Open-access Uma análise de significados da matemática para ingressantes de um curso de licenciatura

An analysis of mathematics meanings for newcomers mathematics undergraduate students

Resumo

Ansiedade, aversão e rejeição são sentimentos frequentemente verbalizados por estudantes quando estes se deparam com a matemática. Este artigo traz um recorte de um projeto de pesquisa, realizado pelo Núcleo de Pesquisa e Estudos em Educação Matemática (NUPEm) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Os pesquisadores acreditavam que universitários que optaram por ingressar nos cursos de licenciatura em matemática concebem significados que não são compartilhados por boa parte da população. Partiu-se do pressuposto de que é necessário compreender tais significações, porque elas reproduzem uma cultura pedagógica que influenciará as práticas desses profissionais no futuro. Nesta pesquisa, em relação à matemática, buscou-se analisar os significados e revelar os sentidos acerca das experiências de um grupo de 21 discentes, ingressantes em um curso de licenciatura em 2019. Como caminho metodológico, optou-se por usar a fenomenologia hermenêutica como instrumento de análise dos poemas escritos individualmente por esses ingressantes. Considerou-se que a escrita livre por meio de poemas seria uma ferramenta útil para identificar a expressão de experiências vivenciadas e significados atribuídos pelos futuros professores à matemática. A partir da leitura e da reflexão sobre os conteúdos dos poemas, a posteriori, desvelou-se três categorias emergentes: sentimentos expressos pelos estudantes em relação à matemática; papel desempenhado pela matemática na sociedade; e concepções sobre o que é a matemática. A partir da análise dessas categorias descrevemos e discutimos fenômenos dicotômicos em relação aos currículos, que requerem cautela ao longo da formação inicial docente.

Formação inicial; Concepções sobre a matemática; Fenomenologia; Poemas; Cultura pedagógica

Abstract

Anxiety, aversion and rejection are frequent feelings verbalized by students when they are faced with mathematics. This paper brings a report of a research project, carried out by the Center for Research and Studies in Mathematics Education (NUPEm) of the Federal University of Uberlandia (UFU). The researchers believed that undergraduate students, who chose apply for mathematics teaching courses, conceive meanings that are not shared by a large part of the population. We started the investigation from the assumption that it is necessary to understand such meanings, because they would be responsable for reproduce a pedagogical culture that will influence the practices of these professionals in the future. In this research, in relation to mathematics, we sought to analyze the meanings and reveal the sense about the experiences of a group of 21 students, who were initiating an undergraduate Mathematics course in 2019. As methodological path, we chose to use hermeneutical phenomenology as instrument for the analysis of poems written individually by these begginer undergradute students. It was considered that free writing through poems would be an useful tool to identify the expression of lived experiences and meanings attributed by future teachers about mathematics. After reading and reflecting on the contents of the poems, three emerging categories were revealed: feelings expressed by students in relation to mathematics; role played by mathematics in the society; and conceptions about what mathematics is. Based on the analysis of these categories, we described and discussed dichotomous phenomena in relation to curricula, which require caution throughout undergraduate teachers courses.

Undergraduate teachers training; Conceptions about mathematics; Phenomenology; Poems; Pedagogical culture

Introdução

As experiências2 e as concepções que os estudantes adquirem na educação básica, em relação à matemática, favorecem a constituição de significados que influenciam a aprendizagem do aluno em sua trajetória e também suas atitudes no ambiente escolar. Não compreender a influência dessas experiências da educação básica na formação inicial de professores pode resultar no direcionamento equivocado dos conteúdos privilegiados nos currículos dos cursos de licenciatura e na deficiência de estratégias didáticas e pedagógicas dos docentes no ensino superior (CRAWFORD et al. 1994).

Uma das fontes que geram atitudes negativas ou positivas em relação à aprendizagem da matemática está na história escolar do indivíduo. Ao analisá-la, é possível identificar experiências marcantes na tentativa de aprender. De acordo com Carmo e Simionato (2012), na educação básica muitos estudantes passam por experiências negativas durante o processo de aprender, o que causa aversão, ansiedade e rejeição à matemática. Suspeitamos que estudantes ingressantes no curso de licenciatura em matemática tenham tido experiências mais favoráveis ao aprendizado, o que tornaria suas atitudes mais positivas. Levantamos alguns questionamentos a partir dessa suspeição, porém, neste artigo, nos limitamos a uma questão norteadora: quais as experiências, os significados e os sentidos que estudantes ingressantes em um curso de licenciatura em matemática têm acerca da matemática? Buscar respostas que permitam compreender esta questão auxiliaria a delinear adequadamente projetos políticos de formação inicial docente em matemática.

A abordagem metodológica empregada foi a fenomenologia hermenêutica (GARNICA, 1993). Os sujeitos da pesquisa foram 21 alunos ingressantes no curso de licenciatura em matemática de uma universidade pública federal do estado de Minas Gerais, no primeiro semestre de 2019. Para a coleta de dados foi proposto aos estudantes, no primeiro dia de aula, que escrevessem um poema e abordassem como tema central a matemática. A análise de poemas é uma sugestão de Creswell (2014) para estudos fenomenológicos. Consideramos que a escrita livre por meio de poemas seria uma ferramenta útil para identificar a expressão de experiências vivenciadas e significados atribuídos pelos futuros professores à matemática. Essa ação foi pensada a fim de ajudar a responder à pergunta norteadora desta etapa do projeto de pesquisa, que busca compreender o sentido e o significado da matemática para ingressantes de um curso de licenciatura.

A fenomenologia hermenêutica

A fenomenologia, segundo Bicudo (2011b), busca conhecer o que um determinado fenômeno significa a partir de como ele é experienciado e, assim, elucidar a visão de homem-mundo. O objetivo de estudar o fenômeno é descrever a experiência vivida, que é revelada por meio da linguagem falada, escrita e gestual, ou expressa por meio de figuras, sons, artes plásticas, dança, teatro, música ou, por exemplo, assim como neste texto, poemas. O fenômeno revela-se por um ato de intuição ou de percepção que é comunicado por um sujeito individualmente contextualizado (BICUDO, 2011a). Nesse sentido, a percepção não ocorre no mundo exterior ao indivíduo, que poderia ser observado, manipulado, experimentado, medido, ou contado por um sujeito observador. Ela ocorre no encontro do ver/visto, que não é fantasioso, imaginativo ou criado na esfera psicológica. Bicudo (2011a) entende que “a percepção nunca é instantânea, pontual, isolada, mas que dura no fluxo do tempo, juntamente com outros fluxos de consciência, evidenciando que o percebido não é um estímulo isolado, mas sempre está mergulhado em uma amplitude” (p. 36). A fenomenologia busca pelo sentido que as coisas têm para os indivíduos que as percebem, mas essas coisas não estão à volta das pessoas, separadas, como objetos para serem descritos. Pessoas e coisas coabitam o mundo, estão juntas.

Para Bicudo (2011b), a fenomenologia é a descrição imediata do que se viveu na qualidade da experiência vivida, mas também é a descrição intermediada (ou mediada) dos significados das expressões das experiências vividas. A autora entende que a experiência vivida é o ponto de partida e de chegada da pesquisa fenomenológica. Essa experiência vivida tem uma estrutura temporal e por isso não pode ser tomada de imediaticidade. Ela é revelada pelo sujeito pesquisador que interpreta o passado vivido expresso em linguagem intencional, ou seja, a linguagem que dá destaque a aspectos relevantes da experiência daquele que a expressa.

Toda análise de descrição expressa pela linguagem, segundo Bicudo (2011b), solicita um enxerto hermenêutico para que haja um movimento de compreensão e interpretação do culturalmente presente no mundo. Por meio do dito é preciso que se “proceda à abertura aos sentidos e significados expressos e transportados pelo modo de dizer pelo qual a descrição se doa à interpretação” (p. 44). De acordo com Bicudo (1988), o ver fenomenológico não é um ato físico executado pelos órgãos da visão, ele é fruto da compreensão desenvolvida pelo sentido, pela experiência do sujeito ao sentir os fenômenos mundanos. “O ser humano existe no mundo e é nesse mundo, entendido como o espaço onde ocorre a compreensão, que ele se abre aos entes envolventes e demais seres humanos, sentindo-os, compreendendo-os” (p. 2). O significado que esse sujeito dá ocorre em sua busca por descrever os aspectos essenciais do fenômeno sentido. Na tentativa de vê-lo de modo claro, sem ambiguidades, sem contornos confusos e obscuros, esse significado desvela-se no discurso que é expresso em linguagem sobre o fenômeno que foi sentido.

Para compreender a experiência expressa em linguagem, a descrição não é suficiente, embora seja a que revele as vivências. A descrição é efetuada mediante a linguagem, em quaisquer que sejam suas modalidades de expressão, no entanto, analisá-las requer um trabalho hermenêutico, isto é, um trabalho de interpretação, que visa compreender o sentido, a significação e o significado apontado na descrição. Garnica (1993) ressalta que, na fenomenologia hermenêutica, o método de análise e o enfoque da interpretação estão nas expressões/percepções/significados dos sujeitos, e não diretamente nas experiências.

A fenomenologia hermenêutica tem como propósito buscar sentido em textos ou expressões. Ao debruçar-se sobre esses objetos, eles são interpretados e, depois, revelados nas palavras daquele que interpretou. Bicudo (2010) acredita que entender esse sentido faz uma diferença considerável no âmbito da educação, em especial na educação matemática. De acordo com Klüber e Burak (2008a), as pesquisas que se voltam para o ensino e para a aprendizagem da matemática apontam que compreender o sentido que se dá a diferentes situações das experiências, das ações e das expressões, no que concerne ao conteúdo matemático, pode favorecer a ruptura das formas predominantes de transmissão de conteúdo.

De acordo com Bicudo (2011b), se a pergunta a ser respondida se expressa nos discursos sobre temas específicos com foco em aspectos culturais e históricos, a busca recai na interpretação hermenêutica. O objetivo desta pesquisa foi reconstruir os significados e revelar os sentidos acerca das experiências, em relação à matemática, dos ingressantes em um curso de licenciatura em matemática. Fundamentamo-nos nas concepções de análise hermenêutica de Garnica e Bicudo, e entendemos que a linguagem expressa por poemas nos ajudaria a revelar tais sentidos.

Poemas e o contexto da pesquisa

Um poema pode fornecer dados valiosos para explorar significados de sentimentos, percepções, emoções e sentidos que se dão às experiências. O uso de metáforas permite que as pessoas reflitam sobre suas vivências, de modo que possam expressar a complexidade, a contradição, a dicotomia e a dialeticidade que permeiam suas percepções. Bicudo (2011a, p. 32) diz que “é na percepção que a verdade do existente, enquanto tal, mostra-se a nós como presença”. Um poema pode transmitir a essência de uma emoção, ao evocar imagens que muitas vezes transcendem a fantasia entre a experiência de um sentimento e sua expressão na linguagem. Furman (2007) considera que tais metáforas e imagens descrevem com mais precisão a qualidade ou o tom de uma sensação do que uma narrativa ou um teste padronizado. Pesquisar e interpretar o significado dos sentimentos e das experiências das pessoas pode nos ajudar a entender o sentido que se dá enquanto esses indivíduos se relacionam com suas necessidades, com seus sonhos e com os valores que foram construídos socialmente.

O gênero textual poético carrega o caráter imediato da escrita e traz consigo a vivacidade das experiências expostas pelo prisma de quem escreve o poema. Willis (2002) explica que a poesia é construída linha por linha, predominantemente em primeira pessoa, ao invés de ser escrita por parágrafo ou bloco de texto. O autor do poema busca equilibrar as sensações a cada mudança de linha. Essa técnica cria no leitor um sentimento particular. A leitura de um poema evoca uma consciência imaginativa que se concentra na experiência ou em uma resposta emocional específica, que é transferida por meio da linguagem escolhida, organizada por seu significado, som e ritmo. De acordo com Garnica (1993), a imaginação desempenha papel fundamental na fenomenologia hermenêutica; é imaginando suas potencialidades que o homem exercita suas profecias a respeito da própria existência.

Em razão disso, é preciso considerar que, a análise de dados expressos em poesias carrega em maior ou menor grau duas vozes: de um lado, uma voz em primeira pessoa, contextualizada, proprietária, que nomeia uma experiência subjetiva interpretativa e concreta; e, de outro, uma voz objetivada do pesquisador, que busca compreensão e harmoniza com a voz subjetiva do primeiro. Ao ler um poema, quando alguém identifica que algo está “certo” não é porque ele foi influenciado pela lógica do poeta ou pelas evidências; em vez disso, houve uma identificação de uma área comum entre a sua visão de experiência e a do autor.

A perspectiva dos pesquisadores, ao solicitar e analisar os textos expressos por poemas, foi a de buscar reconstruir experiências históricas, culturais e sociais dos sujeitos a partir de sua relação com a matemática. Partimos do pressuposto que existem elos entre a cultura de sentimentos negativos, por parte da população, em relação à matemática, e a cultura de reprodução das concepções sobre a matemática na educação básica. Na próxima seção fornecemos mais detalhes das técnicas empregadas e de como os pressupostos metodológicos da fenomenologia nos auxiliaram na interpretação dos dados.

Metodologia

Ao iniciar a aula, no primeiro dia, o professor regente solicitou aos estudantes do curso de licenciatura em matemática que haviam acabado de ingressar na universidade um poema como atividade extraescolar para a disciplina de Projeto Integrado de Práticas Educativas I (PIPE I). Esses poemas deveriam ser de autoria dos estudantes, escritos individualmente, sem consulta de materiais, e referir-se à matemática de maneira livre. Foi esclarecido aos alunos que aquela atividade fazia parte de um projeto de pesquisa e que a adesão à produção dos poemas deveria ser voluntária. Houve estranhamento de alguns alunos que, sobre a solicitação do professor, perguntaram: “poema? Sobre matemática?” Foi respondido que sim e que deveria ser um poema livre com a temática matemática. Na aula seguinte, todos os alunos matriculados entregaram sua produção poética.

Ao ouvir os alunos logo no primeiro dia de aula, pretendíamos revelar experiências já vividas com a matemática, antes que o curso de formação de professores proporcionasse novos significados, ou reforçasse os já existentes com outras perspectivas. Os sujeitos foram 21 estudantes ingressantes do curso de licenciatura em matemática do Instituto de Ciências Exatas e Naturais do Pontal (ICENP) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O objetivo foi levantar os significados dos licenciandos em relação à matemática vivenciada em sua formação escolar, antes que tivessem qualquer experiência universitária. A análise deu-se por meio de sucessivas leituras executadas em um processo espiral por duas alunas de iniciação científica do curso de licenciatura em matemática e dois pesquisadores experientes que fazem parte do corpo docente e do grupo de pesquisa NUPEm.

A análise dos poemas permitiu a construção de categorias que revelaram significados e experiências acerca da matemática. O foco da investigação foi buscar significados compartilhados e revelados na produção poética dos estudantes sobre suas experiências e sentidos. Definimos as categorias a posteriori, ou seja, depois de agrupar temas revelados por nossa interpretação sobre os poemas. Depois, buscamos fundamentos teóricos para contrastar com nossa análise. Assim, pudemos estabelecer novos paradigmas articulados com a nossa compreensão sobre as expressões exteriorizadas nos poemas pelos sujeitos da pesquisa.

A escolha do gênero de escrita poética foi feita porque ela representa quem somos, o que pensamos, sentimos e buscamos (SILVA; JESUS, 2011). Por intermédio dos fragmentos dos textos, foi possível reconstruir os significados e revelar os sentidos das experiências em relação à matemática dos ingressantes no curso de licenciatura em matemática. A análise do que foi descrito em cada verso atendeu à problemática desta investigação.

A pesquisa teve por fundamentação metodológica a fenomenologia hermenêutica, que permite ao pesquisador fazer interpretações do significado das experiências vividas, sem neutralidade, aprofundando o foco de suas análises nos fenômenos vivenciados pelos sujeitos. Segundo Cohen e Omery (1994 apudCOLTRO, 2000, p. 40), “a hermenêutica como um método de pesquisa assenta-se na tese ontológica de que a experiência vivida é em si mesmo essencialmente um processo interpretativo”. Assumimos a perspectiva de Bicudo (2011b, p. 49), segundo a qual a análise hermenêutica de textos escritos em linguagem “foca palavras e sentenças que dizem e o modo de dizer no contexto interno e externo ao próprio texto”. A prática empregada é destacar palavras que chamam a atenção em unidades de significados, ou seja, sentenças que respondem a interrogação formulada focando o que querem dizer na totalidade do texto analisado e nos possíveis significados que carregam o contexto do texto.

Para uma melhor compreensão acerca do que foi escrito nos poemas, foram necessárias repetidas leituras, com o intuito de perceber detalhes não identificados anteriormente. Esse trabalho foi realizado semanalmente por um período aproximado de seis meses. A estratégia vai ao encontro das sugestões de Masini (1982 apudCOLTRO, 2000, p. 40), que afirma que a utilização da fenomenologia hermenêutica “requer um exercício longo e paciente […], bem como uma reflexão constante […], para ser possível estar-se atento às referências qualitativamente significativas, buscando ver sem preconceitos aquilo que se apresenta”.

O trabalho de análise foi feito de forma coletiva. Nós, autores deste texto, debruçamo-nos sobre os poemas para buscar significados nos versos e nas estrofes e, então, definir categorias comuns. Quando percebíamos que alguns dos temas se intersectavam, voltávamos aos poemas já analisados para nova leitura. Assim, ajustávamos a categorização por semelhança dos significados. Atribuímos aos poemas a identificação de P1 a P21. Na próxima seção apresentamos os resultados e discutimos as categorias emergentes a partir da análise dos poemas.

Um diálogo com a teoria a partir das categorias

Após sucessivas leituras dos poemas foi elaborado um quadro com três categorias. A primeira categoria que emergiu da análise procurou quantificar os versos que continham palavras que nos remetessem diretamente aos sentimentos expressos pelos estudantes em relação à matemática. A segunda categoria emergente retratou os significados dados pelos alunos ao papel desempenhado pela matemática na sociedade. Por último, a terceira categoria buscou estabelecer um agrupamento mais geral sobre o que é a matemática. Emergiram temas diversos que remetiam, por exemplo: às posições filosóficas; aos modos de raciocínio; às percepções sobre como os sujeitos compreendem a matemática; à relação das pessoas com essa disciplina; e aos modos de aprendizagem.

Nos 21 poemas conseguimos captar 133 declarações significativas, determinadas pela interpretação dos pesquisadores de trechos dos poemas, que resultaram em 21 temas. A contagem das declarações significativas é a descrição intermediada pelos pesquisadores da descrição expressa pelos estudantes nos poemas, dada pelo agrupamento, resumo e quantificação dos versos interpretados. A técnica de coleta e apresentação dos dados foi embasada em Anderson e Spencer (2002 apud CRESSWELL, 2014).

Limitamos a discussão, neste texto, aos temas que tiveram pelo menos quatro ocorrências nos poemas e assim reduzimos a análise para treze temas. Foram eles: 1) sentimentos positivos; 2) atitudes em relação à aprendizagem; 3) complexidade; 4) matemática como ciência; 5) matemática presente em tudo; 6) matemática para poucos; 7) docência; 8) tipos de raciocínio; 9) percepções sobre o que é a matemática; 10) visões filosóficas; 11) resolução de problemas; 12) quatro operações básicas e procedimentos; e 13) concepção sobre a evolução da matemática. Os temas foram agrupados nas três categorias supracitadas (Quadro 1) para delimitar a análise.

Quadro 1
Contagem de temas agrupados por categorias

Ao analisar separadamente as categorias, notamos que houve intersecções entre os temas elencados. Para evitar redundância ao descrevê-los a partir de duas ou mais categorias optamos por mantê-los naquela pela qual identificamos maior associação. É possível que o leitor também detecte intersecções entre os temas e as categorias. Uma releitura a partir da descrição intermediada pelos autores não deve trazer prejuízos à compreensão, e sim reflexões sobre as experiências e significados expressos pelos sujeitos.

Categoria 1– sentimentos expressos pelos estudantes em relação à matemática

A primeira categoria é constituída por concepções que adjetivam a matemática com sentimentos de fascínio e mistério, por exemplo: P7 e P10, respectivamente, continham os seguintes trechos: “A matéria é fascinante/ onde encontramos muitas variantes/ A união de todas as ciências/ é simplesmente fenomenal” (P7); “É um querer aprender/ descobrir seus mistérios/ Magnitudes/ ampliar conhecimentos” (P10).

Nos poemas também se destacam trechos que retratam a necessidade de atitudes de perseverança. Os sujeitos entendem que essas atitudes são pré-requisitos para o sucesso durante o desenvolvimento de tarefas: “Ela é para todos/ Só precisa querer e dedicar/ É difícil/ mas não impossível” (P10). E, por último, alguns trechos narravam a complexidade inerente ao aprendizado da matemática: “Sempre na sala o melhor eleito/ Mas também tinham as dificuldades que nunca acabaram/ E sempre aqui e acolá, aumentaram” (P17).

Compreendemos que todos esses significados expressos pelos sujeitos são complementares. A razão do fascínio é que muitos problemas desafiadores, que a princípio parecem não ter solução, são resolvidos por meio de estratégias matemáticas. A eficiência da matemática na resolução de vários tipos de problemas impressiona; por outro lado, ela mesma pode ser a causadora de problemas. O mistério levantado nos poemas é percebido porque essa ciência é a mais abstrata e geral e cria seus próprios princípios (RODRIGUES, 2007). A matemática como ciência não se preocupa prioritariamente com características sólidas e empíricas, diferentemente de outras ciências que se fundamentam nela (RAMOS, 2017). Nossa análise considera que, durante a formação inicial, é preciso destacar a matemática como ciência com fim nela mesma, porque isso faz parte de sua essência. Todavia, conduzir o processo de ensino somente com esse viés poderia desestimular os estudantes da busca de significados próprios. Ao ensinar, é preciso levar em consideração os conhecimentos prévios dos alunos (MOREIRA, 2012), os conhecimentos sobre a aplicabilidade da matemática no meio social e também aqueles que sejam relevantes e existentes na estrutura cognitiva do aprendiz.

Para os universitários, o bom rendimento nessa disciplina está relacionado às atitudes de persistência e determinação. Essas atitudes parecem ser características particulares dos estudantes e compartilhadas pela maioria que optou por cursar licenciatura em matemática. Por outro lado, captamos representações que dizem respeito à complexidade de aprender e, nesse caso, os estudantes mostram ter consciência de que o processo de aprendizagem não é tão trivial. Pesquisas relatam que a atitude de persistência está intrinsecamente ligada à motivação e ao bom aproveitamento na disciplina (O’SHEA; CLEARY; BREEN, 2010). A pergunta que emerge dessa categoria é: o que motivaria estudantes a dedicar tempo a tarefas consideradas difíceis e persistir nelas?

Estudos apontam que a motivação para persistir emerge quando as tarefas, em vez de avaliar a performance dos estudantes, têm por foco estimular a aprendizagem (O’SHEA; CLEARY; BREEN, 2010; ZENORINI; SANTOS; MONTEIRO, 2011). Quando a aprendizagem é estimulada, não importa se um estudante tem um nível de confiança alto ou baixo em suas habilidades matemáticas, ele persistirá por um tempo buscando soluções. Sob outra perspectiva, quando a proposta de uma tarefa for a performance do aprendiz, ele ficará desestimulado, se o nível de confiança em suas habilidades matemáticas for baixo, e provavelmente desistirá da execução de tarefas. Nos poemas os estudantes revelaram confiança acerca das suas habilidades em matemática, o que sugere que tinham boa performance na educação básica. Contudo, assumem que existem dificuldades que precisam ser superadas; há necessidade de persistir; não desistir. Esses trechos são expressos na terceira pessoa, o que suscita que boa parte das experiências na aprendizagem matemática estiveram voltadas para a performance dos aprendizes.

Sentimentos positivos emergem quando se percebe que existem motivos para aprender, para melhorar, para resolver desafios; que não haverá cobranças de resultados e que o estudante não será avaliado pelo quanto aprendeu, mas sim pelo que aprendeu. Sentimentos negativos são notados quando o aluno passa a acreditar que não está desenvolvendo competências ou alcançando objetivos, pois isso inibe a motivação para aprender (ZENORINI; SANTOS; MONTEIRO, 2011). Um universitário em formação inicial para a docência precisa compreender que não se pode exigir do sujeito que aprende atitudes de persistência e dedicação. Antes, é necessário saber que a motivação é intrínseca ao processo de ensino e está relacionada à confiança que alguém desenvolve em suas próprias habilidades no momento em que aprende, e não no momento em que é testada sua performance. Portanto, é preciso discutir processos de ensino e de avaliação desde as primeiras disciplinas ofertadas na graduação.

Categoria 2– papel desempenhado pela matemática na sociedade

Nesta categoria elencamos temas que se fundamentam na forma como a matemática é vista socialmente pelos autores dos poemas: matemática como ciência; matemática em tudo; matemática para poucos; e docência.

Evidenciamos, entre eles, treze declarações significativas que destacam a matemática como ciência, por exemplo: “Matemática é a ciência dos números?/ Não sei, acho que não/ Mas sei que posso brincar com os números/ Sem ser necessariamente um cientista” (P5); “Matemática/ Das ciências a mais obscura/ A arte de explicar/[…]/ A ciência mais exata/ a matéria mais sensata” (P3). Sobre a abrangência da matemática como ciência, verificamos divergências entre os universitários, que a consideram abstrata, concreta ou ambas (abstrata e concreta). “Oh! Não há barreiras físicas para o que imaginamos” (P12); “O estudo da matemática é complexo/ Porém nada pode ser imaginário” (P7); Matemática é real e também imaginação” (P6).

No caso desse último trecho, voltamos ao poema para analisar se a palavra imaginação não estava relacionada a um processo de criatividade, porém isso não se confirmou. Os fragmentos dos poemas convergiram para o fato de a matemática ser uma ciência que exige um certo nível de intelectualidade e se faz necessária sua relação com outras áreas de pesquisa.

Levantamos outras treze declarações significativas que afirmam que a matemática está em tudo: “[…] definitivamente existe intersecção dela em tudo” (P7); “A matemática está em tudo/ no ver e no ouvir/ a cada passo a se construir” (P11).

Nos excertos emergiram expressões dos licenciandos acerca da cultura de reprodução da matemática que precisam de uma análise cautelosa. Compreendemos que as ações nos cursos de licenciatura devem ir na direção de reconstruir a visão inicial que o licenciando tem (seja para reforçar um modo de ver a matemática ou não). Além dos universitários reportarem que a complexidade e a intelectualidade, na sua trajetória escolar, eram vistas como inerentes à aprendizagem da matemática, onze declarações significativas também reforçaram a ideia de que essa ciência era anunciada como de domínio de poucos: “Amada por uns, odiada por outros/ é sempre a discussão do momento/ Porém é dominada por poucos” (P8).

Embora os discentes só tivessem contato com a matemática da escola básica, demonstraram ter consciência de que ela está por toda parte, não só na escola. Entretanto, desde o primeiro contato com essa disciplina, implanta-se a ideia de que ela é uma ciência complexa, de que os estudantes não gostam da matemática, têm medo dela.

Apresentar a natureza do conhecimento matemático com ênfase na sua complexidade pode ser uma das prováveis causas de ansiedade e atitudes negativas em muitos estudantes (CORREA; MACLEAN, 1999). A matemática retratada por eles revela uma orientação de matemática acadêmica, que é de domínio exclusivo dos intelectuais das áreas das ciências exatas. Esperava-se que ao terminar a educação básica a vivência relatada pelos sujeitos fosse de uma matemática elementar, conforme preconizam os currículos. Duas perguntas preocupantes colocam-se a partir dessas observações: que abordagem pedagógica adota um professor para o qual a matemática está em tudo, mas é para poucos? E, conceber a matemática como ciência cujo aprendizado exige um alto nível de intelectualização traz quais benefícios ao processo educacional na educação básica?

Percebemos que os estudantes relacionam a matemática e sua aprendizagem com a profissão docente. E alguns trechos reconhecem a docência: “Professor sempre quis ser/ ensinar o que aprendi” (P17); “Adicionando conhecimento/ E fazendo acontecer/ Subtraindo dúvidas, e dividindo o saber” (P14). Outro, inicialmente, levanta a possibilidade de não identificação com a profissão: “[…] ser professor é isso/ no começo um frio na barriga…/ Há relato de não amor no começo/ Nada que não se estude” (P15).

Categoria 3 – concepções sobre o que é a matemática

Nesta categoria foram contabilizadas 45 declarações significativas. Embora tenhamos levantado nesta categoria seis temáticas relevantes, a análise foi feita de forma separada, com a discussão individual de cada tema.

O primeiro tema dá ênfase nos diferentes tipos de raciocínio utilizados pela matemática, por exemplo: procedimental, geométrico, dedutivo e lógico. Ao captar as declarações, não identificamos convergências, e, além disso, notamos que algumas linhas de raciocínio não foram mencionadas. Um curso de licenciatura em matemática deveria oportunizar o desenvolvimento de diferentes linhas de raciocínio. Ao longo da formação inicial dos professores, poderiam ser aperfeiçoados, por exemplo: o raciocínio abstrato (ANDRIOLA; CAVALCANTE, 1999); o raciocínio analítico dedutivo e indutivo (PONTE; MATA-PEREIRA; HENRIQUES, 2012); o raciocínio procedimental, criativo e algorítmico (BERGQVIST, 2007); o raciocínio geométrico e espacial (PINHEIRO; CARREIRA, 2013); e o raciocínio estatístico (CAMPOS et al. 2011).

As declarações significativas sobre o que é a matemática não são na totalidade convergentes: “[…] O que é matemática?/ A ciência mais exata/ a matéria mais sensata” (P3); “[…] Mas o que realmente é a matemática?/ Nas escolas nos ensinam a calcular” (P4); “Matemática é arte” (P15). Nossa atenção se voltou para as declarações similares àquela exposta no P3, que traz uma supervalorização da matemática como a ciência das ciências. Declarações como essa foram reveladas também em outros trechos de diferentes poemas analisados por nós. Klüber e Burak (2008b) afirmam que existe uma forte tendência dos estudantes de licenciatura a supervalorizar a matemática em uma perspectiva platônica. Para Barboza e Farias (2013, p. 96), esse “é um posicionamento que pode não ajudar a um futuro professor em sua prática pedagógica”.

Na concepção platônica, de acordo com os autores, o processo de ensino e aprendizagem apresenta-se com uma matemática muitas vezes contextualizada nela mesma. Entende-se “que a matemática é a solução de todos os problemas e que esses problemas não passam de algo banal diante da supremacia da matemática” (BARBOZA; FARIAS, 2013, p. 97-98). A matemática abstrata também é apresentada pronta e acabada. Nessa perspectiva, exige-se um nível intelectual diferenciado por parte de quem aprende. Assim, há pouca liberdade para produção de novos conhecimentos. Para que a aprendizagem ocorra, é necessário um treinamento constante, muitas vezes veiculado por listas de exercícios.

Nos poemas, foi comum encontrarmos afirmações que classificam a matemática com supremacia sobre outras ciências: “Independente da área/ sua presença é absoluta” (P13). Essa cultura se reproduz no senso comum e também é revelada na literatura (RODRIGUES, 2007). Algumas vezes ela é vista como uma ciência abstrata e outras, como utilitária. Essas duas abordagens fazem com que a matemática seja encarada como aquela que faz as descobertas e, por essa razão, teria uma natureza suprema. A matemática como ciência não se preocupa com a natureza da realidade; empresta seus princípios a outras ciências, porém não toma os princípios dessas para fundamentar-se. Alguns trechos nos poemas se aproximam dessa reflexão. Por exemplo: “A união de todas as ciências/ […] É a somatória de toda a inteligência” (P7).

Nos excertos dos poemas foi possível verificar concepções filosóficas que se referem à natureza axiológica da matemática. Os estudantes descreveram que a linguagem matemática no mundo acadêmico não é flexível a ponto de permitir interpretações: “6373 – 36 totaliza 6337/ qual a diferença entre os números 6373 e 6337?/ Bem, depende/ ‘Pra matemática é 36, para uma pessoa qualquer como eu é simplesmente a disposição dos números” (P5). Aqui é possível perceber que o universitário fez trocadilhos para mostrar que ele poderia raciocinar de um modo diferente daquele que seria aceito no contexto da matemática. Neste caso, considerando o estilo do texto produzido, a poesia, pode-se discutir a “diferença” sob outras perspectivas. No caso, quando se está no contexto da matemática trata-se do resultado de uma operação. Ou seja, a “diferença” quando olhada ou considerada no contexto de um fazer matemático não permite interpretações que não lhes sejam próprias, isto é, aceitas matematicamente.

No trecho do P8, “Não possui interpretações diferentes/ garante assim segurança permanente”, o autor é taxativo ao afirmar que não há possibilidade de interpretar a matemática. Por último, em P13, “Tudo que já foi aprendido/ E tudo que nos será revelado/ Não passará de uma gota no oceano/ Do conhecimento matemático”, há uma reflexão que enfatiza que a matemática nos é revelada. Sendo assim, no contexto da poesia, revelado tem o significado de apresentado ou exposto, o que sugere que o trabalho do professor é ensinar, enquanto o do aluno é aprender. Prepondera a concepção de que a matemática é culturalmente transmitida.

Todos esses excertos se aproximam de uma visão do realismo platônico. Meneghetti e Bicudo (2003) afirmam que erros foram cometidos ao longo da história, ao considerar a matemática como objeto puro da razão ou como objeto exclusivo da experiência ou da intuição. As conclusões dos pesquisadores são que reflexões filosóficas sobre o modo como a matemática se desenvolve têm impacto no ambiente educacional. Por isso, essas reflexões precisam ser compreendidas e tratadas nas escolas e na universidade.

Contabilizamos seis declarações significativas que faziam menção à resolução de problemas. Alguns alunos consideram que essa abordagem dada à matemática transcende a disciplina: “E qualquer probleminha que eu tenha/ Ela vai me ajudar a solucionar” (P16). Outros estudantes refletiram que a própria matemática pode conter seus problemas ou ser a causadora deles: “É um problema (Matemática)/ mas também a solução” (P10); “Ela é infinita cheia de problemas” (P19).

De acordo com Vale, Pimentel e Barbosa (2015), toda a investigação produzida ao longo do tempo sobre ensino de matemática e resolução de problemas teve repercussões em nível curricular e por isso passou a ser parte integrante dos currículos de matemática. Nessa perspectiva, seria desejável que os estudantes ganhassem autonomia para aprender sem esperar respostas prontas do professor (SOARES; PINTO, 2001). Nos poemas, os universitários compartilham da concepção de que resolver problemas é intrínseco à aprendizagem de matemática. Nestes versos do P14, por exemplo: “Elaborando planos/ desenvolvendo ações/ […]/ Resolvendo problemáticas/ Caminhamos com persistência” (P14). Aqui, revela-se que as experiências na educação básica expuseram os estudantes a práticas de ensino com resolução de problemas. Contudo, não foi possível identificar qual abordagem sobre problemas matemáticos prevaleceram nas práticas docentes e na vivência dos sujeitos em sala de aula.

Sobre o tema cálculos e procedimentos, computamos cinco declarações significativas que remetem a algoritmos e às quatro operações. Essas declarações retratam um conteúdo que parece ser supervalorizado nas escolas: “Mas o que realmente é a matemática?/ Nas escolas nos ensinam a calcular/ Processos, operações e propriedades/ Nos ensinam sobre teorias e como as entender” (P4). Uma outra interpretação sobre o trecho “nos ensinam sobre teorias e como as entender” pode sugerir que, na escola, os processos, operações e propriedades não têm sido tratados de forma mecânica.

Um trecho do P21 evidencia o enaltecimento da aprendizagem das operações básicas por parte dos universitários: “Adição e subtração/ Multiplicação e divisão/ Formam as quatro operações principais” . Isso parece ser uma concepção comum. Carneiro e Passos (2014), ao analisarem concepções de professoras dos anos iniciais (em formação), relatam que as lembranças, durante sua trajetória escolar, são de uma matemática abstrata, não mutável, pronta e acabada. Uma disciplina que é reduzida ao cálculo, em que só existe erro ou acerto, cujo ensino se pauta na reprodução, no repetir e memorizar fórmulas, procedimentos e algoritmos. Isso remete a uma abordagem pedagógica mecânica, em detrimento da valorização da compreensão e da justificativa dos processos envolvidos na construção do conhecimento matemático. Outro estudo (CABANAS; MAZZOTI, 2016) mostra que os exames nacionais são tomados como referência para o ensino dos conteúdos escolares, e, no caso dos anos iniciais, essas avaliações supervalorizam conteúdos e procedimentos de cálculos. Aqui mais uma vez os poemas não são suficientes para confirmar se a vivência dos estudantes corrobora a teoria. Percebe-se a supervalorização dos conteúdos, mas não se identifica a abordagem pedagógica vivenciada. Para compreender em profundidade essas experiências, outras técnicas de coleta de dados se fazem necessárias.

Levantou-se também um tema que traz as concepções sobre a evolução da matemática. As declarações significativas associam a matemática ao movimento da sociedade e à construção humana: “Ela existe desde os primórdios/ e pertence as maiores descobertas/ faz a análise de tudo que há no mundo” (P7); “Muitas vezes não agrada/ Contudo tem um papel muito importante na criação de uma sociedade” (P8).

A matemática é uma ciência de investigação cujo avanço se dá como consequência do enfrentamento de problemas. É importante que os futuros professores percebam que aquilo que se ensina deve ser útil aos estudantes e deve ajudá-los a compreender, explicar e organizar a sua realidade (D’AMBROSIO, 1993). Os desafios ou os problemas inerentes à matemática deveriam ser apresentados como característica particular do processo de aprendizagem. Assim, enquanto universitários aprendem sobre a profissão docente, sugerimos minimizar a ênfase na complexidade das atividades matemáticas, para torná-la acessível a todos. Compreender que a matemática é uma construção humana se faz necessário para que o docente assuma seu papel na educação como formador de cidadãos.

Considerações finais

Como resultado da proposta de elaboração dos poemas, captamos declarações significativas advindas da reflexão dos universitários. A pesquisa buscou compreender elementos da historicidade educacional dos licenciandos, e não da educação matemática ou da educação em geral; nesta pesquisa, não tivemos por intenção extrapolar ou generalizar conclusões. Cada verso trouxe consigo traços que deduzimos ser verdadeiros na perspectiva dos sujeitos. Os aspectos ali observados foram: sentimentos expressos pelos estudantes em relação à matemática; papel desempenhado pela matemática na sociedade; e concepções sobre o que é a matemática. As declarações transcritas nos poemas são fundamentadas em experiências culturalmente transmitidas aos universitários, ao longo da formação escolar básica, por seus professores.

Sentimentos negativos acerca da matemática são compartilhados por boa parte da sociedade. Na expectativa de compreender tais sentimentos, o projeto de pesquisa partiu do pressuposto de que seria necessário reconstruir e revelar os sentidos acerca das experiências com a matemática de ingressantes em um curso de licenciatura em matemática. Era preciso conhecer os significados construídos por eles, porque, possivelmente no futuro, quando esses universitários se tornarem professores, uma cultura de sentimentos negativos pode ser estabelecida com seus alunos pela reprodução de suas atitudes em relação à cultura de ensino da matemática.

Os dados coletados mostraram que os licenciandos apresentam sentimentos positivos em relação à matemática, ao contrário da maior parte da população. O que não era esperado é que os universitários expressassem sentimentos contraditórios em relação ao processo de ensino e aprendizagem (“matemática em toda parte”; “A matemática para poucos”). Entendemos que, quando os sujeitos afirmam ver a matemática em tudo, expressam a necessidade de aprendê-la, principalmente pela sua utilidade nos afazeres da humanidade. Por outro lado, ao afirmarem que “é para poucos”, tendem a supervalorizar seus próprios conhecimentos em relação a essa ciência e a ser excludentes, ao acreditar que nem todos são capazes de aprender. Para os universitários a matemática é fácil, mas, em oposição, eles projetam que para outras pessoas é complexa.

Por conseguinte, é necessário um olhar cuidadoso durante a formação desses estudantes na universidade, visto que são futuros professores e seu modo de conceber a matemática poderá influenciar de forma negativa os sentimentos e as atitudes de seus alunos. Quando se tornarem docentes, precisarão envidar esforços para tornar o processo educativo cada vez mais inclusivo. A matemática deve estar ao alcance de todos, não somente dos estudantes que são considerados mais capacitados.

Em nossa opinião é necessário explicitar orientações por meio do projeto político-pedagógico do curso de licenciatura, para que forneça uma visibilidade mais positiva da matemática. Recomenda-se diálogo e pesquisas que desenvolvam ações e ampliem o leque de práticas pedagógicas na educação básica e nos cursos superiores. Não expressar os diferentes contextos em que a matemática, em suas diversas formas, se faz presente pode levar o futuro docente a uma visão limitada sobre a abrangência dessa ciência. Supervalorizar a matemática, sem permitir a compreensão da sua interdependência com as outras ciências (humanas, naturais, política etc.), é uma ação corporativista. O corporativismo e o enaltecimento da intelectualidade inerente ao aprendizado da matemática trazem poucos benefícios a quem ensina e menos ainda àqueles que aprendem. O resultado final dessa reprodução cultural no ensino da matemática transforma alguns poucos em falsos semideuses, detentores de uma habilidade supraespecial. A outra parte da população agoniza, reproduzindo para as futuras gerações o sentimento de aversão à matemática.

Esta pesquisa limitou-se a reconstruir os significados e revelar os sentidos acerca das experiências em relação à matemática por um grupo de estudantes. Os poemas parecem ter sido suficientes para atender tal objetivo. Contudo, percebeu-se um novo paradigma a ser estabelecido. A técnica metodológica empregada, no caso, análise de poemas, não foi suficiente para reconstruir as experiências desses estudantes, na educação básica, em relação à prática pedagógica adotada pelos seus professores. Assim, outras ferramentas se fazem necessárias em pesquisas futuras.

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  • 2
    - Ao usar o termo experiência quando nos referimos à problemática e aos objetivos da pesquisa estamos explanando as vivências, ou seja, experiências vividas pelos sujeitos durante a educação básica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2020
  • Revisado
    20 Out 2020
  • Aceito
    24 Nov 2020
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