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História da genética no Brasil: um olhar a partir do Museu da Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul* * A pesquisa "Diversidade biológica humana e a história da genética no Brasil na segunda metade do século XX" foi financiada pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, projeto 473268/2011-6). Este trabalho foi preparado durante o pós-doutoramento de Vanderlei Sebastião de Souza na Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (CNPq projeto 161671/2011-0).

Resumos

Aborda o contexto de criação do Museu da Genética, em 2011 no Departamento de Genética na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, e apresenta sua estrutura e conteúdo. Argumenta-se que os materiais disponibilizados no Museu da Genética constituem uma rica fonte para pesquisas sobre a história da genética no Brasil (e da genética de populações humanas em particular) a partir da segunda metade do século XX, tema ainda pouco investigado, apesar da proeminência dessa área do conhecimento no Brasil.

história da genética no Brasil; genética humana; Museu da Genética; teoria evolutiva; Universidade Federal do Rio Grande do Sul


This work addresses the context of the creation, as well as the structure and contents, of the Museum of Genetics (Museu da Genética), created in 2011 and located in the Department of Genetics of the Federal University of Rio Grande do Sul (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), in Porto Alegre, Brazil. The materials available at the Museum of Genetics are a rich resource for research on the history of genetics in Brazil (and especially the genetics of human populations) beginning with the second half of the twentieth century. Despite the prominence of the field of genetics in Brazil, little research has been done on this topic.

history of genetics in Brazil; human genetics; Museum of Genetics; evolutionary theory; Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Logo na entrada da sala do pesquisador Francisco M. Salzano, professor emérito do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, e um dos principais geneticistas do país, há uma impressionante imagem de sua "genealogia acadêmica" (Figura 1). No formato de uma árvore, apresenta parte das dezenas de mestres e doutores por ele formados direta ou indiretamente (orientandos de orientandos) ao longo de sua carreira. Pesquisadores treinados pelo geneticista gaúcho constituiram grupos de pesquisa na própria UFRGS e em outras regiões do país, contribuindo para a institucionalização e crescimento da genética no Brasil nas últimas décadas. Em larga medida, a história da genética de populações humanas no Brasil a partir dos anos 1950, e da genética em geral, está intimamente relacionada às atividades de pesquisa, ensino e formação de recursos humanos em Porto Alegre, e à trajetória de Salzano e de outros pesquisadores gaúchos (como Antonio Rodrigues Cordeiro, Flavio Lewgoy e Casemiro Tondo), que foram os pioneiros no estabelecimento da genética no Rio Grande do Sul (RS).

Figura 1
Genealogia acadêmica do professor doutor Francisco Mauro Salzano, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instuto de Biociências, Departamento de Genética (Preparada pela professora Loreta Brandão de Freitas em 1998, por ocasião da aposentadoria e do aniversário de setenta anos de Salzano) (Departamento de Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Através de uma breve análise do contexto de criação, da estrutura e do conteúdo do recém-criado Museu da Genética, situado na UFRGS, este texto aborda a gênese e trajetória da genética no Brasil, com foco na área da genética de populações humanas no RS. Argumenta-se que os materiais disponibilizados ao público no Museu da Genética constituem uma rica fonte para investigações sobre a história da genética no Brasil a partir da segunda metade do século XX, tema ainda muito pouco investigado, apesar da proeminência dessa área do conhecimento no país.

A emergência da genética no Brasil

No início do século XX, com a 'redescoberta' das leis de Mendel, a genética emergiu como uma promissora área da biologia moderna, conquistando o interesse de cientistas e instituições de diferentes países. Empregada inicialmente nos estudos da variação e hereditariedade em espécies vegetais, a genética rapidamente passou a ser aplicada em pesquisas sobre técnicas de melhoramento de sementes agrícolas e de espécies animais (Mayr, 1982; Carlson, 2004). No campo da medicina, da eugenia e da antropologia física, a genética também serviu, nas primeiras décadas do século XX, aos estudos sobre hereditariedade, evolução e diferenciação racial na espécie humana, chegando em algumas situações a ser acionada na perspectiva do racismo científico, especialmente em países como os EUA e Alemanha (Bowler, 1989; Kevles, 1985; Provine, Russel, 1986; Barkan, 1992; Muller-Wille, Rheinberger, 2005; Reardon, 2005).

No Brasil, a genética passou a ser promovida no final dos anos 1910 em institutos agronômicos como a Escola Agrícola Luiz de Queiroz (Esalq), de Piracicaba, e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), ambos localizados no interior de São Paulo.1 1 Tais institutos agrícolas, aliás, ao lado de outros institutos voltados para pesquisa biomédica, tiveram papel central na promoção da pesquisa científica no Brasil do início do século XX, distinguindo-se tanto pela divulgação quanto pela implantação da ciência experimental no país (Dantes, 1979; Benchimol, Teixeira, 1993). Na Esalq, onde a genética foi introduzida em pesquisas sobre o melhoramento de plantas, destacaram-se figuras como Carlos Teixeira Mendes, Salvador de Toledo Pizza Junior, Octávio Domingues e o botânico alemão Friedrich Gustav Brieger, que veio ao Brasil em meados dos anos 1930 para assumir a cadeira de citologia e genética (Araújo, 2004; Habib, 2010). O Instituto Agronômico de Campinas, por sua vez, tinha como cientistas dedicados ao estudo da genética, em especial à genética de melhoramento do café, nomes como Alcides Carvalho e Carlos Arnaldo Krug, este último especializado em genética vegetal pela Universidade de Cornell, nos EUA. Essas instituições foram responsáveis também pela realização dos primeiros cursos de genética no Brasil, estimulando o ensino de ciências experimentais (Araújo, 2004; Formiga, 2007).

Além dos institutos agrícolas, o movimento eugênico brasileiro, a exemplo do que ocorreu em contexto internacional, também foi um promotor da genética no Brasil em seus primórdios, ainda nos anos 1920. Apesar da forte adesão às concepções neolamarckistas entre os eugenistas brasileiros (Stepan, 1991; Reis, 1994; Souza, 2006), a genética mendeliana não deixou de ser acionada para explicar o funcionamento da hereditariedade no homem, conforme é possível observar nos trabalhos de eugenistas, médicos e antropólogos como Edgard Roquette-Pinto, Renato Kehl, Álvaro Fróes da Fonseca e Octávio Domingues. O próprio geneticista André Dreyfus, que anos depois fundou um núcleo de estudos de genética na Universidade de São Paulo (USP), realizou conferência sobre genética mendeliana durante o Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia, evento promovido no Rio de Janeiro em 1929 (Stepan, 1991; Souza, 2006; Souza et al., 2009; Santos, 2012).

Ao longo dos anos 1930, com a criação das primeiras universidades brasileiras, a atividade científica recebeu um novo impulso no país. No que tange ao desenvolvimento da genética, a USP, fundada em 1934, ganhou proeminência nesse campo a partir das iniciativas de André Dreyfus, médico formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e um dos pioneiros na divulgação da genética mendeliana entre os brasileiros. Sob sua coordenação, formou-se no Departamento de Biologia Geral da USP um grupo de jovens pesquisadores interessados em citologia e genética, entre os quais se destacavam Crodowaldo Pavan, Antonio Brito da Cunha e Rosinha de Barros, que por muitos anos atuaram como assistentes de Dreyfus (Cordeiro, 1949; Araújo, 2004; Sião, 2007).

Em 1943, esse grupo da USP recebeu uma primeira visita do renomado geneticista Theodosius Dobzhansky. Esse pesquisador de origem russa lecionava desde 1927 na Columbia University, onde trabalhava junto a um dos mais importantes grupos de pesquisa em genética do mundo, pioneiro em utilizar a mosca-da-fruta (Drosophila) como modelo em investigações genéticas (Kohler, 1994; Smocovits, 1996). A vinda de Dobzhansky havia sido negociada por Dreyfus junto a Harry Miller, representante da Fundação Rockefeller para a América Latina, instituição que já há alguns anos vinha financiando o desenvolvimento científico no Brasil e em outros países da América Latina, com interesse especial na promoção da genética e da biologia evolutiva (Marinho, 2001). Conhecido como um dos principais formuladores da chamada teoria sintética da evolução e respeitado por suas pesquisas sobre drosófilas em ambientes naturais nas mais diversas regiões do mundo (Araújo, 2001; Mayr, 1982; Smocovits, 1996), o geneticista russo vinha ao Brasil com o objetivo de realizar cursos e treinar geneticistas brasileiros nas novas técnicas da genética evolutiva. Dobzhansky ficou no Brasil durante quatro meses na primeira visita, retornando em junho 1948, quando permaneceu na USP até agosto de 1949. Nesse período, a Fundação Rockefeller não apenas expandiu os investimentos no Departamento de Biologia da USP, como também financiou a vinda de pesquisadores de outros estados para especialização com a equipe formada por Dreyfus e Dobzhansky (Figura 2). Esse grupo se especializou em genética de populações, com ênfase no estudo da variabilidade cromossômica de diferentes espécies de drosófilas (Cordeiro, 1949; Pavan, Cunha, 2003; Araújo, 2004; Glick, 2008).

Figura 2
Da esquerda para a direita: Mario G. Ferri, Antonio Brito da Cunha, André Dreyfus e Theodosius Dobzhansky. Década de 1960 (Museu da Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

A gênese da genética na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Entre os integrantes desse grupo estava Antonio Rodrigues Cordeiro, assistente da cátedra de biologia geral da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que posteriormente, na década de 1950, foi renomeada como Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Logo que retornou a Porto Alegre, entusiasmado com as técnicas e a perspectiva teórica adquiridas com Dobzhansky, Dreyfus e Pavan, Cordeiro começou a montagem de um pequeno laboratório de genética no porão da Faculdade de Direito. O laboratório foi organizado com a colaboração de Francisco Salzano, um jovem estudante de história natural da própria UFRGS, e também do químico Flavio Lewgoy e do biofísico Casemiro Tondo, que juntos possibilitaram a introdução de metodologias bioquímicas nos estudos de genética de populações (Cordeiro, Salzano, 1961; Cordeiro, 1989).

A criação desse laboratório foi um marco no desenvolvimento da genética na instituição. Seguindo os trabalhos que havia realizado na USP, Cordeiro e sua equipe dedicaram suas primeiras pesquisas ao estudo de drosófilas. São sobre drosófilas, aliás, os primeiros artigos que Cordeiro publicou em periódicos internacionais como Evolution e Genetics, em coautoria com Dobzhansky, Crodowaldo Pavan e outros colaboradores formados sob a batuta do geneticista russo e de André Dreyfus (Cordeiro, 1949; Pavan, Cunha, 2003) (Figuras 3 e 4).

Figura 3
Década de 1960. Clara Maria P. Maciel e, ao fundo, Nena Morales, trabalhando no Laboratório de Drosophila (Museu da Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Figura 4
Tainhas, RS, 1956. Coleta de Drosophila para o estudo sobre a introdução de inversões cromossômicas em populações naturais. Da esquerda para a direita: Antonio Rodrigues Cordeiro, Francisco Mauro Salzano, Danko Brncic, L. Glock e Theodosius Dobzhansky (Museu da Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

No início dos anos 1950, tanto Cordeiro quanto Salzano receberam bolsas de estudos para avançar em suas formações em genética. Um ano após a conclusão do curso de história natural, Salzano fez estágio de doutoramento na USP, entre 1951 e 1952, aperfeiçoando-se em citogenética e evolução, sob a orientação do geneticista norte-americano Hampton Carson, da Washington University. Antonio Cordeiro, a exemplo de outros jovens geneticistas brasileiros dessa geração, viajou para os EUA com bolsa da Fundação Rockefeller para iniciar seu doutorado na Columbia University e na University of Texas, concluindo-o em 1953, na USP (Figura 5). Nesse mesmo ano, já de volta a Porto Alegre, ambos coordenaram a criação da Seção de Genética e a transferência do laboratório para um edifício mais amplo, sendo apoiado financeiramente pela Fundação Rockefeller. No ano seguinte tem início a primeira pós-gradução em genética, com cursos ministrados por Cordeiro, Salzano, Casemiro Tondo e mais dois professores norte-americanos contratados com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o geneticista Joel Ives Townsend, especialista em genética evolutiva, e o ecologista William Wright Milisted (Cordeiro, Salzano, 1961, p.228; Rolante, 2011, p.28).

Figura 5
Reunião dos ex-orientandos de Theodosius Dobzhansky. Da esquerda para a direita, Richard Lewontin, Lee Ehrman, Theodosius Dobzhansky e Antonio Rodrigues Cordeiro. Com a máquina fotográfica, Howard Levene e, ao seu lado, o padre Francisco Ayala. Ao fundo, à direita, Vanwalen. Bem ao fundo, acima de Dobzhansky, há outro pesquisador brasileiro, Warwick E. Kerr. EUA (Museu da Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

De maneira geral, o desenvolvimento da genética na UFRGS é acompanhado pela expansão e consolidação desse campo científico no Brasil. Além da criação da Sociedade Brasileira de Genética (SBG), fundada em 1955, houve em diferentes universidades do país a formação de laboratórios e importantes grupos de pesquisas. Seguindo o exemplo do grupo da Esalq, do Instituto Agrícola de Campinas, da USP e da UFRGS, nesse mesmo período começam a se consolidar equipes de geneticistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a liderança de Chana Malogolowkin e Lagden Cavalcanti, e da Universidade Federal do Paraná, coordenado especialmente por Newton Freire-Maia, e da Universidade Federal da Bahia, onde se destacaram Cora de Moura Pedreira e Eliane Azevedo. Também havia experiências bem-sucedidas em Belo Horizonte, Recife e Bahia (Salzano, 2011, p.13). Além de ter em comum o treinamento com o grupo de Dreyfus e Dobzhansky, a maioria dessa geração recebeu apoio financeiro da Fundação Rockefeller para montar laboratórios, realizar pesquisas e se aperfeiçoar em universidades norte-americanas. Somam-se a isso as iniciativas do governo brasileiro voltadas para o financiamento da pesquisa científica e da ampliação do ensino superior e da pós-graduação no país. Data desse período, aliás, a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), do CNPq e da Capes, instituições que tiveram um papel fundamental na organização e promoção da ciência brasileira (Botelho, 1990; Salzano, 2011).

Como vimos, a década de 1950 é de consolidação da genética na UFRGS. Com a criação da pós-graduação, o número de pesquisadores e a produção científica cresciam continuamente, incluindo a publicação de importantes artigos em revistas internacionais. De outro lado, o grupo de pesquisadores continuava realizando estágios e cursos de pós-graduação em outros centros. Esse é o caso, por exemplo, de Francisco Salzano, que após concluir seu doutorado pela USP, seguiu para os EUA em 1956 com o objetivo de realizar estágio de pós-doutorado na Universidade de Michigan, sob a orientação do renomado geneticista James V. Neel, uma das principais autoridades no campo da genética humana ou mesmo da genética médica.

A Universidade de Michigan vinha recebendo seguidamente jovens pesquisadores brasileiros em busca de aperfeiçoamento na área da genética, com destaque para Newton Freire-Maia, Antonio Cavalcanti, Eduardo Barbosa Vianna, Eucleia Contel, Fernando José da Rocha e Pedro Saldanha (Salzano, 2000, p.559). Boa parte desses pesquisadores, entre eles Salzano, Newton Freire-Maia e Saldanha, se especializaram em genética humana, destacando-se nas décadas seguintes por suas contribuições no estudo das populações brasileiras (Salzano, 2011, p.17). Outros pesquisadores da área de genética de populações humanas que se formaram no exterior no período foram Henrique Krieger e Eliane Azevedo, de São Paulo e Bahia, respectivamente, ambos tendo realizado doutorado junto ao grupo do prestigiado geneticista norte-americano Newton E. Morton, da University of Hawaii. Morton coordenou no início dos anos 1960, com a colaboração de Krieger, Azevedo e Ademar Freire-Maia, uma importante pesquisa no Brasil sob a variabilidade genética da população nordestina, conforme estudo realizado na hospedaria de migrantes de São Paulo (Morton, 1964; Krieger, et al., 1965).

A partir dos trabalhos realizados por essa crescente rede de geneticistas, aconteceu uma vigorosa expansão da genética de populações humanas no Brasil ao longo da década de 1960, como fica evidente a partir da leitura do livro Populações brasileiras: aspectos demográficos, genéticos e antropológicos (Salzano, Freire-Maia, 1967), que recebeu publicação também nos EUA sob o título Problems in human biology: a study of Brazilian populations (Salzano, Freire-Maia, 1970).

Assim que retornou de Michigan, em 1957, Salzano investiu seus esforços em pesquisas sobre genética de populações humanas, trabalhando inicialmente com os Kaingang do Rio Grande do Sul, o que resultou em sua tese de livre-docência, defendida em 1956. A seguir, realizou várias pesquisas sobre genética de populações indígenas em diversas regiões do país, algumas delas em cooperação com James Neel, por exemplo, as investigações sobre os Xavante, em Mato Grosso, e os Yanomami, no extremo norte do país (Salzano, Callegari-Jacques, 1988; Neel, 1994; Lindee, 2001, Santos, 2002). Geneticista polivalente e com múltiplos interesses, nos primeiros anos da década de 1960 Salzano também iniciou trabalhos sobre a chamada 'mistura racial', procurando compreender os efeitos da miscigenação a partir da análise de características genéticas, morfológicas e demográficas. Ainda no final dos anos 1950, Salzano coordenou na UFRGS um Setor de Genética Humana, com ênfase tanto em genética de populações brasileiras quanto em genética médica. Vale lembrar que, nesse período inicial, a Seção de Genética da UFRGS também era formada pelo Setor de Genética Ecológica, coordenado por Antonio Rodrigues Cordeiro e voltado especialmente para o estudo de populações naturais de Drosophila, e pelo Setor de Genética Biofísica e Bioquímica, sob a coordenação de Casemiro Tondo e Flavio Lewgoy, e direcionado para pesquisas sobre eletroforética de hemoglobinas normais em populações humanas e estudos físicos e químicos em substâncias que atuam no desenvolvimento de características genéticas em raças e espécies de vários gêneros (Cordeiro, Salzano, 1961, p.229-231).

No início dos anos 1960, já com uma nova sede na rua Professor Annes Dias, em Porto Alegre, a Seção de Genética dá um passo decisivo para a consolidação de seu grupo de pesquisa com a criação do curso de mestrado e doutorado (Figuras 6 e 7). Nessa época, novos pesquisadores eram integrados à Seção, com destaque para Israel Roisenberg (que foi o primeiro a defender tese de doutorado no próprio programa de genética da UFRGS, sob a orientação de Salzano), Helga Winge, Fernando José da Rocha, Margarete Suñe Mattevi, Marly Napp e Bernando Erdtmann (Cordeiro, 1949, p.4). Ao lado de Cordeiro, Salzano, Tondo e Lewgoy, esse grupo manteve intensa e atualizada produção científica, possibilitando que o Departamento de Genética2 2 Com a extinção do Instituto de Ciências Naturais da UFRGS, devido à Reforma Universitária de 1968, a Seção de Genética passou a denominar-se Departamento de Genética, a partir de 1971, integrando o novo Instituto de Biociências. se transformasse em um dos mais importantes do país. Além disso, a genética da UFRGS também recebeu crescente reconhecimento da comunidade científica internacional, conforme atesta o permanente intercâmbio com universidade, associações científicas e instituições de diferentes países (Salzano, Callegari-Jacques, 1988; Cordeiro, 1989; Salzano, 1991; Salzano, Bortolini, 2002) (Figura 8).

Figura 6
Comemoração de aniversário do Departamento de Genética, na sede da rua Professor Annes Dias (Museu da Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Figura 7
Da esquerda para a direita: Helga Winge, Maria Luiza Reguly, duas bolsistas, Nena Basilio Morales, Marly Napp e Clara Maria P. Maciel. Década de 1960 (Museu da Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Figura 8
Segundo Congresso Internacional de Genética Humana, [realizado em Roma], em 1961. Salzano está entre W.J. Schull e o casal A.C. Stevenson (Museu da Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Em 1963, Antonio Cordeiro se afastou da UFRGS depois de aceitar o convite do governo João Goulart para coordenar a criação do Departamento de Genética da recém-fundada Universidade de Brasília (UnB) (Figura 9). Sob sua indicação, foi também um grupo de professores e ex-alunos da UFRGS, bem como professores de outras universidades do país. A ideia era permanecer um longo período na UnB, colaborando na organização daquela universidade e formando um grupo que pudesse levar adiante os estudos de genética na capital do país. Contudo, devido ao golpe militar de 1964 e ao início de uma série de perseguições políticas dentro das universidades brasileiras, Cordeiro foi uma das vítimas da ditadura militar, sendo forçado a deixar a UnB e retomar suas funções na UFRGS. Em seu retorno, Cordeiro reorganizou as novas pesquisas com drosófilas, que por muitos anos foi uma das principais atividades da genética gaúcha (Cordeiro, 1989).

Figura 9
Antonio Rodrigues Cordeiro, colaboradores e alunos em Brasília, UnB, 1965. Da esquerda para a direita: Guilherme, aluno sem identificação, Manoel, Renato, Ladeira, Pedro, Ribamar, Dolizor, Téculo e Francisco. Sentados, da esquerda para a direira: Nena Basílio Morales, Rosilux, Helga Winge, Antonio Rodrigues Cordeiro e Maria Luiza Reguly (Museu da Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Apesar desse clima de incertezas durante o longo governo militar (1964-1985), o Departamento de Genética da UFRGS continuou seu processo de expansão. Em 1982, além da inauguração do Centro de Biotecnologia, que colocava a genética gaúcha em sintonia com as novas tecnologias científicas, também foi criado o serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Nos anos 1990, os geneticistas e suas equipes se mudaram para o campus do Vale, sua atual sede, comemorando os quarenta anos de criação do Departamento de Genética. A nova sede ocupava uma área de 2.100 metros quadrados, com amplos laboratórios, salas de aulas e equipe de 180 profissionais, sendo 36 pesquisadores (Salzano, 1991, p.237). Nas duas últimas décadas, a partir de 1990, as linhas de pesquisa se ampliaram consideravelmente, assim como o volume e o impacto da produção científica. Como consequência dessa trajetória, no presente a produção científica na área da genética da UFRGS tem amplo reconhecimento nacional e internacional, tendo sido formados na instituição pesquisadores brasileiros e estrangeiros, sobretudo oriundos da América do Sul, que iniciaram grupos de pesquisa em genética em diversas outras instituições (Cordeiro, 1989; Salzano, 1991).

Contexto de criação e estrutura do Museu da Genética

O Museu da Genética está situado no campus do Vale da UFRGS, no segundo andar do prédio administrativo do Departamento de Genética, onde ocupa uma única sala, de arranjo retangular, de aproximadamente vinte metros quadrados. Aberta ao público em 2011, a exposição é composta de painéis, fotografias, textos científicos e instrumentos de pesquisas, entre outros, cobrindo sobretudo o período que vai do final da década de 1940 até o presente. A proposta do Museu de Genética é de se constituir tanto em um espaço de divulgação e educação científica quanto de conservação do patrimônio da genética brasileira, em especial da UFRGS. É um museu sem reserva técnica, com todo o acervo em exposição.

Logo na entrada há um conjunto de fotos emolduradas, de pequena e média dimensões, que remetem a personagens importantes na área da genética no cenário internacional (como Motoo Kimura, J.B.S. Haldane, James F. Crow, O. Winge, entre outros) e/ou pesquisadores que tiveram suas histórias estreitamente relacionadas à genética na UFRGS (Figura 10). Há imagens da participação de integrantes do departamento em reuniões e congressos científicos em Porto Alegre (como o Encontro dos 10 Anos da Genética da UFRGS, de 1959), em outras cidades brasileiras (como o International Symposium on Genetics, em Águas de Lindoia, São Paulo, 1966) e no exterior (Segundo Congresso Internacional de Genética Humana, Roma, 1961), assim como estadias de geneticistas gaúchos em universidades e centros de pesquisa de outros países, em particular nos EUA. Há fotos de saídas de campo, de aulas de cursos de pós-graduação e de atividades em bancadas de laboratórios. Há imagens que remetem ao envolvimento de geneticistas da UFRGS na implantação de grupos de pesquisa em outras regiões do país, no caso na Universidade de Brasília, no início da década de 1960.

Figura 10
Vista parcial da exposição do Museu da Genética mostrando, à esquerda, reprodução de banca de laboratório; ao centro, computadores para uso dos visitantes; ao fundo, linha do tempo "A Genética na UFRGS, no Brasil e no Mundo" e exposição de fotografias; à direita, centrífuga adquirida na década de 1960 com recursos da Fundação Rockefeller (Museu da Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Há toda uma parede dedicada aos instrumentos utilizados em diferentes períodos pelos geneticistas da UFRGS, o que vem acompanhado de descrições e fotos do laboratório e de técnicas de pesquisa. Essa parte do Museu se constitui, portanto, em um espaço dedicado à caracterização das técnicas e das tecnologias utilizadas nas pesquisas genéticas. Há uma bancada montada com o intuito de produzir o que era o espaço de trabalho do geneticista nas décadas passadas (Figura 11). Em painéis, um dos conjuntos de materiais diz respeito à técnica da eletroforese, que é descrita através de relatos de Aldo Mellender de Araújo, de Antonio Rodrigues Cordeiro e de Francisco Salzano. Lê-se o seguinte depoimento de Salzano: "Na década de 1950 há uma mudança de paradigma e uma transição importante nos métodos de análise que passam a ser de natureza bioquímica e, então, se desenvolve a chamada técnica de eletroforese, que separava as moléculas de acordo com a sua carga elétrica e a cromatografia, que também separava essas moléculas por gradientes de diferentes tipos. Isso causou uma revolução no estudo da Genética". É importante lembrar que um dos aspectos fundamentais do treinamento dos geneticistas brasileiros em laboratórios norte-americanos na década de 1950, como foi o caso do estágio de Cordeiro na Columbia University e de Salzano na Michigan University, foi o aprendizado das então mais modernas técnicas de análise genética (Salzano, 2000).

Figura 11
Imagem da exposição do Museu da Genética que reproduz antiga bancada de laboratório (Museu da Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Na parede mais distante da porta de entrada do Museu, ao fundo, está disposto um armário dividido em nichos. Vários dos materiais expostos, que incluem listas de presença em seminários, anotações de trabalho de campo e publicações científicas, relacionam-se a linhas de pesquisas de destaque na trajetória histórica da genética da UFRGS, assim como às atividades de formação de novos pesquisadores. Um dos espaços contém uma pequena linha do tempo que descreve a "Formação da Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular" na instituição. Há diversos nichos com materiais relacionados às pesquisas sobre genética vegetal (em particular sobre milho e soja), animal e humana. Em uma das divisórias, dedicada à drosófila, há um desenho acompanhado da frase: "Drosophila, a Cinderela do laboratório", a qual é atribuída a Antonio Rodrigues Cordeiro. Os materiais sobre genética de populações humanas incluem uma cópia da tese de livre-docência de Francisco Salzano sobre os Kaingang do Rio Grande do Sul, defendida em 1961.

A quarta e última parede do Museu da Genética é dominada por um grande mural com uma linha do tempo que tem como título "A Genética na UFRGS, no Brasil e no Mundo". Por meio de uma programação visual que remete à estrutura de dupla hélice (referência à clássica representação da estrutura do DNA), a história da genética na UFRGS é contada, a partir de meados da década de 1930, em paralelo com os desenvolvimentos ocorridos no campo no Brasil e no mundo. Mais de uma centena de aspectos são apontados na linha do tempo, entre os quais os seguintes:

  • "Importante contribuição da genética ao cultivo do café, o Instituto Agronômico de Campinas executa projeto no qual a taxonomia, a genética e a citologia relacionam-se com as diversas ciências agronômicas" (1933).

  • "Antonio Rodrigues Cordeiro é o sétimo aluno a formar-se no curso de história natural da Faculdade de Filosofia da Universidade de Porto Alegre" (1946).

  • "Theodosius Dobzhansky, um dos fundadores da teoria sintética da evolução, vem ao Brasil e desenvolve importantes estudos sobre Drosophilacom pesquisadores de SP, RJ e RS (Antonio Cordeiro)" (1948/1949).

  • "Francisco Mauro Salzano, no terceiro ano da graduação, começa a trabalhar no laboratório com Cordeiro" (1950).

  • "A Rockefeller Foundation inaugura seu apoio à pesquisa da UFRGS, dando auxílio ao Laboratório de genética" (1951).

  • "Apresentado o modelo de dupla hélice do DNA, por Watson e Crick" (1953).

  • "A pós-graduação em genética inicia-se como integrante do curso de pós-graduação da Faculdade de Filosofia" (1954).

  • "Fundação da Sociedade Brasileira de Genética" (1956).

  • "Salzano, após estágio de um ano na Universidade de Michigan, inicia pesquisas na área de genética humana e publica seu primeiro artigo sobre o tema, chamado 'The blood groups of South American Indians', no American Journal of Physical Anthropology" (1957).

  • "Cordeiro presidiu sessão do Décimo Congresso Internacional de Genética no Canadá" (1958).

  • "Mudança da genética para prédio comercial na rua professora Annes Dias, onde foram alugados dois andares" (1962).

  • "Inicia o curso de doutorado na UFRGS com a disciplina 'genética e evolução', de dois semestres, ministrada por Cordeiro" (1963).

  • "Cordeiro e mais seis membros de seu grupo afastam-se para fundar o Departamento de Genética da UnB" (1964).

  • "A pesquisa com os índios se expande para o Brasil Central" (1965).

  • "O intercâmbio com a Universidade de Paris expandiu-se através da visita de três professores de alto nível" (1967).

  • "Continua o intercâmbio entre membros da genética humana e Departamento de Genética Humana da Universidade de Michigan. Fruto disso foi a publicação de oito artigos de uma série de dez no American Journal of Human Genetics, sobre pesquisas realizadas em índios Xavantes" (1967).

  • "Primeira defesa de doutorado na pós-graduação em genética da UFRGS, Israel Roisenberg orientando de F.M. Salzano" (1968).

  • "A soja surgiu no Brasil a partir da década de 70, concorrendo com outros produtos, cana-de-açúcar, por exemplo, plantada para a produção de etanol" (1970).

  • "Publicação do livro The ongoing evolution of Latin American populations (Charles C. Thomas, Springfield, Illinois, USA), no qual Salzano escreveu três capítulos e editou a obra ..." (1970).

  • "Salzano é eleito membro titular da ABC [Academia Brasileira de Ciência] e ganha a medalha Jubileu de Prata da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência" (1973).

  • "A.R. Cordeiro foi cedido por empréstimo à UFRJ para coordenar a pós-graduação em genética daquela Universidade" (1976).

  • "Métodos de sequenciação do DNA, Gilbert, Sanger" (1977).

  • "As universidades, na década de 80, adequaram cursos ao mercado de trabalho: o Conselho Federal de Educação obrigou a ênfase à pesquisa" (1980).

  • "Ratos transgênicos, Palmiter e Brinster" (1981-1982).

  • "Inauguração do Centro de Biotecnologia" (1982).

  • "PCR [Polymerase Chain Reaction] - amplificação do DNA, Mullis" (1985).

  • "Vinda dos professores visitantes C.A. Naranjo (Universidade de Buenos Aires), F. Rothhammer (Universidade do Chile), H. Seuánez Abreu (UFRJ) e T. Schoeder-Kurth (Universidade de Heidelberg) para ministrarem cursos e/ou discutirem projetos específicos das pesquisas em realização" (1985).

  • "Inicia-se o projeto Genoma Humano" (1989).

  • "Salzano condecorado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico pelo Presidente da República do Brasil" (1995).

  • "Clone de mamífero - Dolly, Willmut e colaboradores" (1997).

  • "Salzano recebe o prêmio 'Franz Boas High Achievement Award - Human Biology Association'" (1999).

  • "Sequenciamento completo do genoma humano" (2000).

  • "Inicia o projeto Genosoja [Consórcio Nacional para Estudos do Genoma da Soja], do qual participa Maria Helena Zanettini e também várias instituições nacionais, de diversos estados. O projeto Biotecsur [Biotecnología en el Mercosur], que envolve países do Mercosul, também auxilia na modernização de laboratórios" (2008).

A história da genética na UFRGS não é reconstituída no Museu unicamente através desse material físico exposto nos espaços descritos anteriormente. Os visitantes podem acessar materiais em formato digital por meio de computadores situados em um espaço no centro da sala. Nesse acervo digital, é possível ter acesso a dezenas de fotografias e documentos dos quais somente uma pequena parcela integra a exposição física do Museu da Genética. Nos computadores, além de "arquivos relacionados à linha do tempo", os visitantes podem também assistir ao filme-documentário Efeito fundador 3 3 A propósito, a expressão 'Efeito fundador' (founder effect, em língua inglesa) refere-se a um processo evolutivo no qual uma nova população se estabelece a partir de um pequeno conjunto de indivíduos que representa apenas uma fração da variação genética do grupo parental. (2011) que conta o percurso do departamento por entrevistas e relatos de muitos dos personagens que compõem a história inicial e atual da genética na UFRGS. O acervo digital também conta com outros depoimentos, em áudio, com algumas das principais figuras da genética do Rio Grande do Sul. Desses depoimentos, reproduzimos a seguir três que são particularmente ilustrativos da trajetória histórica abordada ao longo deste texto:

  1. Depoimento de Francisco Mauro Salzano sobre sua opção pela genética humana: "Terminei o doutorado e havia essa dúvida sobre o que eu iria fazer em continuação. A Fundação Rockefeller, que nos apoiava fortemente naquela época, fornecia uma bolsa de pós-doutorado para mim. Aí, conversei com o Cordeiro sobre que opções eu devia tomar para esse pós-doutorado. E a gente decidiu que uma opção importante seria a genética humana. Era uma área que não tinha muito apelo intelectual na época, porque não se pode fazer cruzamento dirigido na espécie humana, tem pouca prole, enfim, uma série de situações que não favoreciam a investigação genética. ... No momento em que surgiram técnicas que possibilitavam a investigação mais detalhada do material genético humano, a genética humana começou a se expandir vigorosamente, especialmente na época que eu estava terminando o doutorado, que foi em 1955-1956".

  2. Depoimento de Edmundo Kanan Marques sobre o financiamento da Fundação Rockefeller para a genética no Brasil: "A Fundação Rockefeller deu um auxílio muito grande para a genética do Brasil, inclusive para fazer as reuniões setoriais. ... Isso deu uma unidade para a genética muito forte que se mantém até hoje ... [A partir dos anos 1950] a genética brasileira cresceu no mesmo nível da genética em outros países. Não havia vergonha para o Brasil na genética; as publicações eram aceitas internacionalmente e tudo mais. ... Naquele tempo, a Fundação Rockefeller deu muito dinheiro: comprou equipamento, deu veículos para coletas de campo. Ela deu muita coisa, tanto para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul quanto para outras universidades brasileiras, porque foi uma decisão lá do board ... de que a América Latina tinha que se desenvolver, e a genética era uma das coisas".

  3. Depoimento de Aldo Mellender de Araújo sobre Antonio Cordeiro e sua passagem pela UnB durante o governo militar: "O professor Cordeiro, a Helga [Winge] e mais toda a equipe dele de orientados e professores do departamento, foram embora para Brasília, na fundação da Universidade de Brasília. Ficaram lá um ano ... Aconteceu o golpe militar e foi um choque. A universidade foi invadida por militares, por soldados [que] entraram nos departamentos; [professores] foram presos. Eles voltaram de lá e foram readmitidos aqui, todos eles, com o devido trauma daquela época. Mas restabeleceram setores de drosófilas espetacularmente bem".

Considerações finais

Em paredes externas do prédio onde está localizado o Museu (Figura 12), há um conjunto de imagens no estilo grafite, destinadas a chamar a atenção de um público de perfil jovem, que constitui a maior parte das pessoas que circulam nos campi universitários. Coloridas e de grandes dimensões, fazem referência a símbolos icônicos da genética, como a mosca-da-fruta (drosófila), o microscópio, outros instrumentais científicos e a dupla hélice de DNA. A vertente de espaço de divulgação científica é, portanto, bastante proeminente na proposta do Museu.,

Figura 12
Imagem grafite na parede externa do Museu da Genética (Campus da Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Pela centralidade que a genética da UFRGS ocupa na trajetória dessa ciência no país, concomitantemente à divulgação científica, os materiais expostos no Museu da Genética são instigantes para se refletir, de uma perspectiva da história das ciências, sobre a trajetória dessa área de pesquisa no Brasil, em particular a partir da segunda metade do século XX. A história da genética no Brasil no período pós-Segunda Guerra Mundial, quando aconteceram intensas dinâmicas locais e nacionais em articulação com processos transnacionais na institucionalização da disciplina, segundo exploramos brevemente ao longo deste texto, é um tema ainda muito pouco investigado.

Aos professores Claiton Henrique Dotto Bau e Lavínia Schüler-Faccini, do Programa de Pós-graduação em Genética e Biologia Molecular (PPGBM), da UFRGS, pelas informações acerca do contexto de criação do Museu da Genética, assim como pela permissão para utilizar as imagens reproduzidas neste trabalho. Também somos gratos aos professores Francisco M. Salzano, Maria Cátira Bortolini, Loreta Brandão de Freitas e Márcia M.A.N. Pinheiro Margis (coordenadora do PPGBM), assim como a Elmo J. Antunes Cardoso (técnico do setor administrativo) e aos estudantes Dario Alvez Bezerra e Sasha Vinícius dos Santos (monitores do Museu da Genética).

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  • *
    A pesquisa "Diversidade biológica humana e a história da genética no Brasil na segunda metade do século XX" foi financiada pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, projeto 473268/2011-6). Este trabalho foi preparado durante o pós-doutoramento de Vanderlei Sebastião de Souza na Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (CNPq projeto 161671/2011-0).
  • 1
    Tais institutos agrícolas, aliás, ao lado de outros institutos voltados para pesquisa biomédica, tiveram papel central na promoção da pesquisa científica no Brasil do início do século XX, distinguindo-se tanto pela divulgação quanto pela implantação da ciência experimental no país (Dantes, 1979; Benchimol, Teixeira, 1993).
  • 2
    Com a extinção do Instituto de Ciências Naturais da UFRGS, devido à Reforma Universitária de 1968, a Seção de Genética passou a denominar-se Departamento de Genética, a partir de 1971, integrando o novo Instituto de Biociências.
  • 3
    A propósito, a expressão 'Efeito fundador' (founder effect, em língua inglesa) refere-se a um processo evolutivo no qual uma nova população se estabelece a partir de um pequeno conjunto de indivíduos que representa apenas uma fração da variação genética do grupo parental.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    abr-jun 2013
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