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O “Echo da Calumnia”: a masculinidade hegemônica em um processo-crime (Rio Grande do Sul, 1907)

The “Echo of Calumny”: Hegemonic Masculinity in a Crime Process (Rio Grande do Sul, 1907)

Resumo:

No início do século XX, em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul, um homem foi acusado de ferir com um tiro seu futuro genro. O processo criminal envolvendo esses dois indivíduos, revelou mais do que a tentativa de um assassinato. A partir da alegação do subdelegado de que o réu vivia de “maneira imprópria” com o ofendido e da ação da defesa em livrar o acusado tanto de uma sentença de prisão, quanto para restaurar sua reputação, pode-se averiguar a preeminência de atividades e valores como honra, trabalho e paternidade. A análise desses elementos permitiu compreender a existência de uma normatização da masculinidade como projeto social.

Palavras-chave:
masculinidade; processo-crime; Rio Grande do Sul, Primeira República

Abstract:

In the beginning of the 20th century, in a city in the state of Rio Grande do Sul, in the south of Brazil, a man was accused of shooting his future son-in-law with a gunshot. The criminal process involving these two individuals revealed more than an attempted murder. Based on the allegation of the subchief of police that the defendant lived in an “improper manner” with the offended and on the actions of the defense trying to avoid a prison sentence to the offender and to restore his reputation, one can ascertain the preeminence of activities and values such as honor, work and fatherhood. The analysis of these elements allowed us to understand the existence of a standardization of masculinity as a social project.

Keywords:
masculinity; criminal process; Rio Grande do Sul; First Brazilian Republic

O presente artigo busca fazer um exame dos papéis de gênero no Rio Grande do Sul durante a Primeira República (1889-1930), dando ênfase às construções de uma masculinidade normativa que aparecem em um processo criminal de uma cidade do interior do estado. Minha intenção é demonstrar como valores morais vinculados ao gênero se fizeram entrelaçados aos argumentos jurídicos da defesa de um homem acusado de tentativa de homicídio e “a entregar-se a habitos improprios do seu sexo”1 1 Os trechos extraídos do processo criminal seguem a grafia original. (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 4v).

Ainda que minoritárias entre os estudos de gênero, as investigações sobre as masculinidades têm encontrado aporte nas propostas de pesquisadores de diversas áreas. Os trabalhos da socióloga Raewyn Connell e da filósofa Judith Butler têm sido especialmente importantes para as reflexões teóricas a respeito do tema, ao proporem, respectivamente, questões envolvendo a “masculinidade hegemônica” (CONNELL, 2005CONNELL, Raewyn W. Masculinities. 2. ed. Berkeley: University of California Press, 2005. 324 p., 2013CONNELL, Raewyn W.; MESSERSCHMIDT, James W. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 21, n. 1, p. 241-289, jan./abr. 2013.) e a “performatividade” de gênero (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2003., 2007BUTLER, Judith. El género en disputa: el feminismo y la subversión de la identidad. Barcelona: Paidós, 2007.). O primeiro conceito reflete sobre questões envolvendo homens, gênero e hierarquia social, sendo entendida como um modelo de práticas que oportuniza a eles a dominação sobre as mulheres e outros homens. Essa subordinação sobre outros homens, interessa aqui no sentido de que se faz normativa, legitimando padrões de masculinidade. Seus preceitos são sustentados pela cultura e por diversas instituições (2013, p. 245). Segundo o antropólogo Miguel Vale de Almeida, “a masculinidade hegemônica exige um efeito controlador, resultando em uma constante vigilância social” (ALMEIDA, 1995ALMEIDA, Miguel Vale de. Senhores de Si: uma interpretação antropológica da masculinidade. Lisboa: Fim do Século, 1995., p. 6). Já “performatividade” é considerada a construção social do gênero que se dá a partir de atos, condutas e gestos que repetem uma norma reguladora. É através deles que a identidade e a divisão de gênero se amparam e se confirmam (BUTLER, 2007BUTLER, Judith. El género en disputa: el feminismo y la subversión de la identidad. Barcelona: Paidós, 2007.).

As aplicações desses conceitos na historiografia brasileira aparecem em estudos como os de Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2013ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nordestino: invenção do “falo” - Uma história do gênero masculino 1920-1940 . São Paulo: Intermeios, 2013.), que analisa as formas com que homens são retratados na literatura, música, teatro, discursos públicos e jornais do Nordeste. Igual articulação pode ser encontrada nas obras de Maria Izilda Matos, que vem trabalhando as construções das masculinidades nos séculos XIX e XX a partir de fontes médicas e músicas populares (2001aMATOS, Maria Izilda Santos de. Discutindo masculinidade e subjetividade nos embalos do samba canção. Revista Gênero, Niterói, v. 2, n. 1, p. 73-86, 2001a., 2001bMATOS, Maria Izilda Santos de. Meu lar é o botequim: alcoolismo e masculinidade. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001b. , 2012MATOS, Maria Izilda Santos de. Cabelo, barba e bigode: masculinidades, corpos e subjetividades. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 17, n. 2, p. 125-143, 2012.).

Minha análise se entrecruza como as investigações de Albuquerque Júnior (2013ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nordestino: invenção do “falo” - Uma história do gênero masculino 1920-1940 . São Paulo: Intermeios, 2013.) e Matos (2001) ao enfocar questões referentes à honra, trabalho e paternidade. Assim como as pesquisas acima mencionadas, verifico que esses três elementos indicavam a existência de um projeto de poder político-social voltado para a construção de um modelo de masculinidade hegemônica nacional.

Na primeira parte deste artigo, apresento o caso analisado e um resumo da utilização de processos criminais na historiografia. Em seguida, verifico como o modelo de masculinidade hegemônica permeava os argumentos do subdelegado e da defesa nesse processo-crime, se manifestando em suas noções de honra e reputação. Na última parte, examino os entrelaçamentos de trabalho e paternidade, como paradigmas de um projeto nacional de ordenamento social.

O processo criminal como fonte

Na tarde de 14 de janeiro de 1907, à rua 1º de Março, na cidade de Quaraí, Henrique I. E. foi preso pela acusação de tentativa de homicídio de seu futuro genro, Constantino B. L., que havia sido alvejado com um tiro no rosto. O acusado afirmou em sua declaração que o ofendido tentou o suicídio após saber do término de seu noivado de seis anos com Maria Luiza, filha de Henrique. Por sua vez, o agredido declarou que o disparo partiu do acusado, que ficou enfurecido ao saber que Constantino não teria condições de realizar o casamento, e “não querer morar mais junto com Henrique I. E.” (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 9v). Ao averiguar o local do crime em que vivia Henrique e seus parentes, a polícia encontrou um revólver com uma cápsula detonada, escondido sob um balde no pátio.

Os motivos para o disparo se tornam ainda mais confusos ao lermos o inquérito elaborado pelo subdelegado destacado para o caso. Em seu relatório, o policial destaca que Henrique levava “uma vida repugnante e imoral porquanto entrega-se a hábitos impróprios do seu sexo”, e que “vivia há 14 anos junto do ofendido, de forma escandalosa, como marido e mulher” (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 4v e fl. 5). Segundo a antropóloga Mariza Corrêa, o delegado/subdelegado tem como “objetivo principal ‘mostrar serviço’, demonstrando sua utilidade social como parte de um mecanismo organizado em luta contra o mal difuso ou concentrado, que de repente se materializa num crime” (CORRÊA, 1983CORRÊA, Mariza. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983., p. 43). Nenhuma das testemunhas ampara tais declarações do investigador. Ainda assim, esse trecho se torna um dos pontos principais nas arguições do advogado de defesa, que se esforça em atacar esses argumentos “caluniosos” com o mesmo empenho que aborda a acusação criminal imputada ao réu. O caso vai a júri e Constantino acaba absolvido por unanimidade, após quase três anos de trâmites judiciais.

O episódio acima relatado e a forma com que foi redigido nas fontes demonstram a complexidade para a análise histórica dos processos-crime. Esses documentos agremiam toda a documentação elaborada pelo poder judiciário envolvendo um caso. Assim, eles acompanham as diversas fases de um processo: a comunicação inicial (queixa ou denúncia) feita pelo autor ou promotor, formação de culpa por meio de investigações materiais, corpo de delito e depoimentos colhidos pelos policiais, que elaboram uma diligência e a enviam a um juiz. Caso os fatos registrados sejam considerados delituosos pelo magistrado, ele comporá um libelo (peça acusatória) e requererá a manifestação das partes ou seus representantes legais (advogados e promotores). Passa-se, então, aos autos do tribunal do júri, onde os argumentos da defesa e da acusação serão debatidos junto com o interrogatório do réu e os depoimentos de outras testemunhas na corte. Com base nesses, é registrado o veredito expedido pelo júri2 2 “A Lei da Organização Judiciária [do Rio Grande do Sul] de 1895 afirmava que em cada município haveria um conselho de quinze jurados, ‘sorteados d'ntre todos os alistados’. Os juizes de comarca elaboravam a lista dos quinze alistados. O tribunal do júri seria composto por cinco jurados sorteados entre os quinze. Podia ‘ser jurado todo o cidadão’ que tivesse ‘idoneidade moral e intellectual’, excluindo os criados de servir, as praças, os ‘fallidos não rehabilitados’, os que tinham defeito físico e intelectual, os ‘interdictos e inhabilitados’, os que já haviam sido condenados e os que estivessem ‘pronunciados por despacho irrevogável’” (AREND, 2001, p. 74). Ver também a Constituição Federal de 1891: Título IV, Seção I, Das Qualidades do Cidadão Brasileiro, Art. 70 e Art. 71. e declarada a sentença pelo juiz (ZENHA, 1984ZENHA, Celeste. As práticas da justiça no cotidiano da pobreza: um estudo sobre o amor, o trabalho e a riqueza através dos processos criminais. 1984. 155 f. Dissertação Mestrado em História - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 1984).

Como a “investigação de uma investigação”, a prática historiográfica baseada nos processos-crime deve atentar para os motivos e contingências presentes em sua elaboração. Por conter diversas fases e versões conflitantes que narram determinado episódio, analisar essas fontes não significa buscar “o que realmente se passou”, pois esta seria uma expectativa inocente (CAULFIELD, 2000CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro, 1918-1940. Campinas: Editora da Unicamp: Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2000.), mas procurar como diferentes interesses pessoais, institucionais, econômicos, locais e políticos permeiam esses registros (CHALHOUB, 2012CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano de trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.). Portanto, analisar os processos criminais com o devido cuidado possibilita apurar os interesses diversos que os permeiam, demonstrando as complexidades das dinâmicas sociais em determinado contexto.

Uma vez que são produzidos sob a demanda de uma burocracia regulatória, o primeiro e maior interesse que perpassa os processos-crime é satisfazer às categorias legais e jurídicas. Cabe a estes registros adequar eventos empíricos às suas normas a partir de dois enfoques: de que forma os acontecimentos transgrediram as leis, e quais medidas corretivas foram tomadas no esforço de restabelecer a ordem social imposta por seus regramentos (CASTORIADIS, 1982CASTORIADIS, Cornelius. A constituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.). Resumidamente, a função desses registros é transformar fatos em ocorrências, subordinando os eventos aos quadros legais e normativos de um paradigma estatutário (FOUCAULT, 1996FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyola, 1996.).

Outra clivagem muito presente nos processos criminais se dá através do próprio ato de registrar as palavras alheias durante os depoimentos. Os agentes jurídicos e policiais imprimem sua própria subjetividade e interesses na fala de testemunhas e implicados, que distorcem as declarações de acordo com seus interesses, prejuízos e preferências. Tais “tradutores” da realidade também são pessoalmente beneficiados ao adaptar os depoimentos às categorias jurídicas, ignorando dados dos testemunhos originais que não cabiam na ordem de seus discursos (CERTEAU, 2008CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.) e conduzindo outros membros do aparato burocrático a concordarem com suas convicções.

Ainda assim, os processos criminais são fontes valiosas que permitem o acesso à introspecção de indivíduos que, de outra forma, não teríamos acesso. Os depoentes não devem ser tomados como sujeitos passivos frente às tipologias que lhes eram impostas, pois eles frequentemente tinham consciência das posturas que lhes eram demandadas, e passavam a interpretar personagens que favoreciam a recepção de seus argumentos pelos oficiais da polícia, membros do júri e juízes em seus testemunhos. Ao saber que teriam suas palavras modificadas pelas finalidades do registro e agentes do judiciário, esses sujeitos procuravam se aproximar daqueles estereótipos que poderiam conferir maior credibilidade (SCHIRTZMEYER, 2012SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. Jogo, ritual e teatro: estudo antropológico do Tribunal do Júri. São Paulo: Terceiro Nome, 2012.).

Mesmo quando mentiam ou mascaravam suas posturas morais, faziam-no de uma forma que acreditavam ser plausível e, portanto, ajudam a delinear os alcances da moralidade comum. Assim, é possível encontrar nas entrelinhas dos depoimentos evidências de como vítimas, réus e testemunhas descreviam não somente os acontecimentos que os levaram à Justiça, como também os diversos relacionamentos e condutas sociais que consideravam dentro das normas ou desviantes 3 3 Segundo Howard Becker, “pode-se considerar desviante tudo o que varia excessivamente com relação à média, podendo haver uma identificação com algo essencialmente patológico, revelando a presença de uma doença” (BECKER, 2019, p. 20-23). .

Ferindo e reparando a masculinidade pública de Henrique

Publicamente, a reputação era uma parte imprescindível no processo de formação de culpa realizado por policiais e autoridades jurídicas. Legalmente, o Código de Processo Penal de 1890 não distinguia réus primários dos demais; ainda assim, se o investigado ainda não havia sido formalmente implicado em um crime, ou seja, não possuía “ficha criminal”, suas chances de ser inocentado aumentavam consideravelmente (FAUSTO, 1984FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo 1880-1924. São Paulo: Brasiliense, 1984.; CORRÊA, 1983CORRÊA, Mariza. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983.). Não havendo um histórico de acusações formais contra um réu, um dos primeiros elementos levantados por delegados e subdelegados era a imagem que a comunidade fazia do implicado, frequentemente “sugerindo” que as testemunhas falem sobre uma característica ou outra que o investigador deseja ressaltar no indiciado.

Esse tipo de averiguação demonstra uma forma de aporte entre os regramentos populares e legais, pois havia a preocupação mútua na “manutenção da paz” nas comunidades - ainda que o entendimento do que configurava essa “paz” variasse grandemente. Outro motivo que patrocinava essa cooperação era o temor de que culpabilização de indivíduos para além dos envolvidos, podendo gerar prisões ou justiciamentos de diversas pessoas (FAUSTO, 1984FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo 1880-1924. São Paulo: Brasiliense, 1984.). Assim, era preferível que aqueles considerados culpados pela comunidade ou mesmo “presumíveis delinquentes” fossem enquadrados pelos policiais que gerar um dano maior sobre todo o grupo (FAUSTO, 1984FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo 1880-1924. São Paulo: Brasiliense, 1984.).

De modo inverso, os investigadores podiam incluir nos processos-crime elementos danosos à reputação dos envolvidos, mesmo quando suas alegações não constituíssem um crime tipificado pela lei. Ao inserir as inferências sobre a sexualidade de Henrique, o subdelegado está tornando pública uma afirmação sobre sua vida pessoal que terá grande impacto em sua reputação na comunidade. Além disso, ao afirmar que o réu “entrega-se a habitos improprios do seu sexo” (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 04), está inserindo a possibilidade de que a tentativa de assassinato foi efetuada por um homem que não se controla (sexualmente e emocionalmente), tornando o crime “passional” (BARBOSA, 2015BARBOSA, Carla Adriana da Silva. “José casou com Maroca e Antônio casou-se com Fina”: relações de gênero e violência afetivo-sexual no Sul do Brasil RS, 1889-1930. 2015. 301 f. Tese Doutorado em História - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.) e depreciando sua masculinidade ao lhe atribuir a incapacidade de controlar seus sentimentos (GAYOL, 2000GAYOL, Sandra. Sociabilidad en Buenos Aires: Hombres, honor y cafés - 1862-1910. Buenos Aires: Ediciones Del Siglo, 2000.).

Para que um homem tivesse boa reputação na comunidade, era necessário que ele demonstrasse e defendesse publicamente sua hombridade. Ainda que a masculinidade seja intimamente vinculada à capacidade de violência (“sem medo de morrer e sem remorsos ao matar”, como definido por ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2013ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nordestino: invenção do “falo” - Uma história do gênero masculino 1920-1940 . São Paulo: Intermeios, 2013.), um homem podia ferir a “existência social” de outro através das palavras (o “mal dizer”)” (FONSECA, 2004FONSECA, Claudia. Família fofoca e honra: etnografia de gênero e violência entre grupos populares. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.). Como Arlette Farge elabora (1992FARGE, Arlette. Dire et mal dire: l'Opinion publique au XVIIIe siècle. Paris: Seuil, 1992.), a “realidade” de uma posição individual no meio social era construída sobre o consenso público.

A profundidade do dano reputacional gerado pela afirmação do subdelegado de que Henrique e Constantino viviam “escandalosamente” há 14 anos como marido e mulher (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , f. 04v e f. 05) pode ser atestada pela insistência do advogado de defesa em refutar essas alegações. Ao iniciar sua argumentação sobre tal alegação, o defensor começa afirmando que essa pauta nem devia ser citada durante o júri:

Nada! Nada absolutamente autoriza, que a autoridade da polícia judiciaria querendo prestar informações sobre os antecedentes do acusado, trouxesse para seu relatório o echo da calumnia, quando se refere aos costumes do acusado! Qual a prova que trouxe ele a Juizo, para insinuar taes e tão deprimentes costumes? Tal procedimento tornou essa peça do summario, suspeita aos olhos da justiça que é a synthese da verdade. A autoridade tornou-se solidaria com a calumnia, repetindo a maledicencia. Tornou-se ela suspeita e parcial na opinião do acusado e nós repelimos com desgosto e máxima energia tão reprovado procedimento (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 30).

Há uma aparente contradição em expressar o desejo de que o tema não fosse abordado e a delongada refutação ao registro do subdelegado. Inclusive, tamanho é o esforço do representante legal que seus protestos contra esse ataque ocupam tanto espaço na transcrição quanto seus argumentos contra a acusação criminal de tentativa de homicídio 4 4 “Desde o século XIX, a sodomia fora descriminalizada em vários países, inclusive no Brasil, mas seu estatuto legal teve pouco impacto sobre os interditos morais das comunidades, que ainda a viam como um atentado contra Deus e o Estado” (TREVISAN, 2018, p. 127). Os “pederastas”, “sodomitas”, “uranistas” (como eram conhecidos homens que sentiam desejo por outros homens) eram considerados transgressores morais, criminosos sexuais ou doentes (FRY; MACRAE, 1983; GREEN, 2000). . Ainda que possamos assumir que uma resposta tão incisiva possa ter sido elaborada de forma a transmitir a imagem de competência do representante legal (e patrocinasse sua própria reputação)5 5 “[...] Um bom advogado é um homem que se impõe aos jurados, que está convencido da inocência de seu constituinte e que mostra isso nos mínimos detalhes, inclusive no domínio que tem do processo, não deixando passar nenhuma referência sem contra-argumentar” (CORRÊA, 1983, p. 53). , a insistência no assunto durante as arguições do julgamento é também uma performance reparadora, que aproveita a ocasião do júri como espetáculo público (FAUSTO, 1984FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo 1880-1924. São Paulo: Brasiliense, 1984.; SCHIRTZMEYER, 2012SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. Jogo, ritual e teatro: estudo antropológico do Tribunal do Júri. São Paulo: Terceiro Nome, 2012.) para fazer saber à comunidade que tais acusações são infundadas.

Esse caráter performático do tribunal do júri pode revelar ao pesquisador muitos dos princípios morais de uma comunidade, especialmente quando as alegações envolvem infrações graves aos seus princípios de convivência. Como elaboro a seguir, o advogado de Henrique passa a nos revelar quais as principais qualidades de um homem honrado ao identificá-las com seu cliente, procurando convencer o público e jurados da idoneidade do acusado. A opção por essa estratégia encontra amparo nas propostas de Erving Goffman ao estudar os processos de estigmatização em diversas sociedades (GOFFMAN, 1988GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução Marcia Bandeira de Mello Leite Nunes. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.). Segundo o sociólogo canadense, quanto maior a transgressão atribuída a um indivíduo, maior deve ser sua demonstração pública de conformidade com as regras vigentes para que seja aceito em seu meio.

Um relacionamento afetivo entre Constantino e Henrique seria uma grave transgressão aos parâmetros sociais da comunidade por esta se tratar de uma sociedade muito permeada pela heteronormatividade. Esse conceito pode ser entendido como a heterossexualidade em seus aspectos prescritivos e descritivos, atuando de forma pervasiva para influenciar as identidades, regramentos, ideologias e aspirações, tornando parte fundamental dessas ideias a obrigatoriedade da adoção de preceitos binários de gênero, excluindo pessoas e mesmo significados e comunidades que não aderem a seus preceitos (LOCHRIE, 2005LOCHRIE, Karma. Heterosyncrasies: female sexuality when normal wasn’t. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2005.).

Se os limites entre os gêneros pretendiam se fazer claros nessa sociedade, o mesmo não pode ser dito sobre a distinção entre regramentos legais e costumes, como transparece nas palavras do advogado de Henrique. Ao se manifestar sobre a declaração feita pelo subdelegado, o defensor não a caracteriza como injúria, prevista como a “imputação de vícios ou defeitos, com ou sem factos especificados, que possam expor a pessoa ao ódio ou desprezo público e ainda a imputação de factos ofensivos da reputação, do decoro e da honra” (BRASIL, 1890BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o código penal dos Estados Unidos do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, Casa Civil, subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D847.htm . Acesso em: 9 out. 2020
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
). Ele usa o termo calúnia, “falsa imputação feita a alguém de um fato que a lei qualifica como crime” (BRASIL, 1890BRASIL. Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o código penal dos Estados Unidos do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, Casa Civil, subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D847.htm . Acesso em: 9 out. 2020
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), demonstrando como regras estabelecidas pela lei e pela comunidade eram igualmente observadas, ao ponto de se confundirem nos argumentos.

Há também a possibilidade de que o próprio advogado de defesa elaborou um entendimento equivocado ou defasado do estatuto legal sobre a “homossexualidade”, trazendo-a para o campo criminal, ou mesmo que tenha confundido seus preceitos pessoais com a tipificação de desvio normativo, como o próprio subdelegado faz. De qualquer forma, a “acusação” de comportamento desviante atribuída a Henrique demonstra como a masculinidade hegemônica e sua performatividade permeiam diferentes meios, regramentos e ambientes da sociedade, chegando a equiparar regras legais com interdições culturais.

Não há registro de que o advogado de defesa tenha convocado testemunhas para nenhum argumento contra seu cliente, especialmente sobre sua suposta homossexualidade. Se tivesse inquerido sobre o assunto aos entrevistados, tanto na fase policial quanto durante os procedimentos do tribunal, seus argumentos talvez fossem fortalecidos, pois não há citação alguma sobre essa alegada vida “repugnante e imoral” em nenhum dos depoimentos. As possibilidades para o assunto não surgir durante suas declarações são múltiplas: os fatos imputados pelo subdelegado podem não ser verdade ou suas perguntas podem não ter sido direcionadas especificamente sobre a possibilidade de relação amorosa entre Constantino e Henrique, ou mesmo porque boa parte das testemunhas arroladas serem parentes do acusado que residiam no entorno da casa onde se deu o ocorrido. Eles podem ter silenciado para proteger o réu, a família e/ou a si mesmos de represálias da comunidade; ou mesmo a natureza do elo entre os dois homens ser amplamente conhecida, mas, por gozarem de respeito e simpatia na comunidade, esta os protegeu por conta das solidariedades locais, mantendo um silêncio tácito tanto interna quanto externamente.

Em vez disso, a defesa prefere iniciar seus argumentos recorrendo à honra da família de Henrique. Demonstrando como o prestígio podia ser herdado e dividido entre membros de uma mesma linhagem, o advogado relatou que o réu era “filho de distintíssima família de Santana do Livramento”, tendo como irmãos “um engenheiro, um capitão do Exército Nacional e a viúva de um advogado”6 6 Este excerto demonstra como fazer parte de uma família com profissões aceitas como prósperas vinculam a honra familiar e o poder aquisitivo. Esse dado se vincula com uma análise que elaboro adiante, quando demonstro a importância de prover recursos financeiros para que um homem exerça sua paternidade. (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 29v). Esse tipo de afirmação demonstra como a reputação pessoal não diz respeito apenas ao indivíduo avaliado, mas a toda uma rede relacional, intimamente ligada às construções sociais, suas hierarquias e às tradições e prestígio negociados entre famílias e que pesavam sobre as ações individuais e suas consequências (BURKE, 1991BURKE, Peter. Veneza e Amsterdã: um estudo das elites do século XVII. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.).

O réu foi apresentado ainda como alguém que “teve sempre comportamento exemplar e dos anais policiais não contará nenhuma nota em desabono de sua conduta” (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 29v). Desta forma, o defensor propunha que Henrique não fazia parte dos criminosos “típicos”, com “ficha suja”, sendo uma pessoa que dificilmente seria imputável por um crime tão grave quanto uma tentativa de assassinato. Entretanto, a afirmação também monta a imagem de um homem “honrado”, que não seria capaz de recair nos comportamentos atribuídos a ele pelo subdelegado.

A honra era assim permeada fortemente pela reputação. Mas o que seria a honra? Essa qualidade de difícil definição possui elementos que perpassam vários atributos sociais. Podemos entendê-la como a adesão a “um código ideal de comportamento, regras sociais padronizadas que exercem efetivo controle sobre as pessoas e suas hierarquias, regendo a vida coletiva” (ROHDEN, 2006ROHDEN, Fabíola. Para que serve o conceito de honra, ainda hoje?. Revista Campos - Revista de Antropologia Social, v. 7, n. 2, p. 101-120, 2006. , p. 114-115). Mesmo sendo percebida como um atributo individual, ela só podia ser avaliada através da percepção social do sujeito, por meio da conformação a determinadas normas de conduta (PITT-RIVERS, 1979 apudROHDEN, 2006ROHDEN, Fabíola. Para que serve o conceito de honra, ainda hoje?. Revista Campos - Revista de Antropologia Social, v. 7, n. 2, p. 101-120, 2006. , p. 105-106), tornando-a dependente da opinião pública em diversos momentos.

A adesão ao código de honra de determinada sociedade pode ser compreendida como um predicado indispensável para um sujeito conseguir estabelecer seu prestígio. Suas regras são raramente escritas ou mesmo claramente definidas, mas possuem grande influência na formação dos comportamentos, além de determinar os locais de atuação dos gêneros ao delimitar suas responsabilidades e possibilidades de ação.

Trabalho e paternidade

Dentre as responsabilidades atribuídas ao gênero masculino, uma das mais marcadas (e vigiadas) era sua disposição para o trabalho. A reputação dos homens era grandemente influenciada por essa capacidade, pois ela não comportava apenas seu elemento produtivo, compondo com a perseverança, vigor, resistência e temperamentos próprios de seu ofício; ela demandava também um predicado ético, capaz de outorgar legitimidade e respeitabilidade (CORSETTI, 2007CORSETTI, Berenice. A educação: construindo o cidadão. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson coord. República Velha 1889-1930. Passo Fundo: Méritos, 2007. p. 287-311. 3 v. 2 t. ). A antítese a esse padrão eram os “vadios”, que eram percebidos pela polícia como “personagens turbulentos, que frequentavam lugares perigosos e apresentavam uma conduta condenável” (PESAVENTO, 2007PESAVENTO, Sandra Jatahy. Espaço, sociedade e cultura: o cotidiano de Porto Alegre. In: GOLIN, Tau; BOEIRA, Nelson coord.. República Velha 1889-1930 . Passo Fundo: Méritos , 2007. p. 163-227. 3 v. t., p. 190). Esse entendimento não era uma exclusividade sul-rio-grandense, mas um fenômeno repetido em todo território nacional, onde os prejuízos sobre a “vadiagem” também eram dotados de características fortemente negativas por sua inadequação às aspirações de ascensão social através do trabalho (KOWARICK, 1994KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.).7 7 Cabe também destacar o forte componente racista na realidade brasileira pós-abolição, quando foram negadas reparações e mesmo a integração ao trabalho assalariado à população negra, gerando medo e hostilidade contra os “capoeiras” (FAUSTO, 1984; SCHWARCZ, 1993; CHALHOUB, 2012).

No caso analisado, a defesa procura atestar a idoneidade de Henrique ao narrar o contraste entre sua disposição para o trabalho e integralidade com o estado de penúria em que se encontrava. Mesmo nascido em uma família próspera, ele teria passado por vários “transtornos comerciais”, o que o deixara em “precária situação”, “modificando seu gênio outrora expansivo, para a habitual taciturnidade” (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 29v e fl. 30). O advogado defende que seu cliente “não se entregou a embriaguez, não jogava e procurava angariar a subsistência com honestidade” (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 29v e fl. 30) mesmo nessa carestia, demonstrando sua retidão.

O jogo e a embriaguez eram considerados atividades promotoras da desordem por estarem ligadas ao ócio e à utilização indisciplinada do tempo e do corpo, sendo frequentemente associadas a distúrbios sociais causados por “vagabundos” e “desordeiros” (TORCATTO, 2011TORCATTO, Carlos Eduardo Martins. A repressão oficial ao jogo do bicho: uma história dos jogos de azar em Porto Alegre 1885-1917 . 2011. 141 f. Dissertação Mestrado em História - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.). Além de ocuparem tempo e vitalidade que seriam melhor empregados no trabalho, tais práticas também estavam relacionadas com os conflitos que afloravam no cotidiano dos espaços de sociabilidade que continham diversões e o gasto de dinheiro (TORCATTO, 2011TORCATTO, Carlos Eduardo Martins. A repressão oficial ao jogo do bicho: uma história dos jogos de azar em Porto Alegre 1885-1917 . 2011. 141 f. Dissertação Mestrado em História - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.).

Da mesma forma, o álcool era tido como o principal catalisador da violência, além de induzir a um vício que prejudicava a capacidade produtiva. Segundo Matos, os discursos políticos, religiosos e médicos reforçavam a necessidade de o homem de ser resistente, jamais manifestando dependência ou sinais de fraqueza, devia ser “metódico, atento, racional e disciplinado” (2001aMATOS, Maria Izilda Santos de. Discutindo masculinidade e subjetividade nos embalos do samba canção. Revista Gênero, Niterói, v. 2, n. 1, p. 73-86, 2001a., p. 41-42). Entretanto, o consumo em excesso de bebidas alcoólicas constitua uma das formas mais comuns de afirmação de virilidade nas comunidades (TORCATTO, 2011TORCATTO, Carlos Eduardo Martins. A repressão oficial ao jogo do bicho: uma história dos jogos de azar em Porto Alegre 1885-1917 . 2011. 141 f. Dissertação Mestrado em História - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.), gerando uma contradição entre regimes de masculinidade patrocinados por ideólogos amparados pelos governos com a manutenção de preceitos populares de hombridade.

Para destacar que Henrique não fazia parte desse grupo de “desordeiros”, seu advogado ressalta seus vínculos familiares para além de sua “boa origem”, mesmo estando na referida situação de penúria. Uma vez mais se valendo da penúria que seu cliente se encontrava, o réu é apresentado como um “proprietário” de 49 anos que, “apesar da energia tenaz com que luta pela vida, a má sorte que o persegue, reduziu os seus haveres ao único prédio que ainda possui e que agora hipotecou para garantir sua fiança” (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 29v). Foi então “obrigado pelas precárias circunstâncias de sua fortuna a ganhar o pão para si e para os seus filhos com o seu trabalho, plantando verduras e vendendo-as na cidade” (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 29v e fl. 30).

Podemos derivar duas ideias dessas passagens oferecidas pela defesa. Ao propor que Henrique não recaiu no vício e na vacância mesmo estando empobrecido, o advogado torna evidente o senso de que esses “maus hábitos” são típicos das populações de baixa renda. Essa quase hostilidade à pobreza fazia parte do ideário voltado ao higienismo social que perpassava a Primeira República (MATOS, 1996MATOS, Maria Izilda S. Na Trama Urbana: Do público, do privado e do íntimo. Revista Projeto História, São Paulo, v. 13, p. 129-149, jun. 1996.), promovendo o entendimento que sujeitos ociosos, violentos e de disposição criminosa afloram no pauperismo (CHALHOUB, 2012CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano de trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.). Nesse sentido, destacar que o acusado tem “uma boa família” naturaliza a ideia de que “estirpes superiores ao populacho” transmitem honra e um espírito perseverante aos seus rebentos - demonstrando como a mentalidade nobiliárquica ainda estava muito presente entre as elites dezessete anos após o fim da monarquia.

Outro elemento que a defesa do réu destaca também advém de seus laços familiares, mas daqueles voltados à sua descendência. O indiciado é descrito por seu advogado como cumpridor de seu papel como pai e provedor ao arrancar “com a pá ou enxada cotidianamente do seio da terra a subsistência para sua família”, ganhando “o pão para seus filhos com o seu trabalho plantando verduras e vendendo-as na cidade” (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 29v). Henrique residia em Quaraí, há oito ou nove anos (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl.16v), afastado dos cinco filhos, que se achavam com sua esposa em Santana do Livramento (APERS, 1907APERS. Cível e Crime. Sumário de culpa. Quaraí: Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, ano: 1907, número: 1103, maço: 32, estante: 154, caixa: 009.551. , fl. 29v), e vivia em uma quinta para poder tirar dela “o sustento de seus filhos”. Apresentando esse “sacrifício paternal”, a defesa garantia a preservação do capital simbólico8 8 O capital simbólico pode ser referido como os recursos disponíveis para um indivíduo com base na honra, prestígio ou reconhecimento, e serve como valor que se possui dentro de uma cultura. (BOURDIEU, 1989). da honra patriarcal (PRIORE, 2013PRIORE, Mary del. Pais de ontem: transformações da paternidade no século XIX. In: PRIORE, Mary del; AMANTINO, Marcia org. História dos homens no Brasil. São Paulo: Editora UNESP , 2013. p. 153-184.). O trabalho se relacionava à honra não apenas na continuidade da ordem social ampla, a estabilidade da família também estava fortemente vinculada à capacidade produtiva do patriarca. Como o caso demonstra, esse compromisso não se encerrava na ausência do pai, pelo contrário, ao residir em outra cidade, Henrique estaria demonstrando que pretende manter seu papel como provedor de um lar distante, mantendo seu compromisso mesmo sem poder conviver com seus filhos.

A associação entre masculinidade e responsabilidade familiar possui um trajeto longo. No decurso histórico das sociedades de modelo europeu, o papel de genitor é paulatinamente suplementado pelo de provedor, transformando-se no moderno entendimento de paternidade perpassado pelos ideais de bem da família e amor à criança (PRIORE, 2013PRIORE, Mary del. Pais de ontem: transformações da paternidade no século XIX. In: PRIORE, Mary del; AMANTINO, Marcia org. História dos homens no Brasil. São Paulo: Editora UNESP , 2013. p. 153-184.). Como líder de um grupo regido por laços de parentesco diretos, o pater devia ser abordado com respeito e honra; e era esperado que este assumisse uma postura que zelasse pela dignidade de seus protegidos e que administrasse o capital material e simbólico da família, garantindo sua perpetuação e crescimento contínuo por sua linhagem. Assim, a figura paterna atuava não apenas no âmbito doméstico, mas também constituía a face pública do núcleo familiar, atuando como portador das responsabilidades e da intermediação das interações da microcomunidade da parentela e a macrocomunidade regional (BARBOSA, 2009BARBOSA, Carla Adriana da Silva. A casa e suas virtudes: relações familiares e a elite farroupilha RS, 1835-1845. 2009. 139 f. Dissertação Mestrado em História - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2009.).

Essa “procuração de responsabilidades” pode ser encontrada mesmo no depoimento de Constantino. Ao alegar que foi alvejado por Henrique por não ter condições de dar continuidade ao matrimônio com Maria Luiza, o ofendido demonstra como cabia aos pais defender a honra de suas filhas e punir aqueles que quebrassem acordos que viessem a ser firmados na família9 9 Como vimos anteriormente, mesmo que o depoimento de Constantino não correspondesse aos fatos, ele teceria uma narrativa plausível, oferecendo argumentos que correspondessem aos valores de sua comunidade. . Esse argumento também aponta como a masculinidade podia se manifestar tanto pela moralidade do trabalho e da responsabilidade familiar quanto pelo uso de violência reparadora quando um terceiro ofende a honra familiar (BARBOSA, 2015BARBOSA, Carla Adriana da Silva. “José casou com Maroca e Antônio casou-se com Fina”: relações de gênero e violência afetivo-sexual no Sul do Brasil RS, 1889-1930. 2015. 301 f. Tese Doutorado em História - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.).

Entretanto, a paternidade não se resumia apenas a aspectos positivos para aqueles que eram “protegidos” pelo “homem da casa”. Uma vez que eram dependentes dos patriarcas para a defesa, perpetuação e acumulação de bens materiais e simbólicos, criava-se um panorama social que patrocinava a ideia de que a própria vida da parentela era um dom ou graça vinda da figura paterna central, colocando aqueles sujeitos ao pátrio poder em uma “dívida” que devia ser perpetuamente saldada através da gratidão e obediência (BARBOSA, 2009BARBOSA, Carla Adriana da Silva. A casa e suas virtudes: relações familiares e a elite farroupilha RS, 1835-1845. 2009. 139 f. Dissertação Mestrado em História - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2009.). A construção e cuidados com o caráter dos filhos e as virtudes das filhas era algo de vital importância ao núcleo familiar (BARBOSA, 2009BARBOSA, Carla Adriana da Silva. A casa e suas virtudes: relações familiares e a elite farroupilha RS, 1835-1845. 2009. 139 f. Dissertação Mestrado em História - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2009.). Para formar um rebento “de bem”, um dos artifícios era o uso paterno da violência punitiva, acionada contra aqueles que rompessem com a integridade física, financeira e moral da família, segundo os critérios do pai (MACHADO; SEFFNER, 2013MACHADO, Vanderlei; SEFFNER, Fernando. Florianópolis - 1889/1930: estratégias de produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subordinadas. História São Paulo , Franca, v. 32, n. 1, p. 354-376, jan./jun. 2013. ).

Essa disciplinarização dos filhos e esposa não era visto como um descontrole do homem, pelo contrário, era tido como reflexo de um patriarca que controlava os seus próprios impulsos, alguém capaz de ter a mesma retidão nos negócios que teria para com seus entes próximos (PRIORE, 2013PRIORE, Mary del. Pais de ontem: transformações da paternidade no século XIX. In: PRIORE, Mary del; AMANTINO, Marcia org. História dos homens no Brasil. São Paulo: Editora UNESP , 2013. p. 153-184.). Demonstrações de mando sobre os outros membros da família não eram apenas toleradas, eram necessárias para a manutenção da reputação do patriarca e da própria família. Em outras palavras, era encenada uma exposição pública de dinâmicas familiares, revelando ao menos uma face de sua vida privada, elaborando uma performance dessas vivências voltadas para a observação de grupos externos à parentela, mas internos à comunidade em que ela se insere. As impressões deixadas por um varão nesse tipo de exposição podiam segui-lo por muito tempo, influenciando em seus vínculos profissionais e pessoais, sendo possível que aqueles que negligenciassem esse processo fossem excluídos da vida social da comunidade.

Considerações finais

A análise do processo-crime envolvendo Henrique e Constantino demonstra como a masculinidade se manifesta através de diversas regras e padrões, chegando ser perpassada por valores contraditórios. Pela natureza da fonte, é possível apreender, em um primeiro plano, discursos promovidos por um Estado promotor da ética do trabalho e da ordem social, interessado em parear a hombridade com disciplina, racionalidade e dedicação.

A fonte demonstra como mesmo os instrumentos institucionais não amparam a pretensão regulatória e produtivista das autoridades republicanas. Ao ser composto a partir de testemunhos guiados primariamente pela reputação dos envolvidos, os processos criminais retratam embates de sujeitos com diretrizes legais que se misturam com a opinião pública sobre as pessoas implicadas, tornando o julgamento um procedimento judiciário e um teatro da opinião pública simultaneamente. Essa característica se adensa pelo fato de o veredito ser expedido por um grupo de jurados, teóricos representantes do “povo”, frequentemente mais influenciáveis pelo espetáculo e valores transmitidos pela acusação e defesa do que pelos preceitos legais.

O processo contra Henrique demonstra como o caráter duplo dessas fontes revela os valores e princípios de uma sociedade se articulando para atender as demandas institucionais e cotidianas dos envolvidos, ao mesmo tempo em que a comunidade se aproveita da oficialidade para resolver suas pendências e reafirmar seus preceitos. Ainda que não seja considerada um crime nos quadros legais da Primeira República, a homossexualidade era estigmatizada por contrariar a moralidade vigente, permeada fortemente pela noção tradicional de família e pelo caráter heteronormativo.

Para os jurados e a plateia, um relacionamento homoafetivo causa tanto alarde quanto o crime formalmente imputado ao réu, pois seu padrão hegemônico de masculinidade era um elemento presente em diversos aspectos de seu cotidiano. É através dele que fazem a medida dos sujeitos em seu mundo social: reputação, paternidade, honra e trabalho, elementos quase onipresentes em seus comportamentos e atividades.

A comunidade e os regramentos jurídicos (como manifestação do projeto de poder republicano) definem que parte importante de “ser homem” envolvia cumprir com suas obrigações sociais. Ambos requerem compromisso, tenacidade, “ter palavra”, autocontrole e responsabilidade. Um varão com família, trabalho e respeito de seus pares era alguém com vínculos, dificilmente se tornando um errante descontrolado.

É na convergência por esse comprometimento social que comunidades diversas e Estado atuam. Entretanto, mesmo quando havia a aparência de harmonia entre esses entes, seus interesses divergiam frequentemente. Nesses casos, aplicava-se uma postura teatralizada, oportunista, agindo através do outro lado para atingir seus objetivos.

Assim, um subdelegado não encontra amparo entre os depoimentos para suas acusações paralegais de pederastia, ou mesmo um agente das forças do Estado usa sua influência para difamar um desafeto. Para um júri de privilegiados, o advogado revela que seu cliente possui uma linhagem de iguais notáveis, preferindo não recorrer a depoentes próximos do réu que indicariam sua pobreza, e, portanto, inferioridade.

Seja por meio de acusações (amparadas pela lei ou não) ou oportunismo, os padrões de gênero compunham argumentos para respaldar uma grande gama de interesses. Uma vez que grande parte das atribuições de responsabilidade e culpabilidade eram baseados nesses modelos, a força dos argumentos permeados por eles demonstra que quem os controlava tinha grande arbítrio sobre o funcionamento do cotidiano, impelindo as pessoas a adotarem funções determinadas pelo gênero.

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    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D847.htm
  • 1
    Os trechos extraídos do processo criminal seguem a grafia original.
  • 2
    “A Lei da Organização Judiciária [do Rio Grande do Sul] de 1895 afirmava que em cada município haveria um conselho de quinze jurados, ‘sorteados d'ntre todos os alistados’. Os juizes de comarca elaboravam a lista dos quinze alistados. O tribunal do júri seria composto por cinco jurados sorteados entre os quinze. Podia ‘ser jurado todo o cidadão’ que tivesse ‘idoneidade moral e intellectual’, excluindo os criados de servir, as praças, os ‘fallidos não rehabilitados’, os que tinham defeito físico e intelectual, os ‘interdictos e inhabilitados’, os que já haviam sido condenados e os que estivessem ‘pronunciados por despacho irrevogável’” (AREND, 2001AREND, Silvia Maria Fávero. Amasiar ou casar? A família popular no final do século XIX. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001., p. 74). Ver também a Constituição Federal de 1891: Título IV, Seção I, Das Qualidades do Cidadão Brasileiro, Art. 70 e Art. 71.
  • 3
    Segundo Howard Becker, “pode-se considerar desviante tudo o que varia excessivamente com relação à média, podendo haver uma identificação com algo essencialmente patológico, revelando a presença de uma doença” (BECKER, 2019BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Tradução Maria Luiza X. de A. Borges. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2019. , p. 20-23).
  • 4
    “Desde o século XIX, a sodomia fora descriminalizada em vários países, inclusive no Brasil, mas seu estatuto legal teve pouco impacto sobre os interditos morais das comunidades, que ainda a viam como um atentado contra Deus e o Estado” (TREVISAN, 2018TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. 4. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018., p. 127). Os “pederastas”, “sodomitas”, “uranistas” (como eram conhecidos homens que sentiam desejo por outros homens) eram considerados transgressores morais, criminosos sexuais ou doentes (FRY; MACRAE, 1983FRY, Peter; MACRAE, Edward. O que é homossexualidade?. São Paulo: Brasiliense , 1983.; GREEN, 2000GREEN, James Naylor. Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX. Tradução Cristina Fino e Cássio Arantes Leite. São Paulo: Editora UNESP, 2000.).
  • 5
    “[...] Um bom advogado é um homem que se impõe aos jurados, que está convencido da inocência de seu constituinte e que mostra isso nos mínimos detalhes, inclusive no domínio que tem do processo, não deixando passar nenhuma referência sem contra-argumentar” (CORRÊA, 1983CORRÊA, Mariza. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro: Graal, 1983., p. 53).
  • 6
    Este excerto demonstra como fazer parte de uma família com profissões aceitas como prósperas vinculam a honra familiar e o poder aquisitivo. Esse dado se vincula com uma análise que elaboro adiante, quando demonstro a importância de prover recursos financeiros para que um homem exerça sua paternidade.
  • 7
    Cabe também destacar o forte componente racista na realidade brasileira pós-abolição, quando foram negadas reparações e mesmo a integração ao trabalho assalariado à população negra, gerando medo e hostilidade contra os “capoeiras” (FAUSTO, 1984FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo 1880-1924. São Paulo: Brasiliense, 1984.; SCHWARCZ, 1993SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930 . São Paulo: Companhia das Letras, 1993.; CHALHOUB, 2012CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano de trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.).
  • 8
    O capital simbólico pode ser referido como os recursos disponíveis para um indivíduo com base na honra, prestígio ou reconhecimento, e serve como valor que se possui dentro de uma cultura. (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: DIFEL, 1989.).
  • 9
    Como vimos anteriormente, mesmo que o depoimento de Constantino não correspondesse aos fatos, ele teceria uma narrativa plausível, oferecendo argumentos que correspondessem aos valores de sua comunidade.

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2018
  • Aceito
    30 Jun 2019
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