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Apresentação

DOSSIÊ FILE

PRÁTICAS DE MEMÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA PRATICES OF MEMORY AND TEACHING OF HISTORY

Apresentação

Lana Mara Castro Siman; Sonia Regina Miranda

Este dossiê vem a público imbuído de algumas tarefas e responsabilidades. Sua construção entrecruzou tempos, espaços, países, momentos de vida e contextos de produção de seus autores e, nesse sentido, expressa caminhos distintos, porém dotados de grande complexidade, em relação à discussão que lhe é subjacente: as relações entre práticas de Memória e o Ensino de História. Tomamos aqui a Memória como um elemento constitutivo central do conjunto de saberes que se mesclam e se recriam no espaço escolar, tão plural, inovador e, paradoxalmente, tão conservador.

Falar de Memória e de seus suportes... Nada mais oportuno para que a construção final desta revista abrigasse uma homenagem e um grande tributo: a divulgação daquele que, provavelmente, fora o último texto produzido em vida pela professora Dea Fenelón sobre questões que atravessam o Ensino de História. Seus combates e embates pela área, pelo fortalecimento da reflexão sobre a formação do professor de História, pela construção de um discurso político e engajado quanto à dimensão curricular desse ensino, enfim, sua própria trajetória sobre a qual se assentaria sua inserção profissional como historiadora é algo a ser continuamente rememorado e valorizado. Essa atitude de rememoração projeta-se como exemplar para o presente e para o futuro, não só frente às novas gerações de pesquisadores, mas também perante todos os profissionais que hoje militam em torno do fortalecimento acadêmico e da legitimação política da área de Ensino de História frente à comunidade de historiadores e educadores em geral.

Essas reflexões, aqui apresentadas no texto que abre este dossiê - "Memórias profissionais" -, foram objeto de discussão da professora Déa Fenelon em uma mesa-redonda sobre Memória, Tempo e História: perspectivas teóricas e metodológicas para a pesquisa em ensino de História, realizada no VII Encontro Nacional de Pesquisadores de Ensino de História, em Belo Horizonte, em 2006. Nesse texto, dedicado à reelaboração de suas experiências refletidas, emerge um fio essencial para situar aquilo que se constituirá no eixo do restante dos textos do dossiê: as relações entre experiências, vivências e objetos que seguram e afastam a Memória da ação devastadora do Tempo.

O artigo do professor Ivo Mattozzi, da Universidade de Bolonha, na Itália - "Currículo de História e educação para o patrimônio" -, convida-nos a uma importante reflexão sobre os elos possíveis entre passado, território, bens culturais e patrimônio, no presente das sociedades. Ao colocar tais dimensões em interação, o professor busca nos apresentar um quadro conceitual mais amplo que pode orientar a elaboração de propostas curriculares que, nesse caso, redescobririam e reinventariam formas de ser e fazer a História, dentro e fora das salas de aula, numa perspectiva da educação para o patrimônio.

As trilhas da Memória e dos efeitos transformadores das atitudes de rememoração permanecerão acompanhando a reflexão do leitor no artigo seguinte - "As testemunhas e o ensino da história: uma abordagem didática" -, escrito pela professora Nadine Fink, da Universidade de Genebra, na Suíça. Em uma instigante e bem-fundamentada reflexão sobre a utilização do testemunho oral no Ensino de História, a autora nos convida a pensar nas potencialidades e nos riscos inerentes ao testemunho oral e à memória biográfica para a construção de uma consciência de historicidade e de um sentido de orientação temporal questionador das relações entre passado, presente e futuro.

Na leveza envolvente, porém complexa, de seu "A insustentável leveza do tempo: os objetos da sociedade de consumo em aulas de história", o professor Francisco Régis Lopes Ramos, da Universidade Federal do Ceará, conduz-nos a uma reflexão relativa a um dos paradoxos da modernidade: a colossal produção de objetos destinados ao consumo descartável e o deslocamento de seu lugar nos processos de produção de identidades. Daí, as reflexões do autor conduzirem-nos ao conjunto de dilemas interpostos à ação educativa em História, tanto em espaços escolares quanto em espaços não-escolares, no tocante ao potencial inerente aos artefatos.

Tomando como ponto de partida uma reflexão sobre o lugar da temática da cultura popular na escola e nos currículos, o artigo seguinte, escrito pelas professoras Gisela Marques Pelizzoni e Sonia Regina Miranda, da Universidade Federal de Juiz de Fora - "De relicários a janelas: objetos materiais como mensageiros da (investig)ação escolar" -, envereda pelo potencial educativo do uso de artefatos de cultura no interior da ação escolar quando eles saem dos portões das escolas e se encontram com as famílias, atravessando, portanto, distintas práticas de sociabilidade. Tal discussão é feita por meio de relatos de uma pesquisa que buscou compreender de que modo a escola pode vir a se constituir como um possível espaço de revitalização da teia que une e intercambia experiências entre as diferentes gerações.

O texto de Carina Martins Costa, doutoranda da Fundação Getúlio Vargas - "A escrita de Clio nos temp(l)os da Mnemósime: olhares sobre materiais pedagógicos produzidos pelos museus" -, apresenta-nos o paradoxo envolvido na "febre" de Memória típica da contemporaneidade e como esse cenário tem trazido aos educadores que se inserem na área de Museus novos desafios no tocante à educação histórica, aqui assumida em sentido amplo, de desenvolvimento de atitudes reflexivas e de pensamento capazes de levar os sujeitos à compreensão daquilo que se encontra por trás da escrita da História. Destacando os Museus como espaços educativos essenciais à formação de projetos de cidadania, a autora envereda pelo universo dos materiais didático-pedagógicos produzidos no interior de instituições museológicas, bem como dos sentidos dos discursos dali emanados.

Por fim, em um reencontro com o próprio passado e com os fios de identidade, derivado de um ato de rememoração com forte potencial de ressignificação de uma trajetória profissional, a professora Lana Mara Castro Siman, da Universidade Federal de Minas Gerais, no texto "Memórias sobre a história de uma cidade: a história como labirinto", revisita uma pesquisa por ela desenvolvida nos finais de 1980 e conduz-nos a uma reflexão sobre o que pode a História e a Memória - uma narrativa, construída na urdidura da experiência histórica - fornecer para que nos percamos na História (da cidade), como condição para reencontrá-la nos seus labirintos, por meio da educação histórica lato sensu.

Por meio de diferentes fios narrativos que vão entretecendo vidas e experiências, descortinando caminhos tais como aqueles trilhados por Teseu munido da materialidade do fio doado por Ariadne ao enfrentar o Minotauro, todos os autores aqui apresentados percorreram labirintos múltiplos. Por razões diversas, esses autores se encontraram neste Dossiê temático, que tentou trazer à cena o debate relativo a suportes de memória, sujeitos, objetos e instituições. Labirintos particulares, cujas singularidades os tornam únicos, mas cujas relações e similaridades os aproximam e os potencializam como método, como modo de agir. E como método, tais similaridades abrem-se em novos caminhos que podem vir a ser novamente compartilhados por outros sujeitos, portadores de outros fios da meada. Assim, seguimos a vida, num movimento compatível com aquilo que se constitui nos meandros da ação da deusa Mnemósine, cuja filha, Clio, nos compele pelos tempos em direção ao futuro, coletivamente, nos labirintos, caminhos e descaminhos do Ensino de História.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
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