu (2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b.) explica que a noção de campo, na forma condensada, é um programa de pesquisas e um princípio de defesa contra todo um conjunto de erros nas ciências sociais, assim como as demais noções por ele estabelecidas. Para o autor os conceitos podem e devem permanecer abertos, provisórios, o que não quer dizer vagos, aproximativos ou confusos. Bourdieu (2004b)BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b. aclara que toda verdadeira reflexão sobre a prática científica atesta que essa abertura dos conceitos, que lhe dá um caráter "sugestivo", imediatamente, uma capacidade de produzir efeitos científicos, mostrando coisas não vistas, sugerindo pesquisas a serem feitas, e não apenas comentários. Nesta lógica, desenvolveu as considerações sobre campo esclarecendo que:

...todas as produções culturais, a filosofia, a história, a ciência, a arte, a literatura, etc., são objetos de análises com pretensões científicas. Há uma história da literatura, uma história da filosofia, uma história das ciências etc., e em todos esses campos encontra-se a mesma oposição, o mesmo antagonismo, frequentemente considerados como irredutíveis - sendo o domínio da arte, certamente, um dos lugares onde essa oposição é mais forte - entre as interpretações que podem ser chamadas internalistas ou internas e aquelas que se podem chamar de externalistas ou externas (BOURDIEU, 2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b., p.19).

Através desta perspectiva crítica, Bourdieu traçou uma série de ponderações na tentativa de retificar os distintos pontos de vistas, subjetivos e objetivos, que corriqueiramente atravessavam suas constatações e travavam reduções ou supervalorizações acerca da trama social, principalmente, na ideia por fazer compreender que nos distintos campos existem lutas próprias oriundas de uma historicidade que necessitava ser sistematicamente analisada e compreendida. Pereira (2015PEREIRA, Elaine Aparecida Teixeira. O conceito de campo de Pierre Bourdieu: possibilidade de análise para pesquisas em história da educação brasileira. Revista Linhas. Florianópolis, v. 16, n. 32, p. 337 - 356, set./dez. 2015.) colabora neste raciocínio lembrando que pensar a partir do conceito de campo é pensar de forma relacional. É conceber o objeto ou fenômeno em constante relação e movimento. De acordo com a autora o campo também pressupõe confronto, tomada de posição, luta, tensão, poder, já que, para Bourdieu, todo campo “é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou transformar esse campo de forças” (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2004a., p. 22).

Assim, Bourdieu (2004aBOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2004a.) qualifica que para estabelecermos considerações sobre campo não se pode cair na armadilha das respostas prontas para quaisquer indagações como fazem constantemente os teoristas, os positivistas e os condicionados por hierarquizações. Ele lembra que colocar a ciência, e mais especificamente, a ciência da ciência, a serviço do progresso da própria ciência, com análises puramente descritivas é um perigo e um risco a própria ciência. Assim, percebemos a virtude do conceito sobre campo. Ele permite romper com o conhecimento primeiro, necessariamente parcial e arbitrário. Bourdieu (2004a)BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2004a. busca promover um modo de construção que necessita ser repensado sempre, através desse conceito chave que implica um raciocínio relacional na tentativa por aclarar as construções ocultas e as batalhas dentro de cada campo ou subcampo.

Desta maneira, as considerações sobre campo nos permitem quebrar com as alusões ao mundo social que não manifestam satisfatoriamente a sua natureza conflituosa. Martinez e Campos (2015MARTINEZ, Flávia Wegrzyn; CAMPOS, Jeferson de. A sociologia de Pierre Bourdieu. Revista eletrônica da feati, - nº 11- p. 1-15, julho/2015- ISSN 2179-1880.) afirmam que para Bourdieu, a estrutura social de uma determinada sociedade encontra-se fundamentada na divisão social do trabalho, fato que permite aos agentes munidos de suas práticas, e as instituições, movimentarem-se no campo de um mercado material e de um mercado simbólico. É imprescindível posicionar que a apreciação de campo pondera as situações sociais das disputas de poder no seu interior. Por esse motivo, Bourdieu, elabora a constatação de que mesmo as práticas aparentemente neutras estarão concatenadas a sistemas de diferenciações sociais e intelectuais.

Por conseguinte, o conceito de campo proposto por Bourdieu é definido como espaço onde ocorrem as relações entre os indivíduos, grupos e estruturas sociais, com uma dinâmica que obedece a leis próprias, provocada pelas disputas de poder ocorridas em seu interior como espaço relacional (MARTINEZ; CAMPOS, 2015MARTINEZ, Flávia Wegrzyn; CAMPOS, Jeferson de. A sociologia de Pierre Bourdieu. Revista eletrônica da feati, - nº 11- p. 1-15, julho/2015- ISSN 2179-1880.). Por isso, Bourdieu (2003) desenha o conceito baseado em um estado da relação de força entre os agentes e/ou as instituições que estão engajadas na luta ou na distribuição do capital específico que, acumulado no curso das lutas anteriores, orientam as estratégias ulteriores na permanência ou alteração do habitus (“o campo estrutura o habitus e o habitus constitui o campo” (BOURDIEU, 2004cBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. Tradução de Cássia R. da Silveira e Denise Moreno Pegorim. 1. reimp. da 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004c.).

A partir desta lógica, importa reforçar que cada campo cria seu objeto e seu princípio de compreensão e pode ser analisado independente das características de seus ocupantes, ou seja, são microcosmos cercados por leis específicas, por valores (capitais), por objetos e por interesses dotados de autonomia (relativa) no interior do mundo social (THIRY-CHERQUES, 2006THIRY-CHERQUES, Hermano R. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. RAP, Rio de Janeiro, v. 40, 1, p. 27-55, jan./fev. 2006.). O grau de autonomia de cada campo ocorre no passo em que leis inerentes são de certa forma, influenciadas pelo macrocosmo (BOURDIEU, 2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b.). Assim sendo, “quanto mais autônomo for um campo, maior será o seu poder de refração e mais as imposições externas serão transfiguradas, a ponto, frequentemente, de se tornarem perfeitamente irreconhecíveis.” (BOURDIEU, 2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b., p. 22).

Isso quer dizer que quanto mais conectado estiver o campo internamente, a sua capacidade de autonomia será aumentada e sua amplitude de interferência das prerrogativas ou pressões externas será diminuída. No contraponto, a aceitação de normas que não são próprias do campo, mas que os agentes reconhecem como válidas para orientar a sua consciência e discernimento moral - heteronomia de um campo - será manifestada por questões que dizem respeito aos problemas exteriores, ou seja, o que não é do campo, em especial os problemas políticos, que são significados diretamente em cada contexto histórico específico. Thiry-Cherques (2006THIRY-CHERQUES, Hermano R. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. RAP, Rio de Janeiro, v. 40, 1, p. 27-55, jan./fev. 2006.) lembra que toda essa problemática determina a forma como consumimos não só as coisas, mas também a educação, as artes, a política e também como as produzimos e acumulamos na competição pela dominação de um capital específico.

Apesar de todas as colocações apresentadas até aqui, nos importa destacar, o que Bourdieu referenciou como campo. Anteriormente comentamos que essa noção pressupõe uma ruptura com a representação realista que nos leva a reduzir o efeito do ambiente ao efeito da ação direta, à medida que ela é atualizada durante uma interação. Desta forma, não podemos deixar passar despercebido que os agentes são essenciais em nossa análise, mas não representam uma visão única do todo, pois as instituições constituem, juntamente aos agentes, profundas relações que alicerçam cada modo de viver no campo. Por isso, apresentamos na sequência, uma citação na qual Bourdieu, analiticamente, explica essa construção que designou como campo:

…un campo puede ser definido como una red o una configuración de relaciones objetivas entre posiciones. Estas posiciones están objetivamente definidas, en su existencia y en las determinaciones que imponen sobre sus ocupantes, agentes o instituciones, por su situación presente y potencial (situs) en la estructura de distribución de especies del poder (o capital) cuya posesión ordena el acceso a ventajas específicas que están en juego en el campo, así como por su relación objetiva con otras posiciones (dominación, subordinación, homología, etcétera). En las sociedades altamente diferenciadas, el cosmos social está conformado por varios de estos microcosmos sociales relativamente autónomos, es decir, espacios de relaciones objetivas que son el sitio de una lógica y una necesidad específicas e irreductibles a aquellas que regulan otros campos (BOURDIEU; WACQUANT, 2005BOURDIEU, Pierre e WACQUANT, Loïc. Una invitación a la sociología reflexiva. 1a ed. Buenos Aires: Siglo XXI Editores. Argentina, 2005., p.150).

Tal enunciado surgiu na obra “Um convite à sociologia reflexiva6 6 Bourdieu (2005) comenta e critica inúmeras passagens de sua própria obra, a partir de uma entrevista conduzida pelo professor Loïc Wacquant, que tinha como objetivo expor Bourdieu a gama completa de objeções realizada por diferentes estudiosos em diferentes momentos de sua carreira. ” publicada pela primeira vez em 1992. Isso demonstra a quão amadurecida e refletiva estava a construção desse termo, dados os investimentos do próprio Bourdieu em estabelecer debates com demais acadêmicos que tangenciavam e criticavam suas publicações. Essencial explicar também que Bourdieu (2003)BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Fim de Século, 2003. situa uma analogia, comparando um campo a um jogo. Por consequência, cada campo se estabelece como um jogo. Neste “ato de jogar” as tomadas de posição dos sujeitos relacionam-se às posições que adquiriram dentro da estrutura do campo para conservá-las ou transformá-las, bem como aos capitais, à doxa7 7 O conceito de doxa substitui, o que a teoria marxista denomina “ideologia”, como “falsa consciência”. A doxa é aquilo sobre o que todos os agentes estão de acordo. Bourdieu adota o conceito tanto na forma platônica — o oposto ao cientificamente estabelecido —, como na forma de crença (que inclui a suposição, a conjectura e a certeza). A doxa contempla tudo aquilo que é admitido como “sendo assim mesmo”: os sistemas de classificação, o que é interessante ou não, o que é demandado ou não (THIRY-CHERQUES, 2006, p.37). , ao nomos8 8 O nomos congrega as leis gerais, invariantes, de funcionamento do campo. A evolução das sociedades faz com que surjam novos campos, em um processo de diferenciação continuado. Todo campo, como produto histórico, tem um nomos distinto. Por exemplo, o campo artístico, instituído no século XIX, tinha como nomos: “a arte pela arte”. Tanto a doxa como o nomos são aceitos, legitimados no meio e pelo meio social conformado pelo campo (THIRY-CHERQUES, 2006, p.37). , ao habitus e às metas que guiam suas demandas.

Neste sentido, para Bourdieu (2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b.) a lógica do jogo é permitir uma diversidade de jogadas adaptadas à infinidade de situações possíveis, que nenhuma regra, por mais complexa que seja, pode antecipar. Isso quer dizer que devemos nos manter atentos ao funcionamento do jogo, em suas disputas internas, seus interesses próprios, as peculiaridades das jogadas, aos sujeitos que jogam e ao habitus que designa suas posições, buscando entender a produção das leis e o reconhecimento das mesmas. Por isso Bourdieu (2003)BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Fim de Século, 2003. esclarece que o habitus é tanto a condição de funcionamento do campo como produto desse funcionamento. O significado dado por Bourdieu a jogo é precisamente a condição dos agentes consentirem às regras do campo, mas ainda, agirem estrategicamente pautados pelo habitus.

Thiry-Cherques (2006THIRY-CHERQUES, Hermano R. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. RAP, Rio de Janeiro, v. 40, 1, p. 27-55, jan./fev. 2006.) explica que o termo habitus permeia entre a estrutura e a ação e foi adotado por Bourdieu na expectativa por se diferenciar de conceitos como os de hábito, costume, praxe, tradição. O autor explica que para Bourdieu existe uma correspondência entre as disposições duráveis e transferíveis que organiza as práticas e representações de forma pontual na existência humana, ou na condição dessa existência. Desta forma, o habitus é quem garante a lógica, a racionalidade prática, irredutível à razão teórica. É adquirido mediante a interação social e, ao mesmo tempo, é o classificador e o organizador desta interação. O que nos leva perceber, julgar e valorizar o mundo nos conformando e simultaneamente nos fazendo agir, pois são estruturas e são estruturantes com dinâmica autônoma que não designa uma orientação consciente nas duas variações, ou seja, é gerada pela lógica do campo social e desta forma nos permite aprender e transmitir os diferentes saberes e os correlacionarmos socialmente.

Neste raciocínio, o habitus é um “sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores” (BOURDIEU, 2003BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Fim de Século, 2003., p. 125) que causa estratégias, muitas vezes, conformadas aos interesses outros sem necessariamente estarem destinadas para os fins que às levaram. Portanto, tudo que acontece na intimidade das relações do campo são processadas em um conjunto de habitus e torna-se importante destacar que ele se desenvolve de forma individual e social, ou seja, o processo de interiorização das questões objetivas não está apenas no agente, está também, no grupo. E é esse efeito que devemos ter em mente como um esquema que funciona na ação prática e torna o agente social inserido no contexto e não apenas condicionado por ele.

Bourdieu (2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b.) lembra que na medida em que os agentes sociais se encontram organizados, conquistando suas posições dentro do campo e incorporando os esquemas de significação do habitus, podem evidenciar os saberes constituídos socialmente em suas ações (estratégias práticas), portanto, não necessitam da orientação sistemática da lógica ou da razão (o habitus é infraconsciente, parcialmente autônomo, histórico e preso ao meio). É nesse momento que ele agirá sem controle consciente, isto quer dizer que, é um princípio de um conhecimento sem consciência, de uma intencionalidade sem intenção (BOURDIEU, 2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b.), o que nos leva perceber que seu funcionamento é estabelecido como um esquema de ações, percepções e reflexões dos corpos e mentes dos agentes relacionados às suas coletividades.

Isto quer dizer que ao longo de toda nossa vida as estruturas mentais pelas quais apreendemos o social, e que são produto da interiorização do social, geram visões de mundo que contribuem para a construção deste mundo. São como as disposições perceptivas tendem a ajustar-se à posição, os agentes, mesmo os mais desprivilegiados, tendem a perceber o mundo como evidente e a aceitá-lo de modo muito mais amplo do que se poderia imaginar, especialmente quando se olha a situação dos dominados com o olho social de um dominante (BOURDIEU, 2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b.). Por consequência, é a partir deste processo que o habitus acarreta condutas regulares, que permitem prever práticas, do que se fazer e do que não se fazer, em determinado campo (BOURDIEU, 2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b.).

Desta forma, como sistema de disposições para a prática, o habitus é um fundamento objetivo de condutas regulares e da previsão das práticas, pois, o habitus faz com que os agentes se comportem de uma determinada maneira em determinadas circunstâncias, portanto, essa tendência para agir de uma maneira regular não se origina numa regra ou numa lei (BOURDIEU, 2004bBOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. Tradução de Denice Barbara Catani. São Paulo: Editora UNESP, 2004b.).

Debruçando um pouco mais nas correlações teóricas de Bourdieu necessitamos refletir que o autor ao tratar campo como espaço de posições sociais, vai considerar que as práticas devem ser analisadas criteriosamente a partir do aspecto hierárquico das relações de poder entre os sujeitos, grupos ou instituições que pertencem ao campo (relações sociais, habitus e poder).

No caso particular sobre o aspecto poder, faremos uma correlação sobre o que Bourdieu chamou de “poder simbólico”. De acordo com Hey (2017HEY, Ana Paula. Poder Simbólico (Verbete). In: CATANI, Afrânio Mendes; et.al. (Orgs). Vocabulário Bourdieu. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. p.292-294.) o poder simbólico se inscreve na perspectiva de análise da dimensão simbólica como estruturante da ordem social, relacionando-se diretamente com as noções de capital, violência e dominação, e está conectada à magnitude política da organização social, uma vez que o ajustamento a uma ordem simbólica acontece pela imposição de estruturas estruturantes que se ajustam às estruturas objetivas do mundo social. O contexto político constitui em prioridade o poder simbólico por edificar a realidade social que busca estabelecer ordem e sentido ao campo social, atuando em um sistema de dominação que contribui para ordenar os agentes e as instituições cognitivamente dentro dessa ordem.

Hey (2017HEY, Ana Paula. Poder Simbólico (Verbete). In: CATANI, Afrânio Mendes; et.al. (Orgs). Vocabulário Bourdieu. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017. p.292-294.) explica que tal ordem está inscrita nas relações de força, muitas vezes estabelecidas como ordem natural das coisas. Neste sentido, é necessário descobrir em que momento ele é menos reconhecido e em que momento ele é mais reconhecido, ou seja, o poder simbólico é esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber de sua sujeição ou mesmo de sua execução, portanto é um processo que demanda ajustes entre as estruturas objetivas e as estruturas incorporadas na magnitude por fazer exercer uma força social que aparenta sempre ter existido. “O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder” (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, Pierre. (2009). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 322p., p.15).

Por isso, Bourdieu (2009BOURDIEU, Pierre. (2009). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 322p.) questiona as maneiras pelas quais os dominados se enquadram a certa ordem social subordinando-se e fazendo com que ela se mantenha. Além disso, ele interroga as formas com que os atos de subversão e conservação se alternam à medida que as ações cognitivas dos agentes passam por princípios de visão de mundo. Essas ações tem a ver com as percepções, os princípios e as tomadas de reflexão sobre a divisão do mundo social. Tudo isso se constituí a partir das lutas sociais. Essas lutas surgem dos conflitos entre grupos que buscam, através da legitimação simbólica, instituir como o mundo deve ser. O conhecimento do mundo social e, mais precisamente, as categorias, em jogo na luta política, luta ao mesmo tempo teórica e prática pelo poder de conservar ou de transformar o mundo social conservando ou transformando as categorias de percepção desse mundo (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, Pierre. (2009). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 322p., p.142).

Sendo assim, podemos entender que o campo se estabelece como o espaço das relações de força que abrange as lutas envolvendo disputas por capitais específicos, sejam no campo cultural, religioso, artístico, político, econômico, ou qualquer outro que estabeleça essa contestação (BOURDIEU; WACQUANT, 2005BOURDIEU, Pierre e WACQUANT, Loïc. Una invitación a la sociología reflexiva. 1a ed. Buenos Aires: Siglo XXI Editores. Argentina, 2005.). O que permite a distribuição do capital específico de um campo entre os agentes é a maneira pela qual a estrutura foi determinada. Os agentes se confrontam pela legitimação de seus capitais para atingirem uma posição desejada e nessa lógica a distribuição acontece de forma desigual hierarquizando as posições entre subordinados e não subordinados. Essa luta acarreta oposição entre dominantes e subordinados, pois quem “domina” atêm capital específico e pode distribuir de forma a conservar-se no poder e quem “subordina-se” está à margem da apropriação deste capital.

Desta forma, torna-se necessário tecer maiores esclarecimentos sobre o conceito de capital para na sequência compreender como ele se desdobra no relacionamento com as considerações sobre campo, habitus e poder. De acordo com Thiry-Charques (2006THIRY-CHERQUES, Hermano R. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. RAP, Rio de Janeiro, v. 40, 1, p. 27-55, jan./fev. 2006.) Bourdieu desenvolve o conceito de capital a partir dos princípios da economia, ou seja, a acumulação se dá através de aquisições financeiras pelas habilidades que os agentes possuem para investir (explicitamente capital econômico). Nesta analogia, a acumulação das diversas formas de capital acontece por investimento. Bourdieu (1986BOURDIEU, Pierre. The forms of capital. In: John G. Richardson (ed.), Handboodk of Theory and research for the Sociology of Education. Greenwood: New York, 1986.) explica que capital é o trabalho acumulado (na sua forma materializada ou na sua forma incorporada) que quando apropriado por agentes ou grupos de agentes, permite que eles se apropriem da energia social na forma de trabalho vivo ou reificado.

Sob essa perspectiva, a acumulação de capitais, em suas formas objetivadas ou corporificadas, demanda tempo. É impossível explicar a estrutura e o funcionamento do mundo social, a menos que se reintroduza o capital em todas as suas formas (social, cultural e simbólico) e não apenas na única forma reconhecida pela teoria econômica (capital econômico). Neste sentido, dependendo do campo em que se desenvolvem e à custa dos investimentos para transformações, é que se mostram mais ou menos eficazes no campo em questão (BOURDIEU, 1986BOURDIEU, Pierre. The forms of capital. In: John G. Richardson (ed.), Handboodk of Theory and research for the Sociology of Education. Greenwood: New York, 1986.). O conceito de capital é, etimologicamente, o mesmo que o de cabedal ou de conjunto de bens, porém além da prerrogativa econômica (riqueza material, o dinheiro, bens, patrimônios, trabalho), Bourdieu considera como capital: o capital social; o capital cultural e o capital simbólico.

O capital social corresponde à somatória dos acessos sociais e abrange o relacionamento e a rede de contatos mútuos institucionalizados em campos sociais. Bourdieu (2003BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Fim de Século, 2003.) afirma que construir o conceito sobre capital social é produzir o meio de analisar a lógica na qual esse capital é acumulado, transmitido, reproduzido, bem como a perspectiva de como ele se transforma em capital econômico e vice-versa. Ele afirma também que o capital social é o meio de apreender as funções de instituições como clubes, empresas, escolas, ou, simplesmente, a família, lugar principal da acumulação e transmissão desta espécie de capital. Daí a importância em percebermos que para certas pessoas o capital social é que permite seu poder e autoridade pertinente ao seu engajamento e sua atividade no campo.

O capital cultural corresponde ao conhecimento, às habilidades, às informações e todas as manifestações intelectuais produzidas e transmitidas pelas instituições escolares, mas originalmente pela família. Elas acontecem mediante algumas circunstâncias que Bourdieu nomeou de “estado”: incorporado; objetivado e institucionalizado. O estado incorporado é o que tem a ver com as disposições duradouras da mente e do corpo. O estado objetivado é o que se apresenta na forma de bens culturais, como livros, obras, quadros, equipamentos, entre outros, que materializam o rastro ou a realização de teorias, suas críticas ou problematizações. O estado institucionalizado é o que se apresenta na forma de objetivação e devemos separá-lo, pois ele confere propriedades essenciais e originais ao capital cultural como prerrogativa de sanção. É o caso, por exemplo, da aquisição dos títulos acadêmicos (BOURDIEU, 1986BOURDIEU, Pierre. The forms of capital. In: John G. Richardson (ed.), Handboodk of Theory and research for the Sociology of Education. Greenwood: New York, 1986.).

Já o capital simbólico, correspondente ao conjunto de rituais de reconhecimento social, e que compreende o prestígio, a honra, o status, ou seja, designa os efeitos das demais formas de capital, pois, é apreendido simbolicamente em uma ligação de importância social na qual devem preexistir essas relações que traduzem a indumentária da posição ou da conquista da posição dentro do campo. Tais relações só tem sentido quando os agentes partilham sua significação e reconhecem sua importância (um título, um cargo, uma indicação) dentro do jogo. O capital simbólico é uma síntese dos demais (econômico, cultural e social) e essas formas de capital são conversíveis umas nas outras, por exemplo, o capital econômico pode ser convertido em capital simbólico e vice-versa, assim como nas demais formas (BOURDIEU, 2003BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Fim de Século, 2003.).

De acordo com Bourdieu; Wacquant (2005BOURDIEU, Pierre e WACQUANT, Loïc. Una invitación a la sociología reflexiva. 1a ed. Buenos Aires: Siglo XXI Editores. Argentina, 2005., p.152) isto ocorre por que o valor de um tipo de capital depende da existência do jogo, de um campo onde a competência possa ser utilizada, com uma espécie de capital, aquele que é eficaz em um campo determinado e que permite a seus possuidores dispor de um poder, uma influência. Desta maneira podemos ver como estão extremamente interconectadas as noções de capital, habitus e poder. Essa conexão perfaz o estado das relações de força entre os jogadores e define a estrutura do campo e a acumulação/distribuição de capital. É importante destacar que os conceitos de capital econômico, capital social e principalmente capital cultural se fizeram determinantes nas reflexões e interpretações da teoria de Bourdieu sobre o campo jurídico, o campo artístico, o campo científico, entre outros. Indubitavelmente trouxeram contribuições importantes para compreendermos o campo da Educação Física no Brasil.

Isto nos coloca em posição de constante alerta e diante de um desafio analítico. Devemos debater o campo de produção de conhecimentos da Educação Física em relação ao campo de poder específico e ampliado. Precisamos compreender as posições ocupadas pelos agentes e instituições que competem pelo cabedal simbólico do campo e necessitamos refletir sobre as formas e distribuição de capitais entre os agentes.

Até aqui, nos debruçamos em apresentar, contextualizar e sistematizar a teoria de Bourdieu focada em suas considerações sobre campo. A seguir iremos estabelecer aproximações com teóricos da Educação Física que nortearam suas pesquisas buscando compreender a constituição do campo de produção de conhecimentos da Educação Física no Brasil a partir de Bourdieu.

REVISITANDO A NOÇÃO DE CAMPO DE PIERRE BOURDIEU PARA COMPREENDER A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA

De acordo com Lahire (2017LAHIRE, Bernard. Os limites do conceito de campo. In: Souza, Jesse; Bittlingmayer, Uwe (coord.). Dossier Pierre Bourdieu. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017. p. 11-28., p. 29) “os bons conceitos sociológicos são aqueles que aumentam a imaginação científica e que constrangem, ao mesmo tempo, as tarefas empíricas inéditas” dos estudiosos no campo social. Neste sentido, o conceito de campo é um conceito útil à pesquisa sociológica, e em especial a pesquisa9 9 Tese doutoral intitulada “Formação profissional em Educação Física: tensões curriculares entre licenciatura e bacharelado”. que originou o presente artigo, por estabelecer as exigências teóricas do pensamento relacional e estrutural que nos possibilitou compreender a Educação Física brasileira como um desses microcosmos sociais no macrocosmo constituído pelo espaço social do Brasil.

É imprescindível salientar que concordamos com Lahire (2017LAHIRE, Bernard. Os limites do conceito de campo. In: Souza, Jesse; Bittlingmayer, Uwe (coord.). Dossier Pierre Bourdieu. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017. p. 11-28.) que a noção de campo de Bourdieu avançou de forma exitosa no que confere sua estratégia em revelar os interesses e as lutas para além do reducionismo econômico, porém, compreendemos que essa teoria não permeia as fronteiras de outras questões que Lahire (2017) aponta como cruciais: o grau de profissionalização do campo; a relação entre agentes, suas produções e público atendido; o grau de esoterismo dos agentes em suas práticas; a participação dos mesmos indivíduos em vários universos sociais; entre outros.

Dito isso, é importante compreender a construção do campo de produção de conhecimentos da Educação Física em suas diversas peculiaridades: políticas, econômicas e culturais. São essas condições, sociais e históricas, que permitem a existência do campo. A Educação Física revela ao longo das quatro últimas décadas, imperativos específicos que surgiram das relações históricas entre agentes e instituições envolvidas nas disputas de poder pela soberania no campo. As formas de produzir conhecimento nas universidades que vão e vem do mercado de trabalho, sempre estiveram polarizadas em distintas visões de mundo que ao longo dos anos se misturaram entre aspectos higienistas, moralistas, esportivistas, pedagogistas, construtivistas, biologistas, entre outros.

Desta forma, podemos dizer que a Educação Física vem se configurando em sua condição própria como um campo relativamente autônomo, pois apresenta várias características que vão desde sua organização como espaço de atuação profissional; passando pela institucionalização da formação profissional em nível superior (cursos de graduação em licenciatura e bacharelado); além das distintas possibilidades na pós-graduação (educação, lazer, esporte, saúde, treinamento, entre outros), com grupos de pesquisa, congressos e eventos, até a formulação de legislação específica sobre a regulamentação da profissão no Brasil.

Esse emarando de construções sociais nos fez perceber que para além da especificidade de “campo científico-acadêmico” (que em nosso estudo é determinante), a Educação Física tem se constituído como um campo de produção de conhecimentos. Neste sentido, ponderamos que não são apenas os saberes oriundos das universidades que disputam esse espaço de poder, mas o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF); as propostas legislativas/normativas; os centros de treinamento; os clubes; as academias; as escolas; enfim, existe uma série de instituições e agentes que se articulam nesse espaço e tencionam as políticas de formação profissional (direta ou indiretamente). Por isso não aderimos imediatamente à ideia de “campo acadêmico” ou “campo científico”, porque acreditamos nos múltiplos contextos de ocupação que os agentes assumem nas instituições universitárias e não universitárias demandando uma análise mais correlata e ampliada.

Lazzarotti Filho; et al (2014)LAZZAROTTI FILHO, Ari; et al. Transformações contemporâneas do Campo acadêmico-científico da Educação Física no Brasil: novos habitus, modus operandi e objetos de disputa. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 20, n. esp., p. 67-80, 2014. atentaram que a apropriação dos conceitos de Bourdieu para estudar o campo da Educação Física tem sido uma experiência aplicada por alguns autores em distintos momentos históricos e em diferentes recortes investigativos. Desde Betti (1996BETTI, Mauro. Por uma teoria da prática. MotusCorporis, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 73-127, 1996.), Ferraz (1999FENSTERSEIFER, Paulo E. Conhecimento, epistemologia e intervenção. In: GOELLNER, Silvana Vilodre(Org.). Educação Física/ciências do esporte: intervenção e conhecimento. Florianópolis, 1999. p.171-183.), Bracht; et al (2011BRACHT, Valter; et al. Educação Física Escolar como tema da produção de conhecimento nos periódicos da área no Brasil (1980-2010): parte I. Movimento, Porto Alegre, v. 17, n. 02, p. 11-34, abr./jun. 2011.) e Paiva (1994PAIVA, Fernanda S. L. Ciência e poder simbólico no Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Vitória: CEFD/UFES, 1994. v. 1., 2004PEREIRA, Elaine Aparecida Teixeira. O conceito de campo de Pierre Bourdieu: possibilidade de análise para pesquisas em história da educação brasileira. Revista Linhas. Florianópolis, v. 16, n. 32, p. 337 - 356, set./dez. 2015., 2014RIBEIRO, Iury. Formação em Educação Física no Brasil: novas orientações legais, outras identidades profissionais? Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2016.) passando por autores como Souza e Marchi Júnior (2010SOUZA, Juliano de.; MARCHI JÚNIOR, Wanderley. Por uma sociologia reflexiva do esporte: considerações teórico-metodológicas a partir da obra de Pierre Bourdieu. Movimento, Porto Alegre, v. 16, p. 293-315, 2010. e 2011STIGGER, Marcos P.; et al. Revista Movimento: análise dos sentidos e da repercussão de um periódico que “se faz” no campo da Educação Física brasileira. Movimento, Porto Alegre, v. 16, p. 113-154, 2010. n. especial.), Stigger; et al (2010STIGGER, Marcos P.; et al. Revista Movimento: análise dos sentidos e da repercussão de um periódico que “se faz” no campo da Educação Física brasileira. Movimento, Porto Alegre, v. 16, p. 113-154, 2010. n. especial.), até mais recentemente com Lazzarotti Filho (2011)LAZZAROTTI FILHO, Ari. O modus operanti do Campo acadêmico-científico da Educação Física no Brasil. Tese (Doutorado em Educação Física). Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física, 2011.; Lazzarotti Filho; et al (2014)LAZZAROTTI FILHO, Ari; et al. Transformações contemporâneas do Campo acadêmico-científico da Educação Física no Brasil: novos habitus, modus operandi e objetos de disputa. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 20, n. esp., p. 67-80, 2014., Ribeiro (2016RIBEIRO, Iury. Formação em Educação Física no Brasil: novas orientações legais, outras identidades profissionais? Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2016.), Souza Neto; et al (2016)SOUZA NETO, Samuel de; et al. Conflitos e tensões nas Diretrizes Curriculares da Educação Física: o campo professional como espaço para lutas e disputas. Pensando a Prática, Goiânia, v. 19, n. 4, p. 734-746, out/dez. 2016., entre outros. Alguns desses autores desenvolveram seus estudos sobre o campo da Educação Física relacionando-o ao campo esportivo, outros autores sobre o campo da Educação Física no contexto escolar. Buscamos de forma mais interessada, os autores que se apropriaram do conceito de Bourdieu considerando a Educação Física como campo acadêmico-científico e seus desdobramentos nas políticas curriculares.

Assim, compreendemos que no processo de apropriação das ideias, muitos destes autores reforçam o entendimento de que a Educação Física é um campo em construção, relativamente contemporâneo e que necessita ser estudado através de características próprias que estabelecem sua idiossincrasia. Paiva (2004PAIVA, Fernanda S. L. Notas para pensar a EF a partir do conceito de campo. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, p. 51-82, jul./dez. 2004. n. especial.) esclarece que o campo da Educação Física vem adquirindo autonomia de forma gradativa, principalmente por sua constituição como campo de produção de conhecimentos na perspectiva acadêmico-profissional. No Brasil esse processo aconteceu de forma tardia, nas últimas décadas do século XX e primeiras décadas do século XXI, com o amadurecimento e sistematização de uma série de estudos e pesquisas.

Anteriormente o campo passou por formatos distintos no que confere a lógica de disputa pelo poder. Paiva (2004PAIVA, Fernanda S. L. Notas para pensar a EF a partir do conceito de campo. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, p. 51-82, jul./dez. 2004. n. especial.) lembra que as décadas de 30 e de 80 do século XX foram determinantes para a Educação Física brasileira. Nos anos 30 aconteceu o engendramento do campo da Educação Física que objetivou sua configuração a partir de forças externas ao campo10 10 Perspectivas que se desdobram em um modo de ser, agir e fazer próprios da época que estavam configuradas em um campo social higienista, normativo, moral e utilitarista nas práticas. . Essas forças, mesmo externas, possibilitaram a identidade do campo. Inicialmente, muito vinculada ao campo pedagógico, a Educação Física era dirigida como prática e vista por fora (balizada e postulada por outras formas de produção de conhecimentos, basicamente das ciências duras e de um contexto funcionalista de educação).

Posteriormente, de acordo com Paiva (2014PAIVA, Fernanda S. L. Constituição do campo da EF no Brasil: ponderações acerca de sua especificidade e autonomia. In: BRACHT, V.; CRISÓRIO, R. (Coord.). A EF no Brasil e na Argentina: identidade, desafios e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 2014. p. 63-79., p. 72), “o alcance social que o fenômeno esportivo vai adquirindo, muda a prática cultural corporal que dá suporte à Educação Física” submetendo o campo da Educação Física ao campo esportivo e tensionando as representações, as práticas e as formas de distribuição de capital da Educação Física escolar e não escolar. Paiva (2004)PAIVA, Fernanda S. L. Constituição do campo da EF no Brasil: ponderações acerca de sua especificidade e autonomia. In: BRACHT, V.; CRISÓRIO, R. (Coord.). A EF no Brasil e na Argentina: identidade, desafios e perspectivas. Campinas: Autores Associados, 2014. p. 63-79. afirma que a década de 1980 foi determinante para a Educação Física brasileira, principalmente após a redemocratização do país, porque uma série de estudiosos iniciaram debates, tensões e questionamentos sobre as representações da Educação Física em seus modos de produção, reprodução e relacionamento com a ciência, incorporando discussões políticas, epistemológicas, sociais e educacionais mais amplas e mais engajadas ao contexto, indo além das prerrogativas esportivistas.

Isso aponta um quadrointeressante de relações originadas nesse período. Percebemos que de maneira vigorosa certas características foram forjadas e ainda forjam o habitus no campo e dão força a certos tipos de capital que entremeiam as disputas de poder pela soberania no campo, principalmente, na perspectiva política e epistemológica. Lazzarotti Filho (2011)LAZZAROTTI FILHO, Ari. O modus operanti do Campo acadêmico-científico da Educação Física no Brasil. Tese (Doutorado em Educação Física). Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física, 2011. reforça que nas últimas décadas o campo da Educação Física vem sofrendo constantes transformações a partir de certos objetos de disputa. Compreendemos que tais objetos estão centrados principalmente na relação da Educação Física com os processos de escolarização (do infantil ao superior); com o marco regulatório da profissão (lei nº 9696/1998) e com a incorporação do habitus acadêmico-científico que impulsionou novas maneiras de pensar, agir e fazer no/do campo.

Além disso, de acordo com Lazzarotti Filho; et al (2014)LAZZAROTTI FILHO, Ari; et al. Transformações contemporâneas do Campo acadêmico-científico da Educação Física no Brasil: novos habitus, modus operandi e objetos de disputa. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 20, n. esp., p. 67-80, 2014. esse universo de relações permite acessar a teoria de Bourdieu (2009BOURDIEU, Pierre. (2009). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 322p.), pois mostra que o campo da Educação Física se constitui em um mundo social como os outros, obedecendo a leis sociais gerais e específicas, e que em certa medida trouxe relativa autonomia ao campo. Para os autores (p.70) “essa perspectiva está sustentada numa teoria da prática, uma mediação ou, como denominou Bourdieu (2009)BOURDIEU, Pierre. (2009). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 322p., uma teoria relacional que busca se contrapor aos extremos desenvolvidos pelas chamadas teorias objetivistas e subjetivistas”, ou seja, a Educação Física é um microcosmo social dotado de leis próprias, com agentes, instituições, costumes e práticas que produzem, reproduzem e disseminam conhecimentos.

Para melhor esclarecer esse raciocínio elaboramos um quadro, um modelo de pensamento, baseado em diferentes autores, entidades, organizações e legislações que nas últimas quatro décadas têm protagonizado a disputa pelo poder no campo da Educação Física. Essas instituições e/ou agentes tentam demarcar um modo de ser, de pensar, de agir, de (re) produzir conhecimentos e de se tornar, por efeito social, a referência sobre Educação Física no contexto brasileiro (aspecto de soberania). Lembramos que os âmbitos mais importantes dessa disputa tiveram e têm correspondência com noções do que é Educação Física dentro e fora do universo escolar. Abaixo apresentamos esse esquema de pensamento para ilustrar o contexto:

Quadro 01
Esquema para pensar o campo de produção de conhecimentos da Educação Física brasileira nas quatro últimas décadas:

O esquema apresentado nos possibilita, de forma sucinta e breve, mas consciente e aprofundada, observar as densas relações de poder e as origens das disputas pelo capital simbólico do campo em distintos cenários históricos dos últimos tempos. Sinalizamos que sempre existiu uma rica circulação dos agentes entre as várias instituições ou âmbitos que alicerçam a Educação Física brasileira em posições epistemológicas, ora divergentes, ora convergentes. Em muitos casos as tensões políticas foram ampliadas e os conflitos aflorados pela tentativa de imposição de um modo de agir concorrente ao um modo de produzir conhecimentos do/no campo.

Um exemplo que emerge desse esquema é a constante tendência de estabelecer e conservar um modo de regulação do campo via legislação para profissionalização do sujeito que se forma em Educação Física, bem como da construção de paradigmas para fundar a Educação Física via determinadas posições epistemológicas interessadas (paradigma escolar, paradigma esportivo, paradigma da aptidão física, paradigma do mercado, paradigma da saúde, entre outros).

Desta maneira, o campo da Educação Física perfaz instâncias distintas, mas com diálogos e conflitos permanentes. Cremos ser importante pontuar, de forma breve, cada uma dessas instituições e refletir sobre o contexto de permanência, subversão e conservação dos agentes nestes diferentes espaços. Destacamos que a circulação dos agentes pelas distintas instituições é uma característica marcante no âmbito da Educação Física brasileira. Neste caminho, tornaram-se importantes para nosso objeto de investigação as seguintes instituições: o CBCE - Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte; a FBAPEF - Federação Brasileira das Associações dos Profissionais da Educação Física e as APEFs - Associações dos Professores de Educação Física; o CONFEF - Conselho Federal de Educação Física e os CREFs - Conselhos Regionais de Educação Física; as IES - Instituições de Ensino Superior e o CNE - Conselho Nacional de Educação via CES - Câmara de Educação Superior do MEC - Ministério de Educação.

O CBCE é a principal entidade científica da Educação Física no país. De acordo com as informações do site oficial, surgiu em 1978 sob o pretexto de difusão da cientificidade atrelada a um discurso médico e da performance humana vinculada aos esportes e treinamentos físicos. Em 1989, por uma alteração de poder na gestão do CBCE, a organização passou observar a Educação Física em sua multiplicidade epistemológica quebrando o paradigma da produção de conhecimentos que vinculava apenas a aptidão física relacionada à saúde dentro de seus eventos e mostras cientificas. Lazzarotti Filho (2011LAZZAROTTI FILHO, Ari. O modus operanti do Campo acadêmico-científico da Educação Física no Brasil. Tese (Doutorado em Educação Física). Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física, 2011., p. 52) lembra que a ideia foi transformar o CBCE e seus modos de produção acadêmica, a partir da compreensão “de que a Educação Física tem como base o trabalho pedagógico, direcionando suas ações para esse objeto e colocando-o como merecedor de atenção e de disputa na entidade”. Desde então, o CBCE se consolidou com grande força nessa lógica de política científica promovendo debates, congressos, publicando diversos resultados de investigações e favorecendo o desenvolvimento dos múltiplos olhares acadêmicos que formam a Educação Física.

Na atualidade, o CBCE reúne pesquisadores ligados ao campo da Educação Física/Ciências do Esporte. O site oficial informa que a organização institucional se dá em Secretarias Estaduais e GTT’s - Grupos de Trabalho Temáticos, liderados por uma Direção Nacional. Possui representações em vários órgãos governamentais e ligação com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Ao visitar o histórico de composição das diretorias nacionais no CBCE percebemos a alternância de agentes nos cargos diretivos e a possibilidade de distintos sujeitos ocuparem posições de poder dentro da instituição.

Quadro 02
Mapeamento sobre agentes que atuam no CBCE na Direção Nacional.

A gestão (2017/2019) era composta, principalmente, por servidores de universidades públicas. Essa composição sugere a força da produção de conhecimentos que emergem das IES Públicas brasileiras. Elas ocupam apenas vinte por cento da demanda de ensino superior19 19 De acordo com o Senso da Educação Superior de 2017 (INEP, 2018) havia 296 duzentas e noventa e seis IES Públicas (13% do total) e 2152 duas mil cento e cinquenta e duas IES Privadas (87% do total) ofertando cursos no Brasil. As matrículas nas IES públicas totalizaram 2.045.356 dois milhões quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis (24% do total) contra 6.241.307 seis milhões duzentos e quarenta e um mil trezentos e sete nas IES privadas (76% do total). no Brasil, contra oitenta por cento das Instituições de Ensino Superior privadas. Mesmo com essa desvantagem numérica, as IES públicas se posicionam como alternativa quase única ao desenvolvimento de pesquisas no país. O quadro de atuação dos professores das IES públicas no CBCE acompanha os dados sobre tal realidade e reforçam a concentração do interesse de agentes públicos em mobilizar o engajamento acadêmico/científico da Educação Física brasileira.

Sobre a FBAPEF e as APEFs é importante contextualizar que historicamente marcaram no campo a disputa pelo controle e organização da atuação profissional. De acordo com Sartori (2006SARTORI, Sérgio. Associações de Professores de Educação Física - APEF. In: DACOSTA, Lamartine (Org.). Atlas do Esporte no Brasil. Rio De Janeiro: CONFEF, 2006. Disponível em:Disponível em:http://www.atlasesportebrasil.org.br/textos/138.pdf . Acesso em 15 de abril de 2020.
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) as APEFs são instituições associativas em âmbito municipal e estadual que buscam desenvolver a categoria profissional em Educação Física de forma técnica, social e política. A primeira APEF surgiu concomitantemente à criação dos cursos superiores de Educação Física no Brasil na década de 1930. Somente em 1946 foi organizada a Federação Brasileira das Associações de Professores de Educação Física, bastante constituída por professores da região sudeste do país. A intenção era consolidar um poder de influência para criação do Conselho Profissional de Professores de Educação Física.

Sartori (2006SARTORI, Sérgio. Associações de Professores de Educação Física - APEF. In: DACOSTA, Lamartine (Org.). Atlas do Esporte no Brasil. Rio De Janeiro: CONFEF, 2006. Disponível em:Disponível em:http://www.atlasesportebrasil.org.br/textos/138.pdf . Acesso em 15 de abril de 2020.
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) lembra que ao longo dos anos as APEFs se expandiram por todo o país organizando a categoria profissional através de congressos, fóruns, ações políticas coletivas, atividades sociais, prestação de serviços para a comunidade de professores de Educação Física, publicações de livros e revistas sobre temas que promovessem a Educação Física como profissão. Porém, nos anos de 1970 essa expansão começou a sinalizar declínio principalmente pelo regresso de professores que estavam no exterior a estudos na pós-graduação e pela criação do CBCE.

Isso levou vários agentes da Educação Física a pensarem de forma mais centrada no campo científico-acadêmico. Sinalizamos aqui, os primeiros embates entre modos de produção e pensamento que geraram divergências. Surge a dicotomização entre “ser professor” e “ser profissional” de Educação Física. Neste contexto, em 1985 houve a primeira tentativa de regulamentação da profissão em Educação Física que foi aprovada pelo congresso e vetada pelo presidente da época, José Sarney.

Apenas em 1995 aconteceu nova tramitação na tentativa de regulamentar a profissão junto aos poderes legislativo e executivo brasileiro. Nozaki (2004NOZAKI, Hajime Takeuchi. Educação Física e Reordenamento no Mundo do Trabalho: mediações da regulamentação da profissão. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2004. (Tese Doutorado em Educação),) esclarece que o projeto de Lei nº 330/95 começou a ser discutido entre os pares e em 1996 aconteceu uma audiência pública na qual Jorge Steinhilber (Presidente atual do sistema CONFEF/CREFs, no cargo a mais de 20 anos consecutivos) detalhou diversos aspectos positivos sobre a regulamentação da profissão, apoiado por representantes do Instituto Nacional do Desenvolvimento do Esporte - INDESP, da FBAPEF e de diversas APEFs. Em sentido contrário, neste mesmo plenário de audiência pública, se colocaram contrários à regulamentação da profissão, a diretoria do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte - CBCE e a diretoria da Executiva Nacional dos Estudantes de Educação Física (CONFEF, 2018CONFEF. (2019). Estatuto del Consejo Federal de Educación Física - CONFEF. Publicado en Diario Oficial. Nº. 237, Sección 1, p. 137 a 143, 13/12/2010. Recuperado de: <https://www.confef.org.br/confef/conteudo/471>
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).

Desta maneira, e depois de permanecer um ano em tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto foi aprovado no Senado em 1998. Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República, sancionou a Lei nº 9.696/98 que regulamentou a profissão de Educação Física e criou o sistema CONFEF/CREFs. Nozaki (2005NOZAKI, Hajime Takeuchi. Mundo do trabalho, formação de professores e conselhos profissionais. In: FIGUEIREDO, Zenólla Christina Campos (Org). Formação profissional em Educação Física e mundo do trabalho. Vitória: Gráfica da Faculdade Salesiano, 2005. p.11-30.) é um dos autores que critica a regulamentação da profissão. Segundo ele, a regulamentação esteve apoiada em argumentos corporativistas de reserva de mercado e consequentemente de tentativa e ocupação de um grupo de poder que ganhou força política em nível federal.

O sistema CONFEF/CREFs passa então a se destacar nas mais variadas correlações de disputas pelos capitais simbólico, econômico e cultural da Educação Física no Brasil. É imprescindível destacar que um conselho profissional tem deveres muito específicos de gestão e funcionamento. De acordo com a legislação federal ele “tem por finalidade defender a sociedade, zelando pela qualidade dos serviços profissionais oferecidos na área de atividades físicas, desportivas e similares, bem como pela harmonia dos entes do sistema CONFEF/CREFs”. Os CREFs “têm por finalidade promover os deveres e defender os direitos dos profissionais de Educação Física e das pessoas jurídicas que neles estejam registrados” (CONFEF, 2010CONFEF. (2019). Estatuto del Consejo Federal de Educación Física - CONFEF. Publicado en Diario Oficial. Nº. 237, Sección 1, p. 137 a 143, 13/12/2010. Recuperado de: <https://www.confef.org.br/confef/conteudo/471>
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). Isso quer dizer que, o que legítima um conselho profissional é sua presença na sociedade de forma fiscalizatória/regulatória, estabelecendo sua matriz no nível das relações laborais éticas.

Em 2019 o sistema CONFEF/CREFs completou 21 anos de existência com características de gestão bastante peculiares. Uma delas é a permanência de um grupo específico na direção do conselho. Apesar da existência de processo eleitoral nunca houve alteração dos representantes que compõem a cúpula de poder deste conselho (nunca houve alteração de presidência, por exemplo). No âmbito dos conselhos regionais, em alguns estados, essa característica é estabelecida como modo operanti. Em Minas Gerais, um grupo permanece no poder a mais 20 anos.

De acordo com o site oficial do CONFEF, na gestão de 2016 até 2020 atuam como conselheiros efetivos cerca de 20 profissionais da Educação Física com distintos perfis e origens do/no campo. A seguir elaboramos um quadro em forma de mapeamento sobre esses conselheiros. É imprescindível que realizemos um exercício analítico sobre esses agentes. Refletir como se estabelecem no campo e como disputam os capitais (simbólico, cultural, político e econômico). Isso pode afetar os modos de produção de conhecimentos da Educação Física no Brasil para determinados interesses. Atentamos que essa esquematização se deu a partir de documentos públicos manifestados em canais oficiais de comunicação do próprio conselho, bem como da exaustiva análise de currículos lattes de cada conselheiro.

Quadro 03
Mapeamento sobre agentes que atuam no CONFEF como conselheiros efetivos. Sua origem/conservação no Campo da Educação Física.

Ao interpretar este mapeamento, explicitamente, percebemos que a diretoria atual do CONFEF, principalmente os conselheiros empossados como dirigentes maiores, estão no uso do poder a mais de 20 anos consecutivos. A maioria dos conselheiros mantem como atividade elementar de trabalho a docência no ensino superior, o que sugere, como hipótese, a possibilidade de interferências direto-indiretas nos currículos universitários. Outro fato interessante é a diversidade de membros que circulam pelos diferentes espaços do campo (IES públicas, IES privadas, prefeituras, órgãos estaduais, centros de treinamento esportivo) que indicam alta permeabilidade destes sujeitos e acumulação de capitais: político e social para além dos capitais acumulados dentro do próprio conselho. Entretanto, a maior circulação destes agentes se inscreve no âmbito universitário. Desta maneira, pode existir por parte dos conselheiros, narrativas sobre o currículo acadêmico que beneficiem os interesses do conselho profissional.

Neste sentido, Bourdieu (2011BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Tradução de Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis: Editora da UFSC, 2011., p.115) esclarece que “o capital universitário se obtém e se mantém por meio da ocupação de posições que permitem dominar outras posições e seus ocupantes”. Claramente, o jogo de dominação social se reproduz no âmbito acadêmico hierarquizando posições e moldando determinadas estruturas escolares. Para Bourdieu (2011BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Tradução de Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis: Editora da UFSC, 2011., p. 116) “esse poder sobre as instâncias de reprodução do corpo universitário assegura a seus detentores uma autoridade estatuária, espécie de atributo de função que está muito mais ligado à posição hierárquica que às propriedades extraordinárias da obra ou da pessoa”.

Por consequência, o que buscamos como reflexão, não é a descaracterização da entidade de regulação profissional da Educação Física. Pelo contrário, tentamos compreender como as entidades e/ou agentes, a partir de uma ocupação de poder, passam interferir ou tentar interferir, nos espaços institucionais, como é o caso do conselho para com as universidades e das universidades para com o conselho. Bourdieu (2011BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Tradução de Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis: Editora da UFSC, 2011., p.116) converge nossa reflexão para fatos bastante esclarecedores. Para o autor “a extensão do poder semi-institucionalizado que cada agente pode exercer em cada uma das posições de poder que ocupa, seu ‘peso’ como se diz, depende de todos os atributos de poder que ele possui alhures e de todas as possibilidades de troca que ele pode obter de suas diferentes posições”.

As correlações no jogo que se constroem dentro de um campo, são sempre, permeadas por representações, símbolos, ações e processos favorecidos pela acumulação de capitais e consequentemente os usos das posições consolidadas de poder.

Dicho de otra manera, cada agente importa a cada una de las instituciones secundarias el peso que detenta genéricamente, pero también personalmente (por ejemplo, con el título de presidente o de gran elector) en tanto que miembro de la institución más alta de la que forma parte y a la que los miembros de las instituciones de rango inferior en las que él interviene, en un universo jerarquizado y fundado en la competición, aspiran por definición. […]Aquí también, el capital llama al capital, y la ocupación de posiciones que confieren peso social determina y justifica la ocupación de nuevas posiciones, ellas mismas fortalecidas con todo el peso del conjunto de sus ocupantes (BOURDIEU, 2011BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Tradução de Ione Ribeiro Valle e Nilton Valle. Florianópolis: Editora da UFSC, 2011., p.118/119).

Desta maneira, podemos entender que o campo da Educação Física vem se transformando, ao longo desses últimos anos, em espaço de disputa pelo poder construído através de estratégias não epistemológicas (elas existem e correspondem a um capital importante20 20 Muitos autores do campo têm se debruçado em pesquisas cujo objeto de estudo é a “Atividade epistemológica” da Educação Física no Brasil. Como nosso estudo não tem esta pretensão, mas sinaliza a temática, sugerimos leituras, com as devidas relativizações de: Souza e Silva (1997), Bracht (2003), Vaz (2003), Fensterseifer (2006), Gamboa (2007), Gamboa, Chaves e Taffarel (2007), Fensterseifer (2009, 2010) e Taffarel; Albuquerque (2010). , porém atualmente não são determinantemente exclusivas para autonomia e legitimação do campo). Percebemos a existência de uma égide na busca por ocupação de posições de influência capitaneadas por fora do próprio campo que ocasionaram olhares sociais sobre o que é ser professor de Educação Física na atualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do referencial de Pierre Bourdieu, revistamos o conceito de campo para compreender a produção de conhecimentos da Educação Física brasileira. Ao aprofundarmos no contexto das disputas de poder entre agentes e instituições, a estratégia de análise foi evidenciar que Bourdieu é um teórico que disponibiliza recursos epistemológicos importantes que dão base aos debates contemporâneos da Educação Física, principalmente nas relações entre formação e atuação profissional.

Neste sentido, o uso do conceito de campo para pensar a produção de conhecimentos da Educação Física firma-se na perspectiva em promover a compreensão histórica, social, econômica, política e simbólica do mesmo antes do exercício de proposições que muitas vezes estão circunscritas em visões de mundo peculiares e descoladas da realidade como um todo (ou da leitura crítica acerca do cotidiano que é impactado por normas gerais, muitas vezes condicionantes). A ideia em confeccionar quadros sobre a posição dos agentes no campo e descrever brevemente como foram forjadas as instituições ajuda a redimensionar o fazer analítico sobre as políticas de formação no/do campo, além de esclarecer muitas das disputas em voga.

Desta maneira, este artigo nos permite vislumbrar alternativas analíticas que, talvez, possam auxiliar na construção teórico-metodológica de novos estudos. Principalmente aqueles que pretendam estabelecer leituras sobre a produção dos conhecimentos da Educação Física no âmbito das disputas acadêmico-profissionais e de sua identidade. Estas alternativas não devem basear-se na construção linear dos fatos. Bourdieu foi um autor famoso por dar intercomunicação aos conceitos e estabelecer o exercício constante de vigilância epistemológica. Por consequência, ao revisitar o conceito de campo tecemos suas relações com outros conceitos como capital, habitus e poder e alinhamos a necessidade em refletir sobre a identidade e epistemologia da própria Educação Física.

Compreendemos que não existe uma identidade convergente sobre a Educação Física no Brasil, tampouco uma matriz epistemológica homogênea. A marca mais expressiva deste campo é sua constante tensão e disputa entre os agentes e instituições principalmente a respeito da acumulação de capital simbólico e dos conhecimentos que devem estar na órbita de aprendizagens dos sujeitos que buscam uma formação universitária em Educação Física. Bracht (2000BRACHT, Valter. Educação Física & ciência: cenas de um casamento (in) feliz. 2. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2000.) lembra que os contornos do campo acadêmico da Educação Física são definidos a partir da luta entorno de qual é seu objeto, qual é sua concepção de ciência, quais problemáticas de investigação são legitimas ou não. Para o autor, os contornos do campo são dinâmicos e não podem ser definidos de forma rígida, pois “a própria definição de seu objeto é também objeto de disputa” (p. 62).

E isso não quer dizer que não exista um consenso mínimo que possibilite a existência do campo. De acordo com Bracht (2000BRACHT, Valter. Educação Física & ciência: cenas de um casamento (in) feliz. 2. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2000., p. 62) o que faz valer a pena jogar o jogo é a certeza de que “existe um acordo que dentro do campo, não se ouvem vozes que colocam em dúvida a legitimidade da Educação Física ou das práticas corporais em sentido lato - critica-se a forma histórica de sua concretização, mas não o sentido de sua própria existência”. Concordamos desta maneira que a Educação Física é um campo, interligado a outros campos, que muitas vezes reproduz leis e paradigmas sociais pré-estabelecidos na tentativa ininterrupta por constituir sua autonomia relativa. Isso nos permite concordar com Fensterseifer (2006FENSTERSEIFER, Paulo E. Atividade epistemológica e educação física. In: NÓBREGA, T. P. (Org.). Epistemologia, saberes e práticas da educação física. João Pessoa, PB: Universitária/UFPB, 2006.) quando anuncia que a atividade epistemológica da Educação Física no século XXI tem apresentado um caráter mosaico, ou seja, a via de produção epistemológica não está necessariamente inserida nas IES, mas também nos espaços de intensa circulação política e social dos diferentes agentes.

A partir dessa realidade existe um perigo eminente sobre os conceitos fundamentais da Educação Física brasileira permeados por relativismos. No momento em que o campo passa a não utilizar critérios para definição da visão legítima, ilegítima todas as visões (pluralismo radical). Ocasiona aparição de incerteza, de quem de fato estabelece uma posição de critério de julgamento da verdade e de como lidar com o pluralismo de ideais sem cair na fragilidade do relativismo (BRACHT, 2003BRACHT, Valter. Identidade e crise da educação física: um enfoque epistemológico. In: BRACHT, V.; CRISÓRIO, R. (Org.). A educação física no Brasil e na Argentina: Campinas: Autores Associados, 2003.). Para esse contexto os agentes mobilizados no entorno do campo político ganham permeabilidade e tornam-se mais poderosos no sentido de direcionar a “identidade” do campo, uma vez que, nossa sociedade é estabelecida por uma organização de leis pró-mercado, pró-economia e pró-lucratividade (BRACHT, 2003BRACHT, Valter. Identidade e crise da educação física: um enfoque epistemológico. In: BRACHT, V.; CRISÓRIO, R. (Org.). A educação física no Brasil e na Argentina: Campinas: Autores Associados, 2003.).

Porém, é importante esclarecer que apesar do poder de influência, o campo político por si só não tem premissas suficientes para alicerçar a “identidade” da Educação Física, mas como mostramos anteriormente, os agentes que se organizaram dentro dessa lógica estão capitaneando poderes que os conservam influentes. Eles podem moldar características de uma Educação Física burocrata, legalista e segmentada como mercadoria. Isso paulatinamente tensiona epistemologias da Educação Física constituídas por princípios da cultura, da educação e da sociabilidade.

É essencial considerarmos as particularidades do sistema simbólico que permitiu a produção e circulação de determinadas ideologias. Elas operam os modos de ser, pensar e agir da Educação Física atual. Para Bourdieu (2009BOURDIEU, Pierre. (2009). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 322p., p. 14) as ideologias vêm das condições sociais de sua produção e de sua circulação, ou seja, elas cumprem funções para quem as construiu e para quem será levado pelo processo.

Por consequência, o campo da Educação Física e seus objetos de estudo não estão isentos das determinações do seu macrocosmo, isto é, do campo político, social, científico, econômico, entre outros. Todo o percurso que apresentamos explica os interesses próprios dos agentes e instituições, historicamente, interligados à própria constituição/consolidação do campo (política, cultural, epistemológica e social). No contexto deste artigo, cremos que a apreciação do processo histórico é essencial para desvelarmos os múltiplos elementos que tencionam esse campo, principalmente no que diz respeito à sua institucionalização e incremento.

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  • PEREIRA, Elaine Aparecida Teixeira. O conceito de campo de Pierre Bourdieu: possibilidade de análise para pesquisas em história da educação brasileira. Revista Linhas Florianópolis, v. 16, n. 32, p. 337 - 356, set./dez. 2015.
  • RIBEIRO, Iury. Formação em Educação Física no Brasil: novas orientações legais, outras identidades profissionais? Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2016.
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  • SOUZA E SILVA, Rossana V. Pesquisa em educação física: determinações históricas e implicações epistemológicas. 1997. Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Campinas, Campinas, 1997.
  • SOUZA NETO, Samuel de; et al. Conflitos e tensões nas Diretrizes Curriculares da Educação Física: o campo professional como espaço para lutas e disputas. Pensando a Prática, Goiânia, v. 19, n. 4, p. 734-746, out/dez. 2016.
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  • THIRY-CHERQUES, Hermano R. Pierre Bourdieu: a teoria na prática. RAP, Rio de Janeiro, v. 40, 1, p. 27-55, jan./fev. 2006.
  • VAZ, Alexandre F. Metodologia da pesquisa em educação física: algumas questões esparsas. In: BRACHT, V.; CRISÓRIO, R. (Org.). A educação física no Brasil e na Argentina: identidade, desafios e perspectivas. Campinas: Autores Associados ; Rio de Janeiro: PROSUL, 2003. p. 115-127.
  • 3
    Ao tratar a Educação Física brasileira como um campo de produção de conhecimentos repleto de interesses, partimos da visão macro do campo em suas questões educacionais, políticas, acadêmicas e profissionais, para focalizar as disputas no eixo das políticas de formação inicial entre licenciatura e bacharelado, que foi o objeto central da tese doutoral de um dos autores.
  • 4
    De acordo com Thiry-Cherques (2006) a vigilância epistemológica proposta por Bourdieu advém da matriz filosófica, da prática etnológica e de sua posterior dedicação à sociologia ancoradas à filosofia das ciências de Gaston Bachelard. Pierre Bourdieu, a partir de Bachelard (1984) guia a ideia de que o pensamento deve ser operado como um movimento de pinça, que descobre, integra e supera as limitações das teorias em uma composição conceitual cada vez mais abrangente.
  • 5
    De acordo com Thiry-Cherques (2006) “Economia e sociedade” é um livro do economista político e sociólogo Max Weber, publicado postumamente na Alemanha em 1922 por sua esposa Marianne. Juntamente com a “Ética Protestante” e o “Espírito do Capitalismo”, é considerada uma das obras mais importantes de Weber.
  • 6
    Bourdieu (2005) comenta e critica inúmeras passagens de sua própria obra, a partir de uma entrevista conduzida pelo professor Loïc Wacquant, que tinha como objetivo expor Bourdieu a gama completa de objeções realizada por diferentes estudiosos em diferentes momentos de sua carreira.
  • 7
    O conceito de doxa substitui, o que a teoria marxista denomina “ideologia”, como “falsa consciência”. A doxa é aquilo sobre o que todos os agentes estão de acordo. Bourdieu adota o conceito tanto na forma platônica — o oposto ao cientificamente estabelecido —, como na forma de crença (que inclui a suposição, a conjectura e a certeza). A doxa contempla tudo aquilo que é admitido como “sendo assim mesmo”: os sistemas de classificação, o que é interessante ou não, o que é demandado ou não (THIRY-CHERQUES, 2006, p.37).
  • 8
    O nomos congrega as leis gerais, invariantes, de funcionamento do campo. A evolução das sociedades faz com que surjam novos campos, em um processo de diferenciação continuado. Todo campo, como produto histórico, tem um nomos distinto. Por exemplo, o campo artístico, instituído no século XIX, tinha como nomos: “a arte pela arte”. Tanto a doxa como o nomos são aceitos, legitimados no meio e pelo meio social conformado pelo campo (THIRY-CHERQUES, 2006, p.37).
  • 9
    Tese doutoral intitulada “Formação profissional em Educação Física: tensões curriculares entre licenciatura e bacharelado”.
  • 10
    Perspectivas que se desdobram em um modo de ser, agir e fazer próprios da época que estavam configuradas em um campo social higienista, normativo, moral e utilitarista nas práticas.
  • 19
    De acordo com o Senso da Educação Superior de 2017 (INEP, 2018) havia 296 duzentas e noventa e seis IES Públicas (13% do total) e 2152 duas mil cento e cinquenta e duas IES Privadas (87% do total) ofertando cursos no Brasil. As matrículas nas IES públicas totalizaram 2.045.356 dois milhões quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e seis (24% do total) contra 6.241.307 seis milhões duzentos e quarenta e um mil trezentos e sete nas IES privadas (76% do total).
  • 20
    Muitos autores do campo têm se debruçado em pesquisas cujo objeto de estudo é a “Atividade epistemológica” da Educação Física no Brasil. Como nosso estudo não tem esta pretensão, mas sinaliza a temática, sugerimos leituras, com as devidas relativizações de: Souza e Silva (1997), Bracht (2003), Vaz (2003), Fensterseifer (2006), Gamboa (2007), Gamboa, Chaves e Taffarel (2007), Fensterseifer (2009, 2010) e Taffarel; Albuquerque (2010).
  • 11
    LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394/1996.
  • 12
    PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais para Educação básica. Lançados em 1997.
  • 13
    BNCC - Base Nacional Comum Curricular. Discutida desde 2014. Em 2017 tornou-se norma.
  • 14
    FBAPEF - Federação Brasileira das Associações dos Profissionais de Educação Física.
  • 15
    CONFEF/CREFs - Conselho Federal de Educação Física e Conselhos Regionais.
  • 16
    CBCB - Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte.
  • 17
    MEC - Ministério de Educação do Brasil
  • 18
    DCNs - Diretrizes Curriculares Nacionais

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2020
  • Aceito
    30 Nov 2021
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