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Private investments, public goods, and quality of life at a tropical mining front: the case of the Serra do Navio manganese mine (AP)

Investimentos privados, bens públicos e qualidade de vida numa frente de mineração tropical: o caso da mina de manganês de Serra do Navio (AP)

Investimentos privados,

bens públicos e qualidade

de vida numa frente

de mineração tropical: o caso

da mina de manganês

de Serra do Navio (AP)

Private investments, public

goods, and quality of life at a

tropical mining front: the case

of the Serra do Navio

manganese mine (AP)

Nesta nota de pesquisa discuto alguns dados levantados para a minha tese de doutoramento, sob a orientação do prof. Archibald O. Haller, do Departamento de Sociologia Rural da Universidade de Wisconsin, Madison (EUA), na qual examino as relações entre a ICOMI, uma empresa privada brasileira de mineração, e o desenvolvimento sócio-econômico do estado do Amapá. A companhia atua no Amapá desde 1957 — há mais de quarenta anos, portanto — extraindo minério de manganês em escala industrial na localidade de Serra do Navio, no interior do estado. Trata-se de um raro exemplo de um grande empreendimento técnica e comercialmente bem-sucedido na Amazônia brasileira. Serra do Navio (nome popular do empreendimento mineral) foi o maior investimento econômico já realizado no Amapá.

Serra do Navio é um exemplo perfeito de um empreendimento intensivo de capital dedicado à extração de recursos naturais em escala empresarial, instalado numa região tipicamente de ‘fronteira’. Os dados examinados neste texto são usados no capítulo de minha tese em que examino as possíveis contribuições do empreendimento para o desenvolvimento sócio-econômico do Estado, ou seja, para a melhoria dos níveis de bem-estar e de qualidade de vida dos seus habitantes. Para os fins desta nota, concentrei-me em um tópico: os investimentos privados da ICOMI na montagem de uma infra-estrutura pública para garantir a produção de manganês e altos níveis de vida para seus empregados e dependentes. A investigação inclui dados sobre a infra-estrutura propriamente produtiva da ICOMI e o desenvolvimento sócio-econômico da sociedade amapaense em geral desde a década de 1950, bem como sobre os impactos ambientais da mineração. No entanto, faço, neste artigo, referências apenas ocasionais a esses tópicos, pois focalizo os requisitos externos para o funcionamento da mina da ICOMI e o bem-estar da comunidade restrita dos empregados da ICOMI e de seus dependentes.

O contexto analítico

O tópico geral de minha tese de que trato neste artigo e parte da abordagem que adotei foram inspirados por um relatório de pesquisa escrito por Haller e cols. em meados de 1994. Essa pesquisa mediu, comparou e discutiu os níveis per capita de desenvolvimento sócio-econômico (para 1970 e 1980) dos habitantes de todos os municípios da Amazônia Legal. Os resultados mostram que 327 dos 329 municípios amazônicos melhoraram — muitas vezes substancialmente — os seus escores de desenvolvimento sócio-econômico nos dez anos que se passaram entre 1970 e 1980. Esses resultados contradisseram frontalmente a famosa hipótese de Bunker (1985) sobre o "subdesenvolvimento" necessário de qualquer região extrativa de recursos naturais que receba maciços investimentos extrativos-industriais modernos, além de afirmativas semelhantes, embora mais genéricas, de outros estudiosos que enxergam um processo de erosão da qualidade de vida dos amazônidas.

O texto de Haller et alii (1996) inclui uma pertinente discussão conceitual sobre os diferentes "subtipos de fronteira" na Amazônia brasileira. Considero que o empreendimento da ICOMI no Amapá preenche os requisitos de um dos subtipos citados nesse trabalho: a "fronteira de investimento concentrado". Essas áreas são aquelas sujeitas a grandes e repentinos investimentos de capital, tecnologia e mão-de-obra relativamente qualificada, tipicamente para a extração de recursos naturais; essas áreas continuam cercadas, no entanto, de áreas de fronteira ‘tradicional’. Nesse subtipo de fronteira, a razão entre capital e trabalho é geralmente muito alta, e a sua produção de recursos naturais é acelerada graças à introdução de maquinaria moderna, meios de transporte eficientes e trabalhadores qualificados. A mina de Serra do Navio, em produção desde 1957, foi o primeiro empreendimento mineral empresarial de larga escala na Amazônia moderna, e praticamente o primeiro grande investimento de qualquer tipo no então remoto Território Federal do Amapá. Por isso, parece-me um exemplo perfeito desse subtipo de fronteira.1 1 Os outros três subtipos de fronteira identificados por Haller et alii (1996) são: "a frente expansionista clássica", uma área "nova" que é ocupada a partir de uma área vizinha já dotada de uma população estável e de um nível cristalizado de atividades econômicas; a "fronteira pára-quedas", pequenas áreas isoladas e distantes das regiões já ocupadas, tipicamente ligadas a empreendimentos efêmeros como garimpagem de ouro e pedras preciosas; e "fronteiras de linha", que se formam ao longo de rotas de penetração, como estradas ou rios.

Haller et alii (idem) não focalizam, no entanto, qualquer área geográfica específica, nem qualquer empreendimento individual, pois a sua abordagem é macrorregional e a sua perspectiva é a de comparar municípios uns com uns outros em 1970, 1980 e entre 1970-80. Os escores apurados mostram o quanto cada município era mais desenvolvido que outros na mesma data e o quanto cada um deles melhorou de uma data para outra. Contudo, examinando a lista dos escores discriminados por município, percebi que quase todos os municípios sabidamente afetados por grandes empreendimentos públicos, particulares ou mistos experimentaram grandes saltos nos seus níveis de desenvolvimento sócio-econômico. Isso não chega a surpreender, se levarmos em conta as ‘variáveis componentes’ dos escores construídos pelos autores: proporção de trabalhadores empregados no setor manufatureiro, o inverso da proporção de trabalhadores agrícolas, valor per capita das transações comercais, acesso per capita a geladeiras, rádios, tevês e automóveis, proporção de adultos alfabetizados, número médio de anos de escolaridade, percentagem de domicílios ligados à rede elétrica e consumo de eletricidade per capita. Essas variáveis dão clara ‘vantagem’ a áreas onde grandes investimentos públicos ou privados criaram ou ao menos tentaram criar empreendimentos produtivos modernos, com boa infra-estrutura e empregando trabalhadores estáveis e bem-remunerados. Em outras palavras, esses empreendimentos parecem ser boas pistas para identificar locais onde houve mudanças — e em especial melhorias significativas — na qualidade de vida dos amazônidas. Penso ter achado evidência de mudanças positivas desse tipo no estado do Amapá como um todo, com base numa ampla base de dados quantitativos e qualitativos, mas nesta nota discutirei apenas o papel que a infra-estrutura ‘prévia’ ou ‘social’ criada pela ICOMI pode ter tido nessas melhorias.

Investimentos em infra-estrutura e programas de saúde pública — responsabilidade pública ou privada?

Para fins desta nota, focalizo quase exclusivamente alguns dados qualitativos sobre dois pontos: infra-estrutura produtiva e social; e programas de saúde pública (como uma decorrência especial da infra-estrutura de saúde pública). Uma breve discussão conceitual ajudará a colocar mais claramente a minha perspectiva e a possível contribuição desta nota. Em áreas de fronteira, por definição, faltam infra-estrutura e serviços públicos em geral, ou pelo menos eles não são suficientes para sustentar a instalação de empreendimentos ‘modernos’. Tais fronteiras ficam além do alcance das melhorias físicas, sócio-econômicas e institucionais que a sociedade nacional em princípio oferece aos habitantes de suas regiões ‘centrais’ ou desenvolvidas. Faltam estradas, energia, escolas, hospitais, comunicação, serviços básicos (justiça, segurança, saneamento etc.) e muito mais. Assim, nessas fronteiras é preciso fazer uma grande quantidade de investimentos (que geralmente são feitos pelos poderes públicos) em infra-estrutura física e social, antes dos (ou simultaneamente com) investimentos que criam instalações propriamente produtivas (minas, ferrovias, estradas, hidrelétricas, poços petrolíferos, fábricas, florestas plantadas etc.).

Na maior parte dessas situações, o Estado brasileiro agiu diretamente, construindo a infra-estrutura, ou indiretamente, subsidiando-a. Isso foi feito com recursos orçamentários ou extra-orçamentários, através de empréstimos de agências multilaterais ou bancos privados, ou ainda de avais dados a empréstimos tomados pelos empreendedores privados e estatais, empréstimos esses que incluem os custos dos investimentos ‘prévios’. De fato, muitos dos chamados ‘grandes projetos’ amazônicos foram executados diretamente por empresas estatais. Uma segunda alternativa, menos comum no Brasil, é que a própria empresa privada ‘comprometa’ grandes quantidades de capital na montagem da infra-estrutura ‘prévia’, usando recursos próprios e/ou os de investidores, bancos ou agências multilaterais. Nesse caso, a empresa vê crescer o ‘período de maturação’ do seu investimento, pois que estará pagando parcelas adicionais de empréstimos para construir simultaneamente as infra-estruturas ‘prévia’ e produtiva inexistentes na região onde vai atuar. Ou seja, ela não se beneficia de ‘economias externas’ geradas por investimentos públicos ou privados anteriores na região.

Na fronteira amapaense das décadas de 1950 e seguintes, encontrei dados que mostram que a ICOMI tomou essa segunda via — o que contradiz a magra literatura informativa e analítica que registra aquilo que chamo de ‘folclore negativo’ sobre a ICOMI. É interessante ver que os críticos da ICOMI até hoje negam a sua iniciativa óbvia de montar peças de infra-estrutura propriamente pública, no que foram e continuam a ser ajudados pelo escasso trabalho de marketing institucional da própria ICOMI. No entanto, é mais interessante ainda notar que nem a empresa nem os seus críticos teriam como saber, em 1950, que essa via se mostraria excepcional na história dos ‘grandes projetos’ amazônicos. Como disse anteriormente, a regra tem sido a ação empresarial direta do Estado, ou o apoio a investimentos privados (inclusive de empresas estatais) com vultosos recursos públicos (nas formas de empréstimos, perdões fiscais ou provimento público de infra-estrutura).

No caso da ICOMI, o caminho trilhado foi o seguinte: o pequeno grupo minerador brasileiro associou-se a um gigante mundial da mineração e metalurgia, a Bethlehem Steel (EUA), que se valeu de seu poderio para intermediar um grande empréstimo do Eximbank norte-americano. O valor desse empréstimo cobriu os custos de quase toda a caríssima infra-estrutura ‘prévia’, social e produtiva, de Serra do Navio (mais à frente comentarei apenas as infra-estruturas ‘prévia’ e social).2 2 O valor total desse empréstimo, em dólares de 1953, foi de cerca de 55 milhões. Quantias adicionais menores, da própria ICOMI e da Bethlehem Steel, foram também investidas nessa fase inicial. É verdade que o governo federal brasileiro deu um aval a esse empréstimo, mas essa é uma prática corriqueira nos grandes empréstimos feitos por bancos multilaterais. Além do mais, o empréstimo foi totalmente pago pela ICOMI, ou seja, essa dívida privada não foi perdoada e/ou incorporada à dívida pública, como ocorreu em tantos outros casos de aval governamental.

Assim, a ICOMI ‘afundou’ pelo menos 55 milhões de dólares (em valores de 1953) na montagem da infra-estrutura produtiva (preparação do perímetro de mineração, equipamentos para processar minério, oficinas diversas etc.), ‘prévia’ (estrada de ferro, vilas industriais, porto, comunicação, fontes de energia) e ‘social’ (escolas, hospitais, suprimento de comida, equipamentos de lazer, matadouro, refeitórios, serviços de saúde pública etc.). Esses investimentos não incluem outros, feitos pouco antes ou pouco depois da abertura da mina, em prospecção e pesquisa, gerência, recrutamento de trabalhadores e assim por diante, os quais estimei em pelo menos dez milhões de dólares (em valores de 1953), apenas na década de 1950 e início da de 1960.

Algumas datas são fundamentais para avaliar como a ICOMI se ‘antecipou’ privadamente no Amapá à montagem de uma infra-estrutura ‘pública’ que não encontrou pronta, nem iniciada. A empresa começou a fazer prospecções em 1948, iniciou a construção de ferrovia, porto e área mineradora em 1953, exportou o primeiro carregamento de manganês em 1957 e construiu vilas operárias (e complementos) entre 1957 e 1961. Nos primeiros seis anos e meio de atividade (ou seja, até meados de 1963), todas as receitas de exportação de manganês foram usadas exclusivamente para o pagamento das parcelas do empréstimo do Eximbank. Embora os investimentos na mineração empresarial geralmente impliquem períodos longos de maturação e de remuneração dos investimentos, boa parte desses quase 16 anos entre início da prospecção (1948) e início de receita não-comprometida (1963) foram dedicados a atender à necessidade da ICOMI de montar peças de infra-estrutura não-produtiva, cuja responsabilidade rigorosamente caberia ao poder público.

Assim, para estudar adequadamente Serra do Navio como núcleo dinâmico de uma "subfronteira de investimento concentrado", é necessário considerar que o empreendedor privado montou parcela expressiva da infra-estrutura que geralmente chamamos de ‘pública’, e que o fez sem contar com subsídios ou recursos públicos. Como os críticos da ICOMI não admitem isso, insistem no erro de acusar a empresa de "tirar vantagens" de uma infra-estrutura pública para obter lucros privados.3 3 As críticas desse teor são bem exemplificadas em Cunha (1962), e em Raiol (1992). Essa infra-estrutura privadamente montada criou condições para os altos níveis de vida desfrutados pelos empregados da ICOMI — níveis esses admitidos e até estigmatizados pelos críticos da empresa pelo fato de não se generalizarem na população amapaense. Por isso e por causa da raridade de níveis de vida similares na Amazônia brasileira em geral, parece-me que o caso da ICOMI é importante para ilustrar a questão das responsabilidades públicas e privadas para a geração de bem-estar e qualidade de vida em empreendimentos extrativos em áreas de fronteira.4 4 Vale lembrar que a condição remota e tropical do Amapá de 1953 obrigou os construtores privados da infra-estrutura a lidar também com fatores ‘naturais ou ‘ambientais’ atualmente muito em voga, como clima, precipitação, flora, fauna, doenças transmissíveis, desmatamento, erosão etc. Na minha pesquisa, verifiquei que os impactos propriamente ‘ambientais’ de Serra do Navio foram surpreendentemente limitados.

A infra-estrutura construída pela ICOMI

O Quadro 1 contém uma lista brevemente comentada de 16 itens de infra-estrutura ‘prévia’ e social construída pela ICOMI antes ou logo depois do início da produção de manganês. Pode-se argumentar, com razão, que a produção seria factível sem alguns desses itens. No entanto, documentos da empresa mostram que Augusto Trajano de Azevedo Antunes (1906-96), fundador e principal acionista da ICOMI, decidiu que todos os itens deviam ser concluídos antes ou imediatamente depois do início da produção.5 5 A mais detalhada e documentada — porém inédita — exposição da própria ICOMI sobre as suas atividades no Amapá encontra-se em dois volumes datilografados preparados pela empresa. É notória a falta de textos descritivos e analíticos publicados sobre a experiência da ICOMI. A mais completa análise secundária que encontrei foi a recente tese de mestrado de Daniel Chaves de Brito (1994). Portanto, a data-chave para avaliar adequadamente os dados no Quadro 1 é janeiro de 1957, quando ocorreu o primeiro embarque de minério de manganês para o exterior. Como veremos, todos os itens citados na primeira coluna do quadro (com exceção do canal de navegação) foram iniciados e colocados em funcionamento antes ou pouco depois dessa data. De novo, lembro que, estou excluindo a infra-estrutura estritamente produtiva criada nessa mesma época em Serra do Navio (maquinário de mineração e processamento, veículos, oficinas de manutenção, escritórios administrativos e comerciais etc.), pois esta seria de responsabilidade evidente da empresa privada mesmo uma infra-estrutura prévia e social fosse encontrada pronta.

Foram excluídas todas as iniciativas governamentais não-relacionadas diretamente às áreas de exploração, transporte, beneficiamento e embarque de manganês, inclusive as que tiveram lugar na capital, Macapá. Os textos entre parênteses na terceira coluna assinalam algumas dessas iniciativas governamentais.

Cabem alguns comentários gerais sobre os dados do Quadro 1. Em primeiro lugar, os seus 16 itens de infra-estrutura ‘prévia’ e social são bastante abrangentes; não se trata de uma lista ilustrativa, nem de uma ‘amostra’. Entendo o quadro como exaustivo, ou quase. Assim, a incidência de respostas afirmativas na segunda coluna indica o quanto a ICOMI teve de fazer por sua conta e o quanto ela criou condições para uma boa qualidade de vida para os seus empregados e dependentes. Em segundo lugar, note-se que os parênteses que se seguem às respostas negativas na terceira coluna (referente a iniciativas governamentais) mostram que os governos federal e local também fizeram investimentos em infra-estrutura, alguns deles até anteriores à instalação de Serra do Navio. No entanto, o crucial é que tais investimentos foram feitos fora da área de atividade da ICOMI (principalmente em Macapá), e/ou muito depois de iniciadas as atividades de mineração da ICOMI. Portanto, as datas e os comentários entre parênteses no quadro são tão importantes quanto as respostas ‘sim’ e ‘não’ para o tópico mais geral desta nota de pesquisa, que é o papel do privado e do público na melhoria do bem-estar e da qualidade de vida dos amapaenses.

Alguns itens do Quadro 1 merecem comentários específicos. Seguirei a numeração adotada no quadro.

Item 1 — Em relação ao porto (chamado de Porto Santana), a ICOMI não apenas construiu o seu porto privado de embarque mineral como usou a mesma instalação para receber suprimentos (comida, máquinas, combustíveis, peças de reposição). O pequeno porto público de Macapá — na verdade, pouco mais do que um cais — foi pouco usado para isso. Mais tarde, na década de 1980, a AMCEL, subsidiária da ICOMI, instalou um moderno porto privado de embarque de cavacos de madeira, ao lado de Porto Santana, e, em 1996, o governo federal contruiu um porto de contêineres, ao lado do porto da AMCEL. Melhorias públicas na área do Porto de Santana ocorreram, portanto, num momento tardio.

Item 2 — O canal de navegação foi a única peça de infra-estrutura que a iniciativa governamental ofereceu para a instalação da ICOMI antes do início da produção. O canal liga Porto Santana ao oceano Atlântico. Ele foi demarcado pela Marinha de Guerra, tarefa que requereu pelo menos 18 meses de trabalho de toda a tripulação de um navio hidrográfico. Ainda não consegui encontrar ou fazer uma estimativa do valor monetário de um serviço dessa natureza, mas ele não deve ser pequeno. Ligando o porto de minério diretamente ao Atlântico norte, esse canal foi fundamental para a competitividade internacional do manganês de Serra do Navio, reduzindo seus custos de transporte. Vale mencionar que, entre 1957 e 1989, a ICOMI voluntariamente assumiu a manutenção do canal, que acabou sendo usado por muitos navios comerciais estranhos ao seu empreendimento mineral. Como não se cobrava pedágio, pode-se até dizer que a ICOMI começou como beneficiária quase única de um grande investimento público, mas acabou pagando privadamente os custos de manutenção de uma via pública. Mais recentemente, a Marinha de Guerra assumiu os custos de manutenção do canal.

Item 3 — Todo o minério de manganês de Serra do Navio vem sendo, desde 1957, transportado pela ferrovia desde a mina até o porto. Esta foi a terceira ferrovia construída em toda a Amazônia e a primeira localizada na margem esquerda do rio Amazonas. As duas outras já foram fechadas. Esta ferrovia mantém, desde 1957, por obrigação contratual, serviços de passageiros e de cargas particulares.

Item 4 — Em termos de construção e manutenção de rodovias, foi apenas em 1972 que o governo federal abriu cerca de 150 quilômetros de estrada de terra (trecho da chamada Perimetral Norte) até Serra do Navio. Ela tem sido em parte mantida pela ICOMI, desde então. De toda forma, para a ICOMI e para a população local, a ferrovia continuou a ser muito mais importante para transporte de pessoas e cargas do que a rodovia.

Item 5 — No que toca à geração de energia, um detalhe crucial é que a Usina Hidrelétrica Coaracy Nunes (popularmente chamada de "Paredão") foi em grande parte financiada pelos royalties de mineração pagos pela ICOMI. Esta foi a primeira usina hidrelétrica construída na Amazônia brasileira e até hoje é a única do estado do Amapá. Só ficou pronta, no entanto, em 1978. No início de 1996, a ICOMI e empresas associadas consumiam cerca de 15% da energia elétrica gerada no Estado (de origem hídrica e térmica), tirando vantagem desse investimento público ‘tardio’ em energia.

Item 7 — Em 1953, a ICOMI percebeu que não podia suprir seu empreendimento com base nos mercados de Macapá, nem mesmo nos de Belém, montou um esquema de suprimento baseado no Rio de Janeiro (a mais de quatro mil quilômetros de distância), usando aviões e barcos para se auto-abastecer de alimentos, combustíveis, peças de reposição, ferramentas, máquinas etc. O único bem importante adquirido localmente pela ICOMI era carne fresca, na forma de bois e porcos vivos. Ainda assim, os animais eram abatidos num matadouro da própria ICOMI (item 8 do Quadro 1).

Item 9 — A ICOMI construiu e operou escolas particulares, primárias e secundárias, para filhos de empregados. Essas escolas funcionavam em tempo integral, com professores altamente qualificados contratados no sul do país, e matriculavam todas as crianças em idade escolar das vilas operárias. Patrocinavam ainda cursos profissionalizantes, supletivos e de alfabetização. Diversos programas de saúde — comentados a seguir — eram desenvolvidos através dessas escolas.6 6 Os programas educacionais das escolas da ICOMI mereceriam um estudo à parte, pois estas se revelaram as melhores escolas do estado. Formaram milhares de pessoas, muitas das quais foram absorvidas em posições gerenciais na própria ICOMI e subsidiárias; outros ex-alunos são diretores ou professores de escolas, ocupam cargos públicos ou eletivos, abriram pequenos negócios e escritórios de serviços, formaram-se em universidades. Assim como existe um ‘folclore negativo’ sobre a ICOMI, o estudioso do Amapá detecta, também, um ‘folclore positivo’ espalhado principalmente por ex-empregados e seus dependentes, que elogiam as melhorias educacionais que a empresa trouxe para muitos. No entanto, não encontrei um único relato histórico ou analítico publicado sobre o empreendimento educacional da ICOMI, nem mesmo da própria empresa. Suas escolas ainda funcionam, mas agora sob a responsabilidade de outras entidades que não adotaram, necessariamente, o mesmo projeto pedagógico. A de Vila Amazonas, por exemplo, foi transferida para a Fundação Bradesco, a da Vila Serra do Navio para a Prefeitura Municipal da localidade de mesmo nome.

Item 10 — As vilas operárias da ICOMI valeriam um artigo à parte que captasse a sua contribuição à qualidade de vida dos mineradores de Serra do Navio. Construídas com o evidente propósito de fixar uma força de trabalho estável e satisfeita, elas contêm lições arquitetônicas e urbanísticas simples, mas raramente aplicadas em empreendimentos fronteiriços, especialmente nos governamentais. Materiais de construção apropriados, desenho climático de casas e instalações, equipamentos básicos (calçadas, ruas pavimentadas, galerias de águas pluviais), zoneamento e paisagismo adequados, áreas de lazer e convívio, além de água e esgoto tratados, são alguns dos componentes das vilas residenciais da ICOMI, os quais mesmo um visitante pouco informado sobre a Amazônia percebe serem excepcionais.7 7 Felizmente contamos com um excelente relato sobre a construção das vilas operárias da ICOMI. Ribeiro (1992), combina materiais primários cedidos pelo arquiteto responsável pelas vilas (Osvaldo A. Bratke), textos analíticos, depoimentos de visitantes e muitas fotografias, desenhos e ilustrações.

Assim, vemos que a ICOMI investiu muitos recursos para prover os seus empregados de todos os componentes essenciais a uma boa qualidade de vida. Esse grande conjunto de peças de infra-estrutura ‘prévia’ e social, depois de 35 a quarenta anos de funcionamento, estão em diversos estágios de transferência para o poder público (os hospitais, por exemplo, estão entrando no sistema SUS), conforme reza o contrato original de mineração assinado ainda na década de 1940. Quase cinqüenta anos depois, com exceção parcial da capital do estado, Macapá, nenhum outro centro urbano ou rural tem uma infra-estrutura social remotamente comparável à dessas vilas operárias. Assim, do Amapá concluo que a empresa fez o que era preciso — e não foi pouco — para garantir aos seus empregados e aos dependentes destes um nível de bem-estar bem mais do que mínimo e, na verdade, excepcional para a região amazônica. Se esse padrão não se transmitiu integralmente para a população amapaense em geral, certamente não se pode culpar a empresa. A conclusão imperativa é outra: faltaram investimentos equivalentes das esferas públicas.

Os serviços e programas de saúde pública

Os últimos itens do Quadro 1 (11 a 16) a serem ressaltados nesta nota de pesquisa ilustram as medidas tomadas pela ICOMI para assegurar a saúde individual e pública dos seus empregados, através dos dois hospitais da empresa, com participação das duas escolas. De todas as peças de infra-estrutura social citadas no quadro, os hospitais merecem atenção especial. Foram concebidos para garantir altos padrões de saúde através dos seus programas integrados de saúde. Foram dois médicos brasileiros, peritos em saúde pública, que idealizaram e colocaram em prática esses programas: Paulo César de Azevedo Antunes (1901-74), irmão do acionista principal da ICOMI, e Hermelino Herbster Gusmão (falecido), ambos atuantes em programas de saúde pública e no ensino superior da matéria no estado de São Paulo.8 8 A iminente transferência dos hospitais para o sistema SUS não garante, infelizmente, que os programas de saúde descritos aqui sejam continuados satisfatoriamente.

Hospitais e programas foram concebidos para garantir altos padrões de saúde para todos os trabalhadores, da alta gerência até os trabalhadores braçais e seus dependentes. Para tanto, os hospitais contam com algumas poucas clínicas (geral, maternidade, pediatria, odontologia) e serviços de emergência. O tempo da equipe médica é, no entanto, dedicado em grande parte aos programas ‘internos’ de check-up (obrigatórios para todos os empregados e dependentes, semestrais para trabalhadores da mineração e anuais para os demais), acompanhamento de gravidez e primeira infância, exames de laboratório etc., e os múltiplos programas ‘externos’ geralmente ligados a requisitos de saúde pública, como prevenção de malária, controle de mosquitos, vacinações, sal cloro-quininado, controle da qualidade de alimentos e de água, tratamento de esgotos, coleta e incineração de lixo, saúde de animais domésticos e controle de vetores e animais nocivos. Os hospitais mantêm ainda cursos regulares de formação de enfermeiros, técnicos de laboratório e agentes de campo.9 9 Vale acrescentar que os serviços de emergência e exames dos hospitais sempre estiveram abertos ao público de não-empregados da ICOMI que os procurasse, inclusive populações indígenas. Estes usuários eram evidentemente excluídos dos programas educacionais e preventivos, que se limitavam às vilas operárias e seus residentes. Assim, os padrões ‘internos’ de saúde da ICOMI ficaram relativamente bem conhecidos da população em geral, inclusive a da populosa capital. Qualquer pessoa com conhecimento sumário da realidade médica e sanitária da Amazônia reconhecerá imediatamente que as várias décadas de sucesso nesses programas representam uma exceção notável. Esse sucesso não foi acidental: foi cuidadosamente planejado. Breves descrições de alguns desses programas mostrarão como esse sucesso foi laboriosamente buscado.

A arquitetura, o equipamento e os serviços complementares (ambulâncias, refeitório, lavanderia etc.), além da qualidade da equipe médica e técnica, fizeram dos dois hospitais os melhores do interior da Amazônia. Todos os empregados e as suas respectivas casas estão sujeitos aos programas de saúde individual e pública. Todos os pacientes com doenças não-identificadas ou não-tratáveis são conduzidos — à custa da ICOMI — a Macapá ou Belém.

Os programas de prevenção da malária foram o núcleo central das intervenções sanitárias, pois a doença era e continua a ser endêmica no Amapá. Trabalhadores acometidos de malária evidentemente são inadequados à força de trabalho de um empreendimento ‘fordista’, de produção de massa à base de grandes investimentos de capital. Visitantes e novos residentes são examinados; casas recebem visitas periódicas das equipes de saúde; há telas em todas as portas e janelas (medida banal porém ainda excepcional na Amazônia); os gramados em torno das casas são cortados regularmente e a densa floresta em torno das vilas é mantida longe das casas; igarapés vizinhos são periodicamente desentupidos (para evitar áreas de reprodução para mosquitos). Houve um programa de consumo obrigatório de sal tratado com cloro e quinino (preventivo de malária), aparentemente o único bem-sucedido no Brasil. Há ainda a captura periódica de mosquitos e outros vetores e seu exame em laboratórios dos hospitais. O resultado desse conjunto de medidas foi a redução a praticamente zero dos casos de malária contraída nas vilas operárias e na mina desde meados da década de 1960 até hoje, um feito inédito na Amazônia brasileira. Vila Serra do Navio e Vila Santana também exibem incidências muito baixas ou significativamente mais baixas de todas as doenças ‘ambientais’ comuns e geralmente tidas como inevitáveis na Amazônia — febre amarela, difteria, tifo etc.

Um programa de saúde pública bem distinto foi o do controle da qualidade dos alimentos importados. Como a comida consumida vinha quase toda de locais distantes, parte do pessoal dos hospitais se incumbia de verificar a sua qualidade antes de ela ser usada nos diversos refeitórios da empresa ou vendida nos mercados. Até hoje esse é um serviço raramente disponível para residentes de pequenas e médias cidades da Amazônia.

Ambas as vilas operárias têm sistemas de captação e tratamento de água e sistemas de captação e tratamento de esgotos. Os modernos equipamentos são operados também por funcionários dos hospitais. Isso tem garantido excelente qualidade de água e o controle sobre doenças cujo ciclo de reprodução passa pela água. Vacinação de animais domésticos e controle de vetores e animais nocivos mobilizam visitas domésticas por funcionários dos hospitais. Coleta e incineração de lixo também contribuem para as condições sanitárias coletivas das vilas operárias. Serviços como esses continuam a ser raros em cidades pequenas e médias de toda a Amazônia.

Todos esses programas de saúde estão bem documentados em relatórios e arquivos dos hospitais. Esses arquivos contêm uma documentação primária preciosíssima: dezenas de milhares de prontuários individuais de todos os pacientes atendidos — empregados da ICOMI, seus dependentes e não-empregados da ICOMI.10 10 Esses prontuários documentam uma experiência brasileira altamente bem-sucedida de saúde pública na Amazônia. Podem ser úteis no desenho de programas similares, desejavelmente voltados para grupos mais numerosos de amazônidas. O livro de Gusmão (1941) usou apenas uma pequena parte dos dados existentes nesses prontuários. Destaco os seguintes detalhes sobre ele: estão abertos a pesquisadores; têm uma ordem de grandeza de vinte e cinco mil a trinta mil prontuários; incluem funcionários de subsidiárias da ICOMI; muitos funcionários fizeram longas carreiras na ICOMI, gerando prontuários enormes, inclusive de familiares; há prontuários de um número elevado de não-funcionários que buscaram atendimento; contêm resultados de todos os exames clínicos e de laboratório, fichas biométricas e de variáveis clínicas, vacinações, internações etc. Ao contrário dos programas educacionais, no entanto, contamos com pelo menos um relato histórico e analítico, calcado solidamente numa enorme base de dados, dos primeiros 25 anos dos programas sanitários da ICOMI, de autoria de um de seus idealizadores, Hermelino Herbster Gusmão (1991).

Esse livro contém dois textos. O primeiro e mais importante revê a história e a base conceitual dos programas de saúde implantados no Amapá e sua relação com outras políticas de bem-estar, às quais não me referi neste texto, como programa de aposentadoria privada, banco cooperativo, programas de treinamento profissional, refeitórios para empregados solteiros, programas de esporte e lazer etc. O texto traz os resultados principais do programa, em termos de redução de mortalidade geral e infantil, redução de fecundidade, controle da natalidade e acompanhamento de saúde de recém-nascidos e mães. Emerge dos dados um perfil implausível, mas real, das vilas operárias amazônicas como comunidades de Primeiro Mundo, imersas numa realidade mais tipicamente de Terceiro Mundo, com a população em geral do Amapá sujeita às doenças e condições sanitárias típicas do subdesenvolvimento em áreas tropicais.11 11 O outro texto do mesmo volume de Gusmão, bem menor, descreve a bem-sucedida aplicação de cloro e quinino ao sal de cozinha, como parte dos esforços de prevenção da malária. Este tipo de programa fracassou em parte quando tentado pelos governos federal e estaduais da Amazônia. Nesses documentos e nesse livro, podemos ver o que precisa ser feito para garantir boas condições de saúde na Amazônia e verificamos que, apesar dos elevados custos financeiros e de organização, tais condições são tecnicamente viáveis. Acima de tudo, eles mostram que é possível trabalhar e viver na Amazônia com conforto e saúde, se os investimentos necessários são feitos e se há equipes técnicas motivadas e competentes.

Conclusão

Em termos gerais, os esforços da ICOMI na construção privada de infra-estrutura pública (‘prévia’ e social) provam o seguinte: é tecnicamente possível oferecer boas condições de vida e de trabalho — e boa qualidade de vida — para trabalhadores empenhados na extração de recursos naturais em áreas tropicais de fronteira. Do ponto de vista dos efeitos de políticas públicas na qualidade de vida dos cidadãos, conclui-se a partir deste caso que a atuação direta do poder público na produção dos bens públicos não é obrigatória. Imperativa é a decisão de investir nas muitas vezes caras e complexas exigências de saúde pública preventiva (além de educação, moradia, transporte, comunicação etc.). O sujeito dessa decisão não precisa necessariamente ser o poder público. Certamente sem qualquer intenção de fazê-lo, a ICOMI mostrou que o poder público é ‘dispensável’, ao menos para o momento de implantação de grandes empreendimentos produtivos. Depois de conhecer a experiência da ICOMI no Amapá, ninguém pode dizer que doença e má qualidade de vida são condições necessárias para trabalhar em locais remotos da Amazônia. Tal ‘necessidade’ só existe para quem acredita que os trabalhadores manuais, técnicos e gerenciais são obrigados a suportar as conseqüências da falta de medidas preventivas — em outras palavras, para aqueles que, por motivos políticos ou éticos, consideram inevitáveis a doença crônica e o desconforto e por isso desacreditam, desaconselham e até combatem os investimentos necessários para superá-los.

Uma conclusão de ordem mais específica é a seguinte: qualquer empresa particular que fosse contar com a construção de infra-estrutura de serviços públicos pelo governo brasileiro e/ou amapaense, no Amapá da década de 1950, teria de esperar quase vinte anos para tirar vantagem dessa infra-estrutura. É evidente que a ICOMI não conduziu o Amapá para um estado de pleno desenvolvimento sócio-econômico — esta é uma questão mais ampla e mais complexa, que estou examinando na minha tese —, mas é igualmente evidente que ela não pegou uma ‘carona’ em qualquer ‘infra-estrutura pública’ pré existente no Amapá.

Decerto, não estou argumentando que a montagem de infra-estrutura pública e/ou o fornecimento de serviços públicos devam ser sempre transferidos para a iniciativa privada. Apesar de sua relativa magnitude, o sucesso da ICOMI no papel de construtor de infra-estrutura foi bastante pontual em termos do Amapá, da Amazônia, e mais ainda em termos de Brasil. Sabe-se também que a lógica da empresa privada sempre levará a que ela construa apenas a infra-estrutura necessária à sua própria operação e expansão. O poder público, operando com recursos públicos e sem a obrigação premente de obter retornos em todos os seus investimentos, é e continuará a ser agente crucial para que a construção de infra-estrutura pública e o fornecimento de serviços públicos não se limitem às necessidades de empreendimentos privados, em situações de fronteira ou em outras situações. O caso da ICOMI apenas mostra que, nos padrões amazônicos, a iniciativa privada exibiu capacidade antecipatória na produção de bens públicos, ainda que eles tenham em sua maior parte servido única ou principalmente aos seus legítimos interesses comerciais e industriais. Sequer se pode dizer que o conjunto de empresários brasileiros se dispõe a viver papéis antecipatórios como esse. Ao contrário, iniciativas desse tipo parecem ser exceção. Cabe aos cidadãos, aos políticos e aos governantes fazer com que as intervenções do Estado, antecipatórias ou não, sejam eficazes e produzam condições sólidas para a qualidade de vida dos brasileiros, da Amazônia e de todas as regiões. Viabilidade técnica existe para tanto; se falta alguma coisa, é apenas a decisão política de investir na qualidade de vida dos trabalhadores.

José Augusto Drummond

Professor adjunto do Departamento de Ciência

Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Rua Tenente Possolo, 24/303

20230-160 Brasil Rio de Janeiro — RJ

NOTAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Brito, Daniel Chaves de jul.-1994 'Extração mineral na Amazônia: a experiência da exploração de manganês da Serra do Navio no Amapá'. Tese de mestrado. Belém do Pará, NAEA-Universidade Federal do Pará.

Bunker, Stephen 1985 Underdeveloping the Amazon. Chicago, University of Chicago Press.

Cunha, Álvaro 1962 Quem explorou quem no contrato do manganês do Amapá. Macapá, Ed. Rumo.

Gusmão, Hermelino Herbster 1991 Programa de saúde integrado ao complexo da infra-estrutura social - 25 anos na Amazônia, 1961-1985. São Paulo, Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

Haller, Archibald O. et alii. abr.-1996 'The socioeconomic development levels of the people of Amazonian Brazil - 1970 and 1980'. The Journal of Developing Areas, pp. 293-316.

ICOMI 1983 História do aproveitamento das jazidas de manganês da Serra do Navio. Rio de Janeiro, 2 vols., datilografado.

Raiol, Osvaldino 1992 A utopia da terra na fronteira amazônica. Macapá, Ed. Gráfica O Dia.

Ribeiro, Benjamin Adiron 1992 Vila Serra do Navio: comunidade urbana na selva amazônica. São Paulo, Pini.

  • 1
    Os outros três subtipos de fronteira identificados por Haller
    et alii (1996) são: "a frente expansionista clássica", uma área "nova" que é ocupada a partir de uma área vizinha já dotada de uma população estável e de um nível cristalizado de atividades econômicas; a "fronteira pára-quedas", pequenas áreas isoladas e distantes das regiões já ocupadas, tipicamente ligadas a empreendimentos efêmeros como garimpagem de ouro e pedras preciosas; e "fronteiras de linha", que se formam ao longo de rotas de penetração, como estradas ou rios.
  • 2
    O valor total desse empréstimo, em dólares de 1953, foi de cerca de 55 milhões. Quantias adicionais menores, da própria ICOMI e da Bethlehem Steel, foram também investidas nessa fase inicial.
  • 3
    As críticas desse teor são bem exemplificadas em Cunha (1962), e em Raiol (1992).
  • 4
    Vale lembrar que a condição remota e tropical do Amapá de 1953 obrigou os construtores privados da infra-estrutura a lidar também com fatores ‘naturais ou ‘ambientais’ atualmente muito em voga, como clima, precipitação, flora, fauna, doenças transmissíveis, desmatamento, erosão etc. Na minha pesquisa, verifiquei que os impactos propriamente ‘ambientais’ de Serra do Navio foram surpreendentemente limitados.
  • 5
    A mais detalhada e documentada — porém inédita — exposição da própria ICOMI sobre as suas atividades no Amapá encontra-se em dois volumes datilografados preparados pela empresa. É notória a falta de textos descritivos e analíticos publicados sobre a experiência da ICOMI. A mais completa análise secundária que encontrei foi a recente tese de mestrado de Daniel Chaves de Brito (1994).
  • 6
    Os programas educacionais das escolas da ICOMI mereceriam um estudo à parte, pois estas se revelaram as melhores escolas do estado. Formaram milhares de pessoas, muitas das quais foram absorvidas em posições gerenciais na própria ICOMI e subsidiárias; outros ex-alunos são diretores ou professores de escolas, ocupam cargos públicos ou eletivos, abriram pequenos negócios e escritórios de serviços, formaram-se em universidades. Assim como existe um ‘folclore negativo’ sobre a ICOMI, o estudioso do Amapá detecta, também, um ‘folclore positivo’ espalhado principalmente por ex-empregados e seus dependentes, que elogiam as melhorias educacionais que a empresa trouxe para muitos. No entanto, não encontrei um único relato histórico ou analítico publicado sobre o empreendimento educacional da ICOMI, nem mesmo da própria empresa. Suas escolas ainda funcionam, mas agora sob a responsabilidade de outras entidades que não adotaram, necessariamente, o mesmo projeto pedagógico. A de Vila Amazonas, por exemplo, foi transferida para a Fundação Bradesco, a da Vila Serra do Navio para a Prefeitura Municipal da localidade de mesmo nome.
  • 7
    Felizmente contamos com um excelente relato sobre a construção das vilas operárias da ICOMI. Ribeiro (1992), combina materiais primários cedidos pelo arquiteto responsável pelas vilas (Osvaldo A. Bratke), textos analíticos, depoimentos de visitantes e muitas fotografias, desenhos e ilustrações.
  • 8
    A iminente transferência dos hospitais para o sistema SUS não garante, infelizmente, que os programas de saúde descritos aqui sejam continuados satisfatoriamente.
  • 9
    Vale acrescentar que os serviços de emergência e exames dos hospitais sempre estiveram abertos ao público de não-empregados da ICOMI que os procurasse, inclusive populações indígenas. Estes usuários eram evidentemente excluídos dos programas educacionais e preventivos, que se limitavam às vilas operárias e seus residentes. Assim, os padrões ‘internos’ de saúde da ICOMI ficaram relativamente bem conhecidos da população em geral, inclusive a da populosa capital.
  • 10
    Esses prontuários documentam uma experiência brasileira altamente bem-sucedida de saúde pública na Amazônia. Podem ser úteis no desenho de programas similares, desejavelmente voltados para grupos mais numerosos de amazônidas. O livro de Gusmão (1941) usou apenas uma pequena parte dos dados existentes nesses prontuários. Destaco os seguintes detalhes sobre ele: estão abertos a pesquisadores; têm uma ordem de grandeza de vinte e cinco mil a trinta mil prontuários; incluem funcionários de subsidiárias da ICOMI; muitos funcionários fizeram longas carreiras na ICOMI, gerando prontuários enormes, inclusive de familiares; há prontuários de um número elevado de não-funcionários que buscaram atendimento; contêm resultados de todos os exames clínicos e de laboratório, fichas biométricas e de variáveis clínicas, vacinações, internações etc.
  • 11
    O outro texto do mesmo volume de Gusmão, bem menor, descreve a bem-sucedida aplicação de cloro e quinino ao sal de cozinha, como parte dos esforços de prevenção da malária. Este tipo de programa fracassou em parte quando tentado pelos governos federal e estaduais da Amazônia.
  • Publication Dates

    • Publication in this collection
      23 Jan 2006
    • Date of issue
      Oct 1998
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