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Ciência psiquiátrica e política assistencial: a criação do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil

Psychiatric science and social service policy: the creation of the University of Brazil's Institute of Psychiatry

Resumos

Este artigo analisa as relações entre ciência psiquiátrica e assistência no Rio de Janeiro em fins dos anos 1930 até meados dos anos 1950. Indica como historicamente ciência e assistência pública psiquiátrica se desenvolveran distintamente na França e na Alemanha. A partir dos exemplos francês e alemão, investiga o contexto brasileiro, partindo do surgimento da psiquiatria no Brasil, com a criação, em 1852, do Hospício de Pedro II, tendo em vista observar os fatores implicados na fundação do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (Ipub). Ipub vem expressar no campo psiquiátrico uma nova correlação de forças entre a prestação de uma assistência pública e a produção de uma ciência psiquiátrica brasileira. A partir do final dos anos 1930, a assistência pública e a ciência psiquiátrica no Rio de Janeiro tomavam rumos distintos: a assistência manteve-se hegemonicamente asilar, e a ciência psiquiátrica, institucionalmente autônoma, concentrava-se em pesquisar as doenças mentais na condição de doenças orgânicas.

história da psiquiatria; política assistencial; ciência psiquiátrica; Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil


The article analyzes the relations between psychiatric science and social services in Rio de Janeiro from the late 1930s to mid-1950s. The historical development of psychiatric science and social services in France and Germany, each country with its own distinct features, serves as an analytical reference in investigating the Brazilian context, starting with the emergence of psychiatry in Brazil in 1852, when the Hospício Pedro II was founded. In 1938, this asylum was transformed into the University of Brazil's Institute of Psychiatry, bringing the model of German research institutes up to date and reflecting a new correlation of forces between the provision of social services and the production of a Brazilian psychiatric science. At the close of the 1930s, social services and psychiatric science in Rio de Janeiro were taking separate paths: social services still pivoted primarily around asylums while the institutionally autonomous science of psychiatry focused on the research of mental diseases as manifestations of organic illness.

history of psychiatry; social services; psychiatric science; University of Brazil's Institute of Psychiatry


ANÁLISE

Ciência psiquiátrica e política assistencial: a criação do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil

Psychiatric science and social service policy: the creation of the University of Brazil's Institute of Psychiatry

Ana Teresa A. Venâncio

Professora visitante da Casa de Oswaldo Cruz Rua Maria Eugênia, 105/103 22261-080 Rio de Janeiro — RJ Brasil atav@visualnet.com.br

RESUMO

Este artigo analisa as relações entre ciência psiquiátrica e assistência no Rio de Janeiro em fins dos anos 1930 até meados dos anos 1950. Indica como historicamente ciência e assistência pública psiquiátrica se desenvolveran distintamente na França e na Alemanha. A partir dos exemplos francês e alemão, investiga o contexto brasileiro, partindo do surgimento da psiquiatria no Brasil, com a criação, em 1852, do Hospício de Pedro II, tendo em vista observar os fatores implicados na fundação do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (Ipub). Ipub vem expressar no campo psiquiátrico uma nova correlação de forças entre a prestação de uma assistência pública e a produção de uma ciência psiquiátrica brasileira. A partir do final dos anos 1930, a assistência pública e a ciência psiquiátrica no Rio de Janeiro tomavam rumos distintos: a assistência manteve-se hegemonicamente asilar, e a ciência psiquiátrica, institucionalmente autônoma, concentrava-se em pesquisar as doenças mentais na condição de doenças orgânicas.

Palavras-chave: história da psiquiatria, política assistencial, ciência psiquiátrica, Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil.

ABSTRACT

The article analyzes the relations between psychiatric science and social services in Rio de Janeiro from the late 1930s to mid-1950s. The historical development of psychiatric science and social services in France and Germany, each country with its own distinct features, serves as an analytical reference in investigating the Brazilian context, starting with the emergence of psychiatry in Brazil in 1852, when the Hospício Pedro II was founded. In 1938, this asylum was transformed into the University of Brazil's Institute of Psychiatry, bringing the model of German research institutes up to date and reflecting a new correlation of forces between the provision of social services and the production of a Brazilian psychiatric science. At the close of the 1930s, social services and psychiatric science in Rio de Janeiro were taking separate paths: social services still pivoted primarily around asylums while the institutionally autonomous science of psychiatry focused on the research of mental diseases as manifestations of organic illness.

Keywords: history of psychiatry, social services, psychiatric science, University of Brazil's Institute of Psychiatry.

Introdução

Este artigo pretende analisar a relação entre conhecimento científico e política assistencial na história da psiquiatria brasileira, em especial no período que se inicia com a criação do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (Ipub), em 1938, até fins da primeira metade do século XX. Essa relação entre produção de uma ciência — que toma a loucura como objeto a ser investigado — e de uma assistência pública inaugurada com a instituição asilar é mesmo fundamental na constituição da psiquiatria como especialidade médica, atualizando-se de diferentes modos em contextos nacionais específicos.

Podem-se observar, entre as atualizações dessa relação, ao menos dois modelos. Um primeiro, em que ciência e assistência pública caminharam de mãos dadas, a exemplo do que ocorreu na psiquiatria alienista francesa da primeira metade do século XIX. Nesse contexto, a clínica psiquiátrica foi edificada em conjunto com uma política assistencial asilar para os alienados, não cabendo ao campo dos avanços científicos, mas sim da problemática da assistência pública a construção de uma competência médica. Sua escolha "parece orientada menos por sua cientificidade médica do que por sua pertinência na codificação de uma problemática social" (Castel, 1978, p. 101). Além disso, do ponto de vista da medicina moderna científica que se constituía, seu corpo teórico era considerado ultrapassado.

De acordo com Foucault (1980), as teorias alienistas sobre a loucura diferenciavam-se dos achados médicos científicos da época, que engendravam um novo estatuto epistemológico para a doença, a partir de então entendida como forma patológica da vida. Em Pinel, ao contrário, "antes de ser tomada na espessura do corpo, a doença recebe uma organização hierarquizada em famílias, gêneros e espécies. Aparentemente, trata-se apenas de um quadro que permite tornar sensível para a aprendizagem e a memória o domínio abundante da doença" (idem, p. 2). A medicina científica preocupava-se com a localização da doença no corpo, enquanto o alienismo voltava-se ainda para os sinais locais que, em lugar de remeterem à sua sede, falavam de sua essência.

No segundo modelo, retratado pelo caso alemão, a ciência psiquiátrica se constituiu e consolidou afastada de uma política de assistência, sendo desde seu surgimento exercida apenas nas clínicas universitárias. O prestígio da psiquiatria alemã florescia dos espaços universitários, para onde convergiram a criação de associações e revistas científicas. Nesse contexto, o ensino e a pesquisa psiquiátricas eram dominantes. Era menos importante a demonstração, para os alunos, de pacientes internados nos asilos, e a preocupação com a própria administração tornava essas instituições, em grande medida, abrigos para casos crônicos, cujos sintomas apareciam como mais ou menos semelhantes.

Denominada por Shorter (1997, p. 69) como a primeira psiquiatria biológica, o movimento de idéias que então se produziu na Alemanha perguntava-se sobre como a genética e a química do cérebro tornavam uma pessoa doente: "As respostas não foram encontradas na rotina do asilo, mas nas pesquisas feitas nas universidades e institutos." Tais investimentos faziam parte de um processo mais amplo vivido pela própria medicina em direção às pesquisas, imbuída que estava do espírito de que a demonstração da pertinência da visão biológica poderia superar a mera aceitação dessa dimensão do humano como destino irrevogável.

Isso não quer dizer que não houvesse na França um interesse pelo ensino em psiquiatria; ou que na Alemanha não existissem instituições de assistência pública do tipo asilar. Deve-se considerar que a excelência do conhecimento psiquiátrico francês destacava a importância da atuação na assistência pública, enquanto que, no caso alemão, ressaltava-se muito mais intensamente a necessidade de atuação no espaço acadêmico estrito senso, fundada na pesquisa científica, como forma de produção do ethos de psiquiatra.

Todas essas marcas diferenciais articulam-se com o modo próprio desses contextos nacionais se constituírem como sociedade, considerando-se os sentidos específicos de tal representação coletiva. De um modo geral, podemos lembrar que, na França, a reorganização social que se processava em meados do século XVIII produziu uma maior assimilação por parte da burguesia em ascensão do ethos civilizado da aristocracia, incluindo-se aí sua maior entrada no aparelho de Estado. É exemplificativo, nesse sentido, o lugar de destaque que os alienistas franceses tiveram no interior das instituições públicas de assistência, ajudando mesmo na sua construção e, nestas, desenvolvendo toda uma tarefa de formação de "quadros" intermediada pelo internato. Na Alemanha houve, comparativamente, uma separação mais radical entre burguesia e aristocracia, estando a primeira mais alijada dos processos políticos implicados no aparelho de Estado e mais voltada para o trabalho de produção de uma kultur própria (Dumont, 1991; Elias, 1990).

No caso da história da psiquiatria no Brasil, essa articulação entre assistência e ciência parece ter caminhado até fins dos anos 1950 em duas direções. Primeiramente aparece referenciada no modelo francês, para, num segundo momento, seguir o exemplo alemão de constituição de uma ciência psiquiátrica não empenhada na tarefa de produção de uma política de assistência pública. A análise aqui proposta se desenvolve em torno da história do Ipub , tendo em vista sua importância na produção dessa articulação.

Política assistencial no Império: a psiquiatria alienista francesa à brasileira

O Instituto de Psiquiatria foi criado em 1938, pelo decreto-lei 591, que o transferia para a Universidade do Brasil. Sua origem histórica, entretanto, encontra-se no Instituto de Psicopatologia, fundado em 1893, como o Pavilhão de Observação do primeiro hospício brasileiro. O hospício, criado por decreto imperial de 1841, foi inaugurado em 1852, com o nome de Hospício de Pedro II, numa clara deferência ao imperador. Sua fundação inspirava-se na experiência francesa, na qual a origem histórica da psiquiatria era um corolário da constituição do asilo, disputado inicialmente pelas instâncias médicas e religiosas.

No entanto, segundo Teixeira (2000), os contextos específicos nos quais se deu o surgimento do asilo apontam para diferenças significativas. No caso da França, esteve respaldado no projeto liberal-burguês instaurado com a Revolução Francesa, valendo-se mais intensamente da contribuição dos médicos para a formulação e implantação de uma política assistencial pública que respondesse à problemática da exclusão e inclusão social de diferentes segmentos da população.

Já em nosso caso, a criação do asilo foi expressão do regime monárquico centralizador, gerado a partir de um consenso de elites (idem, p. 85). A ascensão da classe médica e de suas propostas seria limitada pela afirmação e sustentação de um poder central monárquico, que tinha a instituição religiosa como importante aliada. O tema da inclusão social se colocava dominantemente sob a rubrica da caridade aos desvalidos, em vez de enfatizar um novo contrato social.

Sobre a relação entre ciência e assistência psiquiátrica é importante assinalar que, quando da criação e inauguração do hospício (1841 e 1852), a ciência psiquiátrica brasileira ainda não se constituíra enquanto tal. Isso só iria ocorrer paulatinamente, a partir de um alargamento do campo de possibilidades de participação da medicina nos projetos relativos à assistência à população. Conforme Russo (1993), nos anos 1830, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro promulgou um código de posturas estabelecendo uma legislação sanitária municipal. Foi nessa época que surgiram os primeiros protestos médicos contra a situação dos loucos internados na Santa Casa do Rio de Janeiro, vindos de membros da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Criada em 1829, "tratava-se de uma sociedade de medicina social com influência notável da medicina francesa, defendendo medidas de higiene pública. Como fundadores encontram-se dois médicos franceses — Jean Maurice Fraive e Xavier Sigaud — e associados brasileiros — José da Cruz Jobim e Joaquim Cândido Soares de Meirelles —, que haviam se formado em escolas francesas" (Teixeira, 1997, p. 50).

Não obstante a difusão no Brasil do alienismo francês, por ocasião da implantação do primeiro hospício, o funcionamento asilar precedeu a existência de um corpo de conhecimento especializado com organização institucional (idem). Quando da inauguração do hospício, em 1852, as faculdades de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia — criadas em 1832 e sucessoras dos antigos colégios médico-cirúrgicos — possuíam mais exatamente uma cátedra de medicina legal (Russo, op. cit.). Logo em seguida foi criada a cadeira de higiene, uma das principais áreas de pesquisa, sobretudo no Rio de Janeiro.

Na divulgação científica também predominavam os estudos sobre medicina legal. A revista semanal Brazil Médico, vinculada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, surgia em 1887, com a maioria dos textos versando sobre "higiene pública". Até 1890 eram bem menos freqüentes os artigos sobre medicina legal e alienação. Apenas mais tardiamente, nos anos 1920, cresceria o número de trabalhos sobre "alienação e doenças mentais", como demonstram os artigos publicados no primeiro periódico médico brasileiro, Gazeta Médica da Bahia, cujas conclusões eram acompanhadas pelo periódico carioca (Schwarcz, 1993, pp. 199, 222).

No Rio de Janeiro, o primeiro catedrático de medicina legal, J. M. Cruz Jobim, seria, entre 1841 e 1852, o médico do Asilo Provisório, que fora instalado para a assistência aos loucos até a inauguração do Hospício de Pedro II. Somente em 1881, numa nova reforma do ensino médico (decreto 3024), foi criada a cadeira de clínica psiquiátrica e moléstias mentais, interinamente ocupada também pelo catedrático de medicina legal à época, dr. Nuno de Andrade, diretor médico do hospício.

Em 1882 a lei 3141 determinava que se realizasse concurso público para a cátedra de psiquiatria na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sendo aprovado e empossado no ano seguinte o prof. João Carlos Teixeira Brandão (1854-1921). Em 1887, pouco antes do advento da República, Teixeira Brandão tornava-se também diretor do hospício, permanecendo no cargo por dez anos.

É possível portanto afirmar que a medicina legal foi praticamente o berço da psiquiatria brasileira. Esta raiz comum que une as duas especialidades não é de modo algum fortuita. As relações de proximidade e conflito entre a medicina legal e a psiquiatria demonstram de forma exemplar a importância do discurso médico em geral, e do psiquiátrico em particular, na definição das questões políticas fundamentais para a nova sociedade que emergia (Russo, op. cit., p. 9).

A ciência se instaurava no asilo via medicina legal, enquanto a assistência mantinha a feição predominante da caridade religiosa. A direção médica do hospício, exercida por um professor catedrático, seria forçada a conviver por bastante tempo com a direção administrativa da Santa Casa da Misericórdia e com os cuidados ministrados pelas freiras. Com o advento da República, tal embate tomaria um rumo específico: o asilo brasileiro foi renomeado como Hospício Nacional de Alienados e, no ano seguinte, desanexado da Santa Casa da Misericórdia (decreto 206-A de 15 de fevereiro de 1890), passando à responsabilidade exclusiva das instâncias médicas. É certo que esse rumo não significava apenas uma sucessão de fatos: o poder médico aliava-se aos novos projetos de organização social e, por essa via, se fortalecia como representante da elite nessa mesma organização. A psiquiatria recém-constituída corroborava esse fortalecimento sob a influência do alienismo francês, defendido e difundido por Teixeira Brandão, caracterizando-se tanto pelo comprometimento com a formulação de uma política assistencial asilar, quanto pela adesão às teorias alienistas do tratamento moral.

Em 1893, 41 anos após a inauguração do hospício, foi criado o Pavilhão de Observação. Isso ocorreu em concomitância a uma série de medidas da administração de Teixeira Brandão, professor catedrático de clínica psiquiátrica, diretor do hospício e também diretor do novo serviço. Segundo Teixeira (1999), no ano anterior ao surgimento do pavilhão, o decreto 896 de 29 de junho de 1892 instituía dois tipos de pacientes: os pensionistas e os gratuitos. Em seguida, o decreto 1.559 de 7 de outubro de 1893 — que também ampliava o número de médicos no hospício e incluía os cargos de oftalmologista e diretor sanitário — fundava o Pavilhão de Observação, um serviço de avaliação preliminar dos pacientes que se apresentavam para serem internados.

O pavilhão objetivava acolher os pacientes com atendimento gratuito, suspeitos de alienação mental, que ali chegavam por meio das autoridades públicas. Estava exclusivamente destinado à clínica psiquiátrica e de moléstias mentais da Faculdade de Medicina. "Neste serviço os doentes seriam examinados por até 15 dias, para decidir seu encaminhamento. ... O professor de clínica psiquiátrica era pago pela Assistência a Alienados, e devia residir numa casa vizinha ao hospício, com a incumbência de atender aos doentes do pavilhão a qualquer hora que fosse solicitado" (Teixeira, 1999, pp. 222-3). Ao menos desde 1896 procedia-se a anotações em livros de observações clínicas dos pacientes desse pavilhão. Posteriormente, seguindo a Lei de Assistência aos Alienados de 1903, tais observações passaram a ser formalizadas "num registro de internação, que exigia a anexação de todos os dados pessoais, descrição fisionômica e sinais característicos, além de fotografia do 'suspeito de alienação'. Ademais, o mesmo parágrafo exigia a anexação de quaisquer outros elementos 'quantos possa coligir e façam certa a identidade do enfermo.'"

Segundo Medeiros (1977, p. 82), as aulas da cadeira de psiquiatria ministradas no Pavilhão de Observação eram facultativas e destinadas aos alunos do sexto ano de medicina. Tinham duração de um semestre, exigindo-se apenas freqüência. Mas eram poucos os estudantes que a ela compareciam, "pois a idéia prevalente era de que maluco teria que ser jogado no hospício onde dificilmente se curaria, e pouca gente queria especializar-se em matéria na qual os rendimentos seriam tão pouco vantajosos." Já em sua criação, portanto, o Pavilhão de Observação do antigo hospício era o locus de formação de psiquiatras.

Ainda conforme Medeiros, esse imbricamento entre assistência e ciência psiquiátrica relacionava-se ao afastamento da psiquiatria do restante da medicina. Ao se constituir como especialidade médica, a psiquiatria aparecia paradoxalmente desvalorizada no âmbito da academia, isolada no hospício, a exemplo do que já acontecia com os doentes mentais enviados para a instituição asilar.

Em 1897, Teixeira Brandão deixou a direção do hospício e, conseqüentemente, a do Pavilhão de Observação, assim como a direção da Assistência Médico-Legal de Alienados1 1 A Assistência Médico-Legal de Alienados foi criada em 1890 como órgão nacional formulador de uma política assistencial para os alienados. Em 1927 foi renomeada como Serviço de Assistência a Psicopatas (SAP), pelo decreto 17.805 de 23 de maio, como divisão do Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores; em 1930, passou a integrar o Ministério da Educação e Saúde Pública, criado pelo governo provisório. Em 2 de abril de 1941, pelo decreto 1371, o SAP foi substituído pelo Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM). Sobre as reformas que esse serviço sofreu até o início do século XX, ver Engel (2001, p. 258). e a cátedra de professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina, passando a dedicar-se à carreira política. Iniciava-se aí um período de várias sucessões, tanto no cargo de diretor do hospício quanto no de catedrático de psiquiatria da Faculdade de Medicina.2 2 As informações disponíveis sobre essas sucessões deixam lacunas e interrogações sobre a acumulação dos dois cargos. Segundo Arruda (1995), a cadeira de psiquiatria passou a ser ocupada interinamente por Márcio Nery e depois por Henrique Roxo, de 1904 a 1907 e de 1911 a 1921, nesse último período em caráter efetivo. Já a direção do hospício teria sido ocupada por Márcio Nery, interinamente, de 1898 a 1899; por Pedro Dias Carneiro, de 1900 a 1901, quando se aposentou; e por Antônio Dias Barros, antigo interno e docente da Faculdade de Medicina, que dirigiu o hospício até 1903. Essas sucessivas mudanças nos dois cargos parecem indicar uma fase de instabilidade em relação ao período anterior e de reordenação das possíveis relações entre assistência e ciência psiquiátrica. De um lado, o modelo francês, defensor da construção de uma assistência pública que se debatia, já como no Império, com a instituição asilar superlotada, sem que se resolvesse a questão da cura dos alienados. De outro, o modelo alemão apontava para novas possibilidades em torno da cura, ancorada na ciência, sem se perder de vista a necessidade de uma política assistencial consistente.

Por uma psiquiatria brasileira: a ciência alemã na instituição pública asilar

A relação entre ciência e assistência se reorganizou logo na aurora do século XX. Em 1903, Juliano Moreira foi nomeado para a direção do hospício (ali permanecendo até 1930); em 1904, Henrique Roxo passou a ocupar a cátedra de psiquiatria. A direção do hospício deixava assim de ser exercida pelo professor catedrático de psiquiatria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Essa separação de funções produzia, aparentemente, uma imagem de ruptura entre ciência e assistência pública. No entanto, ela fortaleceu a preeminência das diretrizes da política assistencial, em detrimento da produção de uma ciência psiquiátrica brasileira academicamente autônoma.

Do ponto de vista da política assistencial, a nomeação de Juliano Moreira para a direção do hospital de alienados e as reformas que lá empreendeu coadunavam-se com todo um processo de reorganização espacial. Inseria-se no esforço de saneamento e assistência à saúde que a cidade do Rio de Janeiro vivia durante a administração do prefeito Pereira Passos e a gestão de Oswaldo Cruz como diretor geral de Saúde Pública (Portocarrero, 2002).

No que se refere ao locus acadêmico observava-se um constrangimento do exercício de poder. Em vez da antiga superposição dos cargos de professor catedrático de psiquiatria, diretor do hospício e de seu Pavilhão de Observação — então denominado Instituto de Psicopatologia —, o professor catedrático ficaria apenas como diretor do instituto, subordinado à direção do hospício. Segundo Roxo (1942), essa reordenação da relação entre academia e assistência pública foi consagrada em 1919 com sentença unânime do Supremo Tribunal Federal, que finalmente legalizava a acumulação dos cargos de professor catedrático e diretor do Instituto de Psicopatologia. Com isso garantia-se o espaço para a Faculdade de Medicina desenvolver suas atividades docentes, mas numa situação hierarquicamente inferiorizada perante a gestão da instituição assistencial pública.

Os depoimentos controversos sobre essa relação entre academia e assistência apontam tanto para um convívio harmonioso como para a existência de disputas. "Durante cerca de cinqüenta anos tudo correu normalmente, e viviam em muito boa harmonia o diretor do Instituto de Psicopatologia e o diretor da Assistência a Psicopatas" (idem, p. 4). Já Medeiros (1946-47, p. 10) revela que ele próprio vinha do grupo de jovens que cercavam Juliano Moreira, "o que não podia me valer simpatia do catedrático de psiquiatria".

Mas o fato é que, ao ser desfeita a unidade da academia com a assistência psiquiátrica pública, a ciência psiquiátrica que se sobressaiu não foi a gerada no espaço acadêmico mais autônomo, mas sim a capitaneada por Juliano Moreira do interior do asilo e das sociedades de tipo científico e filantrópico.3 3 Em 1905, juntamente com Afrânio Peixoto, Juliano Moreira fundava a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins, entidade científica que tinha como órgão divulgador os Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins, em 1908 renomeados como Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, e de 1919 a 1955 intitulados Arquivos Brasileiros de Neuriatria e Psiquiatria. Já em 1923, o dr. Gustavo Riedel fundou a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), da qual Juliano Moreira foi destacado integrante e um dos presidentes. Tendo como órgão de divulgação os Arquivos Brasileiros de Higiene Mental, a LBHM propunha, em sua fase inicial, aperfeiçoar a assistência aos doentes, embora em 1928 a reformulação de seu estatuto viesse enfatizar a importância da intervenção preventiva no meio familiar, escolar, profissional etc. (Costa, 1981). Nesses espaços se formou toda uma escola inspirada na psiquiatria alemã de Émil Kraepelin e propagada por Juliano Moreira (Portocarrero, op. cit.; Venâncio et al., 2001). Seguindo-se a teoria kraepeliniana, passava-se a privilegiar e consolidar o interesse pelas relações causais entre distúrbios somáticos e conseqüências mentais, procurando sistematizar as entidades mórbidas mentais, a exemplo das orgânicas, para efeito das classificações nosográficas. Era uma retomada da psiquiatria pela própria psiquiatria, viabilizada pela esperança nas pesquisas na área da anatomia patológica que respaldava o modelo da observação clínica.

A adoção dessa perspectiva cientificista não significava, entretanto, que a questão da doença mental estivesse deixando de atentar para a dimensão moral do indivíduo doente. Ao contrário, a psiquiatria procurava uma nova linguagem para falar dessa dimensão. Trazia à tona concepções fisicalistas que eram contrapostas ao imaginário predominantemente moral de fins do século XIX, reordenando as relações entre o físico e o moral para a construção de novas teorias explicativas. A leitura proposta pela psiquiatria européia fundava-se na teoria da degenerescência, calcando-se nas explicações orgânicas da hereditariedade e da degeneração dos indivíduos, e mesmo da sociedade e da espécie.

Em nosso contexto, a difusão científica dessas teorias coadunavam-se com a necessidade de um instrumental que desse conta da particularidade de uma "sociedade brasileira" — mestiça e desigual socialmente —, garantindo-se, ao mesmo tempo, sua inclusão entre as nações ditas civilizadas. O pensamento de Juliano Moreira era exemplar nesse sentido, uma vez que, ao enfatizar a dimensão físico-orgânica das doenças mentais, suas causas e evolução, afirmava paradoxalmente que os estados conhecidos como anormais não deveriam ser atribuídos à irredutibilidade de fatores como raça e hereditariedade. Desse modo peculiar, Juliano Moreira atestava que o Brasil poderia constituir uma sociedade fundada pelo ideal da igualdade moral dos indivíduos, alcançável pela melhoria da educação e das condições sociais; sem que se descartasse a existência de uma desigualdade eminentemente física, enraizada apenas no nível das unidades orgânicas, e que não comprometia em si mesma o projeto civilizatório brasileiro (Venâncio et al., op. cit.).

A adoção da ciência psiquiátrica de inspiração alemã coadunava-se assim com uma política consistente, de caráter preventivista, em que a intervenção ultrapassava a atenção para com o indivíduo, adentrando o espaço social para sua normalização — uma normalização diferenciada, entretanto, daquela produzida pela psiquiatria alienista.

Longe de compartilhar da visão essencialmente difusa que o diagnóstico dos primeiros alienistas evidenciava em suas alternativas basicamente voltadas para a identificação e exclusão asilar do indivíduo "tarado" ou nocivo, a psiquiatria preventiva dos anos 30 identifica mais precisamente o lugar do perigo, nomeia expressamente este lugar e preconiza medidas concretas para seu enfrentamento que tem uma outra amplitude (Cunha, 1986, p. 192).

Nos anos 1920 e 1930, o ideário psiquiátrico preventivista seria fortemente sustentado pela Liga Brasileira de Higiene Mental, com os psiquiatras identificando-se cada vez mais como higienistas, ao mesmo tempo que concediam um sentido específico à higiene mental. Inicialmente considerada uma aplicação do conhecimento psiquiátrico, ela foi alçada à condição de teoria geral, fundada na idéia de eugenia, que devia conter e orientar a prática psiquiátrica (Costa, 1981, p. 79).

Nesse sentido, a política assistencial fundada na idéia de higiene mental ensejava a criação de campanhas, serviços abertos, ambulatórios, de modo a dar conta de sua entrada e permanência na sociedade. Segundo Cunha (op. cit.), havia nesse período um abandono da defesa do grande hospício como modelo assistencial, embora possamos constatar sua permanência como lugar de degradação. Assim, ainda que caótico, o modelo assistencial asilar não foi extinto. Ao contrário, o asilo parecia permanecer como elemento importante para, também em seu interior, alojar a população-alvo da política de higiene mental. Ele passava a ser ampliado numérica e conceitualmente, como demonstrava a crescente inauguração dessas estruturas institucionais e a incorporação em seu campo semântico da figura dos asilos-colônias.

Conforme Medeiros (1977), nos anos 1912 a 1920 são criadas a Colônia de Engenho de Dentro, a Colônia de Jacarepaguá e o Manicômio Judiciário, e até fins dos anos 1930, difundiu-se o modelo asilar com a construção de novos pavilhões nas colônias já inauguradas. Em 1934, terminava a construção do Pavilhão Rodrigues Caldas, com capacidade para 120 doentes, posteriormente incorporado ao Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil.

No que se refere à formação psiquiátrica, portanto, até meados da década de 1930, os psiquiatras produziram e reproduziram seu saber a partir das sociedades científicas e do hospício. Na condição de especialidade médica, a formação do psiquiatra estava bastante atrelada à prática desenvolvida na instituição, e foi no hospício que a Faculdade de Medicina buscou psiquiatras para o ensino no espaço acadêmico. Desse processo decorreram dois movimentos. Em primeiro lugar, o fato de o ensino ser feito a partir do hospício levava o modelo assistencial asilar vigente para dentro do locus acadêmico, reproduzindo-o, sem tomá-lo como objeto de reflexão. Em segundo lugar, observava-se uma marginalização social da psiquiatria no âmbito do conhecimento médico. "Médico de doidos, a respeito de quem se admitia nada fazer e nada saber" (Medeiros, 1977, p. 82) Essa marginalização social pode ter sido, inclusive, uma das marcas a motivar o discurso acadêmico psiquiátrico a ser tão enfático e afirmativo de sua cientificidade, procurando valorizar o psiquiatra e seu conhecimento.

Entretanto, a constituição do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil, em 1938, parece expressar uma segunda mudança na correlação de forças entre ciência e assistência, no sentido da autonomia da primeira em relação à segunda. A ciência levava o modelo asilar para dentro do espaço universitário, reproduzindo-o como modo de cuidado, mas buscava a afirmação de um espaço de ensino e pesquisa autônomo da assistência no sentido estrito. Nesse movimento de mudança, a ciência psiquiátrica desvinculava-se da responsabilidade institucional de responder às questões advindas da esfera da política pública assistencial.

Todo valor à academia: os institutos de psiquiatria alemão e brasileiro

O Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil foi mesmo criado nos moldes do Instituto Germânico para Pesquisa Psiquiátrica (Deutsche Forschungsanstalt für Psychiatrie), fundado por Émil Kraepelin em 1917. A visão kraepeliniana de transformar a clínica psiquiátrica numa disciplina médica moderna baseada na ciência natural — criando estreitos vínculos com a neuropatologia, neurofisiologia, serologia, genética e psicologia experimental — levaria ao estabelecimento do instituto alemão. Já em 1912, a pedido da Associação Psiquiátrica Germânica, Kraepelin passaria a aglutinar esforços para a fundação de um instituto para pesquisa psiquiátrica. Em 1915-16 o banqueiro norte-americano e descendente de judeus alemães, James Loeb, enviava um donativo para auxiliar na criação do futuro instituto, e em 13 de fevereiro de 1917, o rei Ludwig III criava formalmente o Instituto Germânico para Pesquisa Psiquiátrica, sediado no Hospital Psiquiátrico da Universidade de Munique.

Em 1924, o Instituto Germânico para Pesquisa Psiquiátrica também se filiaria à Sociedade Kaiser Wilhelm para o Progresso da Ciência (Kaiser-Wilhelm-Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften), o que concedeu um sentido muito particular à sua identidade institucional. Desde o início do século XX até o final do império germânico, a academia, a indústria e outros setores relacionados à política científica pressionavam por mudanças no modo como a ciência estava organizada na Alemanha.

Conforme o Max Planck Institute of Psychiatry (2001), em 1909, um importante documento dirigido ao kaiser Guilherme II afirmava que a ciência germânica estava atrasada frente a outros países, no que se referia a importantes linhas de pesquisa na área das ciências naturais. Dizia ainda que era impossível para o campo da medicina experimental desenvolver-se no interior dos institutos universitários do modo como estavam organizados. A proposta de organização da Sociedade Kaiser Wilhelm para o Progresso da Ciência, congregando vários institutos para pesquisas em ciências naturais, defendia uma estrutura organizacional mais flexível, em que seus integrantes, livres da maioria das obrigações do ensino universitário, poderiam concentrar seus esforços no desenvolvimento de pesquisas científicas. O Instituto Germânico para Pesquisa Psiquiátrica tornava-se então um dos braços fortes dessa política de ênfase na ciência via pesquisa, em detrimento do ensino universitário em sentido estrito.

Dois anos mais tarde, em 1926, Kraepelin morreu, e o neuropatologista Walther Spielmeyer assumiu a direção do instituto alemão. A projeção internacional desse instituto como locus por excelência de pesquisa cresceria em 1928, quando passou a ser financiado pela Fundação Rockefeller, tendo como chefes de seus departamentos Ernst Rüdin, Felix Palut, Kurt Schneider e Franz Jahnel. Em 1931, Ernst Rüdin tornou-se diretor do instituto, e em 1935, com a morte de Walther Spielmeyer, Willibald Scholz tornou-se chefe do departamento de neuropatologia. Nesse período, alguns pesquisadores foram afastados pelo regime nazista, em razão de suas origens judias. O próprio interesse de Ernst Rüdin nos estudos de populações, produzindo resultados em genética psiquiátrica, e sua visão eugênica sobre higiene racial dominaram o trabalho feito pelo instituto. Ao final da Segunda Guerra Mundial, os recursos para o funcionamento do instituto estavam bastante reduzidos, e pouquíssimas pesquisas puderam ser desenvolvidas até meados dos anos 1950.

A reputação internacional do período áureo do instituto alemão também chegaria aos trópicos. Não por acaso o primeiro diretor do Ipub orgulhava-se em dizer que, até 1936, visitara três vezes o Instituto Germânico para Pesquisa Psiquiátrica (Roxo, op. cit.). A versão brasileira, contudo, seria uma adaptação do modelo alemão, combinando a imagem de excelência das pesquisas científicas com a reordenação da complexa relação entre ciência e assistência pública aqui observadas. Se, até então, a esfera científica mantinha-se englobada pela esfera da política assistencial, com a criação do Ipub essa correlação de forças foi reordenada, enfatizando-se a dimensão estritamente acadêmica da ciência psiquiátrica.

Paradoxalmente, entretanto, o Ipub pretendia ser a reprodução da instituição alemã, exatamente no tipo de campo ao qual a identidade desta última fora desvinculada: o espaço universitário. Como vimos, o Instituto Germânico para Pesquisa Psiquiátrica desenvolvera-se principalmente por sua autonomia institucional em relação ao meio universitário, consolidando-se hegemonicamente em torno da pesquisa. Já no Brasil, a busca da face científica da psiquiatria passava pela necessidade de afirmação do próprio meio acadêmico universitário frente à predominância das ações voltadas para a política assistencial. Nesse sentido, a pesquisa científica aparecia como coadjuvante importante para reforçar a empreitada de afirmação da autonomia acadêmica em relação à política.

O que ocorreu em 1938, quando da fundação do Ipub, foi a transferência para a Universidade do Brasil do Instituto de Psicopatologia do Serviço de Assistência a Psicopatas do Distrito Federal. Conforme Roxo (op. cit.), essa medida obedecia à lei de desacumulações do governo Getúlio Vargas, que inviabilizava que o instituto continuasse como parte do serviço e, ao mesmo tempo, fosse dirigido por um professor catedrático de clínica psiquiátrica da Faculdade de Medicina. A impossibilidade de acumulação de cargos remunerados foi superada pela transferência do órgão para a Universidade do Brasil. Com isso, o novo instituto passava a ser hegemonicamente lugar autônomo de ensino e produção de conhecimento científico, como explicitava o decreto-lei de sua criação. "Praticaram eles (o presidente Getúlio Vargas e o ministro Gustavo Capanema) obra de grande benemerência e não devo esconder a minha sincera gratidão por terem permitido que se organizasse um Instituto de Psiquiatria, nos moldes do de Munique e que eu ficasse com a possibilidade de dar minhas aulas, com um bom número de doentes" (idem, p. 5).

Fundado a partir das concepções psiquiátricas alemães, o Ipub foi marcado, em seu período inicial, por invocar a possibilidade da cura da doença mental, no contexto do trabalho de psiquiatras identificados com o valor da ciência psiquiátrica. Nos primeiros vinte anos de sua criação (1938 a 1958) ele foi dirigido por uma geração de médicos psiquiatras nascidos ainda em fins do século XIX e que puderam ser indicados para o cargo por serem professores catedráticos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Apesar de alguns deles terem exercido cargos nos órgãos formuladores de políticas públicas, suas atuações no instituto universitário não parecem ter produzido uma relação estreita entre ciência e política assistencial pública.

O primeiro diretor (1938-46) do Ipub foi Henrique de Brito Belford Roxo (1877-1969), doutor pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que freqüentara a Clínica Psiquiátrica de Heidelberg e de Munique, onde se encontrava Émil Kraepelin. Durante sua gestão, a instituição manteve a antiga vinculação entre o Instituto de Psicopatologia e o Hospício Nacional de Alienados. Os doentes mentais, internados no então denominado Pavilhão Rodrigues Caldas, serviam de subsídio para as pesquisas e aulas do Ipub. Em 1944 esse vínculo foi desfeito de fato, com a transferência dos doentes mentais para o Engenho de Dentro. Com isso, o instituto facultava aos psiquiatras a possibilidade, até aquele momento inédita, de possuírem um espaço institucional de ensino totalmente autônomo para desenvolver seus trabalhos teóricos a partir da pesquisa psiquiátrica.

Henrique Roxo (op.cit., pp. 9,7, 10) destacava como principal finalidade do Ipub a pesquisa relativa às doenças mentais:

Os assuntos escolhidos serão preferentemente aqueles que possam esclarecer pontos obscuros da psiquiatria, concorrer para que se disponha de um tratamento mais eficiente das psicopatias, comprovar as alterações bioquímicas que nestas existam, solucionar problemas obscuros da química biológica, demonstrar quais alterações anátomo ou histopatológicas existentes nas doenças mentais.

Segundo ele, a importância da atividade de pesquisa viria então comprovar a possibilidade de cura dos doentes mentais: "Dentro de pouco tempo, os resultados das pesquisas em psiquiatria virão esclarecer muitos problemas importantes, a eficácia de tratamentos modernos virá provar a possibilidade de cura da maioria dos doentes mentais, um bom regime dietético será convenientemente aplicado, o alienado terá conforto como nunca teve." Utilizavam-se como métodos de tratamento as aplicações de insulina, a malarioterapia, a piretoterapia, a convulsoterapia por cardiazol, o eletrochoque e o tratamento por extratos de plantas medicinais brasileiras. Da administração de substâncias bioquímicas, como a insulina, ao desencadeamento de reações biológicas, como a elevação da temperatura dos doentes, as terapêuticas propostas tratavam da dimensão orgânica do paciente.

Embora ao longo de sua vida Roxo também tenha publicado artigos referenciados nos preceitos psicanalíticos de Freud, estes expressavam muito mais o ideal de uma formação erudita e ampla, abraçada por grandes catedráticos, do que propriamente sua aplicabilidade terapêutica na área psiquiátrica. Segundo Bueno (1988), o que norteava a escola de Roxo era a firme crença na localização cerebral: a cada sintoma corresponderia uma lesão cerebral, ou, na ausência desta, uma disfunção expressa nas funções hormonais tróficas. Além disso, é de se notar que nenhum de seus trabalhos publicados nos Anais do Instituto de Psiquiatria tivesse como tema questões relativas à política assistencial pública em psiquiatria e higiene mental, apesar de sua participação no movimento de higiene mental. As diretrizes institucionais do Ipub, exemplificadas na orientação de Henrique Roxo, desconsideravam a problemática da política assistencial, para centrar-se numa perspectiva científica eminentemente físico-orgânica a respeito das doenças mentais.

A gestão do segundo diretor (1946-56) foi marcada pela consolidação do espaço acadêmico, já totalmente autônomo, e pelos investimentos nele realizados. Também sucessor de Henrique Roxo na cátedra de psiquiatria, Maurício Campos de Medeiros (1885-66) formou-se em farmácia (1903) e depois em medicina (1907) pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tendo feito curso de especialização em histopatologia em Paris (1906-07), e fisiologia do sistema nervoso em Munique e Viena (1909). Livre-docente em fisiologia e patologia geral da Faculdade de Medicina, em 1929 tornou-se professor catedrático de patologia médica (1929-33) e, em 1946, de clínica psiquiátrica (1946-66). Foi ainda membro da Academia Brasileira de Letras e da Liga Brasileira de Higiene Mental e exerceu cargos políticos antes e depois de ocupar a direção do Ipub: deputado sucessivamente reeleito de 1916 a 1930 e ministro de Estado em Negócios da Saúde nos governos de Nereu Ramos (1955-56) e Juscelino Kubitschek (1956-61) (Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1988, p. 4).

Quando assumiu a direção do Ipub em 1946, Maurício de Medeiros conseguiu que sua proposta de modificação do ensino de psiquiatria fosse aprovada pela congregação da Faculdade de Medicina. "Este passava a ser lecionado nos dois semestres do quarto ano médico, com freqüência obrigatória, provas parciais e exame final. Pretendia preparar o estudante para compreender a personalidade humana de que vai cuidar como um todo somatopsíquico" (Medeiros, 1977, p. 87). Do ponto de vista teórico, Medeiros propunha uma visada unicista do problema da doença mental, em que o conhecimento sobre o humano deveria incluir o elemento psíquico, embora o cuidado se fizesse no corpo. Observava-se nesse período referências aos preceitos psicanalíticos de Freud (Medeiros, 1950, 1946-47), que, entretanto, a exemplo da gestão de Roxo, não influenciavam propriamente o exercício da prática clínica no instituto: "A terminologia psiquiátrica se enriquece dos felizes achados de Freud, de Jung, de Adler — mas com isso não se obtém progresso real da ciência, senão um conhecimento mais perfeito da importância da vida inconsciente" (Medeiros, 1946-47, p. 21).

O terceiro diretor do Ipub (1956-58) foi o médico-psiquiatra Adauto Botelho (1895-1963), que, segundo Arruda (1995), era discípulo de Juliano Moreira e de Henrique Roxo. Quando se tornou diretor do instituto, Adauto Botelho manteve sua carreira centrada em dois espaços: o da clínica e o da política. Com relação à clínica, fundara, com Pernambucano Filho, Antônio Austregésilo e Ulysses Vianna, em 1921, o Sanatório Botafogo: uma clínica particular com quatro pavilhões e menos de vinte leitos psiquiátricos, correspondendo ao interesse de Pernambucano Filho e Adauto Botelho pelas toxicomanias, com grande incidência no Rio de Janeiro após a Primeira Guerra Mundial. Já em 1948, Adauto Botelho passou a integrar a comissão que aprovaria a Classificação Brasileira de Doenças Mentais no V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal.

A participação política de Adauto Botelho, por sua vez, se traduziu na sistematização do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM) — que em 1941 substituiria o Serviço de Assistência a Psicopatas —, tornando-se o primeiro diretor do SNDM e mantendo-se no cargo por quase dois decênios. À frente do SNDM, cuidou da implantação de hospitais-colônias em várias capitais de estados e criou o Centro Psiquiátrico Nacional (hospital psiquiátrico, colônias, hospital para crianças e para neurossífilis), posteriormente chamado Centro Psiquiátrico Pedro II e, atualmente, Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira. Em 1944, iniciava de modo incipiente a difusão dos ambulatórios de saúde mental, a partir do consultório de psico-higiene no Rio de Janeiro, promovendo também a criação do ambulatório do Ipub, quando esteve em sua direção. Apesar da importância do cargo assumido por Adauto Botelho frente à política assistencial pública, não encontramos referências de possíveis relações entre sua administração no instituto e sua atuação no serviço público assistencial.

As diretrizes da divulgação científica engendrada no espaço universitário também acompanharam essa ruptura entre a tarefa científica e a responsabilidade com a política assistencial. A maioria dos artigos dos primeiros números do periódico oficial do Ipub — criado em 1942 como Anais do Instituto de Psiquiatria, e em 1948 nomeado Jornal Brasileiro de Psiquiatria — afirmava e difundia as contribuições "científicas", tendo-se em vista os temas abordados e a demonstração da erudição apreendida nos centros europeus. Se observarmos as publicações dos três primeiros diretores do Ipub nos Anais, constata-se a inexistência de trabalhos que explicitamente versassem sobre uma política de higiene mental, a despeito de esses mesmos autores, em outros periódicos mais afeitos ao tema, discutirem a política assistencial.4 4 Henrique Roxo publicara nos Anais do Instituto de Psiquiatria cinco artigos sobre temas científicos e a estrutura da instituição. Nos Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins e Arquivos Brasileiros de Higiene Mental publicara 14 artigos sobre temas científicos e 19 sobre higiene mental. Já Maurício de Medeiros publicou 25 trabalhos no Jornal Brasileiro de Psiquiatria, dois nos Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins e quatro nos Arquivos Brasileiros de Higiene Mental. Apenas um artigo nos Anais versava sobre a assistência pública, e mesmo assim, não especificamente psiquiátrica ('Política Nacional Sanitária', 1956). os outros trabalhos discutiam temas diversos como 'psiquiatria forense', 'psicopatologia da infância', 'neuroses e psicoses', 'ensino médico', 'coma insulínico' etc. Adauto Botelho, por sua vez, publicaria apenas um artigo no então Jornal Brasileiro de Psiquiatria: 'Influência da psicanálise sobre a psiquiatria' (1956). Seus trabalhos seriam mais divulgados nos Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins (oito artigos) e nos Arquivos Brasileiros de Higiene Mental (três). Versavam sobre temas como 'alcoolismo', 'paralisia geral', 'psicose maníaco-depressiva', 'síndrome de Ganser'. nos dois últimos periódicos citados, de apenas dois trabalhos tratavam de política assistencial. Decididamente o Ipub, como espaço científico, se eximia da tarefa de problematizar e difundir temas relacionados à política pública assistencial.

Conclusão

O que cumpre destacar, portanto, é que a relação entre ciência psiquiátrica e política assistencial no Brasil iniciou-se de tal modo que a primeira parecia estar englobada pela segunda, sendo gerada a partir do modelo assistencial então hegemônico e projetada pela medicina legal da época: o asilo. Foi no espaço asilar que a ciência psiquiátrica se desenvolveu, e, por mais que condenemos atualmente esse tipo específico de instituição, o fato é que, no Brasil, a ciência psiquiátrica esteve a serviço da assistência pública asilar durante muitos anos. O país seguia o modelo da psiquiatria alienista francesa, a despeito de se fundamentar num ideário monárquico centralizador — enquanto na França o que estava em jogo era a tentativa de criar novos modos de organização social fundados no ideário da igualdade e da liberdade.

Mesmo com a substituição do paradigma francês pelo conhecimento psiquiátrico alemão, foi do interior da instituição assistencial pública e de instituições do tipo científico e filantrópico que a ciência psiquiátrica brasileira seria produzida, em todos os casos capitaneada por Juliano Moreira. No período dos anos 1920 e 1930, a consolidação de toda uma política da higiene mental aparecia sustentada na ciência psiquiátrica de inspiração alemã ainda produzida do interior do asilo. A ascensão do paradigma científico alemão no contexto brasileiro não foi, portanto, incompatível com a preocupação em torno de uma política assistencial, ainda que certamente possamos criticar as bases ideológicas e as práticas sociais que lhe serviram de sustentação.

Com a criação do Ipub não se perdia a inspiração alemã, embora tenha se estabelecido uma nova correlação de forças entre a produção de uma ciência psiquiátrica e a prestação de uma assistência pública: o caráter mais eminentemente científico foi reforçado, abandonando-se toda e qualquer consideração sobre a assistência. O Ipub, contudo, atualizava o modelo alemão à moda brasileira, isto é, reunia o princípio da pesquisa científica ao espaço acadêmico universitário, espaço em relação ao qual o instituto alemão exatamente buscou se diferenciar. Essa 'adaptação' obedecia às próprias necessidades de desenvolvimento autônomo da academia universitária brasileira, até então subordinada à esfera da política pública.

Assim, foi somente com a adoção do modelo alemão em sua totalidade — a separação entre o espaço do saber e o espaço da assistência pública — que se estabeleceu no campo psiquiátrico brasileiro uma posição de dissociação entre conhecimento científico psiquiátrico e política assistencial. Apesar de, até fins dos anos 1950, seus diretores terem assumido cargos de relevância no serviço assistencial federal, o Ipub — locus científico por excelência — não se imbuiu institucionalmente da tarefa de formulador da política pública. O lugar universitário aparecia como aquele onde se procurava o conhecimento, onde se aplicavam os procedimentos terapêuticos pautados no organicismo e onde se realizavam as pesquisas supostamente neutras em relação ao debate em torno de políticas públicas voltadas para a população conhecida como mentalmente doente. Mas foi também um dos lugares pensado segundo o modelo asilar, com os pacientes que serviriam ao ensino e à pesquisa assistidos em enfermarias fechadas, sem as questões disciplinares e as desvantagens administrativas dos asilos de grande porte. Perpetuava-se, assim, no espaço científico, sem problemas, a lógica asilar.

A decorrência dessa separação entre ciência e política não foi, portanto, uma inversão dos termos, no sentido da preeminência da ciência sobre a política, de modo que a primeira produzisse elementos que viessem auxiliar o desenvolvimento da segunda. Ao contrário, o que se observou foi uma desresponsabilização do espaço científico autônomo em relação ao desenvolvimento de uma assistência pública. A assistência pública e a ciência psiquiátrica brasileira tomavam rumos separados: a primeira petrificou-se no modelo asilar, enquanto a ciência psiquiátrica, institucionalmente autônoma, concentrou-se em estudos e pesquisas que imaginavam poder revelar que as doenças mentais tinham a mesma natureza que as orgânicas.

Recebido para publicação em setembro de 2002.

Aprovado para publicação em março de 2003.

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  • 1
    A Assistência Médico-Legal de Alienados foi criada em 1890 como órgão nacional formulador de uma política assistencial para os alienados. Em 1927 foi renomeada como Serviço de Assistência a Psicopatas (SAP), pelo decreto 17.805 de 23 de maio, como divisão do Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores; em 1930, passou a integrar o Ministério da Educação e Saúde Pública, criado pelo governo provisório. Em 2 de abril de 1941, pelo decreto 1371, o SAP foi substituído pelo Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM). Sobre as reformas que esse serviço sofreu até o início do século XX, ver Engel (2001, p. 258).
  • 2
    As informações disponíveis sobre essas sucessões deixam lacunas e interrogações sobre a acumulação dos dois cargos. Segundo Arruda (1995), a cadeira de psiquiatria passou a ser ocupada interinamente por Márcio Nery e depois por Henrique Roxo, de 1904 a 1907 e de 1911 a 1921, nesse último período em caráter efetivo. Já a direção do hospício teria sido ocupada por Márcio Nery, interinamente, de 1898 a 1899; por Pedro Dias Carneiro, de 1900 a 1901, quando se aposentou; e por Antônio Dias Barros, antigo interno e docente da Faculdade de Medicina, que dirigiu o hospício até 1903.
  • 3
    Em 1905, juntamente com Afrânio Peixoto, Juliano Moreira fundava a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins, entidade científica que tinha como órgão divulgador os
    Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins, em 1908 renomeados como
    Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal, e de 1919 a 1955 intitulados
    Arquivos Brasileiros de Neuriatria e Psiquiatria. Já em 1923, o dr. Gustavo Riedel fundou a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), da qual Juliano Moreira foi destacado integrante e um dos presidentes. Tendo como órgão de divulgação os
    Arquivos Brasileiros de Higiene Mental, a LBHM propunha, em sua fase inicial, aperfeiçoar a assistência aos doentes, embora em 1928 a reformulação de seu estatuto viesse enfatizar a importância da intervenção preventiva no meio familiar, escolar, profissional etc. (Costa, 1981).
  • 4
    Henrique Roxo publicara nos
    Anais do Instituto de Psiquiatria cinco artigos sobre temas científicos e a estrutura da instituição. Nos
    Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins e
    Arquivos Brasileiros de Higiene Mental publicara 14 artigos sobre temas científicos e 19 sobre higiene mental. Já Maurício de Medeiros publicou 25 trabalhos no
    Jornal Brasileiro de Psiquiatria, dois nos
    Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins e quatro nos
    Arquivos Brasileiros de Higiene Mental. Apenas um artigo nos
    Anais versava sobre a assistência pública, e mesmo assim, não especificamente psiquiátrica ('Política Nacional Sanitária', 1956). os outros trabalhos discutiam temas diversos como 'psiquiatria forense', 'psicopatologia da infância', 'neuroses e psicoses', 'ensino médico', 'coma insulínico' etc. Adauto Botelho, por sua vez, publicaria apenas um artigo no então
    Jornal Brasileiro de Psiquiatria: 'Influência da psicanálise sobre a psiquiatria' (1956). Seus trabalhos seriam mais divulgados nos
    Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins (oito artigos) e nos
    Arquivos Brasileiros de Higiene Mental (três). Versavam sobre temas como 'alcoolismo', 'paralisia geral', 'psicose maníaco-depressiva', 'síndrome de Ganser'. nos dois últimos periódicos citados, de apenas dois trabalhos tratavam de política assistencial.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      Mar 2003
    • Recebido
      Set 2002
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