As exigências regulatórias para o registro de medicamentos genéricos incluem testes físico-químicos e um ensaio clínico comparativo de biodisponibilidade oral (bioequivalência).(1) Esse processo demora cerca de 2 anos, custa entre US$1 e 2 milhões e permite reivindicações para todas as indicações aceitas para a droga original. As exigências para biossimilares incluem uma variedade de testes comparativos caros e demorados, e ensaios clínicos de eficácia para cada indicação. Isso leva de 5 a 9 anos e custa mais de US$100 milhões.(2)
O conceito de medicamentos genéricos foi desenvolvido para drogas de uso oral, e os biofármacos são, em sua maioria, injetáveis. Além disso, os motivos para essa enorme diferença são a complexidade molecular e o processo de fabricação. Os princípios ativos farmacêuticos (APIs - active pharmaceutical ingredients) dos genéricos consistem de moléculas pequenas, com peso molecular de aproximadamente 500 Daltons. A pureza e a identidade dos APIs dos genéricos são avaliadas principalmente por meio de testes cromatográficos de baixo custo. O ensaio clínico de bioequivalência avalia o impacto farmacocinético da formulação e da fabricação do API.(3) Já que os APIs são iguais, têm a mesma concentração e biodisponibilidade similar, autoridades reguladoras presumem que o efeito clínico será o mesmo para todas as indicações.
A maioria dos APIs dos biofármacos são proteínas produzidas por cultura celular. Esses APIs são grandes, complexos e variáveis. O peso molecular de um anticorpo monoclonal é de mais de 150.000 Daltons. Sua complexa estrutura é organizada em quatro níveis. A glicosilação é muito importante para a função e não é idêntica para todas as moléculas do mesmo lote. Finalmente, as proteínas formam agregados de tamanhos diferentes. Portanto, um lote de APIs de biofármacos é uma população de proteínas semelhantes, e não um grupo de moléculas idênticas. Há também impurezas das células, meios de cultura e processo de purificação que podem ser biologicamente ativas, o que eleva ainda mais a complexidade.
Portanto, cada biofármaco, seja original ou biossimilar, tem caráter individual com características únicas, que vêm do processo de fabricação. A frase “o processo é o produto” resume o pensamento nessa área. Alguns produtos têm ainda regulações específicas, que podem variar entre os países.
A biotecnologia evolui rapidamente. As novas tecnologias produzem mais do que aquelas disponíveis quando determinado medicamento foi criado. As autoridades regulatórias devem chegar a uma conclusão sobre a intercambialidade clínica de diferentes populações de proteínas terapêuticas produzidas em diversas fábricas.(4-6)
É por isso que são tantas as exigências regulatórias. Quase todos os testes exigidos para um medicamento biológico inovador devem ser repetidos para um biossimilar, em comparação com a droga de referência.(7,8) Isso é chamado de exercício de comparabilidade e inclui avaliações físico-químicas, ensaios funcionais, testes em animais e ensaios clínicos.
O exercício de comparabilidade pode ser mais complexo do que cumprir as exigências regulatórias para um biofármaco inovador. Os altos custos e risco de insucesso são barreiras para algumas indústrias brasileiras desenvolverem biossimilares. No entanto, isso é parte de uma solução definitiva para a independência brasileira nessa importante área farmacêutica e também para uma inovação radical.
Um método de redução de risco é assegurar a maior similaridade possível dos APIs desde o começo – ou seja, garantir que duas populações de proteínas, produzidas em fábricas diferentes, por processos não idênticos e com equipamentos diferentes sejam suficientemente similares para justificar investimentos futuros. O objetivo é que as diferenças entre um biossimilar e seu biofármaco de referência sejam pequenas o suficiente para não serem clinicamente significativas. Técnicas modernas de estrutura de proteína, como a cristalografia com luz síncrotron, espectrometria de massa, espectroscopia e ensaios funcionais in vitro, são a luz no fim do túnel.
Referências bibliográficas
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1 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 200, de 26 de dezembro de 2017. Dispõe sobre os critérios para a concessão e renovação do registro de medicamentos com princípios ativos sintéticos e semissintéticos, classificados como novos, genéricos e similares, e dá outras providências [Internet]. Brasília (DF): ANVISA; 2017 [citado 2018 Nov 27]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/3836387/RDC_200_2017_COMP.pdf/3b8c3b31-24cb-4951-a2d8-8e6e2a48702f
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2 Pfizer Biosimilars. Let’s see how Biosimilars are developed [Internet]. New York (NY): Pfizer Biosimilars; 2017 [cited 2018 Nov 27]. Available from: https://www.pfizerbiosimilars.com/biosimilars-development
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3 European Medicines Agency (EMA). Science Medicines Health. Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP). Guideline on the Investigation of Bioequivalence. Doc. Ref.: CPMP/EWP/QWP/1401/98 Rev. 1/ Corr** [Internet]. London: EMA; 2010 [cited 2018 Nov 27]. Available from: https://www.ema.europa.eu/documents/scientific-guideline/guideline-investigation-bioequivalence-rev1_en.pdf
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4 European Medicines Agency (EMA). Science Medicines Health. Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP). Guideline on Similar Biological Medicinal Products. CHMP/437/04 Rev 1 [Internet]. London: EMA; 2014 [cited 2018 Nov 27]. Available from: https://www.ema.europa.eu/documents/scientific-guideline/guideline-similar-biological-medicinal-products-rev1_en.pdf
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5 European Medicines Agency (EMA). Science Medicines Health. Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP). Guideline on Similar Biological Medicinal Products Containing Biotechnology-Derived Proteins as Active Substance: non-clinical and clinical issues. EMEA/CHMP/BMWP/42832/2005 Rev1 [Internet]. London: EMA; 2014 [cited 2018 Nov 27]. Available from: https://www.ema.europa.eu/documents/scientific-guideline/guideline-similar-biological-medicinal-products-containing-biotechnology-derived-proteins-active_en-2.pdf
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6 European Medicines Agency (EMA). Science Medicines Health. Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP). Guideline on similar biological medicinal products containing biotechnology-derived proteins as active substance: quality issues (revision 1). EMA/CHMP/BWP/247713/2012 [Internet]. London: 2014 [cited 2018 Nov 27]. Available from: https://www.ema.europa.eu/documents/scientific-guideline/guideline-similar-biological-medicinal-products-containing-biotechnology-derived-proteins-active_en-0.pdf
» https://www.ema.europa.eu/documents/scientific-guideline/guideline-similar-biological-medicinal-products-containing-biotechnology-derived-proteins-active_en-0.pdf - 7 Scheinberg MA, Felix PA, Kos IA, Andrade MD, Azevedo VF. Partnership for productive development of biosimilar products: perspectives of access to biological products in the Brazilian market. einstein (São Paulo). 2018;16(3): eRW4175. Review.
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8 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 55, de 16 de dezembro de 2010. Dispõe sobre o registro de produtos biológicos novos e produtos biológicos e dá outras providências [Internet]. Brasília (DF): ANVISA; 2010 [citado 2018 Nov 27]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_55_2010_COMPpdf/bb86b1c8-d410-4a51-a9df-a61e165b9618
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Fev 2019 -
Data do Fascículo
2019