Acessibilidade / Reportar erro

A espiral de antisseleção no mercado brasileiro de planos de saúde individuais

Resumo

A antisseleção de tipos de risco em seguros saúde pode ser um fenômeno perverso e comprometedor do equilíbrio das carteiras. A escalada desse efeito está associada às medidas de garantia de renovação da apólice e estabelecimento de subsídio cruzado entre diferentes tipos. O objetivo é avaliar efeitos da introdução de planos populares no mercado brasileiro de planos de saúde individuais. Os resultados não sugeriram a presença de subsídios intergeracionais. Mas, se forem introduzidos produtos competitivos em preços relativos, o movimento antisseletivo de segurados é tal que compromete a sustentabilidade financeira das operadoras, evidenciando movimento de espiral com deterioração das carteiras.

Palavras-Chave
Seleção adversa; Antisseleção; Planos de saúde individuais; Seguro saúde

Abstract

The anti-selection in the health insurance market can be a perverse phenomenon and compromising the balance of the insurance portfolio. The possibility of growing this effect is associated with the measures to guarantee the renewal of the policy and to establish a cross subsidy between the types of risks. The objective is to evaluate possible effects of the introduction of popular healthcare insurance plans in the Brazilian individual health insurance market. The results did not suggest the presence of intergenerational subsidies. But if it would be introduced products with more competitive relative prices than the current ones, the anti-selective movement of policyholders is such that it jeopardizes, without exception. Therefore, there is evidence of a clear spiral movement with deterioration of current portfolios.

Keywords
Adverse selection; Anti-selection; Individual health insurance; Health insurance

1. Introdução

Os desafios impostos a desenhos de sistemas de saúde que promovam ampla proteção financeira para a população e qualidade no provimento da atenção não são exclusividade do Brasil. Economias do mundo inteiro tem promovido esforços no sentido de conter custos explosivos, melhorando a cobertura e a entrega dos serviços de saúde desejados pela população (Chernew e Newhouse 2011Chernew, Michael E., and Joseph P. Newhouse. 2011. “Health Care Spending Growth.” In Handbook of Health Economics, 1-43. https://doi.org/10.1016/B978-0-444-53592-4.00001-3.
https://doi.org/10.1016/B978-0-444-53592...
). Os arranjos são múltiplos e os condicionantes clássicos dessas dificuldades remetem no consumo de recursos de alto valor agregado, sobretudo recurso trabalho, na alta dinâmica tecnológica, que requer recursos de capital e nos desdobramentos decorrentes dos efeitos de seleção e de risco moral (Anderson et al. 2006Anderson, G. F., B. K. Frogner, R. A. Johns, and U. E. Reinhardt. 2006. “Health Care Spending And Use Of Information Technology In OECD Countries.” Health Affairs 25 (3): 819-31. https://doi.org/10.1377/hlthaff.25.3.819.
https://doi.org/10.1377/hlthaff.25.3.819...
; van de Ven e van Vliet 1995van de Ven, Wynand P. M. M., and René C. J. A. van Vliet. 1995. “Consumer Information Surplus and Adverse Selection in Competitive Health Insurance Markets: An Empirical Study.” Journal of Health Economics 14 (2): 149-69. https://doi.org/10.1016/0167-6296(94)00043-4.
https://doi.org/10.1016/0167-6296(94)000...
).

Este trabalho aborda uma proposta recente do Ministério da Saúde brasileiro, que propõe uma mudança na regulação do mercado privado para que seja possível ofertar produtos potencialmente mais acessíveis para a população.1 1 Ofício n. 60-GS/SAS. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção a Saúde, 2017 A proposta está amparada na justificativa de que os atuais produtos estão se tornando financeiramente inviáveis para as famílias. No período de setembro de 2016 a junho de 2017, a diminuição da quantidade de vínculos a planos individuais foi de 1,8% segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS (BRASIL 2017BRASIL. 2017. Ministério Da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Caderno de Informação Da Saúde Suplementar: Beneficiários, Operadoras e Planos.).

O Brasil possui um sistema de saúde misto tanto no que tange ao financiamento, quanto ao provimento, com expressiva participação do setor privado como agente de mercado que oferece cobertura de planos/seguros de saúde, abarcando cerca de 47 milhões de vínculos, segundo a ANS. Embora a atuação do setor privado remeta à década de 1960 com atuação das medicinas de grupo, o atual marco regulatório do setor data dos anos 2000 e redesenhou a atuação das operadoras na economia, impondo aos contratos de plano de saúde garantia de escopo de cobertura mínima com incorporação tecnológica obrigatória definida pela própria regulação, restrições ao reajuste anual dos prêmios e medidas de garantia de capital de solvência para as operadoras. Atualmente, os contratos de plano de saúde podem ser segmentados, segundo dois tipos de adesão: planos de adesão individual, com cerca de 9,5 milhões de vidas, e planos coletivos, com 38 milhões (BRASIL 2017BRASIL. 2017. Ministério Da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Caderno de Informação Da Saúde Suplementar: Beneficiários, Operadoras e Planos.). Uma parte dos coletivos, entretanto, aproximadamente 5 milhões,2 2 Fonte: ANS, 2013 http://www.ans.gov.br/a-ans/sala-de-noticias-ans/consumidor/2151-nota-de-esclarecimento-sobre-planos-coletivos. Data de acesso: 24 de julho de 2020. pertence a contratos com menos de 30 vidas. Esses pequenos contratos de grupo e os individuais compartilham duas características importantes reguladas por lei: controles quanto ao reajuste anual do prêmio e impossibilidade de rescisão unilateral por parte da operadora. Essas disposições são desenhadas de forma a coibir a reclassificação de riscos, existindo, nesse sentido, uma dinâmica de sustentabilidade das linhas de negócios com possibilidade de um subsídio cruzado intra e entre os três tipos de adesão.

O objetivo deste trabalho é avaliar possíveis efeitos da introdução dos planos populares no Brasil sobre indicadores de sustentabilidade das carteiras de planos de saúde individuais. Dependendo do ambiente concorrencial, os resultados de medidas isoladas podem ser perversos, uma vez que existe a possibilidade de que os novos produtos não apenas aumentem a penetração do setor de saúde suplementar na economia, mas também acabe por realocar perfis populacionais dentro do pool já existente, deteriorando a sustentabilidade de grupos mutualísticos existentes. Para avaliar esses potenciais efeitos sobre diferentes perfis de operadoras será aplicada a metodologia de Wei (2010)Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43., que desenvolve um modelo formal de resposta individual a uma mudança de preços relativos entre produtos de saúde num ambiente competitivo. A justificativa da utilização desse modelo é dada pelo fato de o contingente populacional vinculado a contratos individuais mostrar evidências de autosseleção, que podem ser potencializadas pela criação de um novo produto mais atraente para indivíduos de baixo risco. Além disso, a sobreposição de medidas regulatórias sem revisão dos parâmetros em vigor nos contratos atuais pode induzir o fechamento dos blocos atuais, considerando a sustentabilidade financeira das carteiras sobre o mix público/privado no Brasil.

É importante destacar, portanto, que o trabalho adota uma perspectiva de choque de oferta, analisando de que forma o legado de pools mutualísticos pode incorrer em uma espiral antisseletiva, uma vez que o legado de planos não estaria sob o mesmo arcabouço regulatório que os novos produtos. Essa perspectiva reforça a necessidade de alinhamento regulatório, sem desqualificar esforços institucionais em busca de um arcabouço mais flexível.

Este trabalho está dividido em mais 4 seções, além desta introdução. Na seção seguinte é descrito o contexto institucional do setor de saúde suplementar no que tange ao objeto de discussão do artigo. Em seguida é feita a conceituação do problema da antisseleção. Na seção 4 é apresentado o método desenvolvido por Wei (2010)Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43., que será adaptado para o contexto brasileiro. Na sequência, são apresentados os resultados e discussões. Por fim, são abordadas as considerações finais.

2. Contexto institucional

No Brasil, o sistema de saúde é misto, sendo o sistema público universal e gratuito e o privado atuante por meio de contratos de plano de saúde abarcando cerca de 25% da população (BRASIL 2017BRASIL. 2017. Ministério Da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Caderno de Informação Da Saúde Suplementar: Beneficiários, Operadoras e Planos.). A característica mista do sistema brasileiro está associada a três particularidades com relação a experiências de expressiva cobertura privada. A primeira delas é que seguro público e seguro privado concorrem em todas as faixas etárias e riscos. Ou seja, a natureza universal do sistema público significa que não existe privilégio de nenhum grupo populacional no que tange ao direito de acesso ao sistema. A segunda é que existe uma clara segmentação dentro do sistema privado: planos de adesão coletiva não concorrem de forma significativa em faixas etárias de maior risco, como os idosos que perdem o direito a tais benefícios ao fim do vínculo empregatício, aumentando o legado de gerenciar o alto risco aos planos de adesão individual. Por fim, o país ainda está iniciando as regulações pertinentes aos requisitos de solvência, que terão repercussões importantes sobre a estrutura de mercado e sobre a importância dos desenhos de produto permitidos por lei.

O marco da regulação do setor de saúde suplementar é a Lei 9656/1998, que dispõe sobre planos e seguros de saúde. Segundo a legislação, cabe à ANS o papel de regular, normatizar, fiscalizar e incentivar o setor a prover serviços de maior qualidade, além de garantir a manutenção de regras fundamentais para os beneficiários de planos de saúde. Historicamente, a ANS tem promovido medidas consistentes com a agenda regulatória dos triênios de atuação. No que tange à temática de reajuste anual dos prêmios de contratos individuais, este tem sido objeto de grande debate e pressão no sentido de ser o meio que force a contenção de custos. Atualmente, os reajustes têm o teto único para o país, definido anualmente pela ANS, conforme metodologia publicada pela Resolução Normativa 441/2018, medida que pode ser compreendida como compressão de taxa: aquela que, por força da legislação, estabelece que grupos mutualísticos, mesmo que apresentem diferentes desempenhos em termos de risco, tenham a mesma evolução de seus prêmios, sem qualquer preservação do processo de tarifação. Concomitante a esse processo, é vetada a possibilidade de rescisão unilateral por parte da operadora, medida que é formalmente desenhada apenas para planos individuais, segundo a Lei 9656/98. Restrições de precificação são relativamente usuais em mercados de seguro de saúde (van de Ven et al. 2000Ven, W P van de, R. C. van Vliet, F. T. Schut, and E. M. van Barneveld. 2000. “Access to Coverage for High-Risks in a Competitive Individual Health Insurance Market: Via Premium Rate Restrictions or Risk-Adjusted Premium Subsidies?” Journal of Health Economics 19 (3): 311-39. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10977194.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10977...
; Paolucci, Exter, e van de Ven 2006Paolucci, Francesco, Andre Den Exter, and Wynand Van De Ven. 2006. “Solidarity in Competitive Health Insurance Markets: Analysing the Relevant EC Legal Framework.” Health Economics, Policy and Law 1 (02): 107. https://doi.org/10.1017/S1744133105000137.
https://doi.org/10.1017/S174413310500013...
). Nos EUA, o Affordable Care Act (ACA) agrupou todos os seguros ACA-compliant num mesmo pool de risco e estabeleceu normas para que os estados estipulem uma revisão anual dos aumentos de tarifas não razoáveis, não justificados e injustamente discriminatórios - sendo o gatilho inicial de 10% (Affordable Care Act 2010).

Os dispositivos de reajuste e proibição de rescisão unilateral são desenhos que, conjuntamente, procuram mitigar a fragilidade do beneficiário em renovar o contrato, quando se espera que algum beneficiário incorra em altos custos no período seguinte, ou seja, coíbe a reclassificação de riscos. Na mesma linha de proteção, a regulação estabelece coberturas mínimas, definindo segmentos de planos e rol de procedimentos, além de exercer controles sobre a qualidade dos produtos ofertados no mercado. Medidas intermediárias também são adotadas, como renovação do contrato sem limite de idade e razão de prêmio por idade ou compressão de taxa por subsídio intergeracional - termo cunhado pela própria ANS, que significa um mecanismo de solidariedade entre grupos etários. A Resolução Normativa nº 63/03 estabelece que a razão entre os preços praticados para a primeira e para a última faixa etária seja de 6:1 e determina, também, que a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não pode ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas.

No que tange aos planos coletivos, a legislação se mantém sobre coberturas mínimas e atualização do rol, mas se difere quanto à rescisão unilateral e quanto ao reajuste anual. A operadora deve agrupar todos os planos coletivos com menos de 30 beneficiários e implementar um reajuste único anual para esse pool de risco. Os contratos com mais de 30 vidas são livremente negociados entre as partes sem qualquer interferência da ANS.

Observa-se, portanto, que há um desenho de arranjo regulatório que prevê um subsídio cruzado intra e entre os três tipos de adesão, com operadoras assumindo maiores ou menores riscos dependendo da composição de seu portfólio de produtos, uma vez que os planos individuais podem assumir uma natureza de produtos de vida inteira sem que haja garantia de a possibilidade de manutenção.

Atualmente em discussão, os “planos populares” compreendem uma gama de produtos com características mais restritivas que os produtos do mercado brasileiro hoje. As propostas enviadas pelo Ministério da Saúde são três: 1. Plano simplificado: cobertura de atenção primária (atendimento não especializado), consultas com especialistas e exames de diagnóstico de baixa e média complexidade, não incluindo internação, terapias e exames de alta complexidade nem atendimento de urgência e emergência. 2. Plano ambulatorial + hospitalar: cobertura de atenção primária e atenção especializada de média e alta complexidade, sendo o acesso aos cuidados especializados, realizados a partir de uma avaliação prévia do médico da família ou da atenção primária. 3. Plano em regime misto de pagamento: cobertura de serviços hospitalares, terapias de alta complexidade, medicina preventiva e atendimento ambulatorial mediante pagamento dos procedimentos com os valores previstos no contrato.

Com relação à oferta existente, os planos populares se diferenciam, sobretudo, em três aspectos: i) obrigatoriedade do encaminhamento a ser feito apenas pelo médico de porta de entrada (gatekeeper), ii) recomposição dos preços com base no custo e não mais com base numa regra determinada pela agência reguladora e iii) ampliação dos mecanismos de divisão de custo com segurado, tais como coparticipação e franquias. Todas essas medidas resultam em um tipo de produto, a princípio, atraente para grupos da população cujos prêmios não são viáveis por questões orçamentárias e que estão hoje cobertos exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ocorre que não apenas estes grupos podem adquirir essa cobertura, mas a migração dentro do próprio setor pode ser significativa.

3. Antisseleção

Do ponto de vista atuarial, as carteiras de uma seguradora podem ser segmentadas em blocos. Os blocos constituem uma forma gerencial de agregar indivíduos cujas apólices compartilham similaridades como características regulatórias, perfil do produto, subscrição, apreçamento e tendência de preços. O gerenciamento dos riscos por blocos pode determinar políticas internas de subsídio cruzados inter-blocos, descontinuidade de ofertas não estratégicas ou não lucrativas ou até o estabelecimento de desenhos de produtos a partir da experiência observada. Um bloco pode, entretanto, incorrer num fenômeno importante, conhecido como abandono (ou lapso) antisseletivo, ou seja, quando indivíduos com menor risco tendem a se desligar da apólice em maior intensidade que aqueles com maior risco.

O movimento antisseletivo de segurados dá origem à antisseleção de riscos ou seleção adversa, esta última definida precisamente na presença de informação assimétrica, é um fenômeno bem conhecido na literatura e remete a trabalhos clássicos como Rothschild e Stiglitz (1976)Rothschild, Michael, and Joseph Stiglitz. 1976. “Equilibrium in Competitive Insurance Markets: An Essay on the Economics of Imperfect Information.” The Quarterly Journal of Economics 90 (4): 629. https://doi.org/10.2307/1885326.
https://doi.org/10.2307/1885326...
, Akerlof (1970)Akerlof, George A. 1970. “The Market for ‘Lemons’: Quality Uncertainty and the Market Mechanism.” The Quarterly Journal of Economics 84(3): 488. https://doi.org/10.2307/1879431.
https://doi.org/10.2307/1879431...
, Grossman (1979)Grossman, Herschel I. 1979. “Adverse Selection, Dissembling, and Competitive Equilibrium.” The Bell Journal of Economics 10 (1): 336. https://doi.org/10.2307/3003335.
https://doi.org/10.2307/3003335...
, Wilson (1977)Wilson, Charles. 1977. “A Model of Insurance Markets with Incomplete Information.” Journal of Economic Theory 16 (2): 167-207. https://doi.org/10.1016/0022-0531(77)90004-7.
https://doi.org/10.1016/0022-0531(77)900...
e Neudeck e Podczeck (1996)Neudeck, Werner, and Konrad Podczeck. 1996. “Adverse Selection and Regulation in Health Insurance Markets.” Journal of Health Economics 15 (4): 387-408. https://doi.org/10.1016/S0167-6296(96)00488-2.
https://doi.org/10.1016/S0167-6296(96)00...
. O movimento antisseletivo pode ser analisado em três momentos do curso de uma apólice: i) quando o segurado está adquirindo uma cobertura pela primeira vez. Nessa situação, uma maior proporção de indivíduos de alto risco, detendo melhor informação sobre seu próprio estado de saúde que a seguradora, opta por adquirir cobertura de seguro. Nesse caso, se o segurador não conhece o tipo de risco do indivíduo e, consequentemente, é incapaz de precificar o produto com base na probabilidade de uso, fica configurada a existência de assimetria de informação; ii) quando o segurado está em processo de renovação da apólice, decidindo, dentre as opções de extensão de cobertura disponíveis e o reajuste de prêmio proposto na sua apólice, uma possível mudança de contrato. Durante a renovação, os tipos de risco vão se alocar em contratos que melhor espelhem a sua expectativa de experiência, realocando os tipos de risco em diferentes coberturas; iii) quando o segurado está tomando decisão sobre finalizar o contrato e os tipos que mais finalizam são desproporcionalmente os de baixo risco. Nesse caso, a carteira restante tem uma piora gradual no seu risco médio que pode ser agravada pela velocidade do abandono autosseletivo (Bluhm 1983Bluhm, William. 1983. Cumulative Anti-Selection Theory. Society of Actuaries 50th Anniversary Monograph.).

Na primeira situação, o segurador utiliza, dadas as restrições regulatórias normalmente presentes no mercado de saúde, do mecanismo de subscrição e do desenho contrato, incluindo preço e extensão da cobertura para coibir a seleção adversa (Cutler e Zeckhauser 1997Cutler, David, and Richard J. Zeckhauser. 1997. “Adverse Selection in Health Insurance.” Cambridge, MA. https://doi.org/10.3386/w6107.
https://doi.org/10.3386/w6107...
; Belli 2001Belli, Paolo. 2001. How Adverse Selection Affects the Health Insurance Market. Policy Research Working Papers. The World Bank. https://doi.org/10.1596/1813-9450-2574.
https://doi.org/10.1596/1813-9450-2574...
; Cutler e Zeckhauser 2000Cutler, David M., and Richard J. Zeckhauser. 2000. “Chapter 11 The Anatomy of Health Insurance.” In, 563-643. https://doi.org/10.1016/S1574-0064(00)80170-5.
https://doi.org/10.1016/S1574-0064(00)80...
). Nas duas últimas situações, denominadas por Leida, Hans e Bluhm (2015)Leida, Hans; Bluhm, William. 2015. Individual Health Insurance. Winsted: ACTEX. de antisseleção interna e duracional, respectivamente, os desdobramentos dependem também da taxa de reajuste anual praticada no pool de risco e dos parâmetros dos contratos concorrentes. Cutler, Zeckhauser e Altman (1998)Cutler, David; Zeckhauser, Richard; Altman, Daniel. 1998. “Adverse Selection and Adverse Retention.” American Economic Review 88: 122-26. denominam este efeito de retenção adversa.

Na antisseleção interna, a oferta de produtos concorrentes com altos dedutíveis, por exemplo, pode levar segurados a, com ou sem processos de subscrição, migrarem para essas opções. Um exemplo dos efeitos da antisseleção interna é o premium leakage, que ocorre usualmente quando o reajuste das taxas é crescente e ocorre a migração de segurados para contratos de menor escopo de cobertura. Nessa situação, carteiras vão experimentar uma distorção no gasto médio esperado se o movimento for antisseletivo. A essa realocação dos tipos de risco em função dos condicionantes da oferta damos o nome de buy-down (Leida, Hans e Bluhm 2015Leida, Hans; Bluhm, William. 2015. Individual Health Insurance. Winsted: ACTEX.). Dentre as principais consequências desse tipo de seleção, temos a perda de capacidade de compartilhamento de risco, com possibilidade de inviabilização da cobertura de seguro para alguns tipos de risco (Frech e Smith 2015Frech, H. E., and Michael P. Smith. 2015. “Anatomy of a Slow-Motion Health Insurance Death Spiral.” North American Actuarial Journal 19 (1): 60-72. https://doi.org/10.1080/10920277.2014.982871.
https://doi.org/10.1080/10920277.2014.98...
).

Na antisseleção duracional ou cumulativa observa-se uma associação entre a chance de manter a cobertura ativa e o tipo de risco. Essa tendência é particularmente observada quando o aumento nos prêmios é muito elevado e quando as taxas de abandono das carteiras são relativamente altas. A correlação entre a magnitude da taxa de abandono e o abandono antisseletivo é denominada na literatura de teoria da anti-seleção acumulada (Bluhm 1983Bluhm, William. 1983. Cumulative Anti-Selection Theory. Society of Actuaries 50th Anniversary Monograph.).

Com o objetivo de quantificar esses movimentos antisseletivos no mercado de seguros saúde no Brasil, na próxima seção será apresentada a metodologia desenvolvida por Wei (2010)Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43., cuja abordagem é apropriada para o contexto da introdução de um novo produto em um ambiente concorrencial.

4. O modelo de Wei

No trabalho de Wei (2010)Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43., o abandono antisseletivo (AAS) é modelado para seguros no segmento individual e pequenos grupos.3 3 Nos Estados Unidos, pequenos grupos são, tradicionalmente, formados por contratos até 50 vidas. A legislação recente, entretanto, tem mudado essa definição para 100 vidas (https://www.actuary.org/files/Small_group_def_ib_030215.pdf). No Brasil, entende-se que pequenos grupos contratos até 30 vidas. Data de acesso: 24 de julho de 2020. O modelo parte de um comportamento individual, introduzindo em seguida os resultados agregados para o bloco e investigando os efeitos de diferentes percentuais de reajuste de prêmios sobre sinistralidade e lucro das seguradoras. Uma característica do modelo é que o AAS não é uma hipótese e sim um resultado que depende diretamente do aumento nos prêmios. Adicionalmente, o AAS não requer a hipótese de informação assimétrica.

O primeiro aspecto considerado é a escolha individual no processo de renovação da apólice, quando o indivíduo decide, dentre as opções disponíveis e o reajuste de prêmio proposto na sua apólice, se continua na carteira. Indivíduos podem abandonar a carteira em função de alguma mudança exógena aos preços (causa I), como por exemplo perda de renda e mudança de localidade geográfica ou em função de uma alteração nos preços relativos entre sua apólice e uma apólice equivalente do mercado (causa II). Nessa análise, apenas a causa II será considerada, o que significa que, em caso de abandono, ocorre uma migração para outra carteira.

Seja L(p) a probabilidade de abandono para um segurado x quando o log do preço é p. Vamos assumir que L(p) é uma função crescente de p na forma:

(1) L p = S a p p * x

em que a função Sa satisfaz Sa(z) → 1 quando z → +∞, Sa(z) → 0 quando z → -∞ e Sa(0) = 0,5, p*(x) é um parâmetro que denota o preço em que a probabilidade de abandono é igual a meio.

Um caso especial da função S é a função degrau dada por:

(2) S 0 z = 0 , 1 2 , 1 , se z < 0 se z = 0 se z > 0

Seja um mercado que consiste de j = 1, 2, ..., N seguradoras que vendem, cada uma, um único produto também denotado por j pelo preço . Os produtos, por sua vez, têm diferentes parâmetros de escopo e qualidade, de forma que o segurado paga um prêmio extra ou um prêmio de diferenciação αj pelo produto j, sendo esse prêmio extra positivo ou negativo. Com isso, tem-se o prêmio ajustado ou prêmio equivalente para o produto j: p'j = pj - αj.

Seja i denotando o produto atual do segurado x, que vai então escolher entre o par de produtos i e j. Ou seja, a probabilidade de segurado escolher j sobre i, denotada por Zi,j, cuja forma é:

(3) Z i , j = S b p i ' p j '

em que a função Sb satisfaz Sb (z) → 1 quando z → +∞, Sb (z) → 0 quando z → -∞ e Sb (0) = 0,5.

Um dos n prêmios de diferenciação podem ser arbitrariamente escolhidos. Isso significa que para qualquer peso wj com jiwj=1, então αi é escolhido de tal forma que a condição jiwjαj=0 é satisfeita. A razão desta condição é a seguinte: por tratar-se de n grupos etários diferentes, tem-se n equações de momento a serem estimadas. Assim, caso seja estabelecida a restrição de que todas estas equações são iguais a zero simultaneamente, tem-se n condições de momento que resultam em n estimadores de parâmetros. Estas n condições de momento são escritas como E[wjαj] = 0, de modo a gerar estimativas não enviesadas.

Então podemos expressar L(pi), representando a probabilidade de abandono de uma seguradora i por um segurado x como a soma ponderada das probabilidades de o segurado escolher o seguro j:

(4) L p i = j i w j . S b p i ' p j '

em wj = que probabilidade é de o segurado x escolher o segurador j como uma alternativa ao segurador atual i.

O preço de mercado de uma apólice para o segurado x que tem um seguro junto ao segurador i é definido como mi(x) e é dado como um índice dos preços competitivos:

(5) m i x = j i w j . p j x

Se as derivadas primeiras das funções em 1 e 3 são continuamente diferenciáveis, Wei (2010)Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43. demostra que o preço de mercado é igual à subtração entre o preço p*i(x) em que a probabilidade de abandono vale meio e o prêmio de diferenciação, αi.

(6) m i x = p i * x α i

Se, então, reescrevermos a função de resposta do abandono, teremos:

(7) L p i = S a p i m i x α i

ou ainda, na notação padrão das variáveis (sem a forma logarítmica), temos:

(8) L P = S P A M = S P M

em que P é o prêmio (ou a tarifa) pago pelo segurado, A representa um fator de ajuste do prêmio que incorpora o custo de mudança e as diferenças de qualidade dos produtos. Assim, P’ é o prêmio ajustado a ser comparado com o prêmio M praticado pelo mercado por um plano de saúde similar, adequado ao perfil de risco do segurado.

Dessa proposição, decorre que preços de mercado podem ser estimados observando as respostas de lapso diante de um aumento nos preços relativos. Uma vez definida a função de abandono, em função da comparação entre preços de mercado, cabe investigar o mecanismo de apreçamento dos produtos, começando pela decomposição do custo.

Para decompor os custos, considera-se que o segurado x está inserido em um bloco de apólices com múltiplas classes de rating (mesmas características demográficas e rol de cobertura, mas diferentes condições de saúde) e que g denota a classe de rating e x0g denota uma pessoa saudável ou padrão na classe de rating g. Adicionalmente, uma das classes de rating dentro do bloco pode ser designada como a classe de rating de referência, denotada por g0.

O logaritmo do custo, c(x), associado com a apólice para o segurado x em um período pode ser decomposta como a soma de:

(9) c i x = c ̂ i + c i g + c i h

de modo que:

c ̂ i = c i x 0 g 0 é o custo base ; c i g = c i x 0 g c i x 0 g 0 é o fator de custo da classe de rating , e ; c i h = c i x c i x 0 g 0 é o fator de custo de risco relativo .

O custo de mercado, c̃, como um índice do custo base de todos os competidores no mercado, é dado por:

(10) c ˜ = j 1 w j c ̂ j

O prêmio também pode ser decomposto. Seja p(x) o logaritmo do prêmio de uma apólice x na classe de rating g sobre um só período. De forma análoga, temos:

(11) p i x = p ̂ i + p i g + p i u = p ̂ i + p i g + p i h p i d

em que:

p ̂ i = p i x 0 g 0 é a taxa pre ç o base ; p i g = pi x 0 g pi x 0 g 0 é o fator de pr ê mio da classe de rating ; p i u = p i x p i x 0 g 0 é o carregamento relativo de risco ; p i d 0 é a redu ç ã o da taxa ; p i h = p i u + p i d é o fator de pr ê mio de risco relativo .

A redução de taxa pode representar o efeito de i) restrições de precificação e/ou ii) a precisão da subscrição em relação ao mercado. As restrições de precificação são mecanismos que coíbem a classificação dos tipos de risco e são usualmente empregadas em seguros de saúde (Cutler e Zeckhauser 1997Cutler, David, and Richard J. Zeckhauser. 1997. “Adverse Selection in Health Insurance.” Cambridge, MA. https://doi.org/10.3386/w6107.
https://doi.org/10.3386/w6107...
; Belli 2001Belli, Paolo. 2001. How Adverse Selection Affects the Health Insurance Market. Policy Research Working Papers. The World Bank. https://doi.org/10.1596/1813-9450-2574.
https://doi.org/10.1596/1813-9450-2574...
; Cutler e Zeckhauser 2000Cutler, David M., and Richard J. Zeckhauser. 2000. “Chapter 11 The Anatomy of Health Insurance.” In, 563-643. https://doi.org/10.1016/S1574-0064(00)80170-5.
https://doi.org/10.1016/S1574-0064(00)80...
), podendo ocorrer com estabelecimento de razões limites entre classes de rating (no Brasil, as classes são grupos etários), como também ocorrer intra classes de rating, com fixação de uma banda limitando a variação do prêmio dentro da classe. Por fim, é possível atribuir as restrições a reajuste de prêmio em função de mudanças no estado de saúde na renovação da apólice.

Uma vez conhecidas as componentes do custo e do prêmio, temos que, para uma apólice x do segurador i:

(12) p i g x = c i g x
(13) p i h x = c i h x
(14) p i u x = p i h x p i d x
(15) p ̂ i = c ̂ i + 𝜙 i

em que ɸi representa o desvio da taxa base do custo base, correspondendo ao diferencial de prêmio segundo o método de precificação adotado pelo segurador e não correlacionado com a redução de taxa pdi.

Substituindo as Equações 12 a 15 em 11, obtém-se:

(16) p i x = c i x p i d x + 𝜙 i ,
(17) p i d x = c i x c ̂ i p i x p ̂ i = c i x p i x

No mercado, a redução de taxa e o desvio da taxa base do custo base, respectivamente, são dados por:

(18) p ˜ d x = j i w j p j d x
(19) 𝜙 ˜ = j i w j 𝜙 j

Se wj é constante para todos os segurados x da apólice corrente i e para cada segurador j ≠ i. Se αj é constante para cada segurador j com a condição de normalização jiwjαj=0. Se βj é constante para cada segurador j com a condição de normalização jiwjβj=0.

Então, Wei (2010)Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43. demonstra que:

(20) m i x = c i x + 𝜙 ˜ β i p ˜ d x
(21) m ˜ = j i w j . p ̂ j α j

sendo m̃ o nível de preços do mercado, interpretado como um índice de preços base ajustado pelo prêmio de diferenciação.

Se para o risco padrão x na classe de rating base temos p̃d(x)=0, então:

(22) m ˜ = c ˜ + 𝜙 ˜ ,

ou seja, o índice de ciclo de subscrição, 𝜙˜ é uma medida relativa entre o nível de preços do mercado e o nível de custos do mercado.

Um dos conceitos mais importantes introduzidos por Wei (2010)Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43. é o “excesso de risco de uma apólice”, vi(x), que é definido como a fração do preço relativo de mercado que não está refletido no preço despendido pelo i-ésimo segurado relativamente uma vida padrão. Em termos formais, o excesso de risco é dado por:

(23) v i x = m i x m ̂ i p i x p ̂ i = m i x p i x

ou ainda, na notação padrão (sem a forma logarítmica), temos:

(23 A) V i = M i M 0 P i ' P 0 '

em que:

m ̂ i denota o pre ç o base de mercado dados por m ̂ i = j i w j p ̂ j ; p ̂ i é o pre ç o base ; m i x é chamado de pre ç o relativo de mercado , e ; p i x é chamado de pre ç o relativo .

Em termos práticos, um indivíduo com piores condições de saúde do que uma vida típica tende a encontrar em mercado contratos mais caros do que o seu contrato atual. Matematicamente, o numerador da Equação 23A para este segurado é superior ao denominador, resultando em um excesso de risco superior a uma vida média, cujo valor base é 1. Assim, a sua decisão deve ser manter-se no plano atual e possui a tendência de gerar despesas mais elevadas (daí a expressão “excesso de risco”) para o subscritor da apólice.

Se substituirmos pix=cixpid de 3.17 e mix=cixp˜d de de 20 em 23, encontramos que o excesso de risco é a diferença entre a redução de taxa do segurador corrente e a redução de taxa de mercado para novos negócios. Quando os novos negócios não possuem restrições de emissão, temos que d = 0. Nesse caso, o excesso de risco é igual a redução de taxa promovida pelo segurador atual.

(24) v i x = m i x p i x = p i d x p ˜ d x

A partir do excesso de risco, podemos agora reformular a função resposta do abandono para o indivíduo segurado, que é decrescente com o excesso de risco, ou seja, indivíduos presumidamente mais saudáveis (com menor excesso de risco) tem maior chance de sair da carteira.

(25) L p i = S a p i m i x + α i = S a p ̂ i m ̂ i + α i + v i x

ou, novamente na notação padrão das variáveis, sem a forma logarítmica, temos:

(25 A) L = S P M 0 . V

Como o excesso de risco individual é tratado como uma variável aleatória, pelo desconhecimento dos prêmios individuais e do risco (reais condições de saúde), é preciso avaliar como esses atributos não diretamente observáveis podem comprometer o desempenho das seguradoras em um ambiente competitivo. Para isso, utiliza-se a modelagem coletiva do risco, tradicional na literatura atuarial (Bowers et al. 1997Bowers, Newton L., Hans U. Gerber, James C. Hickman, Donald A. Jones, and Cecil J. Nesbitt. 1997. Actuarial Mathematics. Edited by David Anderson. 2nd ed. United States of America: The Society of Actuaries.; Klugman, Panjer e Willmot 2012Klugman, Stuart A, Harry H Panjer, and Gordon E Willmot. 2012. Loss Models: From Data to Decisions. Edited by Wiley Series in Probability and Statistics. Wiley. 4th ed. New York.), cuja ideia básica consiste em analisar o comportamento (neste trabalho, o abandono antisseletivo) de uma dada classe de risco g a partir de observações em níveis individuais. Cabe ressaltar que, pelo fato de se ter incerteza em duas dimensões (severidade das despesas e frequência de utilização), a agregação não resulta numa soma direta de comportamentos individuais.

Para cada bloco de risco, cada qual com distribuição de probabilidade de excesso de risco F(V), serão obtidas medidas de avaliação do desempenho econômico-financeiro da seguradora. Como o excesso de risco V, por sua vez, depende de um aumento (R) nos preços relativos dos planos atuais para além dos aumentos dos prêmios relativos de mercado, entende-se que V(R) é crescente em R e uma definição natural é adotar V(R) = 1 + R. Assim, define-se, respectivamente, as funções lapso (L) - representando a proporção de indivíduos que abandonam o portfólio -, inforce (I) - uma função auxiliar para a quantidade total de segurados que permanecem no portfólio -, prêmios totais (PT) - o volume total de arrecadação obtido pela operadora com os remanescentes -, custo total (CT) - função que apresenta os gastos agregados das operadoras dispendidos aos beneficiários que ficaram no plano -, sinistralidade (Sin) - expressando a representatividade das despesas esperadas frente à arrecadação de prêmios -, e, por fim, a função lucro - o resultado operacional da firma - como:

(26) L R = F 1 + R
(27) I R = I 0 1 F 1 + R
(28) PT R = I R P ̂ R
(29) CT R = I R C 0 V ¯ R
(30) Sin R = C 0 V ¯ R P ̂ R
(31) Lucro R = I R P ̂ R C 0 V ¯ R

com I0 representando a quantidade inicial da carteira, C0 o custo inicial para o perfil de risco padrão em uma faixa etária, P̂R=P̂01+R o resultante do reajuste dado sobre o prêmio inicial (acrescido da margem de carregamento de segurança) por apólice e, finalmente, V¯R o excesso de risco esperado para o perfil do indivíduo representativo de uma dada classe etária.

Seguindo Wei (2010)Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43., a forma funcional utilizada para estimar a distribuição de excesso de risco F(V = 1 + R) será uma Distribuição Generalizada de Pareto, cuja forma acumulada é dada por:

(32) F d , e V = 1 1 + V 1 d e , para V 1 ,

com parâmetros e > 1 e d > 0.

Por fim, para ser possível estimar os efeitos nas Equações 26 - 31 em função de um reajuste R, substitui-se V = 1 + R na Equação 32, após estimar os parâmetros e e d para cada bloco de risco g.

5. Exercício empírico

Nesta seção, são apresentados os resultados empíricos da aplicação do modelo de Wei (2010)Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43.. A simulação empírica avalia os possíveis impactos da adoção de uma nova modalidade de seguro saúde no mercado. Os seguros ou planos populares pertencem a um arcabouço regulatório distinto do atual segmento de seguros individuais, o que pode resultar num movimento migratório de policyholders.

Adicionalmente aos atributos de elevada divisão de custo, a proposta é que esses produtos atendam a dois requisitos. Primeiro, contenham um desenho de benefícios tal que o denominado “pacto intergeracional” não esteja ativo, ou seja, que a sustentabilidade das classes de rating por faixa etária possa ser mantida, sem o estabelecimento de subsídio cruzado. Essa hipótese deriva da proposta de maior flexibilidade do rol de cobertura e dos mecanismos de compartilhamento de custo com o segurado. Segundo, propõe-se que o reajuste anual dos contratos seja realizado com base no desempenho específico da carteira. Atualmente, os reajustes dos seguros individuais são calculados pela ANS, a partir do reajuste observado nos contratos coletivos. Essa metodologia tem resultado numa deterioração progressiva dos índices de sinistralidade das carteiras individuais (BRASIL 2017BRASIL. 2017. Ministério Da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Caderno de Informação Da Saúde Suplementar: Beneficiários, Operadoras e Planos.).

O exercício se divide em duas etapas. Na primeira, buscou-se estimar o risco relativo entre os grupos etários a fim de verificar a existência de subsídio intergeracional. Os microdados de sinistro são provenientes do painel D-TISS (Troca de Informações em Saúde Suplementar) da ANS.4 4 http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor/d-tiss. Data de acesso: 24 de julho de 2020. Esse painel disponibiliza os eventos de sinistro mensais, por segurado, por operadora, identificando atributos de idade e sexo do indivíduo. Na segunda etapa, foram extraídos os parâmetros da função de excesso de risco, cujo objetivo é compreender os impactos financeiros da introdução do novo produto. Esse produto vai apresentar, a depender das preferências dos consumidores, um preço relativamente menor que os preços praticados no mercado hoje para novas apólices. A justificativa de queda no preço relativo está fundamentada, sobretudo, na diferença do método de reajuste anual entre os dois produtos, no qual os produtos vigentes não têm garantias de que o reajuste fixado pelo regulador recomponha margens associadas ao desempenho. Essa característica eleva os preços de novas adesões.5 5 Uma discussão detalhada do tema pode ser encontrada em https://actuary.org/pdf/health/rate_may04.pdf. Data de acesso: 24 de julho de 2020.

Para a estimativa dos parâmetros das funções de excesso de risco, utilizaram-se as taxas de lapso observadas por operadora e por faixa etária. Essas informações foram obtidas junto ao Caderno 2.0, disponibilizado na Sala de Situação da ANS.6 6 http://www.ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor/sala-de-situacao. Data de acesso: 24 de julho de 2020. O levantamento possibilita observar, mensalmente, a quantidade de segurados, os cancelamentos e as adesões por grupo etário. O período de análise abrange os meses de dezembro de 2016 a novembro de 2017. Nesta base não há informações anteriores a esse período.

5.1. Bases de dados, análise descritiva e segmentação

O D-TISS é um painel disponibilizado pela ANS, que contém o registro de todos eventos de sinistros pagos pelas operadoras privadas, classificados segundo um agrupamento de procedimentos predefinidos, incluindo a separação de eventos ambulatoriais e hospitalares, por segurado. Porém, os microdados de sinistros reportados no D-TISS ainda não refletem todo o mercado brasileiro, cobrindo aproximadamente 68% das despesas assistenciais das 832 operadoras consideradas no banco de dados.7 7 http://www.ans.gov.br/images/stories/Materiais_para_pesquisa/Perfil_setor/Dados_e_indicadores_do_setor/tiss/nota-metodologia-para-selecao-de-operadoras-e-base-de-eventos-para-o-dtiss.pdf. Data de acesso: 24 de julho de 2020. A maior fragilidade dos dados é que, embora as informações de sinistros possam ser recompostas ao nível individual,8 8 No momento da consulta ao painel, setembro de 2017, a partir de dados do período de janeiro a dezembro de 2016, ainda era possível a identificação da seguradora e do segurado, mesmo com código criptografado. Essa identificação não é mais possível em função do protocolo de segurança da ANS. não há como obter diretamente da base as informações da quantidade de segurados expostos no período considerado, o que impossibilita a estimação direta da frequência relativa de utilização. Optou-se, a fim de contornar essa dificuldade, por adotar como referência a distribuição do total de vidas expostas por faixa etária, dentre a população detentora de plano de saúde em junho de 2016, uma vez que os dados de sinistros compreendem o período entre janeiro e dezembro de 2016.

Os resultados da razão de custo por grupos etários estão reportados na Tabela 1, a seguir.

Tabela 1
Estatísticas gerais de exposição, frequência e severidade por faixa etária e por tipo de evento.

De acordo com a Tabela 1, as razões obtidas não sugerem a presença de um subsídio intergeracional, pois a regra máxima de discriminação por faixa etária estipulada pela RN 63/03 excede as evidências obtidas para os custos assistenciais, sendo suficiente para manter o equilíbrio atuarial entre grupos etários. A literatura sobre os gastos de saúde por idade é escassa no Brasil, dificultando de sobremaneira a discussão do arcabouço regulatório de produtos de seguro saúde. Maia, Andrade e Feres (2012)Maia, Ana Carolina; Monica V. Andrade; Flavia L. C. Feres. 2012. “Estudo Longitudinal Do Efeito Da Idade e Tempo Até a Morte Em Gastos Com Saúde.” Rede de Economia Aplicada Working Paper 037. http://reap.org.br/wp-content/uploads/2012/05/037-Estudo-Longitudinal-dos-Efeitos-do-Gasto.pdf.
http://reap.org.br/wp-content/uploads/20...
encontraram uma razão da ordem de 10 vezes entre a primeira e a última faixa. Mais recentemente, o relatório da Unidas9 9 https://unidas.org.br/pesquisa-unidas/. Pesquisa 2017/2018. Data de acesso: 24 de julho de 2020. reporta razões de 6 a 8 vezes entre as mesmas faixas, dependendo do recorte populacional.

Na hipótese de haver subsídio cruzado entre os grupos de idade, a classe de rating (aqui definida como o grupo etário) teria o redutor pdi > 0 (como descrito na Equação 11) correspondendo a um modelo de compressão de taxa por “subsídio intergeracional”. Por outro lado, na hipótese de não haver o redutor ativo, cada grupo etário pode ser tratado como bloco diretamente, sem perda de generalidade. As evidências apresentadas pela Tabela 1 mostram que o diferencial máximo de custos é inferior a 4,5, sugerindo que as diferenças eventualmente observadas entre os prêmios de cada classe de rating se devem a efeitos de precisão de subscrição e/ou a efeitos duracionais dentro de cada classe de rating e não a diferenciais de custos na ausência desses efeitos. Esses efeitos devem ser mais ou menos proeminentes dependendo dos preços de mercado para os tipos pertencentes àquela classe de rating. Se preços de mercado são competitivos, as taxas de lapso de todas as operadoras tendem a ser maiores.

A segunda base de dados do trabalho foi construída a partir do registro de movimentos de adesões e cancelamentos de apólices de seguro saúde. Todos esses movimentos são registrados pela ANS e estão disponíveis na “Sala de Situação - Caderno 2.0”. Nessa consulta são extraídas as informações de quantidade de beneficiários, além do total de adesões e cancelamentos de apólices. A Tabela 2, a seguir, apresenta as dimensões disponíveis para uso e as efetivamente utilizadas neste trabalho para a parametrização das funções de excesso de risco (conforme a Equação 24 A), cuja intuição remete à propensão de um indivíduo permanecer no seu contrato atual dados os preços e condições de subscrição do mercado para o seu perfil de risco. Desta maneira, indivíduos com boas condições de saúde (baixo excesso de risco) devem ter seus prêmios razoavelmente alinhados com os preços praticados em mercado, estando mais sujeitos a efeitos concorrenciais. Por sua vez, aqueles que possuírem saúde mais debilitada ou que detêm condições contratuais mais vantajosas (alto excesso de risco) encontrariam preços em mercado mais elevados quando comparados ao prêmio do contrato atual.

Tabela 2
Quadro explicativo da seleção de quantidade de beneficiários, cancelamentos e novas adesões de contratos.

Para a análise empírica do trabalho, foram selecionados os seguros de contratação “individual ou familiar”, excetuando-se a segmentação “odontológica”, por faixa etária do beneficiário (quinquenal) e por operadora, nos meses de outubro de 2016 a setembro de 2017. Durante esse período, 534 operadoras apresentaram pelo menos um segurado com contrato individual.

A Figura 1 apresenta a evolução mensal das novas adesões e de cancelamentos do setor, expressos em taxas, por faixa etária quinquenal.

Figura 1
Taxas de abandono (lapso) e de adesão de novas apólices por mês e grupo etário

Como é possível observar pela Figura 1, o padrão de novas adesões para o primeiro grupo etário é bastante distinto dos demais. Este fato é explicado por dois motivos principais. Primeiro, o mecanismo de entrada na primeira faixa se dá por nascimentos (cohort effect), além das novas adesões. Nas demais faixas, o efeito coorte (a transição entre grupos etários) não está presente nas taxas de novas adesões. Ou seja, quando o policyholder muda de faixa etária, a mudança não é contabilizada como uma nova adesão, diferentemente da primeira etária. Segundo, a menor largura da primeira faixa etária (de 0 a 1 ano de idade) aumenta a relevância do efeito coorte uma vez que a taxa de novas adesões é diretamente afetada pela quantidade de expostos.

Ademais, é possível observar que as taxas de adesão e cancelamentos de cada faixa etária são estacionárias no tempo, mantendo um nível aproximadamente constante ao longo dos meses. Também se nota que aqueles grupos considerados de menor risco (ou melhores condições de saúde) apresentam maior movimentação de contratos, tanto com maiores taxas de adesões como de cancelamentos, indo de encontro ao movimento de antisseleção reportado na literatura. Por fim, os dados por faixa etária reforçam a tendência do mercado de retração do total de beneficiários, uma vez que em todas as faixas etárias, as taxas de novas adesões apresentam-se em um nível inferior ao verificado para os cancelamentos.

Com um mercado consumidor amplo e diverso, que abrange grande quantidade de pessoas sob contrato privado (25% da população nacional, ou aproximadamente 50 milhões de pessoas) e com perfis diferentes de risco, o setor de saúde é composto por um número expressivo de operadoras ofertando planos individuais (534 entidades), de enquadramentos jurídicos diferentes,10 10 É importante mencionar que no Brasil há uma diferenciação entre as entidades que operam exclusivamente planos de seguro saúde e outras que operam em outras linhas de seguro. As últimas são chamadas de “seguradoras especializadas em seguro saúde”, enquanto as primeiras podem ser classificadas como “filantrópicas” (sem fins lucrativos e declaradas como sendo de utilidade pública), “cooperativas” (sem fins lucrativos) e “medicina de grupo” (as demais consideradas). Aquelas classificadas como “autogestão” e “odontológicas” foram excluídas da análise. tamanhos de carteiras diversos e atendendo públicos distintos. Com esta diversidade de players atuando no setor, há a possibilidade de que eventuais choques de preços possam afetar de forma diferente a sustentabilidade financeira das carteiras destes grupos distintos de operadoras. Por este motivo, aplicou-se uma análise de cluster para identificar perfil de operadoras, com base nas taxas de lapsos ponderadas por estrutura etária. O objetivo foi criar perfis que maximizem homogeneidade de operadoras dentro de cada grupo, ao mesmo tempo em que se maximiza a heterogeneidade entre os grupos de entidades.

Portanto, adotamos o seguinte procedimento: primeiro ponderamos os dados de taxas de abandono de cada operadora pela sua própria distribuição de indivíduos em cada faixa etária populacional. Com isso, cada entidade foi classificada em um cluster específico, de acordo com a forma da distribuição das taxas de lapso ponderada. Como procedimento de agrupamento, adotou-se o método de Ward (1963)Ward, Joe H. 1963. “Hierarchical Grouping to Optimize an Objective Function.” Journal of the American Statistical Association 58 (301): 236-44. https://doi.org/10.1080/01621459.1963.10500845.
https://doi.org/10.1080/01621459.1963.10...
, que minimiza a variância dentro de cada cluster. Uma solução de três grupos emergiu com base no critério silhouette (Rousseeuw 1987Rousseeuw, Peter J. 1987. “Silhouettes: A Graphical Aid to the Interpretation and Validation of Cluster Analysis.” Journal of Computational and Applied Mathematics 20 (November): 53-65. https://doi.org/10.1016/0377-0427(87)90125-7.
https://doi.org/10.1016/0377-0427(87)901...
), que compara a largura interna de cada cluster, bem como a sua capacidade de separá-los. A largura da silhueta média (0,98) da solução de três clusters fornece adequada validade e, portanto, foi adotada como número final de agrupamentos (para dois grupos, a largura da silhueta média foi de 0,84, enquanto para quatro grupos foi de 1,00, mas, neste caso, um cluster conteria somente uma operadora). A análise descritiva é apresentada na Tabela 3 e na Figura 2.

Tabela 3
Informações descritivas das operadoras que compõem cada cluster gerado

Figura 2
Distribuição dos grupos etários por cluster

De maneira interessante, é possível observar pela Tabela 3 que o método de agrupamentos sugeriu uma clara separação das operadoras: o primeiro cluster contém 44 entidades filantrópicas e todas as seis firmas que são consideradas “seguradoras especializadas em seguro saúde” (na média, menores carteiras de planos individual, com menor taxa de lapso e com mais indivíduos idosos), enquanto há predominância das operadoras classificadas como “medicina de grupo” e “cooperativas médicas” nos, respectivamente, segundo (na média, as maiores carteiras de planos individual, com maior taxa de lapso e menos indivíduos de meia-idade) e terceiro cluster (níveis moderados de ambas as medidas, além de possuir mais indivíduos com menos de 40 anos de idade).

5.2. Resultados do excesso de risco em função das taxas de lapso para cada cluster

Nesta seção são apresentados os resultados finais de estimação. O objetivo é avaliar, para cada grupo etário de cada cluster, os potenciais efeitos da introdução de um produto com um preço relativamente menor que o do mercado atual, preço este já ponderado pela qualidade (retratado como o índice alfa na Equação 7, e como o parâmetro A da Equação 8). Pela definição do modelo de Wei (2010)Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43., portanto, os prêmios relativos (o valor da apólice atual já por ele despendido e o valor praticado em mercado) já refletem escopo e qualidade de cobertura. Isto é, apesar de estar diante de produtos distintos, o indivíduo é capaz de reconhecer diferentes extensões de cobertura e comparar os prêmios relativos.

A hipótese fundamental da simulação é que esse novo produto (planos populares) possui preços relativos mais atrativos do que os contratos em curso, pois, de acordo com a proposta, há garantia de recomposição dos preços com base no custo e não mais com base numa regra única determinada exogenamente pela agência reguladora. Essa característica reduz o preço relativo dos produtos do segmento. As condições iniciais da simulação são: i) ambos os produtos possuem preços iniciais relativos idênticos; ii) o diferencial de prêmios só se reflete via reajuste das apólices já contratadas,11 11 Pela estrutura do modelo, embora nas condições iniciais os prêmios relativos sejam idênticos e o diferencial dos prêmios relativos só seja capturado por meio do reajuste, este também pode ser interpretado como uma proxy direta de menores preços relativos dos contratos do tipo “planos populares” e iii) Não há qualquer viés no processo de subscrição das apólices atuais para cada grupo etário, ou seja, custos estão completamente refletidos em prêmios e, consequentemente, a sinistralidade é a mesma (o carregamento foi parametrizado em 30%).

Uma vez definidas as condições iniciais, o diferencial de preços relativos só é determinado pelo reajuste R dos contratos em curso. Dada a magnitude de R, o indivíduo decide ou não trocar de contrato e aqueles que decidirem continuar no pool terão seus contratos reajustados à taxa R. A partir desse momento, os efeitos líquidos são difusos, uma vez que a sinistralidade pode diminuir, manter-se estável ou aumentar. O índice diminui se a receita adicional proveniente dos reajustes dados aos contratos que permanecem compensarem a perda da receita líquida dos tipos de risco mais lucrativos que saíram. Do lado oposto, a sinistralidade pode aumentar mesmo diante de reajustes positivos, em função da não compensação da receita proveniente de apólices de baixo risco que abandonaram o plano. A espiral da antisseleção é evidenciada pela relação positiva entre R e a sinistralidade.

Para estimar o excesso de risco (conforme a Equação 24), usamos as taxas de lapso anuais por operadora. Esse acompanhamento se restringe a um ano, por limitação de informação. A Tabela 4 apresenta os parâmetros de três grupos de idade12 12 Foram obtidas as estimativas de 18 grupos de idade para cada cluster. Para que a análise não ficasse exaustiva e redundante, optamos por apresentar apenas três grupos de idade, representativos do ciclo de vida, nas tabelas. para os três clusters. Os parâmetros e e d foram obtidos diretamente dos dados de lapso observados para cada um dos grupos de idade. O parâmetro V(0) é o excesso de risco médio inicial para cada faixa etária. Por simplicidade de se efetuar comparações entre os blocos de idade, os parâmetros A e sinistralidade iniciais foram assumidos os mesmos. A base de custo do bloco, C(0), foi assumida variando de 1 a 3,92, conforme estimativa apresentada na Tabela 1. Como a sinistralidade inicial foi a mesma para todos os blocos, um resultado que deriva diretamente da utilização do excesso de risco como preço relativo é que a razão de prêmios exigida por lei entre os blocos nem sempre é mantida. Na prática, essa diferença poderia ser reparametrizada usando diferentes sinistralidades.

Tabela 4
Parâmetros estimados dos três grupos etários selecionados para os três clusters de operadoras

Como é possível observar pela Tabela 4, o excesso de risco tende a ser maior no grupo etário mais velho, independente do cluster de operadoras. Esse resultado vai de encontro à presença de mais segurados com saúde debilitada em idades mais avançadas. Como explicado, no Brasil, a regulação do setor não permite o agravo do prêmio por condições de saúde desenvolvidas durante o curso da apólice. Adicionalmente, efeitos duracionais (apólices com maior tempo de adesão) devem estar presentes nos grupos de maior risco, uma vez que o reajuste anual dos prêmios é controlado e determinado pela agência reguladora do país e que esse reajuste não reflete precisamente o desempenho econômico financeiro do pool. Entre os clusters, o excesso de risco médio não apresentou diferenças muito significativas. Porém, dentro de cada cluster, há diferenças entre as faixas, de modo que é importante apresentar os resultados de todas as faixas etárias, para todos os clusters. E assim será feito para as Figuras 3, 4 e 5.

Figura 3
Taxas de abandono agregada por grupo etário e por cluster.

Figura 4
Índices de sinistralidade por grupo etário e por cluster

Figura 5
Lucro Total por grupo etário e por cluster

A Figura 3, a seguir, apresenta a resposta da taxa de abandono em função de R para cada grupo etário e cluster.

No Cluster 1, chama atenção a inclinação das curvas dos grupos de idade “1 a 4”, ”20 a 24” e “35 a 39”. Essa inclinação indica uma rápida resposta do abandono antisseletivo, mesmo a pequenas taxas R. O grupo etário com menor resposta, por sua vez, foi o “75 a 79 anos”. No Cluster 2, o comportamento das faixas etárias é mais homogêneo, sendo a faixa “5 a 9” a com resposta mais rápida, e “75 a 79” com resposta menos elástica a variações em R. No Cluster 3, destaca-se o grupo “20 a 24” como a curva mais inclinada e, novamente, o grupo “75 a 79” como a menos elástica.

A Figura 4 apresenta os resultados dos índices de sinistralidade. Todos os grupos de idade, de cada Cluster, apresentaram inclinação positiva, indicando comportamento em espiral. Esse resultado significa que o aumento de receita proveniente do reajuste R não compensou a perda de receita líquida que era advinda dos tipos de baixo risco que abandonaram a carteira.

Os resultados por cluster não são qualitativamente diferentes, entretanto, o cluster 3 tem uma tendência mais acelerada de deterioração do índice de sinistralidade. Com relação às faixas etárias, com poucas exceções, os grupos de idade intermediários normalmente correspondem às curvas mais positivamente inclinadas, denotando uma resposta veloz da sinistralidade a mudanças no R para a sua classe de rating. Os grupos de idade mais avançada, por sua vez, têm uma resposta mais lenta em termos de sinistralidade. Esse resultado significa que, para uma mesma taxa R, a espiral é mais veloz nas classes de rating que se caracterizam tipicamente por idades mais jovens e intermediárias.

A magnitude de R não é observada diretamente, pois ela depende da percepção de preços relativos por cada grupo etário. Espera-se, entretanto, que R seja maior para grupos mais jovens e menor para grupos mais velhos. Apólices de seguro de saúde com mecanismos mais intensos de divisão de custos, tais como as previstas nos planos populares, em geral, atraem menos a população com maior risco médio (mais idosa).

A Figura 5, a seguir, apresenta o Lucro Agregado para cada grupo etário e cluster. Como as condições iniciais são de mesmo índice de sinistralidade para cada classe de rating, e também o lucro é uma função positiva do montante de prêmios, da quantidade de operadoras de cada cluster e do volume de segurados, os patamares iniciais de lucro vão depender do volume dessas medidas. Assim, de acordo com a Tabela 3, é possível observar que o cluster 1 é composto por 50 operadoras que, em média, possuem aproximadamente o dobro do tamanho da média das entidades dos clusters 2 e 3. Além disso, o perfil médio da taxa de lapso das operadoras do cluster 1 é o menor dentre todos os clusters, indicando que os beneficiários deste grupo de operadoras tendem a possuir maior excesso de risco (porque eles abandonam menos os seus planos) do que os demais. Isso explica o porquê de o cluster 1 iniciar em um patamar de lucro mais baixo do que os outros.

Chama atenção que, embora os índices de sinistralidade dos grupos de idade mais avançada respondam mais devagar a aumentos em R, os efeitos dos abandonos são muito significativos sobre o lucro, uma vez que esses grupos arcam com prêmios de risco mais elevados. Adicionalmente, a pirâmide etária dos clusters, conforme a Figura 2, mostra uma elevada proporção de indivíduos nas faixas etárias mais avançadas, corroborando com a importância desse contingente enquanto volume de receita financeira.

6. Considerações finais

Este trabalho avaliou possíveis efeitos da introdução de um novo produto no mercado brasileiro de planos de saúde individuais. A proposta é pertinente frente à rigidez dos contratos atualmente em curso, em que os prêmios não são recompostos pelo desempenho das carteiras, podendo custar a viabilidade do segmento. Os planos populares flexibilizam as condições de oferta, incorporando maior engajamento do consumidor, por meio da intensificação de mecanismos de divisão de custos, e maior autonomia das operadoras quanto aos reajustes dos prêmios.

Os resultados deste trabalho, entretanto, apontam que o pool de contratos atuais pode entrar em uma espiral de antisseleção, em função da retenção adversa de segurados, com efeitos perversos para a sustentabilidade das carteiras. Sem a revisão das regulamentações dos contratos atuais e, portanto, diante de um diferencial de preços relativos entre os dois contratos, indivíduos de baixo risco tendem a migrar para outros blocos de negócios, podendo ser da mesma operadora ou não.

O movimento antisseletivo é modelado como uma resposta ótima dos segurados a restrições de precificação do seguro com base em atributos individuais. As restrições podem ocorrer em dois momentos: primeiro, no momento de contratação da apólice pela impossibilidade de uso dos atributos de risco; segundo, no momento de renovação, refletindo em restrições ao reajuste do prêmio. Pelo arcabouço regulatório brasileiro, no momento da adesão ao seguro, os prêmios podem variar segundo dez faixas etárias, numa razão máxima de seis vezes. Além disso, hoje, o reajuste máximo anual das apólices é determinado pela ANS e é único para todos os contratos.

Os resultados empíricos mostraram que os custos estimados, por grupo etário, atendem a razão máxima de 6 vezes, sugerindo que o subsídio intergeracional não ocorre no momento de adesão a apólice. Essa conclusão nos possibilita analisar o excesso de risco de cada grupo etário de forma independente. Em outras palavras, é possível avaliar o movimento antisseletivo de forma separada para cada grupo etário.

O efeito de espiral, definido como deterioração da sinistralidade, foi observado para os três clusters de operadoras e em todos os grupos etários, sendo mais ou menos intenso a depender do grupo e do cluster. Esse resultado significa que há uma perda de segurados de baixo risco que vai persistentemente comprometer o desempenho daquele pool. O efeito em espiral pode ser agravado para os grupos etários mais jovens, caso exista o subsídio intergeracional nos contratos em curso.

Em resumo, as evidências trazidas neste trabalho mostram que os efeitos da introdução de novos produtos podem comprometer a viabilidade econômico-financeira das carteiras em curso. Este tipo de resultado já foi documentado em outros contextos empíricos (Cutler, Zeckhauser e Altman 1998Cutler, David; Zeckhauser, Richard; Altman, Daniel. 1998. “Adverse Selection and Adverse Retention.” American Economic Review 88: 122-26.; Frech e Smith 2015Frech, H. E., and Michael P. Smith. 2015. “Anatomy of a Slow-Motion Health Insurance Death Spiral.” North American Actuarial Journal 19 (1): 60-72. https://doi.org/10.1080/10920277.2014.982871.
https://doi.org/10.1080/10920277.2014.98...
), corroborando com a percepção de que choques de oferta drásticos podem ser perversos.

Cabe destacar que se trata de um estudo pioneiro para o Brasil, especialmente por dois motivos: primeiro porque, por meio da medida de excesso de risco, tem-se uma proxy do quanto as carteiras podem estar comprometidas em função de efeitos duracionais ou imprecisão dos processos de subscrição. Segundo, pelas bases de dados utilizadas. O D-TISS e as informações de taxa de abandono formam um conjunto de informações bastante recente, além de possuírem abrangência nacional. Contudo, a série temporal é bastante curta e o próprio órgão regulador reconhece que o D-TISS ainda não contempla a totalidade do setor, constituindo a principal limitação deste estudo.

Referências

  • Akerlof, George A. 1970. “The Market for ‘Lemons’: Quality Uncertainty and the Market Mechanism.” The Quarterly Journal of Economics 84(3): 488. https://doi.org/10.2307/1879431
    » https://doi.org/10.2307/1879431
  • Anderson, G. F., B. K. Frogner, R. A. Johns, and U. E. Reinhardt. 2006. “Health Care Spending And Use Of Information Technology In OECD Countries.” Health Affairs 25 (3): 819-31. https://doi.org/10.1377/hlthaff.25.3.819
    » https://doi.org/10.1377/hlthaff.25.3.819
  • Belli, Paolo. 2001. How Adverse Selection Affects the Health Insurance Market Policy Research Working Papers. The World Bank. https://doi.org/10.1596/1813-9450-2574
    » https://doi.org/10.1596/1813-9450-2574
  • Bluhm, William. 1983. Cumulative Anti-Selection Theory Society of Actuaries 50th Anniversary Monograph.
  • Bowers, Newton L., Hans U. Gerber, James C. Hickman, Donald A. Jones, and Cecil J. Nesbitt. 1997. Actuarial Mathematics Edited by David Anderson. 2nd ed. United States of America: The Society of Actuaries.
  • BRASIL. 2017. Ministério Da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Caderno de Informação Da Saúde Suplementar: Beneficiários, Operadoras e Planos
  • Chernew, Michael E., and Joseph P. Newhouse. 2011. “Health Care Spending Growth.” In Handbook of Health Economics, 1-43. https://doi.org/10.1016/B978-0-444-53592-4.00001-3
    » https://doi.org/10.1016/B978-0-444-53592-4.00001-3
  • Cutler, David; Zeckhauser, Richard; Altman, Daniel. 1998. “Adverse Selection and Adverse Retention.” American Economic Review 88: 122-26.
  • Cutler, David M., and Richard J. Zeckhauser. 2000. “Chapter 11 The Anatomy of Health Insurance.” In, 563-643. https://doi.org/10.1016/S1574-0064(00)80170-5
    » https://doi.org/10.1016/S1574-0064(00)80170-5
  • Cutler, David, and Richard J. Zeckhauser. 1997. “Adverse Selection in Health Insurance.” Cambridge, MA. https://doi.org/10.3386/w6107
    » https://doi.org/10.3386/w6107
  • Frech, H. E., and Michael P. Smith. 2015. “Anatomy of a Slow-Motion Health Insurance Death Spiral.” North American Actuarial Journal 19 (1): 60-72. https://doi.org/10.1080/10920277.2014.982871
    » https://doi.org/10.1080/10920277.2014.982871
  • Grossman, Herschel I. 1979. “Adverse Selection, Dissembling, and Competitive Equilibrium.” The Bell Journal of Economics 10 (1): 336. https://doi.org/10.2307/3003335
    » https://doi.org/10.2307/3003335
  • Klugman, Stuart A, Harry H Panjer, and Gordon E Willmot. 2012. Loss Models: From Data to Decisions Edited by Wiley Series in Probability and Statistics. Wiley 4th ed. New York.
  • Leida, Hans; Bluhm, William. 2015. Individual Health Insurance Winsted: ACTEX.
  • Maia, Ana Carolina; Monica V. Andrade; Flavia L. C. Feres. 2012. “Estudo Longitudinal Do Efeito Da Idade e Tempo Até a Morte Em Gastos Com Saúde.” Rede de Economia Aplicada Working Paper 037 http://reap.org.br/wp-content/uploads/2012/05/037-Estudo-Longitudinal-dos-Efeitos-do-Gasto.pdf
    » http://reap.org.br/wp-content/uploads/2012/05/037-Estudo-Longitudinal-dos-Efeitos-do-Gasto.pdf
  • Neudeck, Werner, and Konrad Podczeck. 1996. “Adverse Selection and Regulation in Health Insurance Markets.” Journal of Health Economics 15 (4): 387-408. https://doi.org/10.1016/S0167-6296(96)00488-2
    » https://doi.org/10.1016/S0167-6296(96)00488-2
  • Paolucci, Francesco, Andre Den Exter, and Wynand Van De Ven. 2006. “Solidarity in Competitive Health Insurance Markets: Analysing the Relevant EC Legal Framework.” Health Economics, Policy and Law 1 (02): 107. https://doi.org/10.1017/S1744133105000137
    » https://doi.org/10.1017/S1744133105000137
  • Patient Protection and Affordable Care Act, 42 U.S.C. § 18001 2010.
  • Rothschild, Michael, and Joseph Stiglitz. 1976. “Equilibrium in Competitive Insurance Markets: An Essay on the Economics of Imperfect Information.” The Quarterly Journal of Economics 90 (4): 629. https://doi.org/10.2307/1885326
    » https://doi.org/10.2307/1885326
  • Rousseeuw, Peter J. 1987. “Silhouettes: A Graphical Aid to the Interpretation and Validation of Cluster Analysis.” Journal of Computational and Applied Mathematics 20 (November): 53-65. https://doi.org/10.1016/0377-0427(87)90125-7
    » https://doi.org/10.1016/0377-0427(87)90125-7
  • Ven, W P van de, R. C. van Vliet, F. T. Schut, and E. M. van Barneveld. 2000. “Access to Coverage for High-Risks in a Competitive Individual Health Insurance Market: Via Premium Rate Restrictions or Risk-Adjusted Premium Subsidies?” Journal of Health Economics 19 (3): 311-39. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10977194
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10977194
  • van de Ven, Wynand P. M. M., and René C. J. A. van Vliet. 1995. “Consumer Information Surplus and Adverse Selection in Competitive Health Insurance Markets: An Empirical Study.” Journal of Health Economics 14 (2): 149-69. https://doi.org/10.1016/0167-6296(94)00043-4
    » https://doi.org/10.1016/0167-6296(94)00043-4
  • Ward, Joe H. 1963. “Hierarchical Grouping to Optimize an Objective Function.” Journal of the American Statistical Association 58 (301): 236-44. https://doi.org/10.1080/01621459.1963.10500845
    » https://doi.org/10.1080/01621459.1963.10500845
  • Wei, Andrew. 2010. “Modeling Anti-Selective Lapse and Optimal Pricing in Individual and Small Group Health Insurance.” Society of Actuaries’ Publications February: 1-43.
  • Wilson, Charles. 1977. “A Model of Insurance Markets with Incomplete Information.” Journal of Economic Theory 16 (2): 167-207. https://doi.org/10.1016/0022-0531(77)90004-7
    » https://doi.org/10.1016/0022-0531(77)90004-7
Editor Responsável: Dante Mendes Aldrighi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2019
  • Aceito
    17 Jul 2020
Departamento de Economia; Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - FEA 01 - Cid. Universitária, CEP: 05508-010 - São Paulo/SP - Brasil, Tel.: (55 11) 3091-5803/5947 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: estudoseconomicos@usp.br