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Diálogos sobre o desenvolvimento e suas abordagens no ensino de geografia

Este dossiê resulta da iniciativa de cooperação acadêmica entre a Universidade de São Paulo e a Humboldt-Universität zu Berlin, por meio da Parceria Estratégica USP-HU Berlin, Edital 987 da Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional (Aucani) e seu equivalente na Alemanha. Pesquisadores do Departamento de Geografia de ambas as universidades participaram desse edital com o projeto intitulado The Scalarity of Development: Geographic Dialogues between São Paulo and Berlin.

Nesse âmbito, professores e estudantes de pós-graduação se reuniram para discutir a conceitualização do desenvolvimento nas diferentes realidades nacionais do Brasil e da Alemanha e sua presença no ensino de geografia (Santos, 2015SANTOS, M. Geografia, marxismo e subdesenvolvimento. Geousp - Espaço e Tempo, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 166 - 172, 2015 [1974].[1974]; Scholz, 2004SCHOLZ, F. Geographische Entwicklungsforschung: Methoden und Theorien (Studienbücher der Geographie). Berlin/Stuttgart: Borntraeger, 2004.). Organizaram-se grupos de trabalho para tratar temas específicos; um deles visava analisar os principais conteúdos contemplados no ensino de Geografia Econômica em cursos de graduação no Brasil e observar, em particular, o debate sobre desenvolvimento; outro se dedicou a investigar a forma como o conceito de desenvolvimento aparece nos currículos de geografia do Brasil e da Alemanha para a educação básica desde a década de 1980. Também se discutiu o papel dos livros didáticos no ensino fundamental e médio e o tratamento dado a temas de Geografia Econômica e Regional. O objetivo era comparar analiticamente livros didáticos adotados no ensino escolar a partir de alguns tópicos selecionados, com prioridade a estudos sobre o continente africano e o tema dos transportes.

Cabe perguntar por que discutir desenvolvimento. Sabidamente, o debate sobre concepções, estilos e modelos de desenvolvimento é de longa data. É uma questão que perpassa a Economia e as Ciências Sociais desde a sua origem, mas que se intensifica sobretudo após o fim da Segunda Guerra Mundial, em torno da profundidade dos conflitos de interesse político-social na nova geografia de poder instaurada nesse contexto. Outros termos que expressam ideias de natureza semântica próxima como progresso e civilização foram, de certo modo, deslocados ou perderam seu predomínio. As décadas de 1950-70 profícuas em estudos sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento, entendidos como um processo histórico e estrutural - e não um processo natural, equilibrado ou autorregulado, conforme algumas interpretações em voga na época (Prado Jr., 1972PRADO JÚNIOR, C. História e Desenvolvimento: a contribuição da historiografia para a teoria e prática do desenvolvimento brasileiro. São Paulo: Boitempo, 2021 [1972].; Bielschowsky, 2000BIELSCHOWSKY, R. (org.). Cinquenta anos de pensamento na Cepal, v. 1 e 2. Rio de Janeiro: Record, 2000.). A investigação da história do capitalismo mostrava uma forma de desenvolvimento desigual, fosse entre países, entre regiões de um mesmo país ou entre setores econômicos.

Nas últimas décadas, depois da hegemonia neoliberal que se instalou em quase todo o mundo nos anos 1990, o desenvolvimento voltou ao debate, com uma insistente oposição ao intervencionismo estatal na economia e uma defesa generalizada das privatizações, quando houve uma desmontagem sistemática das políticas e do Estado desenvolvimentista, particularmente na América Latina. Mas, com o fracasso das políticas neoliberais, a crise econômica de 2008 e as mudanças geopolíticas mundiais, alguns temas da antiga agenda foram retomados, ressignificados e ampliados. Emergiram várias discussões que alargaram o conceito de desenvolvimento econômico, tornando mais explícita a relevância de outras dimensões. Atualmente, o pensamento crítico sobre desenvolvimento envolve diversas perspectivas, que procuram alcançá-lo, melhorá-lo ou superá-lo pela construção de alternativas.

Os quatro artigos que compõem este dossiê resgatam parte das pesquisas e discussões mantidas entre as equipes das duas universidades citadas. O primeiro, intitulado “Geografia Econômica e desenvolvimento: diferentes abordagens nos programas de cursos de graduação no Brasil”, de Mónica Arroyo, Fernanda Laize Silva de Lima e Igor Venceslau, versa sobre o desenvolvimento em programas da disciplina Geografia Econômica, em cursos presenciais de graduação em Geografia oferecidos por instituições públicas brasileiras, contemplando teorias, autores e obras mais frequentes. O segundo, “O conceito de desenvolvimento nos currículos de geografia: uma análise a partir do contexto brasileiro e do alemão”, de Eduardo Girotto e Péter Bagoly-Simó, examina propostas curriculares do Brasil e da Alemanha para compreender melhor como a geografia escolar tem abordado o conceito de desenvolvimento em diferentes situações socioespaciais. Na sequência, dois artigos discorrem sobre temas específicos em livros didáticos. “A África nos livros didáticos de Geografia de São Paulo (Brasil) e de Berlim (Alemanha)”, de Antonio Gomes de Jesus Neto, Verena Reinke e Péter Bagoly-Simó, examina como se representa a África em conteúdos de livros didáticos brasileiros e alemães a partir de didáticos de Geografia do Ensino Básico no Brasil e do Secundário inferior e superior na Alemanha. O artigo “A abordagem dos transportes em livros didáticos de Geografia em países latino-americanos”, de Bruno Candido dos Santos e Péter Bagoly-Simó, observa a maneira como os transportes aparecem em livros didáticos adotados no ensino escolar do México, da Venezuela, do Peru, da Costa Rica e do Brasil.

Trata-se de um conjunto de textos que traça um panorama amplo, apontando características e tendências e, ao mesmo tempo, sugere uma série de perguntas ou inquietações para futuras pesquisas. Sem dúvida, este dossiê percorre questões e assuntos caros à geografia, ao ensino e à discussão curricular, que ensejam novos debates. O diálogo permanece aberto.

References

  • BIELSCHOWSKY, R. (org.). Cinquenta anos de pensamento na Cepal, v. 1 e 2. Rio de Janeiro: Record, 2000.
  • PRADO JÚNIOR, C. História e Desenvolvimento: a contribuição da historiografia para a teoria e prática do desenvolvimento brasileiro. São Paulo: Boitempo, 2021 [1972].
  • SANTOS, M. Geografia, marxismo e subdesenvolvimento. Geousp - Espaço e Tempo, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 166 - 172, 2015 [1974].
  • SCHOLZ, F. Geographische Entwicklungsforschung: Methoden und Theorien (Studienbücher der Geographie). Berlin/Stuttgart: Borntraeger, 2004.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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