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Gênero e conhecimento: um diálogo entre o pensamento de Flora Tristan e Harriet Martineau

Gender and knowledge: a dialogue between Flora Tristan’s and Harriet Martineau’s social thought

Género y conocimiento: un diálogo entre el pensamiento de Flora Tristan y Harriet Martineau

Resumo

O artigo explora contribuições epistemológicas e metodológicas de duas pioneiras da sociologia, Flora Tristan e Harriet Martineau, como parte de um programa mais amplo de reavaliação da formação da disciplina no século XIX. Argumenta-se que, não obstante as diferenças, essas autoras apresentaram reflexões originais à época que permanecem relevantes nos debates sociológicos contemporâneos sobre interseccionalidade, posicionalidade, conhecimento e método na pesquisa social. Ao resgatar a originalidade das ideias de ambas, o texto reforça a necessidade de revisar a história fundacional da sociologia. Por fim, essa perspectiva articula-se à preocupação interseccional com as condições de produção e circulação do conhecimento.

Palavras-chave:
Interseccionalidade; Gênero; Epistemologia; Sociologia clássica; Flora Tristan; Harriet Martineau

Abstract

The article explores epistemological and methodological contributions of two pioneers of Sociology, Flora Tristan and Harriet Martineau, as part of a broader program for reevaluating the formation of the discipline in the nineteenth century. It argues that, despite their differences, these authors presented original reflections at the time that remain relevant in contemporary sociological debates about intersectionality, positionality, knowledge and methodology in social research. By reassessing the originality of his ideas, the text reinforces the need to revise the foundational history of sociology. Finally, this perspective is articulated with an intersectional concern with the conditions of knowledge production and circulation.

Keywords:
Intersectionality; Gender; Epistemology; Classical sociology; Flora Tristan; Harriet Martineau

Resumen

El artículo explora contribuciones epistemológicas y metodológicas de dos pioneras de la sociología, Flora Tristan y Harriet Martineau, como parte de un programa más amplio de reevaluación de la formación de la disciplina en el siglo XIX. Sostiene que, a pesar de sus diferencias, estas autoras presentaron reflexiones originales que siguen siendo relevantes en los debates sociológicos contemporáneos sobre interseccionalidad, la posición, el conocimiento y el método en la investigación social. Al rescatar la originalidad de sus ideas, el texto refuerza la necesidad de revisar la historia fundacional de la sociología. Finalmente, esta perspectiva está articulada a una preocupación interseccional por las condiciones de producción y circulación del conocimiento.

Palabras clave:
Interseccionalidad; Género; Epistemiología; Sociología clásica; Flora Tristan; Harriet Martineau

Introdução

Neste artigo, propomos uma análise das obras de Flora Tristan (França, 1803-1844) e de Harriet Martineau (Reino Unido, 1802-1876) a fim de discutir conhecimento e método na sociologia com base em uma perspectiva interseccional. Em diversos estudos recentes, a interseccionalidade tem sido uma abordagem utilizada para refletir, entre outros temas, sobre a produção da ciência e do conhecimento, acentuando a relação dessa produção com o caráter histórico, dinâmico e entrecruzado das relações de gênero, raça, classe, nação, geração, deficiência e outros eixos (Hirata, 2014HIRATA, H. Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo Social, v. 26, n. 1, p. 61-73, 2014. https://doi.org/10.1590/S0103-20702014000100005
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: 61-73; Chabaud-Rychter et al., 2014CHABAUD-RYCHTER, D.; DESCOUTURES, V.; DEVREUX, A.-M.; VARIKAS, E. Questões de gênero nas ciências sociais “normásculas”. In: CHABAUD-RYCHTER, D.; DESCOUTURES, V.; DEVREUX, A.-M.; VARIKAS, E. (orgs.). O gênero nas ciências sociais: releituras críticas de Max Weber a Bruno Latour. Brasília: Editora UnB; São Paulo: Editora UNESP, 2014.: 3-21).

Escritoras, comentadoras políticas e analistas da realidade social do século XIX, Tristan e Martineau experimentaram a condição incomum de serem mulheres que participavam da esfera pública. Por esse motivo, precisaram reivindicar credibilidade de forma explícita em seus textos e justificar o fato de serem mulheres deslocadas da esfera doméstica, envolvidas em questões coletivas, e autoras de teorizações sobre a sociedade. Assim, refletiram sobre o fazer científico e as condições sociais de produção do conhecimento, transformando criativamente supostas desvantagens em recursos para a observação da sociedade.

As diferentes formas de reivindicação de credibilidade utilizadas por Tristan e Martineau estimulam a abordagem comparativa e contextual, tendo em vista as distintas situações de classe das autoras e a sua presença em diferentes círculos intelectuais e políticos. Flora Tristan lidou diretamente com as desigualdades sofridas por mulheres e outros grupos desfavorecidos e a consequente exclusão da esfera pública e das instituições educacionais, recorrendo à própria experiência e ao testemunho como fontes de produção de saber. Seus textos introduzem frequentemente as emoções, os sentimentos e a identificação política como bases para suas interlocuções intelectuais.

Harriet Martineau percorreu outro caminho. Próxima das instituições de Estado, ela desenvolveu uma série de regras de observação e parâmetros metodológicos e epistemológicos para que seus interlocutores pudessem avaliar por si mesmos o rigor e a validade das suas afirmações. Martineau participou do processo de introdução da expertise científica na esfera política e também da construção de uma comunidade de leitores e de pares praticantes de uma ciência do social na Inglaterra. Mesmo tornando-se intelectual muito respeitada, não deixou de perceber como as desigualdades de gênero impactavam a esfera pública, o que a levou a tematizar tais desigualdades de forma pioneira. A condição de deficiente auditiva também mediou sua forma de criar conhecimento, influenciando a maneira como construiu ferramentas metodológicas para investigação social (Gabay, 2019GABAY, N. With the Practiced Eye of a Deaf Person: Harriet Martineau, Deafness and the Scientificity of Social Knowledge. The American Sociologist, v. 50, p. 335-355, 2019. https://doi.org/10.1007/s12108-019-9401-0
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: 5).

Tristan e Martineau apresentaram aportes relevantes para a sociologia, que repercutem nos dilemas atuais da área: a relação entre ciência e política, a construção social da autoridade e da credibilidade, a ação das desigualdades no campo científico, a posicionalidade dos cientistas sociais, o papel da subjetividade e dos valores na pesquisa, a não neutralidade dos métodos e técnicas científicos, assim como as tensões entre as diferentes formas de falar da sociedade. A fim de explorar essas questões, abordaremos, separadamente, as obras de Flora Tristan e Harriet Martineau para, em seguida, buscar conexões e diferenças entre elas no tocante às formas de fazer sociologia de cada uma.

Clássicas e clássicos da sociologia, ou por que Flora Tristan e Harriet Martineau?

A controvérsia em torno dos clássicos da sociologia tem ao menos duas décadas e parece longe de terminar. Entre as vozes que se manifestam contra a forma habitual de ensino e transmissão do cânone sociológico, destacam-se ao menos duas posições. A primeira advoga pela preservação da centralidade dos clássicos, mas reivindica que o conjunto de autores que compõem o cânone sociológico se torne mais inclusivo em termos de gênero, raça e origem geográfica e, portanto, mais imaginativo e plural (Alatas e Sinha, 2017ALATAS, S. F.; SINHA, V. Sociological theory beyond the canon. Londres: Palgrave MacMillan, 2017.: 1; Madoo Lengermann e Niebrugge-Brantley, 1998MADOO LENGERMANN, P.; NIEBRUGGE-BRANTLEY, J. The Women Founders: Sociology and Social Theory 1830 - 1930. Nova York: McGraw Hill, 1998.: 18). A segunda posição argumenta que a própria ideia de cânone é fundamentalmente problemática e tem se tornado cada vez mais insustentável diante do desenvolvimento de uma sociologia crescentemente complexa e global (Hill Collins, 1998HILL COLLINS, P. On Book Exhibits and New Complexities: Reflections on Sociology as Science. Contemporary Sociology, v. 27, n. 1, p. 7-11, 1998. https://doi.org/10.2307/2654698
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: 8; Connell, 2019CONNELL, R. Canons and colonies: the global trajectory of sociology. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 32, n. 67, 2019. https://doi.org/10.1590/s2178-14942019000200002
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: 363).

Enquanto se desenrola esse debate, a comunidade internacional de sociólogos(as) segue, de modo geral, apoiada sobre autores clássicos para fins de ensino, socialização e credenciamento na área. Se, portanto, multiplicam-se as reivindicações de legitimidade para novos clássicos, como Ibn Khaldun, Harriet Martineau e W. E. B. Dubois, isso não é gratuito, mas é expressão da própria forma como a sociologia continua a organizar-se. Obras, autores e escolas clássicos continuam a fixar um centro e a integrar o campo da sociologia. Além disso, funcionam como mediadores das relações de inclusão e exclusão no campo científico, dos processos de construção de identidades e da invenção e da reinvenção de tradições na sociologia (Hill Collins, 1998HILL COLLINS, P. On Book Exhibits and New Complexities: Reflections on Sociology as Science. Contemporary Sociology, v. 27, n. 1, p. 7-11, 1998. https://doi.org/10.2307/2654698
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: 8). Como constatar um problema não é o mesmo que resolvê-lo, parece improvável que a dinâmica que hoje organiza a disciplina venha a mudar radicalmente nos próximos anos.

Ao tratarmos de autoras pioneiras da sociologia do século XIX, somos colocadas inevitavelmente diante desses dilemas, pois a recuperação do trabalho delas entra em tensão com o cânone acadêmico masculino. No entanto, uma das contribuições mais interessantes do debate sobre os clássicos está precisamente na crítica ao tratamento das obras desses autores como fontes infinitas de legitimidade e ao hábito de exegese bíblica dos textos. Aquilo que se qualifica como “grande teoria” continua a apresentar-se como uma combinação, síntese ou superação das antinomias da sociologia clássica (Dubet, 2007DUBET, F. Why remain “classical”? European Journal of Social Theory, v. 10, n. 2, p. 247-260, 2007. https://doi.org/10.1177%2F1368431007078891
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: 250), um hábito que produz uma série de consequências problemáticas: as abstrações de eventos históricos, o olhar eurocêntrico e as presunções de homogeneidade cultural são apenas alguns de muitos problemas (Connell, 2007CONNELL, R. Southern Theory: the global dynamics of knowledge in Social Science. Sydney: Allen & Unwin, 2007.: 44).

O termo empregado para o conjunto de autores centrais na sociologia - Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim - autoriza equívocos estratégicos: a palavra cânone concede espaço à sacralização dos textos e perpetua uma visão mítica do desenvolvimento do pensamento sociológico como realização de gênios isolados (Connell, 1997CONNELL, R. Why Is Classical Theory Classical? The American Journal of Sociology, v. 102, n. 6, p. 1511-1557, 1997. https://doi.org/10.1086/231125
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: 1515). Iniciativas recentes de revisitar esses autores considerando o seu contexto - incluídos aí o próprio eurocentrismo e androcentrismo de tais autores - ajudam a colocar em relevo as qualidades e a contemporaneidade deles, além de convocarem os ingressantes no campo da sociologia a pensar criticamente (Alatas e Sinha, 2001ALATAS, S. F.; SINHA, V. Teaching Classical Sociological Theory in Singapore: The Context of Eurocentrism. Teaching Sociology, v. 29, n. 3, p. 316-331, 2001. http://doi.org/10.2307/1319190
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: 316; Chabaud-Rychter et al., 2014CHABAUD-RYCHTER, D.; DESCOUTURES, V.; DEVREUX, A.-M.; VARIKAS, E. Questões de gênero nas ciências sociais “normásculas”. In: CHABAUD-RYCHTER, D.; DESCOUTURES, V.; DEVREUX, A.-M.; VARIKAS, E. (orgs.). O gênero nas ciências sociais: releituras críticas de Max Weber a Bruno Latour. Brasília: Editora UnB; São Paulo: Editora UNESP, 2014.: 17-18).

A compreensão da sociologia, enfim, não muda pela canonização de novas pensadoras nem pela constatação de que mulheres participaram da construção do pensamento sociológico. Corre-se o risco de construir, como provocativamente pontua Paul Gilroy (2018GILROY, P. Civilizacionismo, a “alt-right” e o futuro da política antirracista: um informe da Grã-Bretanha. Revista ECO-Pós, v. 21, n. 3, 2018. https://doi.org/10.29146/eco-pos.v21i3.22525
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: 28), “inventários sem profundidade”, “uma mera história de fundo, esparsamente povoada por reluzentes ícones-celebridades”. Isso vai ao encontro dos limites já apontados pela historiadora Joan Scott (1995SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, v. 20, n. 2, 1995.: 74) das “abordagens descritivas”, que usam gênero e outras categorias como raça, como atributos fixos de indivíduos, empregados apenas para catalogá-los.

Para explorar o potencial analítico da categoria gênero, é preciso tomá-la tanto como um conceito relacional quanto como um princípio central de organização das relações sociais. É preciso se perguntar, como nos sugere Pinsky (2009PINSKY, C. B. Estudos de Gênero e História Social. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n. 1, 2009. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2009000100009
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: 164), “como, em situações concretas e específicas, as diferenças sexuais são invocadas e perpassam a construção das relações sociais?”. Ainda que no século XIX não se falasse em gênero como hoje o empregamos, é possível observar que a diferença sexual e as desigualdades atreladas a essa diferença figuram nos debates políticos dos quais as duas autoras faziam parte. Ambas compartilhavam a percepção de que tais desigualdades, fosse no acesso a direitos, fosse na distribuição de poderes, não poderiam ser naturalizadas. Assim, questionavam os argumentos teológicos, filosóficos ou biológicos que sustentavam essas desigualdades.

Ao falar de Flora Tristan e Harriet Martineau não desejamos nem aprisioná-las no circuito da canonização e dessacralização, pelo qual já passaram outros autores, nem incorrer no anacronismo de buscar em suas obras a definição de uma categoria que lhes é posterior. O que interessa aqui é interrogar como gênero, entendido como uma categoria que desestabiliza o caráter essencialista e identitário da noção de mulher (Piscitelli, 2001PISCITELLI, A. Recriando a categoria mulher? Cultura e Gênero, 2001. Disponível em: <Disponível em: http://www.culturaegenero.com.br/download/praticafeminina.pdf >. Acesso em: 18 mar. 2020.
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), opera em articulação com outras categorias, como classe e deficiência, nas relações sociais das quais essas escritoras fizeram parte e que deram sentido à sua produção de conhecimento sobre a sociedade (Scott, 1995SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, v. 20, n. 2, 1995.: 84).

Flora Tristan: uma pioneira em movimento

É incontestável que as obras mais úteis aos homens são as que os ajudam no estudo deles mesmos, fazendo-os ver o indivíduo nas diversas posições da existência social (Tristan, 2000TRISTAN, F. Peregrinações de uma pária. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.: 36).

Há diversos vazios historiográficos nas narrativas sobre Flora Tristan. Apesar de ter participado ativamente dos debates políticos e filosóficos dos anos 1830 e 1840, em contato sobretudo com os círculos socialistas1 1 As ideias socialistas organizadas em torno do legado e das figuras de Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen (1771-1858), formuladas em resposta à crescente pauperização das classes populares, não eram indiferentes às formas de exploração das mulheres, o que atraiu muitas delas para essas correntes teóricas (Campillo, 1992; Gonzáles, 2009). , a escritora só adquiriu renome e projeção na vida política francesa em sua última década de vida. Para reconstruir seu amadurecimento, as viagens e os deslocamentos realizados pela autora são pontos cruciais, pois foram momentos-chave para a organização de sua produção intelectual.

A vida de Flora Tristan foi marcada pelas guinadas políticas na França da primeira metade do século XIX. Nascida em 1803, filha de um peruano aristocrata e oficial do exército espanhol e de uma francesa de origem humilde, Tristan nunca foi reconhecida como filha legítima, já que o casamento religioso de seus pais não tinha validade pelo novo Código Civil. Apesar de a família paterna ostentar fortuna e renome em seu país natal, ela e sua família passaram por grandes dificuldades financeiras após a morte de seu pai, quando ela tinha apenas 4 anos2 2 A literatura sobre Flora Tristan é extensa. Ainda válidas são as biografias publicadas por J. Puech (1925) e por Desanti (1973). Estudos mais recentes incluem Michaud (1985); Cross (1988); Cross e Gray (1992); Konder (1994); Grogan (1998); Bloch-Dano (2001); e Portal (2012). Para uma lista mais extensa sobre estudos especializados em Flora Tristan, ver as notas do capítulo 1 de Susan Grogan em Flora Tristan: life stories, de 1998. .

Sem recursos para obter educação adequada, Tristan nunca frequentou a escola e sua educação foi inteiramente autodidata. Aos 17 anos, começou a trabalhar como operária colorista no ateliê de litografia do pintor André Chazal, com quem se casou. Ao casamento, desastroso e violento, com um “homem a quem não podia amar nem estimar”, Tristan atribuía a causa de todos os seus males (Tristan, 2000TRISTAN, F. Peregrinações de uma pária. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.: 44). Grávida da terceira filha, decidiu separar-se do marido e voltou para a casa materna, começando então a trabalhar como dama de companhia para uma família inglesa.

Chazal, que não se conformava com a separação, perseguiu-a incessantemente por 13 anos e, entre as batalhas legais pela separação e a guarda dos filhos, chegou ao extremo de uma tentativa de assassinato em 1838, atingindo-a com dois tiros à queima roupa. O direito ao divórcio, reconhecido pela Revolução Francesa, foi revogado durante a Restauração (1814 - 1830). Tristan vivia separada do marido, mas para efeitos legais era uma mulher casada, o que lhe causava constrangimentos no dia a dia. A luta pelo direito ao divórcio foi uma constante em sua produção intelectual e em sua militância política pelos direitos das mulheres. Em 1838, Flora Tristan protocolou na Câmara dos Deputados de Paris uma petição para o restabelecimento do divórcio, apontando para a arena de disputas que elegeria para travar suas batalhas pessoais e políticas: as leis (D’Atri, 2019D’ATRI, A. Flora Tristan, el martillo y la rosa. Argentina: Ediciones IPS, 2019.).

As viagens e a observação da vida social

A primeira viagem de Tristan de que se tem registro ocorreu em 1833, quando foi ao Peru em busca de conexões com a família paterna. No dia de seu 30º aniversário embarcou no navio que a levaria ao país, em uma travessia que duraria três meses, passando por Cabo Verde e pelo Chile. A viagem, que durou 14 meses, entre navios e travessias terrestres, deu origem às suas três primeiras publicações: o panfleto, de 1835, Da necessidade de acolher bem as mulheres estrangeiras (Tristan, 1988TRISTAN, F. Nécessité de faire un bon accueil aux femmes étrangères. Édition présentée et commentée par Denys Cuche, postface de Stéphane Michaud. Paris: L’Harmattan, 1988.); o livro Peregrinações de uma pária, que é um “misto de autobiografia, relato de viagem e manifesto político” (Varikas, 2015VARIKAS, E. Prefácio. In: TRISTAN, F. União operária. Rio de Janeiro: Editora Fundação Perseu Abramo, 2015.: 8), em 1838; e o romance político Méphis, em 1837.

Suas primeiras análises sociais e políticas surgiram do deslocamento do lugar estabelecido para as mulheres na sociedade francesa. A viagem permitiu-lhe observar criticamente a sociedade ao seu redor, experimentando independência inédita. Os relatos da ida ao Peru assumem a forma de diário de viagem, com contornos de autobiografia, mas são também documentos de época e análise política, tanto sobre a conjuntura peruana quanto sobre a condição das mulheres naquele contexto.

Os constantes deslocamentos estão ligados ao seu desencaixe na sociedade da época: como filha ilegítima e mulher separada, faltava a Flora Tristan um lugar no mundo. Os deslocamentos aos quais nos referimos não se relacionam apenas com o atravessamento de fronteiras, mas também com os trânsitos entre posições e status socialmente definidos. Se, ao sair da França, a viajante busca suas raízes familiares e uma herança, fugindo das perseguições de seu marido e fingindo ser solteira, ao chegar ao Peru sua imagem é transformada e lida como a de uma mulher europeia, vinda do centro da civilização, e parte da aristocracia local em virtude da filiação paterna.

Tristan, no entanto, assume um ponto de vista crítico a respeito de sua própria sociedade ao não encontrar, no Peru, o acolhimento familiar e o status econômico que esperava. Declarar-se “pária” torna-se estratégia para expressar sua posição política em defesa das mulheres e de outros grupos excluídos. Se era vista como pobre na França e rica no Peru, mesmo assim Tristan era considerada pária em qualquer lugar. Ser pária para Flora Tristan significou não ter família nem nação (Gómez, 2014GÓMEZ, L. Mujer sin equipaje. El Viaje de Flora Tristán al Perú. Revista de Crítica Literaria Latinoamericana, n. 80, p. 169-186, 2014.: 171).

Tristan fez também viagens à Inglaterra e a várias províncias dentro da França, onde observou a vida das trabalhadoras e dos trabalhadores. As diversas passagens pela Inglaterra originaram, em 1840, o livro Passeios em Londres (Tristan, 1978TRISTAN, F. Promenades dans Londres, ou l’aristocratie et les prolétaries anglais, édition établie et commentée par François Bédarida. Paris: François Maspero, 1978.), estudo crítico da realidade inglesa que investigou as condições de vida da classe operária, a prostituição e as mazelas trazidas pelo desenvolvimento acelerado do capitalismo. Esse exercício foi crucial para a produção do programa de mudança social apresentado em seu livro seguinte, União operária, de 1843 (Tristan, 2015TRISTAN, F. União Operária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2015.), que a lançou como figura inescapável da história e da luta do movimento operário por traçar caminhos para a autoemancipação da classe trabalhadora destacando a importância das mulheres (Cross, 1988CROSS, M. F. The relationship between feminism and socialism in the life and work of Flora Tristan (1803-1844). Tese (Doutorado) - Departamento de Francês, Universidade de Newcastle, Inglaterra, 1988.; Varikas, 2015VARIKAS, E. Prefácio. In: TRISTAN, F. União operária. Rio de Janeiro: Editora Fundação Perseu Abramo, 2015.).

Seus textos são plenos de contradições e confusões. Ao mesmo tempo em que observa, descreve e compara, Tristan também denuncia, milita e profetiza, autorizando muitas leituras possíveis. Interessa-nos aqui tentar compreender as dificuldades e as tensões colocadas pela emergência de uma nova forma de interpretar a realidade social. Os trabalhos da autora podem ser tomados como incursões pioneiras na ciência social, que buscavam expor falando a verdade os fatos observados em primeira mão (Grogan, 1998GROGAN, S. K. Flora Tristan: Life Stories. Londres: Routledge, 1998.: 79).

Tristan acreditava que a literatura deveria expressar uma mensagem política, visando à promoção de transformações na sociedade. A classe trabalhadora, a “mais útil e numerosa”, deveria ter acesso a literatura igualmente útil, que explicasse as causas dos problemas sociais e traçasse caminhos de ação. É importante ressaltar que na época em que ela produziu aquilo que identificamos hoje como sociologia, esse gênero circulava pelos mesmos canais de romances, críticas culturais e livros de ciência natural. Um tipo de texto de particular sucesso entre um público leitor novo e letrado eram os relatos de viajantes, uma mistura entre literatura e ciência social (Lepenies, 1996LEPENIES, W. As três culturas. São Paulo: Edusp, 1996.).

Ainda que a preocupação da autora não estivesse voltada para a criação de uma nova ciência e para a defesa do uso de determinados métodos ou teorias, ela sempre buscou conferir credibilidade aos seus argumentos. No entanto, se para Harriet Martineau a credibilidade tinha origem num método previamente elaborado e controlado - o que hoje chamamos de objetividade -, para Tristan a fonte de sua credibilidade vinha das suas experiências, do fato de ter visto.

Diferentemente de outras escritoras de sua época, Tristan fazia questão de assinar seus escritos, destoando da prática de grandes autoras como George Sand, que publicavam sob pseudônimo. Assim, sugeria que para dizer a verdade era preciso fazê-lo em primeira pessoa. A mobilização de suas experiências pessoais como atestado de uma suposta verdade sobre os fatos coloca em questão um debate que ainda hoje movimenta o campo das ciências sociais: o lugar das emoções, das subjetividades e da identificação na construção da confiança, que serve de base para o conhecimento e a prática científicos. Em diversos trechos de Peregrinações de uma pária, a convicção de que a politização do âmbito privado e doméstico era essencial para compreender as relações sociais aparece com força. A autora estava convencida “da grande melhora nos costumes que resultaria da publicidade dada às ações privadas” (Tristan, 2000TRISTAN, F. Peregrinações de uma pária. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.: 43).

Apesar disso e do fato de que Tristan não expõe, pelo menos não de modo explícito, preocupações científicas, suas observações apoiam-se frequentemente em métodos de pesquisa típicos das ciências sociais. Sua escrita considerada mais simples, ou didática, não pode tampouco ser pensada de maneira separada de seus objetivos políticos, para os quais a educação das mulheres e dos(as) trabalhadores(as) constituía ponto central. Ao se afastar do campo da literatura e se aventurar na pesquisa social, seus escritos vão, aos poucos, voltando-se menos para as experiências pessoais e mais para a interpretação das condições sociais circundantes, valendo-se do uso de estatísticas, de observações participantes, de documentos e de bibliografias sobre os temas de interesse.

Em algumas entradas de Peregrinações de uma pária, em meio a descrições sentimentais sobre seu estado de espírito, Tristan delineia alguns métodos de observação da nova realidade social na qual se encontra, colocando-se como testemunha ocular dos acontecimentos narrados e, nessa posição, buscando dar credibilidade às suas afirmações. Ela presta atenção em modos, falas, roupas, paisagens, injustiças e desigualdades. Em Valparaíso, no Chile, anota:

Inteiramente liberta de toda preocupação interior, pude me entregar a meu papel de observadora: foi então que percorri a cidade em todos os sentidos; para descrever uma cidade, por pouco que ela seja importante, é preciso fazer uma estada prolongada, conversar com habitantes de todas as classes, ver os campos que a alimentam; não é apenas de passagem que podemos apresentar seus costumes e usos, conhecer-lhe a vida íntima (Tristan, 2000TRISTAN, F. Peregrinações de uma pária. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.: 155).

Tristan teve também a sensibilidade para perceber algumas relações nas quais ela própria esteve enredada ao viajar e para observar outras sociedades. Em Necessidade de acolher bem as mulheres estrangeiras (Tristan, 1988TRISTAN, F. Nécessité de faire un bon accueil aux femmes étrangères. Édition présentée et commentée par Denys Cuche, postface de Stéphane Michaud. Paris: L’Harmattan, 1988.), ela apresenta reflexão sistemática sobre o fenômeno das mobilidades transnacionais e as consequências desse fenômeno com base em uma perspectiva de gênero (Campos, 2019CAMPOS, L. R. Flora Tristan, uma pioneira em movimento. Horizontes ao Sul, 2019. Disponível em: <Disponível em: https://www.horizontesaosul.com/single-post/2019/10 /20/ESTRANGEIRA-E-SOZINHA-FLORA-TRISTAN-UMA-PIONEIRA-EM-MOVIMENTO >. Acesso em: 16 mar. 2020.
https://www.horizontesaosul.com/single-p...
). A autora aborda a situação particular das mulheres que viajavam sozinhas, dentro ou fora dos limites nacionais, classificando-as em tipologia que as dividia em três grupos.

O primeiro grupo é o das viajantes culturais, ou seja, aquelas mulheres que viajavam sozinhas por prazer, para instruir-se e cultivar-se, formado pelas mulheres mais distintas de Paris. O segundo é composto daquelas que viajavam a Paris por questões comerciais, processos judiciais ou outros negócios do gênero. O terceiro grupo, mais interessante e numeroso, é formado por aquelas mulheres que buscavam refúgio nas multidões das grandes cidades após terem fugido de seu país ou de suas famílias, somando-se a essas mulheres as separadas, aquelas proibidas de consumar o divórcio e as mulheres tratadas como criminosas por terem abandonado o domicílio conjugal. Não por acaso, o terceiro grupo é composto de estrangeiras com poucos recursos financeiros (Tristan, 1988TRISTAN, F. Nécessité de faire un bon accueil aux femmes étrangères. Édition présentée et commentée par Denys Cuche, postface de Stéphane Michaud. Paris: L’Harmattan, 1988.).

Longe de homogeneizar e fazer tábula rasa das mulheres e das razões de seus deslocamentos, Tristan é capaz de perceber a interseção entre várias categorias, bem como os impactos das diferenças de gênero, classe e nacionalidade nas trajetórias individuais e nas distintas formas de acolhimento reservadas às mulheres em deslocamento. Sua preocupação concentra-se na terceira classe de mulheres, aquelas que se colocam ou são colocadas em movimento pelas engrenagens das múltiplas desigualdades, que reservam para grande parcela de mulheres o desamparo da lei e a falta de recursos financeiros para exercerem autonomia.

Apesar dos inúmeros pontos de relevância que o pensamento de Tristan apresenta, sua produção foi marginalizada no emergente debate sociológico francês. É possível pensá-la por meio de uma chave de classe: diferentemente de Harriet Martineau ou de Georges Sand, Tristan não recebeu instrução formal e vinha de uma família - a materna, que a criou - humilde e sem posses. Como ela própria reconhece, a credibilidade de seu discurso advém sobretudo das experiências, do sofrimento e das observações pessoais e não de métodos científicos, racionalmente elaborados e organizados. A valorização das experiências como lugar de onde se teoriza imprime senso de urgência em seus escritos, o que a leva a estimular outras mulheres a escreverem para compartilhar seus sofrimentos.:

Que as mulheres cuja vida foi atormentada por grandes infortúnios façam falar as suas dores; que exponham as infelicidades que sofreram como consequência da posição onde as leis a deixaram e dos preconceitos a que estão presas; mas, sobretudo, que citem... Quem, melhor do que elas, estaria ao alcance de desvelar iniquidades que escapam na sombra ao desprezo público? (Tristan, 2000TRISTAN, F. Peregrinações de uma pária. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.: 41).

Como vimos, a utilização do termo pária como metáfora da exclusão das mulheres foi construída a partir da articulação de diversas experiências de marginalidade (Varikas, 1989VARIKAS, E. Pária: uma metáfora da exclusão das mulheres. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 9, n. 18, p. 19-28, 1989.). De acordo com a genealogia do termo feita por Eleni Varikas (2014VARIKAS, E. A escória do mundo: as figuras do pária. São Paulo: Editora UNESP, 2014.: 24), há transposição do imaginário do pária de seu contexto original, ligado às castas indianas, para a sociedade pós-revolucionária francesa, na qual adquire sentido como contraponto do sujeito humano universal. A figura do pária, associada constantemente com a escravidão, é tomada como tropo da desumanização. A metáfora serve para projetar a condição das mulheres nesse quadro e, vinculando-se a uma consciência internacionalista, estabelece zona de contato entre todos (as) aqueles (as) que estavam aquém da noção iluminista de igualdade. Convém destacar, por outro lado, que tais representações de opressão não estiveram livres de ambiguidades, tensões e assimetrias, sobretudo diante do desafio de inclusão de outros não-europeus, como fica patente, por exemplo, nos relatos da viagem ao Peru (Tristan, 2000TRISTAN, F. Peregrinações de uma pária. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.).

O pensamento social de Flora Tristan, enfim, constrói-se sobre o elo explícito entre experiência e ação política e a tradução de problemas privados em questões coletivas. A prioridade dada à experiência e à subjetividade por Flora Tristan contrasta com a visão de epistemologia e metodologia proposta por Harriet Martineau, que, como veremos a seguir, almejava à criação de uma ciência norteada por parâmetros formais de validação do conhecimento.

Harriet Martineau e a emergência das ciências sociais

Eu não acredito que eu possua talentos extraordinários ou um átomo de gênio; mas como diversas circunstâncias me levaram a pensar de maneira mais cuidadosa e a ler mais extensivamente do que algumas mulheres, eu creio que devo então escrever sobre assuntos de interesse universal a fim de informar algumas mentes e instigar algumas outras3 3 “I believe myself possessed of no uncommon talents, and of not an atom of genious; but as various circumstances have led me to think more accurately and read more extensively than some women, I believe that I may so write on subjects of universal concern as to inform some minds and stir up others”. (Martineau, 1877 apudMadoo Lengermann e Niebrugge-Brantley, 1998MADOO LENGERMANN, P.; NIEBRUGGE-BRANTLEY, J. The Women Founders: Sociology and Social Theory 1830 - 1930. Nova York: McGraw Hill, 1998.: 23).

Harriet Martineau nasceu em 1802 em Norwich, Inglaterra, em uma família de classe média e denominação religiosa progressista. Nessa época, as mulheres não podiam frequentar a universidade, mas ainda assim ela recebeu instrução formal razoável em uma escola privada e um internato feminino. A infância foi marcada por uma série de doenças e períodos de convalescença, que acabariam produzindo perda de parte significativa da audição. Esse fato levou-a à introspecção e ao gosto pela leitura, pelo estudo e pela escrita. Depois de completar 20 anos, três eventos dramáticos sucederam-se: o rompimento do noivado, a falência do negócio da família e o falecimento do pai. Esses episódios tornaram as mulheres da família responsáveis pelo próprio sustento, e a jovem Martineau passou a escrever artigos econômicos e filosóficos para um jornal em troca de pagamento. Ela permaneceu solteira a vida inteira (Madoo Lengermann e Niebrugge-Brantley, 1998MADOO LENGERMANN, P.; NIEBRUGGE-BRANTLEY, J. The Women Founders: Sociology and Social Theory 1830 - 1930. Nova York: McGraw Hill, 1998.: 23).

Entre 1832 e 1834, a autora publicou em 25 fascículos a série “Ilustrações da economia política”, em que traduzia princípios econômicos de autores como Thomas Malthus, David Ricardo, Adam Smith e John Stuart Mill para linguagem acessível e didática, misturando narrativa, ficção e ciência econômica. Por meio da narração de histórias da vida cotidiana que ilustravam essas teorias, Martineau buscava persuadir o público a respeito da importância da economia na vida cotidiana. A obra atingiu grande sucesso comercial, alcançando um grande público de não especialistas e garantindo-lhe independência financeira e prestígio intelectual (Hill, 1991HILL, M. Harriet Martineau (1802-1876). In: DEEGAN, M. J. (org.) Women in Sociology: A Bio-Bibliographical Sourcebook. Nova York: Greenwood Press, 1991. p. 289-297.: 290).

Após mudar-se para Londres em 1832, passou a ter como interlocutores o casal John Stuart e Harriet Taylor Mill, Thomas Malthus, Thomas Carlyle e, mais tarde, Charles Darwin, Charlotte Brontë e Florence Nightingale. Nesse momento, a política passava por uma grande transformação na Inglaterra. Em um contexto de emergência de uma esfera pública cada vez mais vibrante, os membros do parlamento eram crescentemente criticados por estarem mal informados em questões públicas, apoiando-se em factoides e sensacionalismo para tomar decisões. Grupos de intelectuais reformadores e técnicos governamentais passaram então a produzir investigações e coletas sistemáticas de dados a fim de melhor informar as práticas legislativas.

O conhecimento gerado buscava unir os domínios da política e da ciência em um só. Nadav Gabay (2019GABAY, N. With the Practiced Eye of a Deaf Person: Harriet Martineau, Deafness and the Scientificity of Social Knowledge. The American Sociologist, v. 50, p. 335-355, 2019. https://doi.org/10.1007/s12108-019-9401-0
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: 1) sustenta que a ciência social vitoriana surgiu como forma de expertise na esfera política e que Harriet Martineau foi uma das artífices desse processo: o sucesso da sua empreitada em “Ilustrações” rendeu-lhe convites do parlamento e do governo para elaborar campanhas de esclarecimento público e de difusão de conhecimento útil a fim de aumentar o apoio a políticas governamentais.

A pedido do governo, Martineau produziu diversas narrativas ficcionais baseadas em dados estatísticos governamentais, proporcionando ilustrações cotidianas de fácil compreensão das evidências presentes nesses relatórios (Gabay, 2019GABAY, N. With the Practiced Eye of a Deaf Person: Harriet Martineau, Deafness and the Scientificity of Social Knowledge. The American Sociologist, v. 50, p. 335-355, 2019. https://doi.org/10.1007/s12108-019-9401-0
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: 5). Assim como Flora Tristan, Martineau acreditava que o conhecimento social devia ser socialmente útil e voltado para a reforma social. No entanto, há diferenças significativas entre as duas. Enquanto Tristan produzia conhecimento a fim de formular e transmitir a mulheres e trabalhadores as causas dos problemas desses grupos, convocando-os à ação política e à pressão sobre legisladores e juristas, a ação de Martineau dava-se dentro e fora do Estado.

Martineau desejava colocar a ciência social a favor do aprimoramento da vida fosse por meio da educação popular, fosse por meio do aprimoramento das políticas públicas e da gestão estatal, que na visão da autora deveriam apoiar-se em dados empíricos e não em experiências pessoais (Gabay, 2019GABAY, N. With the Practiced Eye of a Deaf Person: Harriet Martineau, Deafness and the Scientificity of Social Knowledge. The American Sociologist, v. 50, p. 335-355, 2019. https://doi.org/10.1007/s12108-019-9401-0
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: 9). Além disso, a visão política de Martineau projetava a necessidade de equalização da propriedade - sem a qual acreditava que as sociedades desenvolviam sentimentos de casta - e defendia a causa abolicionista e os direitos femininos. Influenciada por Mary Wollstonecraft, autora de Reivindicação dos Direitos da Mulher, de 1792, Martineau compartilhava com ela a visão plástica das diferenças sexuais e também a suspeita de que a educação, a família, o casamento e a política, no lugar de simplesmente expressar, produziam diferenças artificiais entre homens e mulheres: com o exercício de direitos iguais, argumentava, desenvolver-se-iam virtudes iguais entre todos (Madoo Lengermann e Niebrugge-Brantley, 1998MADOO LENGERMANN, P.; NIEBRUGGE-BRANTLEY, J. The Women Founders: Sociology and Social Theory 1830 - 1930. Nova York: McGraw Hill, 1998.: 27). Seu olhar para as interações entre diferentes formas de poder também era aguçado: ao observar o serviço doméstico na Inglaterra, por exemplo, apontou que essa forma de trabalho consistia em uma relação de poder, entre empregada e patroa, estabelecida no interior de outra relação de poder, entre mulher e marido, o que a tornava particularmente problemática (Martineau, 1838MARTINEAU, H. Domestic Service. London and Westminster Review, v. 7, n. 29, 1838.: 405-432).

Uma passagem de sua autobiografia traz um vislumbre interessante da sua visão sobre a relação entre ciência e política: Martineau narra que durante a sua pesquisa nos Estados Unidos foi a uma reunião abolicionista em Boston e, embora desejasse permanecer incógnita, foi instada a discursar no encontro.

O momento [...] foi um dos mais dolorosos da minha vida. Eu senti que jamais reencontraria a felicidade caso recusasse em fazer o que era pedido de mim; mas consentir provavelmente fecharia para mim cada uma das portas nos Estados Unidos que não fosse dos abolicionistas (Martineau, 1877 apudMadoo Lengermann e Niebrugge-Brantley, 1998MADOO LENGERMANN, P.; NIEBRUGGE-BRANTLEY, J. The Women Founders: Sociology and Social Theory 1830 - 1930. Nova York: McGraw Hill, 1998.: 27).

Martineau aceitou discursar, mas, de fato, após o evento sofreu ameaças, teve que cancelar a viagem de retorno ao Sul e muitas das portas fecharam-se no Norte.

Além de se debruçar sobre dados e relatórios, Martineau dedicou-se também à observação e à coleta de dados in situ. Isso ocorreu por dois motivos. Por um lado, ela identificou sérias lacunas tanto nas evidências governamentais como nas teorias econômicas de seu tempo, excessivamente afastadas da vida cotidiana e das classes populares. Por outro, enxergava aquilo que havia de mais próximo da pesquisa de campo, isto é, a literatura de viagem, como demasiadamente impressionista e anedótica. Para ela, havia um grande hiato entre os princípios econômicos teóricos e os relatórios e as sínteses estatísticas abstratos e a densidade da vida cotidiana narrada por viajantes (Gabay, 2019GABAY, N. With the Practiced Eye of a Deaf Person: Harriet Martineau, Deafness and the Scientificity of Social Knowledge. The American Sociologist, v. 50, p. 335-355, 2019. https://doi.org/10.1007/s12108-019-9401-0
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: 9). Essa constatação levou-a a buscar conjugar a análise de documentos, relatórios, atas e outros artefatos físicos com a observação dos atores sociais, suas atividades e interações em campo.

Em 1834, Martineau embarcou para uma temporada de viagens e pesquisas de dois anos pelos Estados Unidos, que resultariam no livro Sociedade na América (Martineau, 1837aMARTINEAU, H. Society in America. Nova York: Saunders and Otley, 1837a. v. 1.; Martineau, 1837bMARTINEAU, H. Society in America. Nova York: Saunders and Otley , 1837b. v. 2.). Esse livro analisa temas como a Constituição norte-americana, a ideia de autogoverno, o federalismo, a relação entre cidadãos, instituições e a opinião majoritária, a imprensa, a economia, o comércio, a agricultura, o sistema prisional e a religião. Ao comparar os valores constitucionais daquele jovem país com as suas práticas, concluiu que a sociedade americana possuía graves “anomalias”: as práticas de escravidão no Sul, a discriminação contra os imigrantes e pessoas negras livres no Norte e a posição social e legal inferior reservada às mulheres violavam seus valores morais básicos de igualdade e cidadania universais.

Durante a travessia pelo Atlântico rumo aos Estados Unidos, Martineau escreveu o primeiro tratado de epistemologia e metodologia sociológica de que se tem registro: Como observar a moral e os costumes (1838). Além de discutir questões como viés, generalização, amostra e técnicas de entrevista e de tratamento de dados, nas páginas do livro, ela diferenciava insistentemente a pesquisa científica dos relatos de viajantes ou diários de viagem, os quais definia como sociologia amadora. Martineau criticava as generalizações apressadas dos viajantes sobre diferentes povos com base em poucos relatos e impressões e propunha uma forma planejada e sistemática de investigação social:

Enquanto os viajantes continuarem a negligenciar os meios seguros e acessíveis a todos para fazer generalizações e enquanto continuarem criando teorias a partir da manifestação de mentes individuais, haverá pouca esperança de inspirar os homens com o espírito de imparcialidade, o respeito mútuo e o amor, isto é, com os melhores meios de esclarecer a visão e de retificar a compreensão. (Martineau, 2010MARTINEAU, H. How to Observe Morals and Manners. Project Gutenberg, 2010.: 5).

Martineau apresenta de modo pioneiro a ideia de pesquisa como uma construção controlada, estabelecida por meio de princípios teóricos, perguntas de pesquisa e métodos de trabalho. “Não é suficiente para um viajante ter um entendimento ativo, uma percepção apurada de fatos individuais neles mesmos”, diz, “ele deve também estar de posse de princípios que possam servir como ponto de união para suas observações” (Martineau, 2010MARTINEAU, H. How to Observe Morals and Manners. Project Gutenberg, 2010.: 8). Ao mesmo tempo, ela aconselha os cientistas sociais a manter a mente aberta diante das diferenças culturais e a exercitar a empatia na relação com os pesquisados. “O viajante sábio”, argumenta, deve “manter-se protegido tanto do preconceito filosófico quanto do nacional” (Martineau, 2010MARTINEAU, H. How to Observe Morals and Manners. Project Gutenberg, 2010.: 7). Martineau deu tratamento sofisticado ao método de pesquisa da entrevista, destacando a importância de, na pesquisa, compreender e não julgar, de não impor categorias aos entrevistados, de desenvolver escuta paciente e exercitar a empatia, “irrestrita e sem reservas” (Martineau, 2010MARTINEAU, H. How to Observe Morals and Manners. Project Gutenberg, 2010.: 17), a fim de conseguir ter acesso a falas, racionalizações e justificativas proporcionadas pelos atores sociais.

Assim como faz Tristan, Martineau discorreu sobre a importância de falar com diferentes pessoas e viajar por meios variados a fim de ampliar as condições de observação. No entanto, para ela, caso a viagem não fosse planejada para fins de pesquisa, dificilmente poderia proporcionar informações suficientes e relevantes. Na introdução de Sociedade na América, Martineau expressa esse cuidado ao apresentar as condições de produção da pesquisa de campo nos Estados Unidos (1834-1836), fornecendo, sempre que possível, as datas, os nomes e as circunstâncias da observação, oferecendo aos leitores parâmetros e critérios de verificação para que julgassem por si mesmos a consistência de suas interpretações.

Ao longo da viagem, visitei quase todo tipo de instituição. As prisões de Auburn, Filadélfia e Nashville: hospícios e hospitais de quase todos os lugares possíveis: as instituições literárias e científicas; as fábricas do Norte; as plantações do Sul; as fazendas do Oeste. Morei em casas que podem ser consideradas palácios, em casebres de madeira e em uma casa de fazenda. Viajei muito em vagões, mas também em carroças; locomovi-me ainda a cavalo e em alguns dos melhores e dos piores barcos a vapor. Assisti a casamentos e a batizados; a reuniões dos mais ricos nos balneários e a encontros dos humildes nos festivais no interior. Estive presente nas orações, nas vendas de terra e no mercado de escravos. Frequentei a Suprema Corte e no Senado; e testemunhei algumas sessões das câmaras estaduais. Sobretudo, fui recebida no seio de várias famílias, não como uma estranha, mas como uma filha ou irmã (Martineau, 1837aMARTINEAU, H. Society in America. Nova York: Saunders and Otley, 1837a. v. 1., p. xi).

Martineau construía a credibilidade mediante a elaboração e a exposição de parâmetros para a própria crítica. Ao frisar a importância de ir além das mentes individuais, sinalizava compreensão da ciência como um tipo de empreendimento coletivo, apoiado na criação de uma comunidade de críticos e pares. Essa preocupação manifestou-se em diversos momentos, estando presente tanto no trabalho como pesquisadora como também nos esforços de divulgação e comunicação científica. Além de dedicar-se à divulgação popular dos princípios da economia política, sua versão sintética e traduzida do francês ao inglês do Curso de filosofia positiva, de Auguste Comte, facilitou a difusão da sociologia no mundo anglo-saxão.

Antecipando os questionamentos que receberia em razão de ser mulher e deficiente auditiva, Martineau desenvolveu também interessante reflexão sobre a posicionalidade do pesquisador no campo de pesquisa, chamando atenção para como gênero e deficiência facultam potencialmente acesso a diferentes aspectos da vida social. A autora não apenas buscou transformar de forma criativa suas supostas desvantagens em recursos para a observação sociológica como também vinculou essas formas de observação a uma teoria da sociedade. Ao argumentar que o pessoal, o doméstico, o social e o político eram domínios misturados e inseparáveis na prática (Martineau, 2010MARTINEAU, H. How to Observe Morals and Manners. Project Gutenberg, 2010.: 26), sua posicionalidade de gênero passava a representar vantagem na pesquisa de campo:

Disseram-me, com frequência, que o fato de eu ser mulher era uma desvantagem […].

Não concordo com isso […]. Tenho certeza de que vi muito mais da vida doméstica do que seria revelado a qualquer senhor viajando pelo país. O quarto do bebê, o quarto da senhora, a cozinha são excelentes escolas para aprender sobre a moral e os costumes de um povo e sobre as relações públicas e profissionais [...] tanto de homens quanto de mulheres (Martineau, 1837MARTINEAU, H. Society in America. Nova York: Saunders and Otley , 1837b. v. 2.a, p. xi).

Vivendo em uma cultura eminentemente oral, Martineau era também questionada como pesquisadora em razão da sua deficiência auditiva. Em resposta, chegou a descrever as vantagens de carregar consigo um aparelho auditivo que exigia a aproximação das pessoas: “Eu carrego meu aparelho de ouvido que possui uma fidelidade notável; um instrumento, além disso, que parece exercer algum fascínio, através do qual eu ganho mais conversas tête-à-tête do que as pessoas que ouvem conversas de fundo4 4 “I carry a trumpet of remarkable fidelity: an instrument, moreover, which seems to exert some winning power, by which I gain more in tête-à-têtes than is given to people who hear general conversation”. ” (Martineau, 1837 apudGabay, 2019GABAY, N. With the Practiced Eye of a Deaf Person: Harriet Martineau, Deafness and the Scientificity of Social Knowledge. The American Sociologist, v. 50, p. 335-355, 2019. https://doi.org/10.1007/s12108-019-9401-0
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, p. 17). No entanto, as consequências não se detêm nesse aspecto: Nadav Gabay (2019: 14-19) argumenta que a grande importância devotada por Martineau ao estudo de documentos, registros, atas, dados públicos, depoimentos formais sobre a palavra falada, entrevistas, testemunhos e conversas casuais em sua obra metodológica está relacionada à sua deficiência auditiva.

Em passagem famosa de Como observar a moral e o costume, Martineau (2010MARTINEAU, H. How to Observe Morals and Manners. Project Gutenberg, 2010.) recomenda que a ciência da sociedade estude coisas por meio de artefatos físicos, registros oficiais e outros traços de organização social, chamando atenção para a importância das instituições e funcionamento silencioso dessas. “O grande segredo da investigação sensata acerca da moral e dos costumes é começar com o estudo das COISAS, e usar o DISCURSO DAS PESSOAS como comentário sobre elas” (Martineau, 2010MARTINEAU, H. How to Observe Morals and Manners. Project Gutenberg, 2010.: 25, grifos do original). Aquilo que as pessoas dizem, portanto, deve ser constantemente confrontado com as instituições e as práticas tangíveis que elas criam (Gabay, 2019GABAY, N. With the Practiced Eye of a Deaf Person: Harriet Martineau, Deafness and the Scientificity of Social Knowledge. The American Sociologist, v. 50, p. 335-355, 2019. https://doi.org/10.1007/s12108-019-9401-0
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: 12).

As pesquisas originais de Martineau versaram sobre temas tão diversos como a sociedade e a política norte-americanas, a escravidão, as religiões no Oriente Médio, a educação das mulheres, a deficiência física, o sentido social da doença, entre outros. A autora advogou, sobretudo, pela pesquisa empírica e metodologicamente fundamentada, chegando a afirmar: “O viajante cego e o viajante surdo podem sofrer uma privação ou déficit de determinadas classes de fatos. Mas a condição do viajante anti-filosófico é muito pior” (Martineau, 2010MARTINEAU, H. How to Observe Morals and Manners. Project Gutenberg, 2010.: 8).

Conclusão: diálogos, paralelos e contrastes

Examinar comparativamente as obras de Flora Tristan e Harriet Martineau não significa impor uma dicotomia rígida entre as formas de produzir conhecimento das autoras, pois elas apresentam diversos paralelos e trânsitos possíveis. Ambas compartilhavam o desejo de tornar suas descobertas acessíveis, acreditavam na importância da comunicação e na construção de comunidades epistêmicas, relacionavam-se com as instituições - fosse de forma colaborativa, fosse litigiosa - e associavam a produção de conhecimento sociológico à produção de transformações sociais. Não falamos aqui, portanto, de diferenças inertes, mas de relações sociais que permitem compreender, como propõe a própria Tristan (2000TRISTAN, F. Peregrinações de uma pária. Florianópolis: Editora Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.: 36), “o indivíduo nas diversas posições da existência social”.

Tristan começa a jornada sociológica em campo, isto é, em contato diário, íntimo e cotidiano com o povo e as pessoas marginalizadas da sociedade e procura crescentemente apoderar-se daquilo que circula em termos de estatísticas, documentos e bibliografias em busca de apoio para produzir generalizações, confiando e ao mesmo tempo procurando examinar a própria experiência. Martineau faz movimento inverso: partindo de dados, sínteses estatísticas e teorias, ela sente a necessidade crescente de estar próxima às pessoas para entender as formas de vida e sociabilidade, controlando o próprio viés.

Martineau busca estabelecer a confiança e a credibilidade por meio da construção de regras e parâmetros e transparência e acessibilidade dos dados, empenhando-se no ensino e na difusão da sociologia a fim de conferir legitimidade a essa ciência em nascimento diante da sociedade e do Estado. Tristan, por sua vez, apoia-se sobretudo na experiência, no testemunho e no sentimento com vistas à convocação e à sensibilização de interlocutores para a produção de identidades políticas comuns voltadas à ação. As formas de difusão intelectual pela qual essa autora mais transitou, a literatura, o diário, o panfleto e o relato de viagem, podem encontrar explicação na própria organização social do conhecimento: historicamente, a literatura foi e tem sido um campo mais aberto à produção de grupos subalternizados, por possuir fronteiras menos reguladas.

A viagem e o deslocamento também marcam profundamente a trajetória de ambas autoras. Por um lado, Martineau refletiu de modo crítico sobre as generalizações apressadas dos viajantes e o caráter anedótico e assistemático dessas evidências, propondo um método de pesquisa a fim de dirimir esses problemas. Por outro, Tristan reconheceu o deslocamento como ponto privilegiado de observação sobre as hierarquias sociais, sinalizando desigualdades que subjazem a possibilidade de atravessar de fronteiras. Em ambas, há esforços sistemáticos de desafiar a filosofia social hegemônica em seu tempo, construindo novas bases de conhecimento e ação. Tanto a aproximação de Martineau com um emergente método científico como a reivindicação da experiência subalterna de Flora Tristan abrem caminhos de crítica dentro do que hoje entendemos por ciência social. Reconstruir, portanto, as imbricações entre as relações de gênero e a produção de conhecimento sobre a vida social nos parece fundamental para consolidar um pensamento sociológico atento à articulação de distintas formas de desigualdades.

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  • VARIKAS, E. Prefácio. In: TRISTAN, F. União operária Rio de Janeiro: Editora Fundação Perseu Abramo, 2015.

Notas

  • 1
    As ideias socialistas organizadas em torno do legado e das figuras de Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen (1771-1858), formuladas em resposta à crescente pauperização das classes populares, não eram indiferentes às formas de exploração das mulheres, o que atraiu muitas delas para essas correntes teóricas (Campillo, 1992CAMPILLO, N. Las Sansimonianas: Un grupo feminista paradigmático. In: AMORÓS, C. (org.). Feminismo e Ilustración. Madri: Instituto de Investigaciones Feministas, 1992. p. 313-325.; Gonzáles, 2009GONZÁLES, M. de la M. I. Flora Tristán y la tradición del Feminismo Socialista. Tese (Doutorado) - Universidad Carlos III, Madri, 2009.).
  • 2
    A literatura sobre Flora Tristan é extensa. Ainda válidas são as biografias publicadas por J. Puech (1925PUECH, J.-L. La Vie et l’Oeuvre de Flora Tristan. Paris: Marcel Rivière, 1925.) e por Desanti (1973DESANTI, D. Flora Tristan: Oeuvres et vie mêlées. Paris: Union Générale d’éditions, 1973. (Collection 1018.)). Estudos mais recentes incluem Michaud (1985MICHAUD, S. (org.). Un fabuleux destin: Flora Tristan. Dijon: Editions Universitaires de Dijon, 1985.); Cross (1988CROSS, M. F. The relationship between feminism and socialism in the life and work of Flora Tristan (1803-1844). Tese (Doutorado) - Departamento de Francês, Universidade de Newcastle, Inglaterra, 1988.); Cross e Gray (1992CROSS, M. F.; GRAY, T. The Feminism of Flora Tristan. Cheltenham: Berg Publishers, 1992.); Konder (1994KONDER, L. Flora Tristan: uma vida de mulher, uma paixão socialista. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.); Grogan (1998GROGAN, S. K. Flora Tristan: Life Stories. Londres: Routledge, 1998.); Bloch-Dano (2001BLOCH-DANO, E. Flora Tristan: La Femme-Messie. Paris: Grasset, 2001.); e Portal (2012PORTAL, M. Flora Tristan: a forerunner woman. Nova York: Trafford, 2012.). Para uma lista mais extensa sobre estudos especializados em Flora Tristan, ver as notas do capítulo 1 de Susan Grogan em Flora Tristan: life stories, de 1998.
  • 3
    “I believe myself possessed of no uncommon talents, and of not an atom of genious; but as various circumstances have led me to think more accurately and read more extensively than some women, I believe that I may so write on subjects of universal concern as to inform some minds and stir up others”.
  • 4
    “I carry a trumpet of remarkable fidelity: an instrument, moreover, which seems to exert some winning power, by which I gain more in tête-à-têtes than is given to people who hear general conversation”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    01 Jan 2020
  • Aceito
    23 Mar 2020
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