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O passado na berlinda: a viragem da memória do maio de 1968

The past in the firing line: the turn in the memory of may 1968

RESUMO:

O artigo discute a relação entre o passado e o presente quanto às transformações culturais e políticas dos anos 1960, em especial do Maio de 1968, analisando o reaparecimento da discussão na Europa em seus 40 anos seguintes. Identifica-se que naquela comemoração de 40 anos houve a presença de um discurso de viragem em relação às comemorações passadas, identificando o afastamento e a recusa política do passado. Partindo da análise das lacunas de memória que podem ser identificadas no movimento estudantil, analisamos as relações sociais que permitiram essa demarcação temporal e sua inserção na memória do tempo presente, além de analisar alguns aspectos do esquecimento que se apresentam na origem dessa recusa. O artigo conclui por apresentar elementos sobre a consubstanciação do olhar de questionamento e desconfiança sobre 1968, o que abriu uma disputa pelo legado político e memorial daqueles movimentos, no contexto dos protestos globais do início da década de 2010.

Palavras-chave:
maio de 1968; sixties; contracultura; memória; história do tempo presente

ABSTRACT:

This article discusses the past and present relations regarding the cultural and political transformations of memory of May 1968, signaling the reappearance of this debate in Europe during the next 40 years. We identify a discursive turning point concerning the past commemorations in that forty-year celebration, identifying the distancing and political refusal of the past. Starting from the analysis of the memory gaps of the student movement, we analyze the social relations that allowed this temporal demarcation and its insertion in the present's memory, besides analyzing that some aspects of forgetfulness are at the origin of this refusal. The article concludes by presenting substantiation elements of these issues, looking at the questioning and distrust about 1968, which opened a dispute for those movements' political and memorial legacy in the context of the global protests of the early 2010s.

Keywords:
May 68; sixties; counterculture; memory; history of the present time

O presente artigo procurará resgatar alguns elementos que indicam a construção de um discurso de recusa política, por parte de forças conservadoras e de ex-participantes, do legado dos movimentos dos anos 1960, em especial do Maio de 1968.1 1 O artigo apresenta resultados da pesquisa “Memória e Política nas Comemorações dos 50 anos de 1968”, realizada no âmbito do pós-doutorado, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (FCLAR - Unesp). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001. Para tanto, embora o “ano dos estudantes” já tenha completado 50 anos recentemente, argumentamos que foi justamente nas “comemorações” de seus 40 anos que foram sentidas mudanças significativas nos discursos dos próprios ex-participantes e da visão historiográfica sobre a memória (ALMADA, 2021ALMADA, Pablo. Repensando as interpretações e memórias de 1968. Tempo Social, v. 33, n. 1, p. 225-243, 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2021.168872
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, p. 233). Desse modo, para o aprofundamento dessa questão se faz necessário apontar algumas hipóteses: estariam esses discursos, realizados há cerca de uma década, entoando indícios de uma crise quanto à aceitação das heranças daquele passado em vias dos enquadramentos dos sujeitos à política do tempo presente? Ou, por outro lado, essa crise refletiria, de fato, os problemas relativos ao passado e o fracasso de suas utopias?2 2 Referimo-nos ao aniversário de 40 anos de 1968, pois ele é fundamental para compreender aspectos de viragem na memória de 1968. Em nossa pesquisa, observamos que o impacto dos ataques memorialísticos sofridos naquele "aniversário" são fundamentais para a recolocação das incertezas sobre o tempo presente e para a abertura de disputas dos significados das memórias de 1968 (ALMADA, 2021), justamente por mobilizar alguns de seus protagonistas para o debate público, embora com a concomitante presença de ataques por parte de grupos conservadores, liberais e da extrema-direita.

De modo a lançar uma luz sobre essa problemática, uma análise sobre a retomada do Maio de 1968 no debate público das últimas décadas não diz respeito exclusivamente ao passado, mas deverá estar apta a considerar os “usos” do passado no tempo presente e suas disputas de poder, a História do Tempo Presente e a demarcação das experiências dos atores (LE GOFF, 1990LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.; SANDOICA, 2004SANDOICA, Elena Hernández. Tendencias Historiográficas Actuales: Escribir Historia Hoy. Madrid: Ediciones Akal, 2004.; RICOEUR, 2007RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora Unicamp, 2007.). Dito de modo breve, essas dimensões, ainda que plurais, propõem um aprofundamento quanto às representações da memória individual e coletiva, pois desse modo são formadas e concebidas as identidades e os discursos políticos, identificando os interesses dos atores em jogo e as formas como diversos grupos sociais passam a apropriá-los ou recusá-los. O campo da memória coletiva é, portanto, aquele que é definido não pelas preferências individuais dos historiadores e especialistas, mas sim pela (auto)construção dos grupos sociais (HALBWACHS, 2003HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro Editora, 2003. ), deparando-se com mitificações, reconstruções historiográficas, formações de um campo imagético e ideológico, bem como seus silenciamentos e esquecimentos.

Dito isso, partimos para descrever os termos da recusa de 1968 que foram suscitados no “aniversário” de 40 anos de 1968, remetendo-se às suas especificidades políticas e conjunturais e as reações dos defensores de 1968. Entendemos que a tentativa de defesa dos soixante-huitards é autocentrada no contexto europeu e profundamente pessimista e desiludida. No entanto, ela também propicia, para vias de nossa pesquisa, a retomada das lacunas da memória e a reconexão dos acontecimentos globais que, embora tenham sido tratados exaustivamente pela historiografia por meio das visões “culturais” e “contraculturais”, acabam por se afastar das simbioses entre o cultural, o político e o econômico que era vivido nos anos 1960. Desse modo, é possível indagar se, quando o Maio de 1968 foi contestado pelas forças políticas de direita, a reação de solapamento dos acontecimentos do passado poderia refletir muito mais as desilusões pessoais do que o aprendizado com o passado e sua relação com as lutas e resistências do tempo presente.

A recusa

De início, é significativo retomar a polêmica ocorrida exatamente na comemoração de 40 anos dos acontecimentos de Maio de 68 e que revitalizou a perspectiva de se pensar um paralelo entre o passado e o presente, ainda que mantidas suas devidas proporções. No debate das eleições presidenciais francesas, Nicolas Sarkozy, líder de centro-direita da Union pour un Mouvement Populaire (UMP), quando disputava com a candidata socialista Ségolène Royal, evocou, em seu comício em Bercy de 29 de abril de 2007, que o “Maio de 68 nos imp[ôs] o relativismo intelectual e moral [pois] os herdeiros de Maio de 68 haviam impingido a ideia de que tudo se equivalia, de que não existia diferença entre o bem e o mal”, logo “haviam proclamado que tudo era permitido, que a autoridade estava morta”.

A recusa se assentava sobretudo em fatos políticos que ainda eram recentes: as manifestações de estudantes e trabalhadores em oposição à implementação do contrat première embauche (contrato de primeiro trabalho) ocorridas em 2006. Tratava-se de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, destinado aos jovens até 26 anos e que permitia os empregadores rescindirem os contratos nos dois primeiros anos, sem especificar o motivo, não havendo previsão de direito ao subsídio de emprego (MICHON, 2011MICHON, Sébastien. La lutte dans la lutte. L’espace de la mobilisation étudiante contre le contrat première embauche (CPE). Sociétés Contemporaines, n. 83, p. 83-106, 2011. DOI: https://doi.org/10.3917/soco.083.0083
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). Essa proposta, aprovada inicialmente, foi suspensa logo que as manifestações tomaram dimensões significativas por toda a França, surtindo, entre outros efeitos, um impacto nas campanhas eleitorais quanto aos debates sobre economias e políticas de geração de emprego. No entanto, o discurso de Sarkozy acabou sendo apologético de um neoliberalismo individualista, atacando o Maio de 68 como responsável pela implantação de uma característica tácita: o cinismo introduzido na sociedade e na política a partir daqueles tempos. O discurso do então Première francês propunha, em termos explícitos, afastar a herança política de uma geração passada e, em alguma medida, ainda representada na campanha de sua adversária.

Com o recebimento do choque por parte daqueles que haviam participado das lutas daquele ano, André e Raphael Glucksmann responderam, no tom de sua discordância política parcial, à acusação de que Sarkozy não havia entendido a herança de 68, a mesma que moldou a França do tempo presente ao invés de decretar o seu retrocesso político e social (GLUCKSMANN; GLUCKSMANN, 2008GLUCKSMANN, André; GLUCKSMANN, Raphael. Maio de 68 explicado a Nicolas Sarkozy. Rio de Janeiro: Record, 2008. ). Divergências geracionais à parte, pai e filho tentaram reanimar um debate que estaria por acontecer mais cedo ou mais tarde: a avaliação de 68 na política das últimas décadas. Essa avaliação já havia começado anteriormente, quando Paul Berman analisou a trajetória do militante político alemão Joshka Fischer, que agrediu um policial nas ruas de Frankfurt em 1973, e que, nos anos 1990, subiu ao poder. Como Ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-chanceler, na coalizão política entre a Aliança 90/Os Verdes e o Partido Social-Democrata da Alemanha3 3 Bündnis 90/Die Grünen e o Sozialdemokratische Partei Deutschland (SPD) , no governo do Première Gerhard Schröder, enveredou uma nítida mudança de postura ideológica entre o antes e o depois da entrada nesse cenário político (BERMAN, 2007BERMAN, Paul. O Poder e os Idealistas. Lisboa: Aletheia, 2007.). O julgamento ideológico de alguns dos baluartes da geração de 1960 esteve presente na mídia e por diversos não simpatizantes de 1968, ao apontar as contradições da chegada ao poder com o idealismo revolucionário de outrora, cravando uma estaca na memória por meio da herança negativa.

Para além das reestruturações laborais e da crítica à chegada ao poder dos soixante-huitards, a profundidade do campo ideológico e cultural francês anti-68 alcançou uma configuração bastante plural, agregando diversos grupos e pensamentos dispostos a recusar a memória de 1968. De acordo com Serge Audier (2008AUDIER, Serge. La pensée anti-68: Essai sur les origines d'une restauration intellectuelle. Paris: La Découverte, 2008.), o argumento de Sarkozy, portanto, não era novo, e se construía não apenas como um mero ataque à memória de 1968, mas como um complexo imbricamento de matrizes: de direita, de direita tradicionalista e ultradireita, da direita tradicionalista e nacional, e, finalmente, da direita liberal e dos neoconservadores. O espectro da direita, dito de modo geral, é caracterizado pelas preocupações que concernem à 1968 ter despertado a “crise do princípio de autoridade”, evidenciada pelo contexto da internet e da nova economia, fomentando uma atitude reativa e de ódio à 1968, mediante aspirações fomentadas pela superação da dicotomia direita/esquerda de matriz “nacional-republicana” (AUDIER, 2008AUDIER, Serge. La pensée anti-68: Essai sur les origines d'une restauration intellectuelle. Paris: La Découverte, 2008., p. 31).

Para a direita tradicional e para a ultradireita, coadunam-se os argumentos de que, apesar de 1968 desejar uma libertação, havia, do mesmo modo, um culto ao marxismo, e nesse, um flerte com o pensamento totalitário. Entendem que o mundo atual estaria em uma espécie de “deriva democrática resultante da apologia do súdito-rei” (AUDIER, 2008AUDIER, Serge. La pensée anti-68: Essai sur les origines d'une restauration intellectuelle. Paris: La Découverte, 2008., p. 32), a qual conduzir a França à sua decadência, transpassada de hedonismo, liberalismo cultural e cosmopolitismo. Porém, argumentam que se tratou de um movimento incitado pelos próprios ex-dirigentes, por meio de uma postura liberal-libertária que recusaria a política, não almejando a uma tomada de poder, mas a sua recusa. Desse modo, como descreve Audier (2008AUDIER, Serge. La pensée anti-68: Essai sur les origines d'une restauration intellectuelle. Paris: La Découverte, 2008., p. 34), o Maio de 1968 enveredou-se ao ultraliberalismo, do mesmo modo que declara guerra ao povo, abdicando de conduzir a Europa àquelas promessas de outrora. Igualmente, ao argumentarem que 1968, por meio de seu “esquerdismo”, constituiu uma vanguarda capitalista triunfante em direção a um “planeta americanizado”, esses críticos assumem que não haveria diferenças entre o espírito revolucionário e o neoliberalismo, tratando-se apenas uma mera disputa revolucionária nos meandros da burguesia, restando a tarefa, para o tempo presente, de retomada dos elementos nacionais franceses.

O pensamento da direita tradicionalista e nacional, por sua vez, difundiu temas que dizem respeito a um arrependimento colonial, elogio ao nacionalismo e crítica ao multiculturalismo. Seus defensores preconizam o ataque ao pensamento 68 e aos seus líderes, de modo a atribuí-los a culpa pela dissolução de costumes e a subversão de hierarquias que conduziram a França por uma destruição da sociedade, de seus valores tradicionais (família, religião), propalado as novas gerações ao individualismo radical e “desenfreado” (AUDIER, 2008AUDIER, Serge. La pensée anti-68: Essai sur les origines d'une restauration intellectuelle. Paris: La Découverte, 2008., p. 37). Defendem, portanto, que o modo como os jovens atuais se confrontam com a autoridade de seus pais é um malefício que desabona hierarquicamente os predecessores, além de relativizar as certezas e ideias.

Por fim, a direita liberal e neoconservadora acusa os participantes de 1968 de terem cometido crimes de desonra e demonização da França, atraindo a simpatia de católicos, tradicionalistas, nacionalistas e extremistas. Para alguns de seus adeptos, não seria necessária uma hostilidade para com a afinidade norte-americana, pois esse discurso apresenta semelhanças com a retomada da honradez patriótica, propagada por nacionalistas norte-americanos após sua derrota no Vietnã. Como complementa Audier (2008AUDIER, Serge. La pensée anti-68: Essai sur les origines d'une restauration intellectuelle. Paris: La Découverte, 2008.), a simpatia do grupo pelos Estados Unidos passa a ser construída gradativamente pelo ódio à esquerda, à herança de 1968 e ao socialismo. Embora minoritários dos neoconservadores, por seu turno, também rechaçam os filósofos desconstrucionistas e pós-modernos (como Michel Foucault, Jacques Derrida e Jean-François Lyotard, ou ainda Pierre Bourdieu) argumentando não apenas ad hominem, mas na recusa de um relativismo a eles atribuído e que ensejaria o pessimismo cultural.

Não menos importante, ainda se faz necessário observar o surgimento de ideias de cunho negacionista, nos anos 2000, em universidades francesas (ROUSSO, 2006ROUSSO, Henry. The Political and Cultural Roots of Negationism in France. South Central Review, v. 23, n. 1, p. 67-88, 2006. DOI: https://doi.org/10.1353/scr.2006.0014
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). Embora até então houvesse uma espécie de consenso, pelo menos entre estudantes e docentes das universidades públicas francesas, sobre a importância positiva do Maio de 1968 para a cultura e a política do presente, tal herança passou a ser relativizada a partir de posicionamentos de recusa da existência do Holocausto, embasados nas falhas da República de Vichy, na colaboração francesa com o Nazismo e na denúncia de sectarismo dos grupos marxistas. Esse negacionismo aflorou posicionamentos no debate público em torno das visões políticas da extrema direita francesa, se ocupando em defender a introdução de uma “perversão” do discurso público contemporâneo, a defesa do “respeito do pluralismo e igualdade” (ROUSSO, 2006ROUSSO, Henry. The Political and Cultural Roots of Negationism in France. South Central Review, v. 23, n. 1, p. 67-88, 2006. DOI: https://doi.org/10.1353/scr.2006.0014
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, p. 69) de ideias, embora nada seja dito sobre a memória dos sobreviventes ou dos aprendizados históricos sobre tais acontecimentos do passado.

No entanto, a partir de 2008, alguns soixante-huitards vieram a público para afastar o “fantasma” de repetição que “rondava a Europa” e, de certo modo, recusando também os acontecimentos do passado. Daniel Cohn-Bendit procurou atribuir a noção de revolta, e não de revolução, aos anos 1960, enfatizando as transformações sociais durante os quarenta anos, dizendo: “Esqueça 68! É passado. Entretanto, isso não significa que o passado está morto; ao contrário, está enterrado sob 40 toneladas […] e mudou o mundo desde então” (FOUGIER, 2008FOUGIER, Eddy. May’68 in France. The Myth and the Debate 40 Years later. Overseas Information, n. 6, p. 121-125, 2008., p. 125).

Quando questionado sobre uma comparação de 2008 com 1968, também foi bastante enfático:

A sociedade hoje não tem nada a ver com a de 40, 45 anos atrás. Ela é muito mais aberta, mas tem outros problemas (…) em 68, não se conhecia o desemprego, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), a degradação climática, ou a perversidade da globalização. Éramos uma geração que dizia: ‘O mundo nos pertence, somos capazes de governar nossas vidas e o planeta de forma diferente’. (COHN-BENDIT, 2008COHN-BENDIT. Daniel. Maio de 68 foi "conquista da liberdade". Folha de S. Paulo, 30 abr. 2008. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2008/04/396770-para-daniel-cohn-bendit-maio-de-68-foi-conquista-da-liberdade.shtml . Acesso em: 14 maio 2020.
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, n.p.).

Na perspectiva do antigo militante, o mundo na atualidade:

É assustador, é uma sociedade que está ansiosa, uma sociedade em que se tem um outro tipo de sofrimento. O ano de 68 participou da conquista da liberdade, da autonomia. Hoje em dia, nós queremos conquistar segurança. Comparar as duas épocas parece enganoso. (COHN-BENDIT, 2008COHN-BENDIT. Daniel. Maio de 68 foi "conquista da liberdade". Folha de S. Paulo, 30 abr. 2008. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2008/04/396770-para-daniel-cohn-bendit-maio-de-68-foi-conquista-da-liberdade.shtml . Acesso em: 14 maio 2020.
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, n.p.).

Se para Cohn-Bendit a comparação é praticamente impossível e enganosa, da mesma percepção também compartilhou Dubet (2009DUBET, François. Entrevista. Público, 5 jan. 2009, p. 18.), agora em referência aos protestos de jovens e estudantes gregos de 2009. Para o soixant-huitard:

O Maio de 68 foi [levado a cabo por] uma juventude que estava numa situação econômica extremamente favorável […], que [se] beneficiou do sistema de formação educativa e que […] tinha uma crítica cultural que acabou por mudar a sociedade onde estavam. (DUBET, 2009DUBET, François. Entrevista. Público, 5 jan. 2009, p. 18., p. 18).

Na atualidade, portanto, a situação se faria bastante diferente:

Os jovens de hoje não entram na sociedade, ponto. A comparação com o Maio de 68 não é muito fundamentada, porque a situação é inversa. O Maio de 68 representa a crença, o otimismo, a crítica da sociedade. Aqui, encontramos sobretudo o pessimismo, o desemprego e a dificuldade em integrar a sociedade. (DUBET, 2009DUBET, François. Entrevista. Público, 5 jan. 2009, p. 18., p. 18).

A eloquência dos dois ex-estudantes toca a necessidade de afastar o presente do passado, em referência aos limites estruturais da sociedade do passado e às novas disposições globais do presente. Para além de um possível trauma pessoal de militantes que no passado foram vistos como utópicos e destoantes da ordem vigente, seria importante questionar quais os fatores que levaram a um afastamento do passado e de assimilação de uma - tão próxima a Sarkozy - postura “presentista”.

Novamente, Cohn-Bendit e Peres (2010COHN-BENDIT. Daniel; PERES, Marcos Flamínio. “Eu sou um mito”, afirma Cohn-Bendit. Folha de S. Paulo, 25 ago. 2010. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2508201016.htm . Acesso em: 14 maio 2020.
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) apontou outra possibilidade para o afastamento:

Em 68, [eu] queria a transformação da sociedade por processo revolucionário, mas isso só é possível dentro das instituições democráticas (…) [o Maio] foi uma resposta à sociedade dos anos 60 e hoje enfrentamos outros problemas. Não é culpa do Maio de 68 se os jovens são indisciplinados ou se há distúrbios nas periferias das grandes cidades. Maio de 68 se tornou hoje um mito e todo mundo tenta instrumentalizá-lo. (COHN-BENDIT; PERES, 2010COHN-BENDIT. Daniel; PERES, Marcos Flamínio. “Eu sou um mito”, afirma Cohn-Bendit. Folha de S. Paulo, 25 ago. 2010. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2508201016.htm . Acesso em: 14 maio 2020.
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, n.p.).

Quanto ao balanço dos antigos protagonistas, a separação entre uma sociedade fechada e uma sociedade aberta repleta de novos problemas, entre o otimismo e o pessimismo, entre a militância e a institucionalidade política, oscila entre o afastamento e a retomada da memória. Devido à grande ressonância, é possível aceitar que os anos 1960 e de 1968 foram enterrados por completo na história, ou, por outro lado, indagar quais seriam os motivos da persistência desse fantasma. Quais teriam sido os fatores que resultaram no profundo pessimismo no balanço do passado?

Na crise política e econômica global, iniciada em 2008, haveria particularidades bastante demarcadas nos países do Sul da Europa:

O problema que se coloca atualmente nos países do Sul da Europa - Grécia, França, Itália, Espanha, Portugal […] é que os jovens têm taxas de desemprego muito elevadas, bem mais elevadas do que noutros países, porque o sistema universitário produz mais diplomados do que os empregos que existem […]. Creio que entramos num ciclo em que as revoltas dos jovens vão crescer […]. Países do Sul da Europa têm problemas comparáveis: taxas de desemprego de 25 ou 30 por cento, um grande número de estudantes com excesso de qualificações para os empregos que ocupam, o sentimento de que são maltratados em comparação com os outros [grupos sociais] […]. Existem todas as condições objetivas para uma revolta dos jovens […]. As condições são quase sempre as mesmas: é quase sempre a violência policial que desencadeia este gênero de violência. (DUBET, 2008DUBET, François. Entrevista. Público, 5 jan. 2009, p. 18., p. 18).

Essas questões, que enunciam a crise econômica da Zona Euro após os anos 2010, apontam para condições econômicas e de trabalho precárias, qualificação universitária sem conversão em empregabilidade, desemprego crescente para as classes trabalhadoras e a tendência de não resolução de problemas políticos ou o uso da força policial na contenção dos movimentos sociais compõe novos problemas conjunturais e estruturais que se revelavam a partir dos 40 anos de 1968 e que, de certo modo, podem ser compreendidos como referentes à viragem da memória pela qual os ocorridos de 1968 passam a estar mais suscetíveis.

Uma década após as falas de Sarkozy, Tariq Ali (2018ALI, Tariq. 1968, o ano que mudou o mundo. Blog da Boitempo, 23 mai. 2018. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2018/05/23/1968-o-ano-que-mudou-o-mundo/ . Acesso em: 14 maio 2020.
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) revogou aquelas pretensões de recusa, ao afirmar que:

Então, nós somos responsáveis pela crise do subprime, pelos políticos corruptos, pela desregulamentação, pela ditadura do “livre mercado”, pela cultura infestada por um oportunismo descarado, pela Enron, pela Conrad Black, entre outras coisas. Não venha com essa, Nicolas. […] Os sonhos e as esperanças de 1968 foram todas as fantasias estéreis? Ou a história cruel abortou algo novo que estava prestes a nascer? (ALI, 2018ALI, Tariq. 1968, o ano que mudou o mundo. Blog da Boitempo, 23 mai. 2018. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2018/05/23/1968-o-ano-que-mudou-o-mundo/ . Acesso em: 14 maio 2020.
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, n.p.).

Porém, se 10 anos depois há muito mais permissividade em se estabelecer que as crises políticas recentes podem ter algum laço com a moralidade de 1968, as crises econômicas podem sair incólumes desse questionamento. Na “comemoração” dos 40 anos do Maio de 68, o contraponto das revoltas juvenis que eclodiram a partir de 2008 no Sul da Europa, como as da Grécia, seguidas mais tarde por outras revoltas em Espanha e Portugal, ou pela Primavera Árabe e pelos conflitos das “Jornadas de Junho” no Brasil, entre outros aspectos, dificilmente podem ser considerados relativos apenas ao presente. E, portanto, retomam a necessidade historiográfica de reconstrução dos aspectos das continuidades e rupturas com o passado.

O movimento estudantil e as lacunas da memória

De modo a problematizar a memória dos acontecimentos de 1968, é preciso compreender que as ações coletivas dos movimentos estudantis não são uma especificidade de 1968, havendo uma presença ao longo da história. A formação desses movimentos pode ser compreendida, lato sensu, por uma organização de jovens - universitários ou secundaristas - que, interessados em participar mais ativamente do ambiente estudantil ou da sociedade em que se encontravam, se organizavam em grupos com objetivos políticos-culturais, sejam eles internos ao ambiente da universidade, ou externos e referenciados no contexto político nacional ou internacional. Essa não é uma definição estritamente precisa ou que procura encerrar qualquer debate sobre o que é ou não o movimento estudantil, mas justamente se coloca como seu contrário: um ponto de partida para se compreender não o movimento em uma definição estritamente sociológica, mas as suas capacidades de articulação e mobilização política e social. A observação da trajetória de resistência do movimento estudantil na contemporaneidade e nas sociedades ocidentais não pode escapar de um questionamento razoável: considerando que a vida estudantil é transitória, é possível pensar em um legado, ou mesmo um “movimento social” que perdura na história?

Esse questionamento se defronta com a ausência de memória do movimento estudantil, referente ao esquecimento em relação aos seus feitos e a separação das memórias individuais e coletivas de seus participantes, resultado dessa transitoriedade da vida estudantil (BOREN, 2001BOREN, Mark Edelman. Student Resistance: A History of Unruly Subject. London: Routledge, 2001. ). Percebe-se, porém, que as trajetórias de resistência estudantil contribuíram para ganhos coletivos, como para a ampliação de disposições democráticas a partir da segunda metade do Século XX.

Em contrapartida, a memória individual dos participantes do movimento e a relação entre ativismo, resistência estudantil e universidade já se reconfigura há séculos, pois

Desde o nascimento da universidade, atos de resistência estudantil e rebelião tiveram impactos profundos nas estruturas políticas e na história de muitos países; hoje, a ação estudantil continua a ter efeitos diretos em instituições educacionais e nas políticas nacional e internacional. (BOREN, 2001BOREN, Mark Edelman. Student Resistance: A History of Unruly Subject. London: Routledge, 2001. , p. 3).

E sua contribuição mais evidente está nas reformas educacionais de âmbito local e nacional, além da influência nas estruturas da política (BOREN, 2001BOREN, Mark Edelman. Student Resistance: A History of Unruly Subject. London: Routledge, 2001. ), além da política em âmbito global.

Seguindo a história de rebelião dos movimentos estudantis, desde o século XI, quando iniciada a criação das primeiras universidades4 4 Em latim, Universitas significa o todo e revela a vocação universalista para a construção do conhecimento. - Bolonha (1088), Paris (1125), Oxford (1167), Salamanca (1218), Coimbra (1290) - delinearam-se vários conflitos e protestos de protagonismo estudantil. No Período Medieval, o conflito entre cidade e universidade causou protestos formais contra a regulação imposta na vida social estudantil. Na Renascença, com o crescimento do poder e da influência clerical nas sociedades europeias, estudantes e intelectuais participavam ativamente de debates teológicos e de movimentos políticos decisivos para a formação dos Estados Nacionais. No período Iluminista, a expansão do ensino básico e das universidades acarretou o início de organizações e corporações próprias de estudantes denominadas de Burschenschaften ou Studentenverbindungen, iniciadas em Jena (1815), e influenciou estruturas semelhantes na Polônia e na ação militante de Auguste Blanqui nas Revoluções de 1848 na França, em oposição à Monarquia. Nos Estados Unidos, entre 1765 e 1860, revoltas estudantis também estiveram presentes em várias universidades, como Columbia, Carolina do Norte, Yale, Geórgia, Virgínia, cujos movimentos eram contrários às regras comportamentais impostas aos estudantes e, posteriormente, na organização do movimento anti-escravocrata do Século XIX. Obviamente, essas demonstrações de protesto não se restringiram apenas à Europa ou aos Estados Unidos.

Já no início do Século XX, os estudantes latino-americanos se destacaram pelo Manifesto de Córdoba (1918), ocorrido na Universidade de Córdoba na Argentina, e que estabeleceu uma crítica fundamental ao status quo dominante naquelas universidades, defendendo a Autonomia Universitária e a implementação de um modelo de “universidade pública, laica e democrática”, com maior autonomia de gestão para estudantes e professores, com independência face à Igreja e ao Estado e aberta aos problemas de sua época, o que influenciou outros movimentos estudantis em toda a América Latina. Foi também em Córdoba que se estabeleceu um papel militante dos estudantes nas políticas nacionais, cuja experiência demonstrou que demandas acadêmicas e atividades políticas mais gerais seriam complementares, ainda que competitivas.

Sobre a década de 1960 e no ano de 1968, é imprescindível mencionar os diversos episódios de contestação estudantil ocorridos em inúmeros países. Ao contrário de uma síntese no Maio de 1968 francês, observa-se que ainda há um imenso campo de estudos a ser desvelado, dada a pertinência quantitativa da ocorrência de episódios nas mais variadas regiões globais, ainda que se configure maciçamente como um movimento europeu ou, no máximo, ocidental.5 5 Ver Anexo 1.

As diferentes características dessas revoltas permitiram que elas tivessem uma relevância para o desenvolvimento das ações coletivas em seus respectivos países (COCKBURN; BLACKBURN, 1969COCKBURN, Alexander; BLACKBURN, Robin. Student Power: Problems, Diagnosis, Action. London: Penguin Books, 1969.). Da mesma forma, percebe-se, por meio de estudos comparados, a presença de perspectivas analíticas que ultrapassam o próprio âmbito local e nacional, bem como ampliam os agentes de protesto para além dos movimentos estudantis (LIPSET, 1972LIPSET, Seymour Martin. Rebellion in the University: A History of Student Activism in America. London: Routledge & Kegan Paul, 1972.; KATSIAFICAS, 1987KATSIAFICAS, George. The Imagination of the New Left: A Global Analysis of 1968. Cambridge: South End Press, 1987.; DE GROOT, 1998DE GROOT, Gerard. Student Protest: The Sixties and after. London: Routledge , 1998.; BOREN, 2001BOREN, Mark Edelman. Student Resistance: A History of Unruly Subject. London: Routledge, 2001. ). As contribuições desses movimentos forneceram instrumentos para a análise do desenvolvimento do radicalismo e das utopias, além de imagens e representações globais; revisões ou novas perspectivas teóricas; novas probabilidades de análise para as ações coletivas, para as disposições políticas e explosões sociais, culturais e de forte crítica aos princípios democráticos e econômicos vigentes. Essa extensa ocorrência coloca sob suspeição que tais protestos perderam, ao longo do tempo, sua importância e relevância histórica.

Os anos 1960: a década memorável

A bibliografia e as formas de abordagem sobre os anos 1960 são tão extensas que seria necessário um desmedido esforço analítico para se catalogar e analisar todas elas. Nesse excerto, será abordada apenas uma minúscula parte desses estudos, procurando apontar algumas questões analíticas fundamentais, que vislumbram as continuidades e rupturas dos processos políticos e dos manifestos iniciados naquela época, de modo a lançar uma luz sobre o tempo presente.

Uma das primeiras noções teóricas que chamam a atenção para uma abordagem historiográfica é a necessidade de criar uma temporalização e uma espacialização. A denominação “anos 1960” é bastante vaga e pode incluir facilmente uma mistura de referências econômicas, políticas, sociais e culturais. Entretanto, é com base nessas contraposições e descontinuidades que se procura dar uma forma de coesão analítica aos míticos “anos 1960”. Essa coesão é um objeto de disputa por parte da teoria social e da historiografia, colocando o dilema de sua naturalização ou de sua recusa. Da mesma forma, a percepção espacial também se inter-relaciona, operando rupturas em concepções geopolíticas ou mesmo criando ficções de lugares ideais, nos quais a história é feita com maior intensidade e consciência.

É preciso considerar que mudanças significativas sobre os conceitos explicativos dos anos 1960 são um elemento importante nessa seara. Os estudos surgidos logo após os acontecimentos formularam conceitos acerca de uma permissividade dos jovens, ou seja, uma associação entre “afluência, permissividade e protesto”, dos quais “jovens de classe média começaram a ridicularizar os símbolos de seu privilégio de classe e a rejeitar algumas das marcas do benefício social concedido a eles” (STEPHENS, 1998STEPHENS, Julie. Anti-disciplinary Protest: Sixties radicalism and postmodernism. Cambridge: Cambridge University Press, 1998., p. 14). As abordagens teóricas que se seguiram nos anos 1970 tiveram enfoque na observação participante, por meio de estudos de relatos de viagens e com bibliografias pessoais:

Em contraste às interpretações de protesto jovem onde os jovens operam como categoria sociológica - um problema social que é uma parte preocupante dos dias de hoje - esses estudos aproximavam a contracultura como um exótico e estranho outro. (STEPHENS, 1998STEPHENS, Julie. Anti-disciplinary Protest: Sixties radicalism and postmodernism. Cambridge: Cambridge University Press, 1998., p. 16-17).

Nos anos 1980, novos trabalhos vieram com o objetivo de resgatar os ocorridos para estabelecerem uma compreensão da “inquietude” e da “dissidência” que se passava naquele momento, por meio de “antologias, ficções, representações fotográficas, exibições das lembranças sixties”, entre outros, marcando, por assim dizer, a “morte da narrativa dos sixties”. Desses estudos, se assinalam três características dos sixties: a) imagem-espelho dos anos 1980; b) sentimento de perplexidade sobre a rapidez com que desapareceram as promessas da década anterior; e c) preocupação quanto à narrativa de eventos e experiências, desde a New Left aos ativistas da contracultura, que, na década de 1980, refletiram sobre a morte do radicalismo dos sixties.

A periodização serviu como uma das primeiras impressões acerca da compreensão espaço-temporal. Nos anos 1980, Fredric Jameson (1992JAMESON, Fredric. Periodizando os Anos 60. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque. Pós-modernismo e Política. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. p. 81-126. ) foi um dos primeiros a operacionalizar a periodização. Em seu entendimento, uma abordagem significativa dos anos 1960 deveria considerar “a história da filosofia, a teoria e a prática [como] políticas revolucionárias, a produção cultural e os ciclos econômicos (e isso num contexto limitado basicamente aos Estados Unidos, à França e ao Terceiro Mundo)”, atribuindo o mesmo peso à base e à superestrutura, num esquema de “homologias” e de “paralelismo lógico”, não permitindo simplesmente abandonar a historiografia, mas “elaborar o conceito de história” (JAMESON, 1992JAMESON, Fredric. Periodizando os Anos 60. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque. Pós-modernismo e Política. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. p. 81-126. , p. 82).

A proposta do autor recai em considerar a periodização dos anos 1960, iniciada nos conflitos de descolonização do chamado Terceiro Mundo (colônias francesas e britânicas na África), muito mais do que na emergência de uma contracultura no Primeiro Mundo, ou seja, colocando como homólogas as narrativas classistas do Primeiro Mundo e não classistas do Terceiro Mundo. Com base nessas transformações emergentes, se considera a presença de influências político-culturais surgidas entre 1954 (início da articulação desses movimentos e da incorporação discursiva da descolonização pelo Primeiro Mundo) e 1957 (Independência de Gana) presentes nos movimentos negros e pelos direitos civis nos Estados Unidos, bem como na emergência de “novos sujeitos na história”, aqueles que anteriormente eram considerados como “nativos”. O final dessa periodização recai entre 1972 e 1974, tendo como referência a crise econômica mundial suscitada pelo choque do petróleo de 1973, que “põe um ponto-final à expansão econômica e à prosperidade características do pós-guerra em geral e dos anos 60 em particular” (JAMESON, 1992JAMESON, Fredric. Periodizando os Anos 60. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque. Pós-modernismo e Política. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. p. 81-126. , p. 121).

A noção apresentada por Jameson teria um ponto de partida político-cultural e um ponto de chegada econômico, o que reforça a ideia de uma assimetria entre a base e a superestrutura. Contrariamente a essa percepção, Jameson argumenta que a explicitação da problemática econômica quanto ao fim dos anos 1960 deveria ser mantida, já que

O capitalismo tardio em geral (e o dos anos 1960 em particular) constitui um processo em que as últimas zonas remanescentes (internas e externas) de pré-capitalismo - os últimos vestígios de natureza que sobreviveram ao capitalismo clássico são finalmente eliminados: a saber, o Terceiro Mundo e o inconsciente”; considerando, finalmente, que “os anos 60 terão sido então o momentoso período de transformação em que essa reestruturação sistêmica se fez em escala global. (JAMESON, 1992JAMESON, Fredric. Periodizando os Anos 60. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque. Pós-modernismo e Política. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. p. 81-126. , p. 124).

Apesar da imbricação entre cultura, política e economia, Jameson abre um controverso caminho a ser explorado, ao atribuir parcialmente uma independência da cultura sobre as outras superestruturas sociais.

Os pontos de partida e de chegada descritos por Jameson não são de forma alguma consensuais para aqueles que se depararam com a mesma questão. O historiador inglês Arthur Marwick (1998MARWICK, Arthur. The Sixties: Cultural Revolution in Britain, France, Italy, and the United States (1958 - 1974). Oxford: Oxford University Press, 1998.) argumenta, em razão de uma perspectiva historiográfica social e cultural, uma imbricação entre a ênfase cultural e o recorte da temporalidade dos sixties. Nesse sentido, os sixties são apresentados a partir de uma explicação fatorial, sendo eles: fatores estruturais (geográficos, demográficos, econômicos, tecnológicos e geracionais, como o Baby Boom); ideológicos (emergência do feminismo, crise e renovação do marxismo/estruturalismo, fundação de departamentos de sociologia nas universidades europeias); políticos (sistema de governação, justiça, policiamento, voto, educação, organização religiosa, organização da classe trabalhadora, família); eventos históricos (Guerra do Vietnã, a crise econômica convergindo na crise do petróleo de 1973); fatores humanos (que estiveram presentes num momento em que políticos, presidentes e primeiros-ministros exercem grande influência sobre a população, fator que também impulsionou o direcionamento dos protestos públicos, da cultura popular e das artes a considerarem esses indivíduos); e, finalmente, convergências e continuidades culturais (a expansão da cultura norte-americana, a expressão econômica da Europa, as novas ideologias de direitos civis, os desafios à família e às autoridades estabelecidas, o Free Speech, as inovações tecnológicas e o nascimento do rock’n roll) (MARWICK, 1998MARWICK, Arthur. The Sixties: Cultural Revolution in Britain, France, Italy, and the United States (1958 - 1974). Oxford: Oxford University Press, 1998.).

Demarcando o início entre 1958 e 1959 com o crescimento de poder dos jovens e com seus comportamentos particulares, bem como por mudanças nas relações familiares e novos padrões de comportamento sexual, esse ponto de partida demonstra que a “expansão econômica começou nos anos 50, mas os benefícios sociais vieram nos anos 1960” (MARWICK, 1998MARWICK, Arthur. The Sixties: Cultural Revolution in Britain, France, Italy, and the United States (1958 - 1974). Oxford: Oxford University Press, 1998., p. 8). A identificação que os long sixties terminaram entre 1973 e 1974 por conta do início da crise do petróleo em 1973, permite que se considere que somente a partir de 1974 os efeitos da crise começaram a ser sentidos, embora coadunados com as expectativas positivas causadas pela retirada das tropas americanas de Saigon, fato que sinalizava a vitória ao movimento antiguerra. A ênfase em uma revolução cultural se daria por conta de um conjunto de fatores improváveis de serem determinados por uma causa específica, mas que indicam que a “contracultura” e suas mudanças comportamentais eram os aspectos revolucionários mais evidentes nesse arcabouço.

A consolidação desse mote analítico oferece uma considerável perspectiva de período histórico, que pode ser identificada nos contextos dos chamados Primeiro Mundo e do Terceiro Mundo. Ao enfatizar as transformações sociais e culturais apenas pelo viés da contracultura, no entanto, se desconsidera a intensa politização no interior das universidades e os diversos embates ideológicos das esquerdas, sobretudo no que diz respeito ao seu alinhamento ou à recusa das posições do socialismo soviético e as experiências revolucionárias e anticoloniais que estavam ocorrendo em África, Ásia e América Latina desde o final da década anterior. Por isso, é importante compreender as especificidades do movimento político ao invés de impor uma generalidade cultural que pode representar uma visão política eurocêntrica e bastante imprecisa.

Nos Estados Unidos, local no qual houve maior destaque da contracultura e de sua relação com o movimento estudantil, é notada uma separação dos ativistas políticos e dos participantes da contracultura. Nota-se uma separação entre estudantes politizados, em sua maioria de esquerda, e os beats, que eram marginais no meio estudantil, mas que cresciam nas universidades sem, no entanto, delas participarem ou de suas ações políticas, o que não implica que houvesse um trânsito entre eles, justamente porque os segundos eram orientados pela negação da política e não estavam empenhados em desafiar as regras da sociedade e dos detentores de poder (HARMAN, 1998HARMAN, Chris. The Fire Last Time: 1968 and after. London: Bookmarks, 1998. ). Desse modo, no contexto norte-americano era perceptível que o movimento estudantil “não era parte de qualquer tipo de contracultura (…)”, já que aqueles “sentiam que a necessidade básica era uma mudança nas relações de poder da sociedade e reforma social” (ALTBACH; PETERSON, 1971ALTBACH, Philip; PETERSON, Patti. Before Berkeley: Historical Perspectives on American Students. The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science, v. 395, n. 1, p. 1-14, 1971. DOI: https://doi.org/10.1177/000271627139500102
https://doi.org/10.1177/0002716271395001...
, p. 13).

Ao se contrastar essas posições, podem ser feitas algumas considerações acerca da proposta de periodização e da importância da contracultura. Enquanto Jameson procura se afastar de um ponto de partida eurocêntrico, Marwick argumenta em seu favor, tomando como ponto de partida a contracultura do Primeiro Mundo. No entanto, o próprio argumento cultural sai de sua órbita, na medida em que ambos observam a crise econômica como fim dos anos 1960 e dos sixties, sugerindo que as efervescências culturais não seriam mais possíveis após isso.

Por outro lado, é necessário também que a própria noção de periodização histórica estabelecida pelos autores seja mais bem enquadrada. Nesse sentido, ao se considerar a delimitação temporal para traçar as especificidades dos anos 1960, também se deve ponderar que essa “barreira temporal exclusiva é relativamente estéril (…) [As periodizações] tendem a ligar os marcos iniciais ou finais do período a acontecimentos simbólicos cuja exemplaridade nem sempre é consensual ou extrapolável para diferentes contextos geográficos” (CARDINA, 2011CARDINA, Miguel. Margem de Certa Maneira: O maoismo em Portugal (1964-1974). Lisboa: Tinta da China, 2011., p. 27). Se o ponto de vista da periodização pode cair no artifício da limitação tempo-espacial de certos acontecimentos, é evidente que essa metodologia pouco se atenta para as complexidades das transformações históricas que se sucederam aos anos 1960, observando rupturas e continuidades daqueles acontecimentos.

Além da problemática da periodização, é notável que o argumento explicativo da década de 1960, com base na teoria dos sixties, sobrevaloriza a dimensão cultural e simbólica dos movimentos, em detrimento de aspectos políticos fundamentais, como a forte ideologização dos movimentos, dadas as disputas políticas das esquerdas, pelo menos no interior dos movimentos estudantis de vários países - questões que não serão aqui abordadas6 6 Em outros momentos (ALMADA, 2016a; 2016b; 2020; VALLE; ALMADA, 2019) exploramos as relações entre os movimentos operários e os movimentos estudantis na França, Alemanha, Portugal, Brasil e Estados Unidos, de modo a compreender a conjuntura e as dificuldades para a realização dessas aproximações políticas, bem como as abordagens do chamado paradigma "revolucionário" (WIEVIORKA, 2018), o qual incide sobre os escritos elaborados "no calor dos acontecimentos" e que abrem caminho para muitas das interpretações acadêmicas próximas ou derivadas do marxismo e da Teoria Crítica. . Contudo, ao se debruçar sobre as teorias que demarcaram os sixties é de fundamental atenção os aspectos da linguagem de protesto anti-disciplinar (STEPHENS, 1998STEPHENS, Julie. Anti-disciplinary Protest: Sixties radicalism and postmodernism. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.), enfatizando o simbólico e a estética - assim como Herbert Marcuse já havia iniciado outrora. Desse modo, é possível afirmar que nos movimentos sixties “a linguagem de uma política anti-disciplinar (…) se orgulhava de não ter objetivos, nenhuma ideologia, nenhum partido e nenhuma lista de reivindicações” (STEPHENS, 1998STEPHENS, Julie. Anti-disciplinary Protest: Sixties radicalism and postmodernism. Cambridge: Cambridge University Press, 1998., p. 23).

Essa descrição apresenta uma situação específica do contexto norte-americano e que também se coloca fora do espaço de politização das universidades, não podendo ser generalizada e apropriada em contextos em que os movimentos pacifistas foram inexistentes ou em que ocorreu um embate mais violento dos estudantes com as forças policiais, como na França, México e Brasil. No entanto, é de se considerar que a contextualização do problema dessa forma permite lançar uma diferente perspectiva sobre a relação entre os sixties e o que resultou de seu protesto político, por meio de uma conexão alternativa entre a política contemporânea e o passado, em torno da negação dos símbolos disciplinares.

Essa mediação entre a política e a estética enfatiza o pragmatismo e o realismo com o objetivo de compreender as mudanças políticas e a inauguração de uma pós-modernidade. Essa compreensão contrasta com as posições acerca da “morte dos sixties”, elaboradas nos anos 1980. No entanto, ao alertar para as raízes da pós-modernidade, Stephens (1998STEPHENS, Julie. Anti-disciplinary Protest: Sixties radicalism and postmodernism. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.) recai no enfoque sobre a contracultura, permitindo sua generalização e o deslocamento da problemática de uma crise econômica para uma crise estética, marcada pela negação do marxismo, o fim das metanarrativas e as impossibilidades de rupturas revolucionárias. No tocante a essas considerações, se observa criticamente a naturalização de uma estratégia política mais ampla, como uma insuficiência do próprio movimento ou dando ênfase a uma perspectiva simbólica sobre a realidade dos acontecimentos e, por consequência, negando a dimensão material.

O contraste da memória excessivamente cultural com as fissuras sociais, políticas e econômicas acaba por compreender os eventos sixties como uma época de efervescência culturalmente positiva e sob a égide do desenvolvimento econômico e de sua resistência, o protesto anti-disciplinar. O que está sendo colocado em jogo é a ênfase de que a resistência se apresentou apenas como uma resistência pela contracultura, enfatizando a resistência à aceitação de normatizações disciplinares, sobretudo por parte dos hippies, ou seja, um foco de resistência direcionado ao mercado. Em termos marxistas, esse é o mesmo problema que Baudrillard (1996BAUDRILLARD, Jean. A troca simbólica e a morte. Lisboa: Edições 70, 1996.) postula ao Maio de 68, compreendendo a resistência do movimento estudantil francês por meio de uma mudança na ênfase da “produção à pura e simples reprodução”, ou seja, um deslocamento das lutas de classe para o processo de reprodução e de descrença das forças de trabalho em suas atividades, mediante transformações do capitalismo apenas do ponto de vista do fetichismo da mercadoria (BAUDRILLARD, 1996BAUDRILLARD, Jean. A troca simbólica e a morte. Lisboa: Edições 70, 1996., p. 56-57). Nesse tocante, o elemento antidisciplinar poderia conferir a recusa da disciplina imposta a partir do processo produtivo fabril e expandido para toda a sociedade, seguida por uma aceitação do mercado e da reprodução da mercadoria para todos os domínios da vida.

Embora haja opiniões divergentes em torno das perspectivas culturais, há um consenso que perpassa os historiadores da política e da cultura: o de que os anos 1960 foram um período de transe e de crises, criando um passado que permanece, com convicções, mudanças, perplexidades e ensaios de outros caminhos. Isso permite a identificação desse período como um sintoma, esboçando o processo em curso dessas transformações sociais (BEBIANO, 2003BEBIANO, Rui. O Poder da Imaginação: Juventude, Rebeldia e Resistência nos Anos 60. Coimbra: Angelus Novus, 2003. ). A pertinência das transformações do passado no presente pode ser vista com outro entendimento, o de que não se tratou apenas de aprimorar novos símbolos e práticas culturais, mas que também foram articuladas formas de resistência, presentes em práticas que existiram quase que globalmente.

O interesse é saber quais eram os motivos para essa resistência. Certamente não se poderia esquecer que, por trás dessa irônica apropriação simbólico-cultural, haveria um problema ainda mais amplo, a formação de uma resistência global ao capitalismo e o solapamento político das estratégias ensaiadas nesses anos. No entanto, cabe refazer a pergunta: seriam esses fatores culturais singulares os únicos meios que permitissem pensar os sixties sob uma perspectiva mais alargada? Por que tanto fascínio pela contracultura, se ela própria parece ser residual atualmente? O argumento para isso é o de que essas abordagens reduzem as transformações econômico-político-culturais a manifestações meramente culturais, compreendendo aquele momento como um mar de culturas desconexas entre si.

A proposta aqui pretendida é a de reconexão entre o cultural, o político e o econômico, ao invés de uma análise fatorial que cindiu aspectos muitas vezes indissociáveis. Ao contrário de um ponto de partida que considerava as transformações do Terceiro Mundo, como visualizava Fredric Jameson, é visível que os pontos de partida eurocêntricos/culturais são os mais comuns. Um deles, e certamente o mais difundido, é a questão da juventude que Pierre Bourdieu entendeu como uma “palavra” representante das relações de poder e das diferenças de status, procurando dar coesão ao sentido geracional do termo (BOURDIEU; MAUGER, 2001BOURDIEU, Pierre, MAUGER, Gérard. “La jeunesse n’est qu’un mot”. A propos d’un entretien avec Pierre Bourdieu. Agora débats/jeunesses, n. 26, p. 137-142, 2001. ). Por conceber os anos 1960 como um período de intensa prosperidade econômica e cultural, essas abordagens projetam uma imagem de que os ocorridos foram otimistas para a perspectiva dos jovens e do capitalismo, e que depois daquela época nada mais seria possível.

À guisa de conclusão dessas considerações, é possível afirmar que: 1) o enfoque cultural estrito desconsidera que os anos 1960 não foram anos apenas de prosperidade econômica, mas também alertavam para a crise econômica que irá se aprofundar na década posterior; e 2) a periodização irá colocar uma disputa entre o passado e o presente, não permitindo que possa se pensar transformações de quaisquer heranças sixties, já que a própria narrativa retrospectiva tem imputado sua morte.

O prenúncio do esquecimento

A Golden Age representou um intenso crescimento econômico dos países avançados, algo jamais vivido anteriormente e que por consequência trouxeram, a esses países, crescimento econômico, emprego e aumento do poder de compra (SASSOON, 2010SASSOON, Donald. One Hundred Years of Socialism: The West European Left in the Twentieth Century. London: I.B. Tauris, 2010.). Em meio à aparente prosperidade econômica da Europa e dos Estados Unidos, com baixas taxas de desemprego e de mortalidade, os partidos socialistas conseguiram importantes vitórias no norte europeu ou mesmo fizeram parte de coligações centristas na Europa Ocidental, com programas voltados para as políticas de pleno emprego e para o fortalecimento da democracia institucional. A possibilidade do alinhamento entre capitalismo, socialismo e democracia parecia alterar o quadro político no sentido de pacificar as relações de classe, o que seria feito a partir da aliança entre crescimento e segurança e por meio da dispersão dos conflitos mediante controle salarial por parte do Estado (OFFE, 1986OFFE, Claus. Disorganized Capitalism: contemporary transformations of work and politics. Oxford: Basil Blackwell, 1986.).

A prosperidade econômica e a segurança política possibilitaram também uma ampla diferenciação cultural, marcada especialmente pela precoce entrada dos baby-boomers nas universidades e no mercado de trabalho, um fenômeno inédito (MARWICK, 1998MARWICK, Arthur. The Sixties: Cultural Revolution in Britain, France, Italy, and the United States (1958 - 1974). Oxford: Oxford University Press, 1998.; JUDT, 2005JUDT, Tony. Postwar: A history of Europe since 1945. New York: Penguin Press, 2005.). Novas disposições de estilo e de comportamento (a revolução sexual, libertação feminina e a adoção de símbolos do rock’n roll) permitiram que as visões sobre o mundo fossem ampliadas pela perspectiva geracional: “cada geração vê o mundo como novo”, mas a “geração dos sixties via o mundo como novo e jovem” (JUDT, 2005JUDT, Tony. Postwar: A history of Europe since 1945. New York: Penguin Press, 2005., p. 453).

Contudo, a grande quantidade de mudanças trouxe problemas a longo prazo para a compreensão sobre o que de fato havia mudado, resultando em uma dificuldade de realizar essa síntese. Recentemente, diversos estudos alertaram para o fato de que a dimensão do esquecimento histórico se sobressaiu como síntese dos ocorridos (CARDOSO, 2001CARDOSO, Irene. Para uma crítica do presente. São Paulo: Editora 34, 2001.; ROSS, 2002ROSS, Kristin. May’68 and its afterlives. Chicago/London: University of Chicago Press, 2002.). Tais argumentos servem de contraste entre a aparente prosperidade econômica do passado e as consequências no presente, quando remetidos às lutas sociais.

Ao entender que “a questão do esquecimento e da memória se constitui como problemática central para a interpretação dos acontecimentos de 68”, Irene Cardoso (2001CARDOSO, Irene. Para uma crítica do presente. São Paulo: Editora 34, 2001.) demonstra que tal esquecimento é proveniente de três fontes: “de um passado que não se torna passado”; da “interdição” do passado; e do “esquecimento como método mesmo de sobrevivência social e individual nos tempos de violência” (CARDOSO, 2001CARDOSO, Irene. Para uma crítica do presente. São Paulo: Editora 34, 2001., p. 149). A normalização, nesse sentido, é imputada politicamente de formas diferenciadas: na França, com De Gaulle, com sua vitória nas eleições trazendo perspectivas de recuperação econômica; nos Estados Unidos, por conta dos assassinatos de Martin Luther King Jr., em 4 de abril de 1968, e, poucos meses depois, em 5 de junho de 1968, do Senador Robert F. Kennedy (irmão do ex-Presidente John Kennedy, assassinado em 1963), além da eleição do republicano Richard Nixon, com um apelo eleitoral de restauração da lei e da ordem; no México, por conta da realização das olimpíadas após o massacre estudantil de Tlatelolco; na Tchecoslováquia, pela ocupação das tropas do Pacto de Varsóvia; e no Brasil, por conta da repressão, do AI-5 e do “milagre econômico”. Segundo essa análise, esses acontecimentos propiciaram uma “neutralização moral” de um passado ainda presente, mas refeito ao longo dos anos, como forma de cicatrização dos acontecimentos. Como consequência, fundamentou-se uma letargia ao passado para a diluição da memória coletiva, um processo de “exorcismo” do passado. Essas considerações permitem perceber como as relações político-ideológicas se impuseram sobre os acontecimentos, projetando uma negatividade ao passado, novamente contrastada com a aparente segurança de âmbito político e da prosperidade econômica desejada.

Por outro lado, Ross (2002ROSS, Kristin. May’68 and its afterlives. Chicago/London: University of Chicago Press, 2002.) enfatiza os aspectos da memória, da política e da violência, ao encadear, em suas reflexões, aspectos conjunturais e das ideologias que pairavam, ao menos no contexto francês, o cenário político e cultural. Em primeiro lugar, o excesso de estudos sobre o 68 francês tem servido para favorecer o esquecimento e a incompreensão dos efeitos do passado no presente. O argumento utilizado é de que, mesmo com a conhecida importância histórica, há uma maleabilidade entre os fatos, de modo que as visões dominantes sobre o Maio de 1968 compunham representações diferenciadas dos reais acontecimentos e que, por isso, balizaram a ênfase nos aspectos culturais daquele momento:

No final de 1970, ex-esquerdistas, muitos deles ex-maoistas, tinham avançado uma imagem de Maio como o ponto de origem de uma revolução puramente espiritual ou “cultural” - uma "revolução cultural" ideologicamente muito distante da Revolução Cultural na China que outrora preenchia seus pensamentos. Com base nessa interpretação, Maio agora tinha de ser prolepticamente remodelado no prenúncio da década de 1980 - um presente caracterizado pelo retorno ao “individual”, o triunfo das democracias de mercado, e uma atendente lógica ligando democracia necessariamente ao mercado, e a defesa dos direitos humanos. O Maio, em outras palavras, contribuiu para a criação de uma era infinita e eterna em que até mesmo a ideia de descontinuidade e mudança histórica foi evacuada, com a única exceção da descontinuidade que distingue este atual presente indefinido do individual do passado agora definitivamente arcaico que permitiu a possibilidade de descontinuidade e mudança histórica e nem mesmo sabia das ocorrências de tais mudanças. Completamente desterritorializado, o Maio torna-se uma etapa do capitalismo que nega quaisquer fases históricas seguintes. Ao dar à luz uma pós-modernidade suave e sem fraturas, a geração de 68 tinha, com efeito, se tornado a última geração (ROSS, 2002ROSS, Kristin. May’68 and its afterlives. Chicago/London: University of Chicago Press, 2002.).

A percepção dos anos 1960 como uma revolução cultural é bastante próxima e se utiliza da mesma terminologia que compõe o campo da contracultura, caminhando por uma incipiente relação política individualista descontínua. O contraponto da violência e da interdição subjetiva do passado podem significar, portanto, uma assimilação da ordem do tempo presente, afastando o passado de uma possível incorporação na experiência individual. Com isso, as diversas transformações sociais que haviam sido desejadas se tornam um mero detalhe, de modo que as memórias construídas pelas narrativas retrospectivas inconscientemente tomaram o lugar dos acontecimentos, permitindo essa problemática maleabilidade.

Entretanto, a composição plural e democrática das reivindicações, bem como crítica à totalização do capital, que poderia reconectar a cultura, a política e a economia, se constitui em um ponto de apoio para a compreensão do contexto de emergência de um novo sujeito político. Essa percepção é notável no apelo que Alain Bihr (1998BIHR, Alain. Da Grande Noite à Alternativa: O movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo, 1998.) faz para recordar a pertinência totalizante do capital e de como as transformações estruturais são fundamentais para se compreender não a emergência de um novo sujeito, mas o modo de ser da crise capitalista:

Lembrem-se! Naquele momento, a ordem social desenvolvida pelo modelo ocidental do capitalismo se debatia não só contra a revolta de uma parte do proletariado, constituída sobretudo por jovens e imigrantes, que não estavam mais dispostos a “perder a sua vida para ganhá-la”, mas também contra outros movimentos sociais - ecológicos, antinucleares, regionalistas, urbanos, feministas -, que contestavam o conjunto da organização do modo de vida capitalista. Foi esse conjunto de movimentos que a crise econômica freou e definitivamente rompeu. Jamais será suficientemente denunciado o papel disciplinar dessa crise, com seus coletivos de trabalho e de vida dispersos ao sabor das reestruturações econômicas, com seu fluxo crescente de desempregados, de trabalhadores perdendo a estabilidade, de “novos pobres”, […] tudo para maior benefício de nosso soberano, o capital. (BIHR, 1998BIHR, Alain. Da Grande Noite à Alternativa: O movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo, 1998., p. 10).

Considerando que a revolta contra o modo de vida não estava apenas restrita à França ou aos países capitalistas centrais, há, portanto, um momento de ensaio político que em potência era expansível para outras regiões do mundo. Parte disso se deu em virtude da desmistificação das promessas de crescimento econômico, do pleno emprego, do sistema político democrático e estável, sobretudo conforme os movimentos estudantis e operários franceses ensaiaram uma aproximação.

Ainda assim, na década seguinte foi necessária uma combinação de elementos que afastasse essas críticas (BIHR, 1998BIHR, Alain. Da Grande Noite à Alternativa: O movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo, 1998., p. 44-45). Em primeiro lugar, foi imposto um modelo de negociação coletiva ao movimento operário (partidos, sindicatos, associações), como “modo de solução dos conflitos de classe, tanto à sua base proletária quanto à classe dominante”, criando diferentes “instâncias de comando” (BIHR, 1998BIHR, Alain. Da Grande Noite à Alternativa: O movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo, 1998., p. 44). Em segundo lugar, foram instituídas as organizações operárias e coletivas, diante dos capitalistas individuais e da classe capitalista, que se tornassem “mediações obrigatórias em sua relação com o proletariado”, adquirindo, assim, “legitimidade como mediadoras e reconhecimento de seu papel pelos diversos protagonistas” (BIHR, 1998BIHR, Alain. Da Grande Noite à Alternativa: O movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo, 1998., p. 44). Ao final, houve uma progressiva integração das demandas sociais “aos aparelhos de dominação do capital sobre o proletariado e sobre toda a sociedade, das empresas ao Estado, e que assim se tornassem verdadeiros cogestores do processo global de reprodução do capital” (BIHR, 1998BIHR, Alain. Da Grande Noite à Alternativa: O movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo, 1998., p. 45). Portanto, essa “estratégia de integração” se espalhou por diversos setores sociais para afastar as ideias de rebelião e as ações coletivas de maior impacto, que ainda poderiam ocorrer em um horizonte futuro (BIHR, 1998BIHR, Alain. Da Grande Noite à Alternativa: O movimento operário europeu em crise. São Paulo: Boitempo, 1998., p. 45).

Há um conjunto de intenções políticas que estão por trás dessa questão, e que apontam para a “normalização” como um fator involuntário após a tão conturbada década. A sensação de normalidade se estende ao mesmo período no qual a crise do capitalismo se afunila e começa a ser sentida no cotidiano. A negação de 1968, como aponta Kristin Ross (2002ROSS, Kristin. May’68 and its afterlives. Chicago/London: University of Chicago Press, 2002.), em prol da naturalização das fases seguintes do capitalismo, operada por parte de muitos de seus antigos participantes intelectuais, militantes políticos e/ou sindicais, permitiu com que essa impressão de normalização da vida fosse aceita e reproduzida.

Nesse sentido, Ross (2002ROSS, Kristin. May’68 and its afterlives. Chicago/London: University of Chicago Press, 2002.) vê como problemáticas as noções que enfatizaram o “espírito 68” como momento de inauguração do individualismo contemporâneo e de privatização existencial. A necessidade de adaptações e de construção de consensos (majoritariamente políticos) enfatiza 1968 não como uma ruptura, mas como um momento de realização das promessas da Modernidade e de afirmação do capitalismo tardio - visão bastante presente nos nouveaux philosophes e que acabou por estar repercutida nas falas e nos posicionamentos dos soixante-huitards 40 anos depois. Dito de outra forma, supõe-se que os efeitos desejados pelos enragés se transformaram justamente no contrário do esperado:

Se os atores alcançaram, embora vagamente, na orla de volta para a sua própria narrativa, "a astúcia da História" está lá para varrer o chão debaixo deles. Os resultados de suas ações foram exatamente o oposto do que você queria! […]. Você pensou que estava agindo em conflito contra o capitalismo, mas pela vitória de uma “astúcia da História” anarquista, seus esforços foram um (se não o) passo fundamental na realização da síntese pacífica de todas as relações sociais (econômico, político e cultural), sob a égide do mercado. Se você não tivesse agido em tudo […] a modernização capitalista teria ainda assegurado os resultados […] que vemos ao nosso redor hoje. (ROSS, 2002ROSS, Kristin. May’68 and its afterlives. Chicago/London: University of Chicago Press, 2002., p. 184-185).

O argumento de que uma ação intencional, que visasse uma determinada finalidade, mas que se converteu em outra, é plausível do ponto de vista da ação social, mas pode gerar lacunas quanto às questões interpretativas do tempo presente. Uma delas seria, propriamente, a questão da falha do radicalismo dos sixties (STEPHENS, 1998STEPHENS, Julie. Anti-disciplinary Protest: Sixties radicalism and postmodernism. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.), fato que a revisão memorialística considera unívoca. Porém, ao invés de uma falha intrínseca que somente poderia ser identificada por uma leitura imanente dos sixties e que porventura desabonasse a pluralidade de causas daquele “sintoma”, é possível identificar outro elemento, relativo à privação vivenciada por aqueles indivíduos que se manifestaram politicamente nos anos 1960.

O fim das possibilidades de transformação social almejadas para além do capitalismo, a imposição de uma economia política neoliberal, as dissociações das coletividades e o individualismo exacerbado, bem como a consolidação da sociedade de consumo e da globalização se configuram, por consequência, como argumentos suficientes para um afastamento das expectativas gestadas nos anos 1960. No entanto, o modo como se enunciam os discursos sobre os 40 anos de 1968 na Europa também deslinda a desilusão acumulada pelos participantes ao longo desse período. Esse aspecto subjetivo é notável quando se observa a tentativa de separar, até radicalmente, o passado do presente, ao invés de procurar relacionar suas possíveis continuidades.

Considerações finais

Conforme se aventou ao longo deste artigo, o legado dos anos 1960 e do Maio de 1968 sofreram, em seus 40 anos, um significativo ataque, por forças conservadoras e por seus próprios protagonistas. Essas contraposições renegam ao passado de mobilizações políticas e culturais seus feitos, de modo a proporcionar o esquecimento, mesmo com a pluralidade de fatores que estão nas origens daqueles fenômenos e de suas disposições temporais. Fato é que, por mais que haja diversas formas de se ressaltar esses fenômenos, ou mesmo, de explorar suas combinações dos ganhos e perdas dessas rebeliões e de seus agentes, houve uma tentativa de recusa daqueles acontecimentos, seja por conta da insuficiência imanente de seu “projeto” (caso haja algum tipo de unidade) político, seja por causa dos próprios atores e participantes quererem afastar de sua trajetória biográfica sua participação, logo, sua culpabilização pelas consequências adversas colhidas ao longo do tempo.

O que se pode afirmar é que o contexto social e político da Europa, nos 40 anos de 1968, era bastante propício à percepção de que a crise do neoliberalismo e a derrocada do Estado de Bem-Estar Social poderiam ser enfrentados por forças opositoras de estudantes e trabalhadores, assim como ocorreu na França em 2006 e 2008, na Grécia e na Itália, entre 2008 e 2009. Nos próximos anos, novas configurações de manifestações, dessa vez na Espanha e em Portugal, os chamados Indignados, e novamente na Grécia, atentaram para as fragilidades políticas e democráticas que se seguiram mediante o agravamento da crise da Zona Euro em um cenário de austeridade econômica. Nos Estados Unidos, o estouro da bolha imobiliária e a crise do setor financeiro norte-americano, bem como a nítida predominância do sistema financeiro jogando contra a vida das pessoas resultaram em protestos e na formação do movimento Occupy. O novo ciclo de protestos inaugurado na Tunísia, com a Primavera Árabe em 2010, traria forte suspense aos europeus. Se, num primeiro momento, a derrubada de governos ditatoriais mereceu maior atenção principalmente dos Estados Unidos, se espalhava a possibilidade de construção democrática para países como Tunísia, Argélia, Jordânia, Egito, Iêmen, Líbia e Síria, mas cujo desfecho foi a retomada de guerras civis, instabilidades geopolíticas e golpes militares. Já no Brasil, as Jornadas de Junho de 2013 também permitiram a organização de diversos setores sociais em torno de questões sociais articuladas com a cidadania, a infraestrutura do país e também quanto ao próprio sistema político brasileiro e sua corrupção.

Independentemente dos resultados e rumos dessas manifestações, elas revelaram que, apesar das diferenças estruturais do capitalismo e da política atual para com 1968, as formas de organização, de estudantes e trabalhadores, são, em grande medida, devedores da herança de 1968. Essa continuidade “tácita” permite que as relações atuais entre cultura e política que são impulsionadas por diversos movimentos de protesto possam ser vistas à luz de ganhos do passado ou mesmo, e que por isso, voltam à tona, se afastando e se aproximando do passado.

Referências

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    » http://doi.org/10.22201/fcpys.2448492xe.2018.234.65686
  • 1
    O artigo apresenta resultados da pesquisa “Memória e Política nas Comemorações dos 50 anos de 1968”, realizada no âmbito do pós-doutorado, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (FCLAR - Unesp). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001.
  • 2
    Referimo-nos ao aniversário de 40 anos de 1968, pois ele é fundamental para compreender aspectos de viragem na memória de 1968. Em nossa pesquisa, observamos que o impacto dos ataques memorialísticos sofridos naquele "aniversário" são fundamentais para a recolocação das incertezas sobre o tempo presente e para a abertura de disputas dos significados das memórias de 1968 (ALMADA, 2021ALMADA, Pablo. Repensando as interpretações e memórias de 1968. Tempo Social, v. 33, n. 1, p. 225-243, 2021. DOI: https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2021.168872
    https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.20...
    ), justamente por mobilizar alguns de seus protagonistas para o debate público, embora com a concomitante presença de ataques por parte de grupos conservadores, liberais e da extrema-direita.
  • 3
    Bündnis 90/Die Grünen e o Sozialdemokratische Partei Deutschland (SPD)
  • 4
    Em latim, Universitas significa o todo e revela a vocação universalista para a construção do conhecimento.
  • 5
    Ver Anexo 1.
  • 6
    Em outros momentos (ALMADA, 2016aALMADA, Pablo. Novos movimentos sociais ou a fratura das lutas de classe? Uma crítica a Alain Touraine. Outubro, São Paulo, v. 27, p. 77-103, 2016a.; 2016bALMADA, Pablo. A cultura política de 68: Reflexões sobre a resistência estudantil em Brasil e Portugal. Mediações - Revista de Ciências Sociais, v. 21, n. 2, p. 123-143, 2016b. DOI: http://doi.org/10.5433/2176-6665.2016v21n2p123
    http://doi.org/10.5433/2176-6665.2016v21...
    ; 2020ALMADA, Pablo. 1968 e a teoria social contemporânea, 50 anos depois. Sociologias, v. 22, p. 200-227, 2020. DOI: http://doi.org/10.1590/15174522-95327
    http://doi.org/10.1590/15174522-95327...
    ; VALLE; ALMADA, 2019VALLE, Maria Ribeiro do; ALMADA, Pablo. Herbert Marcuse e os anos 1960: Possibilidades para a transgressão na sociedade capitalista. Revista Dialectus, n. 14, p. 52-69, 2019. DOI: https://doi.org/10.30611/2019n14id41616
    https://doi.org/10.30611/2019n14id41616...
    ) exploramos as relações entre os movimentos operários e os movimentos estudantis na França, Alemanha, Portugal, Brasil e Estados Unidos, de modo a compreender a conjuntura e as dificuldades para a realização dessas aproximações políticas, bem como as abordagens do chamado paradigma "revolucionário" (WIEVIORKA, 2018WIEVIORKA, Michel. Mayo de 1968 y las ciencias humanas y sociales. Revista Mexicana de Ciencias Políticas y Sociales, v. 63, n. 234, p. 53-66, 2018. DOI: http://doi.org/10.22201/fcpys.2448492xe.2018.234.65686
    http://doi.org/10.22201/fcpys.2448492xe....
    ), o qual incide sobre os escritos elaborados "no calor dos acontecimentos" e que abrem caminho para muitas das interpretações acadêmicas próximas ou derivadas do marxismo e da Teoria Crítica.
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento do PNPD/CAPES (Proc. 88887.373370/2019-00).

Anexo 1 -


Protestos Estudantis pelo mundo em 1968

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2020
  • Aceito
    05 Jul 2021
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
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