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O que é a ciência do espaço em Lefebvre? Desdobrando sua genealogia espacial

Henri Lefebvre on space science: unfolding his spatial genealogy

¿Qué es la ciencia espacial para Lefebvre? Desplegando su genealogía espacial

Resumo

Apesar de muitos trabalhos discutirem as proposições de Lefebvre sobre tópicos como modernidade, capitalismo e revolução urbana, poucas procuram esclarecer muitas de suas ideias que parecem confusas, entre as quais, a que mais importa para os estudos teóricos e empíricos em geografia e nas ciências sociais - a concepção de espaço. Partindo de obras significativas de Lefebvre, este trabalho visa jogar luz na genealogia espacial que ele propõe e que constitui o núcleo de sua ciência do espaço. Com efeito, destacamos que o espaço social lefebvreano é mais que uma coleção ou sistema de objetos e sujeitos, mas um espaço múltiplo e dinâmico, em constantes transformações, justaposições, desdobramentos e contradições.

Palavras-chave:
Henri Lefebvre; Espaço; Espaço social

Abstract

Although many papers discuss Lefebvre’s propositions on topics such as modernity, capitalism, and urban revolution, few of them make the effort to clarify many of his ideas that seem confusing, among which the one that matters most to theoretical and empirical studies in geography and social sciences - the conception of space. Starting from significant works by Lefebvre, this paper aims to shed light on the spatial genealogy proposed by him and which constitutes the core of his space science. Indeed, we emphasize that the Lefebvrian social space is more than a collection or system of objects and subjects, but a multiple and dynamic space, in constant transformations, juxtapositions, developments and contradictions.

Keywords:
Henri Lefebvre; Space; Social space

Resumen

Aunque muchos artículos discutan las propuestas de Lefebvre sobre temas como la modernidad, el capitalismo y la revolución urbana, pocos de ellos hacen el esfuerzo de aclarar muchas de sus ideas que parecen confusas, entre las cuales la que más importa a los estudios teóricos y empíricos en geografía y ciencias sociales: la concepción del espacio. Partiendo de importantes obras de Lefebvre, este artículo tiene como objetivo arrojar luz sobre la genealogía espacial propuesta por él y que constituye el núcleo de su ciencia espacial. De hecho, destacamos que el espacio social lefebvriano es más que una colección o sistema de objetos y sujetos, sino un espacio múltiple y dinámico, en constantes transformaciones, yuxtaposiciones, desarrollos y contradicciones.

Palabras clave:
Henri Lefebvre; Espacio; Espacio social

Introdução

É inegável a influência do pensamento lefebvreano na Geografia em muitos programas de pesquisas da disciplina. Porém, diferente de autores mais “internalistas”, como Pierre George, Milton Santos e Doreen Massey e de outros tantos pesquisadores importantes que discutiram o espaço na Geografia, Lefebvre não era um geógrafo, e sua audiência abrange sociólogos, urbanistas, filósofos e outros cientistas sociais. Isso já remete à indagação sobre como suas ideias são importadas para o campo de estudos geográficos e sociais. Essa abordagem não raramente envolve acomodações ou rupturas conceituais, conflitos com as ideias já estabelecidas e implicações metodológicas que incidem direta e indiretamente na maneira de encarar os fatos geográficos e seus mecanismos explicativos.

Lefebvre é um pensador de uma complexidade ímpar, dadas as profundas e diversas conexões e filiações com outros pensadores e escolas como Hegel, Marx, Nietzsche, Bachelard, teoria da linguagem, linguística e fenomenologia. 1 1 É preciso considerar, como destaca Machado (2008 ), que o interesse em torno do pensamento marxista o acompanhou em todas as fases da vida. Como tradutor de Marx para o francês, assim como de diversos livros em que relacionou o pensamento marxista ao campo da sociologia, à vida cotidiana, ao rural e ao urbano, Lefebvre procurou ampliar o pensamento marxista diante dos novos paradigmas da modernidade. Porém, parte considerável dos estudos sobre Lefebvre que tratam do espaço e de outras de suas concepções tendem a se centrar numa referência externa ou exclusiva, na maioria das vezes marxista, mas também fenomenológica e culturalista, além de outras abordagens e correntes emergentes (plurais e ecléticas) que atualmente se inclinam aos pós-modernismos e a leituras mais hermenêuticas de seus textos.

Outro ponto que se destaca é a grande extensão dos temas abordados por Lefebvre que encontram uma variedade de usos e interpretações. Alguns trabalham com ideias gerais que se destacam na vasta literatura lefebvreana, como a crítica ao neocapitalismo e a sociedade de consumo. Outros se baseiam em conceitos ou princípios mais específicos, como o “direito à cidade”, “relações de troca e uso do espaço urbano”, “a produção do espaço” e “cotidiano e cotidianidade”.

Seja como for, muitos dos conceitos, expressões e perspectivas de Lefebvre estão presentes nos estudos geográficos na atualidade, sobretudo no campo da geografia urbana e igualmente no que se chama de “perspectiva socioespacial”: um corpo de ideias, práticas e conceitos que se estabelece em torno da relevância da dimensão espacial como parte das determinações das relações e produções sociais.

Entre tantas abordagens, leituras e trabalhos elucidativos e interpretativos que se apoiam em uma ou outra matriz, contudo, este artigo, apesar de sua brevidade, visa fazer algo distinto das operações acima pontuadas. O que se busca aqui, ainda que seja também um esforço interpretativo, é discutir a formação de um conceito central que é o “espaço” na obra lefebvreana, porém sob uma abordagem mais analítica para atingir distinções que facilitem o entendimento daquilo que Lefebvre quer mostrar em suas ideias sobre sua espaciologia (Lefebvre, 2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974], p. 434).

É uma discussão que importa muito, pois, como já mencionado, o espaço e sua ontologia tem sido já há algum tempo o ente básico de conhecimento geográfico ( Soja, 1993SOJA, E. W. Geografias pós-modernas: a reafirmação do espaço na teoria social. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. ; Santos, 2006SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006. ; Massey, 2008MASSEY, D. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2008. ), como também adquiriu importância nas demais ciências sociais ( Giddens, 2003GIDDENS, A. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ; Löw, 2013LÖW, M. O spatial turn: para uma sociologia do espaço. Tempo Social, São Paulo, v. 25, n. 2, p. 17-34, 2013. ). É preciso compreender aspectos centrais, como a ideia de “produção do espaço”, ou, ainda, mutatis mutandis e os conceitos que derivam desse espaço produzido socialmente, como “espaço social”, “espaço abstrato/concreto”, “práticas espaciais”. São conceitos empiricamente generalizantes que estão muito presentes particularmente nas pesquisas socioespaciais.

Portanto, o problema com que nos defrontamos é: como nós, cientistas sociais/geógrafos, podemos tirar conclusões da ciência do espaço de Lefebvre para enriquecer nossa análise socioespacial? Para responder à pergunta, precisamos tentar distinguir o mais claramente possível os elementos que constituem as proposições de Lefebvre sobre o espaço.

Ao longo deste trabalho, o leitor encontrará: alguns dos elementos que tornam desafiante a interpretação de sua obra; os constituintes e determinantes para entender sua ciência do espaço; a emergência do espaço múltiplo e do corpo em sua espaciologia e, por último, a discussão da ideia de espaço social e seus desdobramentos.

Os desafios da interpretação e transposição

De início, precisamos lidar com dois pontos desafiadores que atravessam o estudo das ideias e proposições lefebvreanas: o primeiro é a vastidão e certo desconforto em lidar com a forma complexa como apresenta suas ideias, o que inclui seu próprio estilo de escrever; o segundo é o desafio que ele nos coloca de substituir uma visão fragmentada da realidade por uma visão mais abrangente e unitária.

Embora Lefebvre inspire os estudos socioespaciais e nele seja uma referência central, há uma distância entre o filósofo e o cientista social não apenas no propósito de formular conhecimentos, mas também no método.

Para o cientista, a clareza na identificação/formulação de problemas e em sua resolução constitui uma das regras do próprio método científico, bem como resolver um problema de cada vez. Considera-se canonicamente que, embora fragmentado, esse processo se interliga com outros estudos, melhorando a compreensão do que se mostra no aparente, inclusive com potencial de gerar respostas ou revelar novos enfoques e problemas.

Para o filósofo, não há barreiras ou limitações na exploração de suas ideias. Grande parte das vezes não se busca resolver problemas, mas, ao contrário, formulá-los e conectá-los com diversos aspectos lógicos e discursivos que visam levantar questionamentos ou propor cosmovisões. Não há necessidade de pesquisas experimentais, observacionais ou interativas.

Assim, Lefebvre 2 2 Contudo, não deixou de lado trabalhos mais empíricos e/ou de reflexão sobre a investigação científica, sobretudo numa fase de sua vida, como em torno de uma sociologia marxista e rural ( Lefebvre, 1986 ; Machado, 2008 ). é um autor profícuo, vasto e criativo na proposição de ideias e nas suas análises críticas, ainda que, grande parte das vezes, vertendo suas proposições num modo discursivo bastante intrincado.

É nessa reflexão polinuclear e extensa de Lefebvre que reside uma das maiores dificuldades de interpretação e transposição de seu pensamento, pois há aqueles que pinçam suas ideias e conceitos com o fim de aplicá-los diretamente à análise empírica de casos particulares ou estabelecer generalizações e aqueles que vão direto em busca de um sentido mais amplo, tirando conclusões mais gerais de sua obra.

Os primeiros correm o risco de aplicar conceitos originados de Lefebvre sem entender o universo que os interligam. Para os segundos, o risco está em reduzir todas as especificidades, a pluralidade e as filigranas das suas ideias a um pensamento monolítico, quase sempre em referência a outros pensadores e escolas, como a hegeliana, a marxista, a nietzscheana ou a fenomenológica.

O que fazemos aqui é um meio termo entre as duas: detemo-nos num ponto nuclear da sua obra, que é o espaço, e entendemos sua formulação e uso dentro de seu projeto global. Como se verá, isso nos leva a compreender o espaço em Lefebvre muito mais numa dimensão genealógica do que propriamente como um conceito geral e instrumental. Esse espaço não se define da maneira com que estamos acostumados, não cabe numa definição geral; em realidade, ele é transitório, se desdobra e se multiplica continuamente.

O segundo problema, muito maior, é a fragmentação versus a totalidade múltipla. Esse é um desafio lançado pelo próprio Lefebvre, que seria a limitação das ciências particulares quanto à compreensão múltipla e ao mesmo tempo unitária do espaço socialmente produzido.

Para Lefebvre, as ciências são, por natureza, agentes fragmentários do conhecimento, além de passíveis de manipulação pelo poder. Essa visão é compreensível, dado que Lefebvre se inseria num contexto de crise das ciências, com discussões sobre linguagem, objetividade e relativismo. Entre os questionamentos que foram lançados por diversos filósofos, estão o “segundo” Wittgenstein, que procurou mostrar o papel central da linguagem no acesso ao conhecimento do mundo, e filósofos como Thomas Kunh e Paul Feyerabend, que ressaltaram o componente social e subjetivo como parte da própria construção científica.

Portanto, como querer transpor - o que não é o mesmo que simplesmente transferir - o espaço em Lefebvre no campo de estudo das ciências particulares, uma vez que discutir “espaço” em Geografia ou Economia, Urbanismo etc. já é pressupor fragmentar o conhecimento?

Mas, subjacente a esse problema epistemológico, Lefebvre também está salientando que essa fragmentação insere a ciência na esfera política e ética, pois os conhecimentos produzidos não escapam das formas de apropriação e dominação, como o de se tornarem instrumentos de poder e da hegemonia. Como outras correntes mais críticas da Geografia, Yves Lacoste (1988LACOSTE, Y. A geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Campinas, SP: Papirus, 1988[1976]. [1976]) também alertou sobre isso.

Contudo, esse é um desafio que certamente não podemos enfrentar, muito menos resolver aqui. O que fazemos é clarificar como Lefebvre o abordou, tendo o espaço como centro de sua proposta unitária e concreta. Antes de adentrar essas ideias, discutimos algumas chaves importantes para entender sua concepção espacial.

Chaves para entender a ciência do espaço de Lefebvre

Durante muito tempo, a Geografia herdou de Kant a ideia do espaço como uma categoria a priori , isto é, um construto universal que vindica organizar o mundo sensível. Essa pressuposição intelectual que se passa por condição necessária para estudar o mundo talhou na Geografia como princípio fundador e generalizador, afirmando que é possível reduzir o espaço a uma categoria inteligível. No entanto, o máximo que poderíamos fazer seria apenas colher descrições a partir de nossas impressões e outros conceitos derivados desse espaço categórico, pois em Kant não é possível chegar à coisa em si.

Por sorte, o pensamento científico se fez valer mais do que o construtivismo kantiano na Geografia, pois é certo que identificamos níveis explicativos para a realidade que vão além das aparências e meras descrições. E isso se manifesta nas várias maneiras como os geógrafos encontram fatos espaciais/geográficos que, embora particulares, podem ser alçados a generalizações com base nas suas causalidades, conceitos e interfaces (sociais e naturais). Isso se dá por meio de métodos sistemáticos e de entendimento dos mecanismos explicativos cujo conteúdo, forma, distribuição e extensão podem ser classificados, criticados e muitos até graficamente visíveis.

Por isso a Geografia é uma ciência ideográfica e nomotética ao mesmo tempo ( Bunge, 1999BUNGE, M. Las ciencias sociales en discusión: una perspectiva filosófica. Buenos Aires: Sudamérica, 1999. ). A princípio, ela se apoia em descobrir particularidades socioespaciais ou naturais e depois pode ir em busca de padrões e regularidades com base em semelhanças e dessemelhanças cuja validade pode ser confirmada ou discutida. Isso se aplica a entidades geográficas como zonas climáticas, países periféricos, cidades médias e domínios morfoclimáticos.

Não obstante, o grande desafio ontológico e epistêmico para os geógrafos é o de apreender analiticamente e de forma compreensível uma realidade espacial que muda às vezes muito rapidamente e sob dinâmicas muito complexas, o que impõe sempre uma atualização de suas análises críticas e/ou modelos. Assim, a Geografia tem um triplo e simultâneo desafio, que é raciocinar sobre aquilo que constitui os espaços, o porquê de suas diferenças e o porquê de suas impermanências.

Pois bem, em Lefebvre, a perspectiva é diametralmente oposta tanto à do construtivismo kantiano quanto à concepção de uma realidade externa ao sujeito e desafiada pela investigação científica. Em vários pontos de A produção do espaço , 3 3 Nos anos 1960-70, Lefebvre se dedica intensamente às questões urbanas e de sua espaciologia ( Machado, 2008 ). o autor deixa claro que tratar do espaço é eliminar a separação entre sujeito e objeto, como destacou aqui:

La filosofía ha superado difícilmente los dualismos: el sujeto y el objeto, la res cogitans y la res extensa de Descartes, el Ego y el No-Ego de los kantianos, postkantianos y neokantianos. Este uso “binario” nada tiene que ver con las concepciones maniqueas de la lucha encarnizada entre dos principios cósmicos: su dualismo es de tipo mental, vaciado de la vida, del pensamiento, de la sociedad (de lo físico, de lo mental, de lo social; de lo vivido, de lo percibido y de lo concebido) todo aquello que forma la actividad viva. Tras el esfuerzo titánico de Hegel y de Marx, la filosofía vuelve a caer en las llamadas oposiciones “pertinentes”, arrastrando con ello - o quizá siendo arrastradas por ello - a diversas ciencias especializadas, y so pretexto de la transparencia, determinando lo inteligible en términos de oposiciones y sistemas de oposiciones ( Lefebvre, 2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974], p. 98).

A maneira como busca superar esses dualismos é uma das maiores dificuldades para se entender e aceitar Lefebvre: ele está rompendo simultaneamente com grande parte da tradição cientifica e, ao mesmo tempo, com grande parte da tradição filosófica que vem da epistemologia iluminista, questão que muitas leituras ignoram completamente. Para Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]), a fragmentação do conhecimento começa ao se separarem as coisas e objetos de suas qualidades sensoriais e perceptivas como se fossem realidades externas e internas.

Devemos lembrar que, tradicionalmente, a ciência pressupõe uma separação epistêmica: uma ordem de abordagem centrada nas qualidades primárias (objeto em si) e outra ordem para as qualidades secundárias (as percepções em torno do objeto) que, por sua vez, separam objeto e sujeito.

A título de ilustração, pressupomos externamente, 4 4 Também conhecido como “doutrina do realismo epistemológico externo”. para fins de objetividade, que há um espaço urbano edificado e material que independe de como as pessoas pensam nele, isto é, se eu deixar de acreditar que existem cidades, isso não vai importar para sua existência, mas, por outro lado, tenho o direito de aceitar que, derivadas dessa realidade, há pessoas e diferentes grupos que percebem e vivem nesse mesmo espaço de diferentes maneiras e que, se elas desaparecerem, essas experiências também desaparecerão. É isso que costumamos chamar de “qualidades fenomenais ou secundárias”.

Para Lefebvre, o problema principal com esses dualismos e binarismos é que não há como isolar concretamente uma coisa da outra, pois o que é relativo e subjetivo (que se sedimenta em imaginários, percepções e experiências várias) também é real e corpóreo. Coisa e fenômeno não se opõem metafisicamente, mas convertem-se sempre um no outro, tanto como pensamento e prática ( Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. Lógica formal lógica dialética. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. , p. 219).

Por exemplo, uma paisagem geográfica não é tão somente mental ou tão somente material. Não há duas análises ou explicações (uma material e outra representativa). Para Lefebvre, isso tudo são aparentes e fragmentadas formas de conhecimento. Apenas apreendem realidades parciais e transitórias, pois se ignora que a experiência de quem vive essa paisagem também a produz e a vivencia coletivamente num contexto material e histórico cujo movimento se dá por contradições e justaposições. Além disso, sem a interação entre sujeito e objeto como um corpo, não há nem mesmo a possibilidade da cognoscibilidade.

A crítica de Lefebvre a esses dualismos e dicotomias baseia-se a princípio em filosofias anteriores, como do pensamento tanto hegeliano como marxista que destaca a dialética das oposições/contradições, porém em torno de sínteses concretas e como um espiral sempre em movimento. Mas, também da filosofia bergsoniana, que rejeita a realidade dividida entre res cogitans e res extensa , bem como da fenomenologia desde Husserl, 5 5 De Husserl, absorve a ideia de que ter consciência é ter consciência de algo, e não um mundo metafísico vazio ou isolado, mas refuta as ideias que derivam para especulações sobre o “nada” ( Lefebvre, 1983 , p. 101). que critica o positivismo na forma como torna opaco o mundo perceptivo e somático da vida.

No entanto, a fórmula que Lefebvre encontra para superar esse dualismo e essa visão fragmentada da realidade é um projeto alicerçado numa visão unitária do conhecimento e num processo em três termos (trialético ou triádico), o que veremos adiante. Além disso, sua ciência do espaço também estará fundamentada não apenas num processo triádico, como na centralidade do corpo, condição indispensável na superação binária e dicotômica do sujeito e objeto.

É interessante notar que essa dimensão de análise dada ao espaço em torno do corpo e representação não é estranha à Geografia; aliás, está muito próxima dos trabalhos de Eric Dardel (2011DARDEL, E. O homem e a terra: natureza da realidade geográfica. Trad. Werthel Holzer. São Paulo: Perspectiva, 2011. ) e Yi-Fi Tuan (2012TUAN, Y.-F. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Londrina, PR: Ed. UEL, 2012. ), que também foram muito influenciados pela fenomenologia. Mas o que diferencia Lefebvre é que seu projeto justamente busca uma teoria unitária que supere a disjunção gnosiológica entre absoluto e relativo, qualidades primárias e secundárias ou ainda mental e social.

Mas, a despeito dessa virada epistêmica que ancora substancialmente a concepção de espaço em Lefebvre, é preciso entender outros pontos cruciais em sua ciência do espaço, a começar por sua genealogia, pois Lefebvre não faz uma narrativa histórica linear do espaço. Isso quer dizer que não estamos falando do espaço como uma seta que segue apenas uma direção na história ou algo de origem e fim, mas como algo que se reproduz dialeticamente (sempre como movimento entre mais de um termo ou entidade), que assume diferentes formas, conteúdos, percepções, simultaneidades e que se multiplica gerativamente, sem necessariamente lograr um fim ou sem que possa ser identificado um começo. Não há um antes e depois do espaço.

Dito isso, o espaço de que fala Lefebvre não cabe numa projeção nem se reduz a periodizações e ciclos; tampouco pode ser visto apenas como um lugar de estar ou mesmo um lugar vacante à espera de ocupação. O espaço não é simplesmente uma externalidade ao sujeito, ou seja, uma entidade conhecida, mas é vivido e praticado, se desenvolve no movimento da sociedade incorporando passado e presente, lutas e solidariedades, recuos e avanços.

Essa dinâmica genealógica tem o mérito de focar em como os espaços se transformam no presente a partir do passado e como se projetam para o futuro ao mesmo tempo. Com essa chave, joga-se luz nas forças, nas contradições, nos vestígios e nas potencialidades subjacentes às mudanças na produção do espaço e que continuam se sucedendo. Apreende-se sua lógica ou sua dialética, sua condição e movimento, daí ser um método também retrospectivo e prospectivo ( Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. Lógica formal lógica dialética. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. , 2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]).

Certamente, o espaço em Lefebvre (1991LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991[1968]. [1968], 2018) também não se reduz a uma entidade isotrópica euclidiana-cartesiana (plana e mensurável), que ele chama de “espaço abstrato” e que se dá muitas vezes sob padrões, classificações ou dominações. O espaço inclui, em sua produção e como parte de sua constituição, a vida social, não apenas as ações que se externalizam e os sistemas de objetos, mas também as crenças, imaginários e ideologias daqueles que produzem e praticam espacialidades.

Por isso, para Lefebvre, não há sentido em separar sujeito e objeto, ao menos como realidades distintas e separadas. Não são uma dualidade, pois espaço e corpo não estão na verdade separados, tampouco são externos um ao outro, mas são um processo coextensivo e contíguo, ainda que se desdobrem de forma multiplicável e diferenciável.

Portanto, Lefebvre busca tratar o espaço de modo diferente do que costuma fazer um cientista social, já que este delimita os objetos de estudo de forma fenomênica, espacial e temporal, isolando-os objetivamente. É um projeto unitário (não totalizante) que Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]) propõe e que contorna as visões fragmentadas, descontínuas e muitas vezes anacrônicas do espaço.

Nessa senda, Lefebvre chega, então, à ideia de diversidade, do múltiplo, das simultaneidades que se dão como produções do espaço e que muitas vezes são apagadas por suas abstrações e fragmentações. Sua abordagem é crítica, pois sua intenção final é desencobrir as várias relações, formas e conteúdos que compõem as espacialidades, destacando seu caráter múltiplo, que garante a reprodução da vida social nas suas várias manifestações e particularidades.

Vamos agora nos dedicar ao caráter múltiplo do espaço, pois este é seguramente um aspecto central na ciência do espaço de Lefebvre, espaço que, na verdade, se multiplica no âmbito simultâneo das percepções, das representações e das vivências em sociedade, assim como se multiplicam em face de relações, justaposições e contradições construídas socialmente.

Espaço múltiplo e corporificado de Lefebvre

Para iniciar a discussão sobre a natureza múltipla do espaço em Lefebvre e seus desdobramentos, podemos considerar que o espaço é múltiplo quanto a suas morfologias (plural), representações e percepções (poliscópico) e em seus conteúdos, funções e estruturas (polivalente). Mas como esse “múltiplo” se origina? E o que junta tudo isso unitariamente? Ou o que está na essência (como determinante) dessa multiplicidade?

Como vimos anteriormente, para Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]) o espaço não é apenas uma externalidade, como se fosse uma projeção, um sistema de coordenadas, um lugar que se investiga ou um lugar à espera de ocupação (receptáculo): é fundamentalmente uma entidade corporificada por meio de relações quantitativas e qualitativas que se convertem uma na outra. Mas por que Lefebvre destaca a centralidade do corpo na constituição do espaço?

Isso se deve primeiro ao fato de que ele quer tornar o espaço apreensível epistemologicamente enquanto uma entidade não apenas natural, com também da vida social. Segundo, para lhe dar uma concreticidade, isto é, uma entidade que reflete, incorpora e reproduz a produção histórica e social. 6 6 Aí ele se separa do universal inatingível de Kant e se junta à ideia de universal concreto de Hegel, isto é, daquilo que se realiza como mundo pensado, porém, como nos lembra Schmid (2012 ), Lefebvre, num sentido dialético, também se volta ao materialismo marxista de uma produção que se materializa como mundo pensado na e pela prática social.

A crítica de Lefebvre se dirige primeiramente à concepção de um espaço físico absoluto e infinito, o que gera uma ideia de espaço sem contornos e indiscernível, como se pressupõe na mecânica newtoniana. Mas, como destacara Leibniz, o espaço se torna discernível ao se introduzirem coordenadas, eixos, direção e orientação: o espaço são relações.

Mas há dois problemas que Lefebvre precisa enfrentar nessa perspectiva: o primeiro é a anterioridade do corpo, pois, para ele, é sem sentido que haja um espaço esperando para se encontrar com um corpo ou vice-versa; o segundo problema é que um espaço como relações implica um sujeito que o torna perceptível e cognoscível e, nesse caso, há o perigo de cair numa tese dualista e subjetivista do espaço.

Para resolver essas questões, Lefebvre precisa se voltar ao corpo não como uma entidade externa ao espaço, ou um ser e o nada. Lefebvre destaca a necessidade de corporificar o espaço, mas o corpo sendo espaço e espacializando o mundo, isto é, corpo que o defina, crie suas direções, seu conteúdo e se manifeste materialmente. Corpo e espaço se convertem um no outro. Não dá para falar de corpo sem pensá-lo espacialmente, nem de espaço sem pensar no corpo.

É como espaço corporificado que se determina sua concretude, que se pode situar a produção do espaço como uma entidade singular (individualizável), universal (generalizável) e particular (diferenciável). Com o corpo é que surgem espacialmente um dentro e fora, centro e periferia, interações, contornos, distâncias, visibilidades etc. ( Lefebvre, 2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974], p. 218).

O corpo se institui como espaço e o espaço, como corpo. Nesse caso, Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]) chama a atenção para o corpo vivo como uma entidade orgânica e social, que é capaz de criar formas e conteúdos, produzir coisas, e, ao mesmo tempo, cuja produção espacial também interfere e molda o corpo. Nas palavras de Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974], p. 218):

Antes de producir efectos en lo material (útiles y objetos), antes de producirse (nutriéndose de la materia) y antes de reproducirse (mediante la generación de otro cuerpo), cada cuerpo vivo es un espacio y tiene su espacio: se produce en el espacio y al mismo tiempo produce ese espacio. Es una relación notable: el cuerpo, con sus energías disponibles, el cuerpo vivo, crea o produce su propio espacio; inversamente, las leyes del espacio, es decir, las leyes de discriminación en el espacio, gobiernan al cuerpo vivo así como el despliegue de sus energías.

Mas o que é produzir espaço no sentido social? 7 7 Como lembra Sobreiro Filho (2020 ), Lefebvre crítica o sentido abstrato em que esse conceito se apresenta em Marx e Hegel; contudo, absorve de Marx a ideia do movimento e das transformações que o sentido de produção terá na história. Para Lefebvre, produção não se reduz a uma etapa de um processo, ou a um produto acabado, mas integra modos como as relações sociais (forças, modos e organização de produção) historicamente se desenvolvem na constituição do espaço, abrangendo seu tempo social, suas codificações e contradições. Afinal, “não há produção sem contradição, sem conflito a começar pela relação do ser social com a natureza através do trabalho” ( Lefebvre, 1986LEFEBVRE. H. De lo rural a lo urbano. Barcelona, ES: Península, 1986. , p. 19). Produzir espaço é produzir a própria sociedade e suas diferenças: produção a partir da nossa condição ao mesmo tempo orgânica, ambiental e social.

Os modos de produção, as trocas, as diversidades culturais, as representações, as memórias, ideologias, religiosidades constituem sempre um processo que pressupõe espaços e que se desdobra efetivamente pelas práticas sociais e espaciais, muitas vezes se justapondo, não raro estabelecendo contradições e projetando o futuro.

Nessa gênese espacial de um espaço que se multiplica como corpo e sociedade é que Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]) destaca que nenhum espaço desaparece completamente, mas são continuamente transformados (metamorfoses), sofrem transferências, substituições, justaposições e interpenetrações. Por exemplo, os espaços urbanos, econômicos e institucionais são penetrados pelo espaço-natureza, espaço religioso, político, cotidiano e prático-sensível.

Essas transformações e desdobramentos do espaço se dão num processo triádico e corporificado, que começa como singularidade, isto é, no nível do sensível e prático, por aquilo que é agradável/desagradável; aceito/não aceito; belo/feio. Esse é o nível do percebido que costuma ser sentido num primeiro momento em termos de disjunções. Outra dimensão, é o da particularidade, isto é, espaços produzidos na diferença, em que se identificam produções, percepções, representações que se diferenciam das de outros grupos e espaços sociais. Por fim, a dimensão do geral ou universalidade, em que se impõe os códigos do espaço, suas divisões, ordens, arranjos, princípios de coexistência.

Mas Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]) compreendeu esse processo também de modo internalizado e estrutural: aquilo que se percebe e se apreende no sensível, no imediato contato com o mundo, ele denominou intuitus . Contudo, com o tempo, a repetição/recriação, os ritos, as institucionalidades derivadas da vida cotidiana fazem com que as ações se tornem práticas (espaciais e/ou sociais) ou modos de fazer e produzir, que reconheceu no conceito de habitus . 8 8 O conceito de habitus está presente em outros diversos pensadores da filosofia e teoria social ( Wacquant, 2007 ), o traço comum que perpassa suas variações é a busca de um mecanismo (internalização, homologias, disposições...) que faz o passado se tornar presente em termos de práticas e relações sociais. Em seguida, ou de modo paralelo, se dá a abstração do espaço, seu planejamento, sua geometria, suas estratégias, os territórios, que denominou intellectus . É aqui que emerge o espaço abstrato cujo conteúdo se constitui de práticas espaciais e projetos que visam ao domínio.

Finalmente, essas tríades adquirem um sentido ainda mais concreto ao se projetar como espaços corporificados, estruturados e representados, mas sob tensões, dialéticas e desdobramentos na história e como espaços sociais. Podemos distinguir assim: o espaço percebido , que se refere as experiências do cotidiano, as relações mediadas internamente e externamente pelo corpo; o espaço vivido aquele produzindo pelos praticantes, regido em torno de ações estruturadas socialmente, bem como por imaginações e diversas interações, em que se revela a multiplicidade dos espaços sociais. Finalmente, o espaço concebido , são as representações e ações a partir agentes que visam ordenar/dominar o espaço e não raro negar o espaço múltiplo. Segue-se um quadro sinóptico desse processo triádico ( Quadro 1 ):

Quadro 1
Quadro sinóptico do processo triádico de Lefebvre

Um aspecto importante é que como Lefebvre não trata o espaço somente como coisa, mas o entende também como um processo triádico e dialético, isso permite pensar que toda espacialidade produzida sempre se dá a partir de espaços preexistentes, construídos social e historicamente e que se projetam para o futuro a partir das mudanças no presente.

Pode-se perceber que, de modo geral, nas obras de Lefebvre, seu pensamento opera por um movimento de vaivém, como entre o singular, o geral e o particular (trialético), ou, ainda, como um método regressivo-progressivo que permite transitar entre formas e estruturas espaciais do passado e aquelas que se manifestam no presente, mas que estão em movimento para o futuro e sua transformação - isso se deve a sua visão genealógica do espaço.

Alguém poderia sugerir, então, que o espaço em Lefebvre é tão-somente uma entidade relacional, mas isso simplificaria sua espaciologia, pois o espaço lefebvreano não é apenas uma coleção de objetos físicos ou formado de relações como pontos que se conectam à distância e no tempo, nem mesmo é uma entidade que resulta de uma produção como fim de um processo (epifenômeno). O espaço não é o fim do processo de produção social em Lefebvre.

O sentido de corpo ou da corporeidade do espaço lefebvreano é justamente o que permite entender o espaço não apenas como um conceito ou um pano de fundo da reprodução social, mas a entidade que toma parte ativa nas próprias relações sociais ( Silva; Ornat; Chimin Junior, 2019SILVA, J. M.; ORNAT, M. J.; CHIMIN JUNIOR, A. B. O legado de Henri Lefebvre para a constituição de uma geografia corporificada. Caderno Prudentino de Geografia, v. 3, n. 41, p. 63-67, 2019. ) - por isso não é um epifenômeno. Além disso, é como corpo e manifestação da produção social que se pode dizer que o espaço é consumido, trocado, alterado e, ainda, se constituir como uma entidade simbólica, uma propriedade, um território entre outras formas e estruturas espaciais possíveis.

O espaço da natureza, por exemplo, teve e ainda tem diversas formas de dominação e apropriação. Sob agressões e transformações, é visto na sociedade capitalista como um recurso ou mercadoria, mas também é uma estética ou conceito, um espaço artificializado que simboliza referências naturais do passado. Essa primeira natureza não desapareceu totalmente, mas é consumida, estetizada, representada e moldada, isto é, por outras formas de produção da natureza que se justapõem e se desdobram. É o presente que recria o passado e se projeta para o futuro - mais uma vez, o sentido regressivo-progressivo de seu processo triádico.

Pode-se dizer que uma importante diferença entre o espaço lefebvreano e o espaço da geografia tradicional é que o espaço em Lefebvre não é uma superfície ou sistema tão-somente de objetos, mas abrange tudo o que se corporifica como produto das relações sociais, e, por isso, o espaço encarna ações, percepções e representações. E é também por essa perspectiva que Lefebvre pode abrir e reconhecer uma imensa palheta espacial de análise como a produção de espaço abstrato, histórico, político, social, do trabalho, do lazer, do corpo feminino etc.

E assim chegamos ao entendimento do múltiplo em Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]), pois os espaços sob diversos modos de fazer e produzir resultam em incontáveis formas e conteúdos, distintos nos seus usos e representações. Os espaços se multiplicam a partir dos espaços sociais construídos e preexistentes, mas num sentido de metamorfoses, justaposições e interpenetrações, conservando alguns aspectos, mudando outros, e até criando novos espaços, assim como novas contradições e formas de uso.

Cumpre também destacar que ao menos esta noção de múltiplo e transitório do espaço social em Lefebvre não foi ignorada pela Geografia, dado que é comum usarmos o conceito de paisagem para dar relevo a essas propriedades espaciais aparentes e transitórias, embora muitas vezes de modo fragmentado, sobretudo, separando o mental e o social.

O espaço social e a relação entre fragmentação e homogeneização

Tendo em vista a genealogia e o caráter múltiplo do espaço em Lefebvre, temos, então, que falar sobre alguns de seus desdobramentos ulteriores e vamos destacar ao menos dois deles que apresentam forte interesse prático e empírico para as ciências sociais.

O primeiro deles é a concepção lefebvreana de espaço social , que deriva do caráter múltiplo do espaço, como salientamos acima. Com efeito, o espaço social lefebvreano não é apenas o lugar onde estão e se distinguem os grupos sociais, como é mais comum nas descrições da Geografia. Para compreender o espaço social em Lefebvre é preciso minimamente distinguir três dimensões indissociáveis e interpenetráveis, que são a forma, a estrutura (ou relacional) e o conteúdo.

De início o espaço social resulta do trabalho das pessoas, trabalho que não se restringe às relações biofisiológicas, mas abrange diversas relações, como de trocas econômicas, intergeracionais, sexos, classes ( Lefebvre, 2009LEFEBVRE, H. State, space, world: selected essays. Trad. Gerald Moore, Neil Brenner e Stuart Elden. Ed. Neil Brenner e Stuart Elden. Minneapolis/London: University of Minnesota Press, 2009. , p. 186) e nelas se mescla. Essas relações se dão como produção de espaços sociais e podem ser construídas como relações solidárias, hierárquicas, subordinadas, heterônomas etc. e sempre refletem uma morfologia espacial, isto é, formas geométricas/geográficas que refletem esse trabalho ou produção. Em outros termos, as ações do corpo biológico e nas suas diversas relações se projetam como um corpo social (sociedade), materializando e projetando as lutas, necessidades, permutas, desejos e objetos enquanto um corpo espacial ou espacialidades.

De acordo com esta genealogia não apenas ocorre a reprodução das ações como as divisões. A multiplicação dos espaços guarda em sua essência as diferentes formas de trabalho possíveis e imagináveis, que, conforme se tornam mais complexas, geram divisões do trabalho. Mas há outras divisões que se refletem no espaço social que se justapõem a outras divisões, como aquelas que derivam das distinções de gênero, sociais, territoriais, religiosas, sexuais e políticas. São divisões que se projetam e se materializam como espaços sociais. 9 9 O espaço social lefebvreano guarda aspectos muito semelhantes aos do espaço social em Bourdieu (1996 ), para quem o espaço emerge como reflexo das hierarquias e distinções sociais na morfologia física ou espacial.

Uma imagem deste processo numa escala pequena é quando observamos uma festa: não nos restringimos apenas a um lugar físico onde se agrupam uma cultura em termos de relações festivas, mas percebemos outras relações sociais e suas divisões (entre gêneros, idades, classes) que podem surgir como seus microespaços, revelando aproximações, oposições, hierarquias, distinções que tornam esse espaço social dinâmico e em metamorfose.

Contudo, essas divisões não são estanques ou isoladas em si mesmas: elas podem se desdobrar, sincretizar, hibridizar ou mesmo diferenciar. Em Lefebvre, coisas e relações não se limitam entre si. As fronteiras visíveis (muros, cercas) ou simbólicas só fazem surgir a aparência de uma divisão absoluta, pois os espaços de uma habitação separados por barreiras e muros ou os fragmentos de uma cidade são distintos, mas indissociáveis. Pode haver entre eles relações funcionais, hierárquicas, organizacionais, simbólicas e econômicas. Em suas palavras:

El espacio (social) no es una cosa entre las cosas, un producto cualquiera entre los productos: más bien envuelve a las cosas producidas y comprende sus relaciones en su coexistencia y simultaneidad: en su orden y/o desorden (relativos) ( Lefebvre, 2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974], p. 129).

Outro modo de entender a ideia de espaço social em Lefebvre é quando falamos, por exemplo, de um espaço religioso. Em princípio, estamos apenas fazendo referência a um conteúdo de relações bastante geral e abstrato, mas, quando entramos nos espaços vividos e das diferenças, encontramos um processo de reprodução e divisão de espaços sociais religiosos como o candomblé, o católico, o protestante, o hindu etc., que muitas vezes se mesclam em práticas, signos e representações, resultando em outras formas religiosas e espacialidades. Embora essas relações de coexistência e simultaneidade também possam se dar por conflitos e rupturas, se desdobrando em novas divisões e particularidades religiosas nos espaços e tempos.

Outro exemplo mais calcado no espaço urbano é quando se estuda nessa óptica o espaço de lazer dos jovens, que não se resume apenas a um local de diversão, como um produto final, mas inclui circuitos, escalas e nomadismos que esses jovens fazem na noite, se apropriando, criando e produzindo sua espacialidade de lazer diante de diferentes barreiras, usos, simbolismos e representações. Espaços que se apropriam a partir de espaços preexistentes, às vezes produzidos sob outros sentidos, usos e funcionalidades. O que não raro estabelece tensões e conflitos entre diferentes grupos e lógicas de uso, configurando um geometria espacial de poder na cidade ou luta por espaço na cidade.

Certamente, o entendimento do espaço social lefebvreano impõe um esforço etnogeográfico, o que significa dizer que é necessário que se revelem as interações, as proxemias, as trocas, as comunicações, as disputas, a solidariedade e as divisões em torno das diversas morfologias espaciais em produção. O espaço social lefebvreano não está restrito ao estudo do arranjo espacial, mas engloba, num sentido unitário, as representações, os simbolismos e as práticas inerentes a uma determinada construção social e espacial (forma, conteúdo e estrutura).

Desse modo, sobre a noção de espaço social em Lefebvre, há três aspectos centrais: (1) os espaços como corpo e relações de produção podem herdar formas e conteúdos pretéritos ou até mesmo se metamorfosear com os espaços construídos no presente e engendrar novos espaços, (2) os espaços sociais se dividem e reproduzem sob diferentes conteúdos relacionais (religioso, político, sexual etc.) e (3) os espaços sociais não são entidades isoladas, mas suas divisões e fragmentações se dão em diversos tipos de relação (solidária, híbrida, conflituosa, assimétrica etc.).

São justamente esses aspectos que compõem a ideia de espaço social em Lefebvre que importam para os estudos sociais e geográficos, pois tratam as diferenças como relações e se abrem às várias possibilidades de produção espacial, em diferentes escalas e conteúdos.

Portanto, o espaço social em Lefebvre não se reduz a uma coleção de grupos sociais circunscritos fisicamente num tipo de superfície plana e unidimensional; inclui espaços produzidos socialmente que podem coexistir, se articular ou se justapor numa cidade, como o espaço da casa, das festas da noite, dos circuitos de troca, das relações de trabalho ou, ainda, os espaços que se dão a partir de relações de busca de autonomia, como dos corpos femininos e homoafetivos que estabelecem espacialidades na luta contra espaços dominantes. O espaço também é político, pois tanto incorpora como reproduz conflitos, tendências, contradições que resultam da vida em sociedade.

Outro desdobramento da espaciologia de Lefebvre é que falar em espaço múltiplo não é o mesmo que falar em espaço fragmentado. Enquanto o primeiro é regido pelo sentido de uso e apropriação diferenciada por diversas formas de vivências e representações em sociedade, o segundo se faz pela dominação e por sistemas hegemônicos de trocas.

Como já foi discutido, o múltiplo em Lefebvre busca dar relevo ao espaço das diferenças. Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974], p. 445) destaca que indivíduos, grupos, classes só podem ser reconhecidos como sujeitos gerando ou produzindo um espaço no âmbito de suas práticas. Assim, o trabalho, as realizações, as representações dos sujeitos precisam criar uma morfologia espacial, precisam de um espaço para suas autonomias e visibilidade. Mas a autonomia não é dada de forma absoluta: em realidade, o espaço se dá pela luta contra forças heterônomas.

A fragmentação dos espaços resulta justamente da expansão da heteronomia em nível cada vez maior na modernidade e no capitalismo. São práticas espaciais desenvolvidas num sentido de poder e domínio, que visam reproduzir racionalidades dominadoras nos espaços sociais. Esse processo se deu fortemente com a emergência da mercadoria, pois tornou o espaço de trocas um grande sistema e subsistemas (lugares de consumo, mercado, setor terciário, capital bancário, capital financeiro etc.) que hegemonicamente se sobrepõem ou se infiltra nos espaços sociais diferenciados.

Porém, Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]) salienta frequentemente que é uma fragmentação espacial que ocorre também como uma globalidade ou homogeneização. Apesar da aparente contradição, o processo de fragmentação ocorre com base em uma lógica que é imposta universalmente, como a do consumo dirigido ( Lefebvre, 1991LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991[1968]. [1968]), a da presença dominante da imagem sobre outros sentidos, a de uma divisão de trabalho mais complexa e autoritária. Em síntese, as particularidades desaparecem em prol de uma universalidade restritiva.

Universalidade imposta que ocorre também pelo Estado, que opera em favor de um espaço abstrato por meio da planificação, das arquiteturas, do habitat , que tudo ordena e separa segundo uma racionalidade tecnocrática e capitalista.

São fragmentações que operam a partir de uma universalidade lógica que, sob a égide das forças dominadoras, vão abolindo ou encobrindo outras diferenças e distinções reais e produzem desigualdades e desencontros. Lefebvre (1991LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991[1968]. [1968], 2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]) destaca que os espaços sociais se reproduziam antes da era industrial em termos de maiores aproximações e convivências. Nas vilas, os espaços do trabalho, da família e das festas coexistiam numa esfera social mais coesa, que não necessariamente abolia suas diferenças. O espaço privado também não era tão distinto do espaço público.

Contudo, no neocapitalismo, as formas econômicas se tornaram mais centralizadoras e capazes de movimentar grandes forças para expandir o espaço das trocas (comércio, transações bancárias, moeda, mais-valia etc.), englobando cidades, países e regiões.

O resultado concreto disso é que surgiu a marginalidade em relação a um centro que comanda e domina. É isso que se densifica como uma centralidade econômica ou que comanda um circuito da mercadorias, centralidade que também é reforçada pela planificação administrativa ou estatal.

Lefebvre (2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974]) também chama a atenção para o fato de que a fragmentação espacial também acelerou, já que o espaço informatizado e racionalizado opera a distância e de modo hierarquizado. Lefebvre reconhece também que essa fragmentação espacial acompanha a fragmentação científica e técnica que especializa os espaços e suas conexões ( Lefebvre, 2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974], p. 368).

Esse processo global e homogêneo gera separações artificiais, desordens, divisões, guetos, segregações, exclusões de toda ordem. Enfim, fragmenta o espaço por oposições e hierarquizações com base numa lógica dominadora. Sempre, convém lembrar que essas formas de oposições em Lefebvre, além de um sentido de fragmentação, se ancoram em ilusões, alienações e opacidades em torno do real.

Contudo, o espaço social lefebvreano não é inerte ou passivo; nele se engendram também resistências, contraordens, espontaneidades, solidariedades. Por isso, contra os espaços heterônomos, deve-se dar atenção à luta que ocorre no cotidiano ou no subterrâneo da vida, às lutas que ocorrem pelo direito ao espaço como produto de contradições e aspirações.

Lefebvre destaca o papel da resistência e a revolução pela reapropriação dos espaços, que não procede de um grupo apenas, de uma elite, mas em meio a relações interclasses e grupais. São essas coalizões nas suas diversidades e diferenças que podem fazer frente à abstração e produzir contraespaços que se oponham às forças centralizadoras de poder ( Lefebvre, 2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Trad. e intr. Emilio Martinez Gutiérrez. Madrid: Capitain Swing, 2013[1974]. (Colección Entrelíneas.) [1974], p. 412). Portanto, qualquer revolução urbana precisa ocorrer como uma revolução do espaço, pois no espaço é que se dão as lutas e transformações da vida cotidiana ( Pereira, 2018PEREIRA, C. S. S. “Mudar a vida”: da revolução urbana à revolução do espaço - o projeto de Henri Lefebvre. GEOgraphia, v. 20, n. 43, p. 21-33, 2018. ).

Por último, é preciso estar ciente de outros desdobramentos importantes da ciência do espaço de Lefebvre que merecem ser escrutinadas, como: a discussão sobre a extensão do conceito de práticas espaciais; a relação espaço público e privado; as dimensões do espaço enquanto de troca e uso; bem como, os vários desdobramentos a partir da emergência da ubiquidade do espaço imagético na vida cotidiana. São aspectos importantes de sua espaciologia e que jogam luz nas abordagens empíricas e conceituais a respeito de diversos tópicos envolvendo o espaço social.

Considerações finais

Qualquer forma de análise da extensa obra de Lefebvre é bastante desafiadora. Há muitas teias e ligações conceituais, escolas e pensadores que ele abordou criticamente. Mas uma ideia é central no escopo de seu pensamento, que é a proposição de uma visão mais integradora e crítica das relações, dos conflitos e das contradições que se desdobram no espaço social, alternativa à visão fragmentada do conhecimento e de seu uso como poder.

Para ajudar a esclarecer esse projeto lefebvreano, apresentamos ao leitor algumas chaves para entender um conceito central que á parte desse projeto e que tem forte relevância nos estudos geográficos e sociais, que é o conceito de espaço.

Entre essas chaves, se destaca sua genealogia espacial, isto é, a de um espaço que se desdobra como corpo e relações. Genealogia que é centrada num espaço corporificado que permite falar em espaço consumido, mediado e abstrato, entre outras adjetivações que se integram articuladamente em sua ciência do espaço. Também destacamos seu método regressivo-progressivo, que possibilita uma perspectiva menos linear, unidirecional ou fragmentada da produção do espaço.

Com efeito, procuramos destacar que o espaço social lefebvreano é mais que uma coleção de objetos e sujeitos: ele é um espaço dinâmico em transformação, com justaposições, desdobramentos e contradições. Produzido por seus praticantes num contexto de tensões, dicotomias, lutas e contrapoder.

Acreditamos que é com essas chaves que podemos chegar a um ponto importante para as ciências sociais: perspectivar e investigar de forma mais enriquecedora a dimensão do espaço social.

Aliás, talvez essa seja a maior contribuição da perspectiva lefebvreana para a Geografia: tentar superar uma dualidade que vem crescendo cada vez mais, que situa o entendimento do espaço social e geográfico entre uma abordagem materialista e realista e outra, fenomênica e subjetivista.

Por fim, o que foi desenvolvido aqui é um pálido esforço nesse desafio de escrutinar o pensamento lefebvreano, que seguramente continua atual. Ao centrar a análise no conceito de espaço de Lefebvre, buscamos ter o cuidado de não isolá-lo da constelação dialógica e reflexiva que o inspirou e tampouco reduzi-lo a um conhecimento instrumental. Ao contrário, tomamo-lo como um conhecimento reflexivo que nos instiga para outras possibilidades de leitura e transposições de nossas próprias práticas de pesquisa.

Referências

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    » https://doi.org/10.15603/2176-1043/el.v10n16p63-71
  • 1
    É preciso considerar, como destaca Machado (2008MACHADO, C. R. S. Momentos da obra Henri Lefebvre: uma apresentação. Ambiente & Educação, Rio Grande, v. 13, n. 1, p. 83-96, 2008. ), que o interesse em torno do pensamento marxista o acompanhou em todas as fases da vida. Como tradutor de Marx para o francês, assim como de diversos livros em que relacionou o pensamento marxista ao campo da sociologia, à vida cotidiana, ao rural e ao urbano, Lefebvre procurou ampliar o pensamento marxista diante dos novos paradigmas da modernidade.
  • 2
    Contudo, não deixou de lado trabalhos mais empíricos e/ou de reflexão sobre a investigação científica, sobretudo numa fase de sua vida, como em torno de uma sociologia marxista e rural ( Lefebvre, 1986LEFEBVRE. H. De lo rural a lo urbano. Barcelona, ES: Península, 1986. ; Machado, 2008MACHADO, C. R. S. Momentos da obra Henri Lefebvre: uma apresentação. Ambiente & Educação, Rio Grande, v. 13, n. 1, p. 83-96, 2008. ).
  • 3
    Nos anos 1960-70, Lefebvre se dedica intensamente às questões urbanas e de sua espaciologia ( Machado, 2008MACHADO, C. R. S. Momentos da obra Henri Lefebvre: uma apresentação. Ambiente & Educação, Rio Grande, v. 13, n. 1, p. 83-96, 2008. ).
  • 4
    Também conhecido como “doutrina do realismo epistemológico externo”.
  • 5
    De Husserl, absorve a ideia de que ter consciência é ter consciência de algo, e não um mundo metafísico vazio ou isolado, mas refuta as ideias que derivam para especulações sobre o “nada” ( Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. Lógica formal lógica dialética. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. , p. 101).
  • 6
    Aí ele se separa do universal inatingível de Kant e se junta à ideia de universal concreto de Hegel, isto é, daquilo que se realiza como mundo pensado, porém, como nos lembra Schmid (2012SCHMID, C. A teoria da produção do espaço de Henri Lefebvre: em direção a uma dialética tridimensional. Geousp - Espaço e Tempo, v. 16, n. 3, p. 89-109, 2012. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2012.74284.
    https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892....
    ), Lefebvre, num sentido dialético, também se volta ao materialismo marxista de uma produção que se materializa como mundo pensado na e pela prática social.
  • 7
    Como lembra Sobreiro Filho (2020SOBREIRO FILHO, J. Um breve ensaio sobre a ideia de produção na teoria da produção do espaço: de Marx a Lefebvre. Formação (Online), v. 27, n. 51, p. 337-361, 2020. ), Lefebvre crítica o sentido abstrato em que esse conceito se apresenta em Marx e Hegel; contudo, absorve de Marx a ideia do movimento e das transformações que o sentido de produção terá na história.
  • 8
    O conceito de habitus está presente em outros diversos pensadores da filosofia e teoria social ( Wacquant, 2007WACQUANT, L. Esclarecer o habitus. Educação & Linguagem, v. 10, n. 16, p. 63-71, 2007. doi: https://doi.org/10.15603/2176-1043/el.v10n16p63-71.
    https://doi.org/10.15603/2176-1043/el.v1...
    ), o traço comum que perpassa suas variações é a busca de um mecanismo (internalização, homologias, disposições...) que faz o passado se tornar presente em termos de práticas e relações sociais.
  • 9
    O espaço social lefebvreano guarda aspectos muito semelhantes aos do espaço social em Bourdieu (1996BOURDIEU, P. Physical space, social space and habitus. In: VILHELM AUBERT MEMORIAL LECTURE. Oslo: University of Oslo, 1996. Disponível em: Disponível em: https://archives.library.illinois.edu/erec/University%20Archives/2401001/Production_website/pages/StewardingExcellence/Physical%20Space,%20Social%20Space%20and%20Habitus.pdf . Acesso em: 12 fev. 2017.
    https://archives.library.illinois.edu/er...
    ), para quem o espaço emerge como reflexo das hierarquias e distinções sociais na morfologia física ou espacial.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2021
  • Aceito
    13 Maio 2021
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