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Visões sobre a nobreza no Brasil Oitocentista: discursos políticos e historiográficos

Views on the nobility in 19 th century Brazil: Political and historiographical discourses

Resumo

Este artigo analisa o conceito de nobreza na cultura luso-brasileira desde o século XVII até o XIX. A abordagem prioriza a continuidade em detrimento da ideia moderna de transição. A opção por um amplo recorte temporal visa explorar contextos históricos em que distintas linguagens políticas sobre a “nobreza” foram pertinentes. A tese central é que, apesar das semânticas liberal e democráticas disponíveis no Brasil oitocentista, o conceito de nobreza típico do corporativismo ibérico continua a disputar o contexto linguístico da época. Essa investigação se baseia na história do discurso político e usa como fontes jornais, correspondências e obras historiográficas. Particular atenção é aqui concedida ao pensamento do historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, principal defensor da Alta Nobreza hereditária.

Palavras-chave:
nobreza; modernidade; discursos políticos; historiografia; imprensa

Abstract

The paper analyses the concept of aristocracy in Portuguese-Brazilian culture between the 17th and 19th centuries. The approach highlights the persistence of mediaeval semantics in Brazilian discourses and challenges the idea of a “modern transition”. The study focuses on a broad time frame to examine historical contexts in which different political languages about “nobility” were relevant. The central thesis is that despite the liberal and democratic semantics available in the 19th century, the typical concept of aristocracy from Portuguese mediaeval corporatism remained present in Brazilian language use. To show this, the study analyses a wide range of records such as newspapers, letters and historiographical books. Special attention is paid to the historian Francisco Adolfo de Varnhagen, the main advocate of the “hereditary aristocracy” in Brazil.

Keywords:
aristocracy; modernity; political thought; historiography; press

A nobreza pouco chamou atenção da historiografia brasileira no século XX. Após a instituição da República, barões, condes, marqueses, duques e viscondes se tornaram apenas povo. Por que estudar algo morto, ultrapassado, superado? A filosofia da história celebrou a queda da monarquia aristocrática como transição do Antigo Regime para a modernidade. No entanto, estudos recentes constatam que as revoluções não enterraram de vez o ethos nobiliárquico na Europa, tampouco no Brasil (MAYER, 1987MAYER, Arno J. A força da tradição. A persistência do Antigo Regime (1848-1914). Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.; SILVA, 2005SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2005.).

Esta perspectiva reacendeu o interesse pelo tema, em especial nos campos da história política e econômica (RAMINELLI, 2013RAMINELLI, Ronald. Nobreza e riqueza no Antigo Regime Ibérico. Revista de História, São Paulo, n. 169, p. 83-110, 2013.; ALMEIDA, 2005ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de. Homens ricos em Minas colonial. In: BICALHO, Maria Fernanda et al. (org.). Modos de governar: ideias e práticas políticas no império português. São Paulo: Alameda, 2005. v.1, p. 361-384.; STUMPF, 2009STUMPF, Roberta Giannubilo. Cavaleiros do ouro e outras trajetórias nobilitantes: as solicitações de hábitos das ordens militares nas Minas setecentistas. Tese (Doutorado em História) - Universidade de Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/4255 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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; OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Marina Garcia. Entre nobres lusitanos e titulados brasileiros: práticas, políticas e significados dos títulos nobiliárquicos entre o Período joanino e o alvorecer do Segundo Reinado. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/002456110 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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), mas não encontrou eco na história social ou na história da historiografia. Estes campos passaram por uma renovação importante nos últimos anos. O diálogo com as obras de Reinhart Koselleck (2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução: Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Editora Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006.), John Pocock (2003POCOCK, John Greville. Linguagens do ideário político. Tradução de Fábio Fernandez. São Paulo: Edusp, 2003.) e Quentin Skinner (1996SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. Tradução: Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.) propiciou um olhar mais sofisticado sobre as dinâmicas discursivas e recolocou a cultura monárquica no centro do debate, mas o conceito de aristocracia permaneceu inexplorado. Por outro lado, reforçou-se a ideia de transição, priorizando-se o recorte temporal do Sattelzeit (1750 e 1850). “This period thematizes the transformation of the premodern usage of language to our usage” (KOSELLECK, 2002KOSELLECK, Reinhart. The practice of conceptual history. Timing history, spacing concepts. Tradução: Todd Samuel Presner et al. California: Stanford University Press, 2002., p. 5).

Seguindo estes passos, parte expressiva das pesquisas em história social e história da historiografia se focou nas rupturas do processo histórico, deixando em segundo plano as continuidades (NEVES, 1999NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. A “guerra de penas”: os impressos políticos e a independência do Brasil. Tempo, Niterói, v. 8, p. 01-17, 1999. ; BASILE, 2004BASILE, Marcello Otávio Neri de Campos. O Império em construção: projetos de Brasil e ação política na corte regencial. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.; FONSECA, 2006FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de República nos primeiros anos do Império: a semântica histórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23-24, p. 323-350, 2006. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/6405 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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; ARAUJO, 2008ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo. Conceitos e Narrativas na Formação Nacional Brasileira (1813-1845). São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008.; SILVA, 2010bSILVA, Carolina Paes Barreto da. A trajetória d'O Repúblico no fim do Primeiro Reinado e início da Regência: os discursos impressos de Antônio Borges da Fonseca sobre a política imperial (1830-1832). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010b. Disponível em: https://www.historia.uff.br/stricto/td/1383.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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). Walter Mignolo (2010MIGNOLO, Walter. Desobediência epistémica: retórica de la modernidade, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2010., p. 54) entreviu os limites desta armadilha: “O problema com a ideia de transição é que, uma vez que o novo aparece, o velho desaparece do presente”. Sob esta ótica, o velho é apenas resquício, entulho anacrônico, e não coexistência, discurso marginal ou possibilidade latente. Franco Moretti (2009MORETTI, Franco. O romance: história e teoria. Novos Estudos - CEBRAP, São Paulo, n. 85, p. 201-212, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/nec/n85/n85a09.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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, p. 212) notou esta tendência e alertou: “A hegemonia não exige pureza. Exige plasticidade, camuflagem, cumplicidade entre o velho e o novo”.

A nobreza europeia manteve força política, econômica e cultural até pelo menos o ano de 1914 e, de modos diversos, continua a compor o imaginário social (MAYER, 1987MAYER, Arno J. A força da tradição. A persistência do Antigo Regime (1848-1914). Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.). Hoje, assiste-se a movimentos difusos que combinam nostalgia dos “velhos tempos” a alternativas conservadoras e mesmo extremistas (DROLET; WILLIAMS, 2018DROLET, Jean-François; WILLIAMS, Michael C. Radical conservatism and global order: international theory and the new right. International Theory, Cambridge, v. 10, n. 3, p. 285-313, 2018. DOI: 10.1017/S175297191800012X. Acesso em: 26 abr. 2021.
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; McMANUS, 2019McMANUS, Matthew. Brexit, Donald Trump and the Rise of Post-modern Conservatism Across the Globe. In: McMANUS, Matthew. The rise of Post-Modern Conservatism. Neoliberalism, Post-Modern Culture and Reactionary Politics. Cham: Palgrave Macmillan, 2019. p. 167-209.). Seriam estas agitações uma novidade ou apenas ascensão de antigos discursos que sempre estiveram ali, escondidos nos pontos cegos do nosso olhar? Considerando-se que a insatisfação com o regime democrático se tornou um fenômeno global, este tópico merece atenção. No Brasil, onde mais de 80% da população se diz descontente (FOA et al., 2020FOA, R.S. et al. The Global Satisfaction with Democracy Report 2020. Cambridge: Centre for the Future of Democracy, 2020.), proliferam movimentos que defendem a restauração do regime monárquico e da ética nobiliárquica.

A revolta contra o sistema é também uma revolta contra a historiografia. Do ponto de vista destes militantes, é crucial revelar uma suposta “verdade” que nos foi escondida, desfazer “mitos sobre a nobreza” e desmascarar a “história acadêmica”, reduzida a um bloco monolítico rotulado como “ideologia republicana”.1 1 Alguns exemplos desta abordagem são o Movimento pela Restauração da Monarquia no Brasil e a TV Imperial, que impulsionam centenas de milhares de militantes no youtube e nas redes sociais. Com efeito, talvez tenha sido necessário esperar por certo distanciamento em relação aos dualismos e universalismos tradicionais para que se assistisse ao surgimento de pesquisas interessadas na pluralidade de horizontes de expectativa que conviviam na modernidade (PEREIRA, 2013PEREIRA, Luisa Rauter. O conceito político de povo no período da Independência: história e tempo no debate político (1820-1823). Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 33, n. 66, p. 31-47, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbh/v33n66/a03v33n66.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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; CERQUEIRA, 2017CERQUEIRA, Erika Morais. Habitar o passado: Gustavo Barroso e o seu tempo. Curitiba: Editora Prismas, 2017.; NEVES, 2020NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Os esquecidos no processo de Independência: uma história a se fazer. Almanack, Guarulhos, n. 25, p. 1-44, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/alm/n25/2236-4633-alm-25-ef00220.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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).

Visando contribuir com estas reflexões, o objetivo do artigo é mapear o conceito de nobreza na cultura lusa, sobretudo, identificar a permanência de idiomas típicos do Antigo Regime português no cenário político e historiográfico do Brasil Império. A abordagem de longa duração permite evidenciar continuidades semânticas no século XIX em detrimento da ideia de transição, embora se reconheça as transformações discursivas em curso. Assume-se que monarquia, aristocracia e republicanismo são éticas, portanto, configuram linguagens políticas, isto é, modos de discurso, retóricas, termos básicos, tropos, alegorias e ocasiões típicas em que são empregadas (POCOCK, 2003POCOCK, John Greville. Linguagens do ideário político. Tradução de Fábio Fernandez. São Paulo: Edusp, 2003.).

Tendo em vista o objetivo, espera-se responder às seguintes questões: como a aristocracia era vista em Portugal e na Colônia durante o Antigo Regime? Como ela passa a ser vista no Brasil quando idiomas liberais e republicanos são inseridos no contexto linguístico da Independência? As formas tradicionais de ver a nobreza desaparecem com a inserção das novas semânticas? Ou ambas passam a coexistir, disputando a hegemonia? Qual o impacto destas linguagens sobre a historiografia nascente?

Para tanto, o artigo se divide em quatro seções. A primeira se dedica ao aprendizado do idioma da Ordem, presente na cultura monárquica aristocrática ibérica; a segunda demonstra como a experiência colonial ressignificou o conceito de nobreza. Estes procedimentos visam resgatar vocabulários típicos para, em seguida, identificar sua presença no Brasil oitocentista. Isso é feito na seção posterior, em que avalio o impacto das linguagens liberais e republicanas no contexto linguístico do Império; a linguagem da Ordem, porém, continua presente em correspondências, discursos e jornais (disponíveis na Biblioteca Nacional). A quarta parte analisa a semântica da nobreza na obra do historiador Francisco Adolfo de Varnhagen. As fontes utilizadas são os livros História Geral do Brazil (1854; 1857) e A caça no Brasil ou o Manual do Caçador (1860).

Cultura da Ordem: hierarquia, obediência e autoridade

No Portugal do século XVI “a distinção entre nobres e plebeus já estava bem trabalhada pelos juristas, que lhe inventaram uma origem e um imaginário, envolvendo-a em uma completa construção teórica” (HESPANHA, 1993HESPANHA, António Manuel. A Nobreza nos Tratados Jurídicos dos Séculos XVI a XVIII. Penélope. Fazer e desfazer a história, Lisboa, n. 12, 1993., p. 31). “A honra não era um mero valor, uma distinção etérea e subjetiva”, diz Ronald Raminelli (2016RAMINELLI, Ronald. Justificando nobrezas. Velhas e novas elites coloniais 1750-1807. História, São Paulo, v. 35, n. 97, p. 1-26, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/his/v35/0101-9074-his-35-00098.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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, p. 27). Como reconhecimento dela, o soberano concedia privilégios, cargos, isenções, patentes e títulos que tornavam visível a posição social do súdito. A colonização levou ao Novo Mundo este ethos nobiliárquico que “guiava os comportamentos, os valores e as estratégias de ascensão” (RAMINELLI, 2013RAMINELLI, Ronald. Nobreza e riqueza no Antigo Regime Ibérico. Revista de História, São Paulo, n. 169, p. 83-110, 2013., p. 90). Este conjunto de preceitos compõem uma ética e um idioma político em que o conceito de Ordem é primordial; por isso, ao longo do artigo ele será referido como linguagem da Ordem.

Esta doutrina se fundamenta em obras de teologia, direito e política cujos mais relevantes autores são Aristóteles e Tomás de Aquino (NUNES, 2011NUNES, Cláudio Pedrosa. Uma reflexão conceitual-jurídico-cristã de justiça em Tomás de Aquino. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/17697/3/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Doutoramento%20Claudio%20Pedrosa%20Nunes.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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; DOMINGUES, 1997DOMINGUES, Beatriz Helena. O medieval e o moderno no mundo ibérico e ibero-americano. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 20, p. 195-216, 1997. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2052/1191 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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). Ela sustenta que uma força metafísica rege o mundo de acordo com o princípio da hierarquia. Aristóteles observava que os seres vivos exerciam funções diferentes e complementares, necessárias para a harmonia da natureza; esta visão essencialista impacta a interpretação sobre a sociedade. “Há, por natureza, várias classes de comandantes e comandados, pois de maneiras diferentes o homem livre comanda o escravo, o macho comanda a fêmea e o homem comanda a criança” (Aristóteles, Política, 1260aARISTÓTELES -. Política. Tradução: Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.).

A opção de Tomás de Aquino pelo governo monárquico resulta deste apego aristotélico à hierarquia das coisas e das condutas (NUNES, 2011NUNES, Cláudio Pedrosa. Uma reflexão conceitual-jurídico-cristã de justiça em Tomás de Aquino. Tese (Doutorado em Direito) - Universidade de Coimbra, Coimbra, 2011. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/17697/3/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Doutoramento%20Claudio%20Pedrosa%20Nunes.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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). No Antigo Regime ibérico, estas diferenças eram expostas pela metáfora do corpo humano em que o rei representava a cabeça e os nobres, os braços. Do macro ao micropoder, nada mais artificial neste contexto que a ideia de igualdade. A ordem e a hierarquia, em uma palavra, as diferenças deveriam ser preservadas e reconhecidas.

Todo menino bem criado há de aprender o modo e a cortesia com que se costumam tratar os superiores. [...] Nunca procure sair daquela ordem que te compete na sociedade dos homens, [...] intrometendo-se ou tomando confianças com pessoas de maior caráter e hierarquia. Deve tratá-las como quem conhece nelas a superioridade (SIQUEIRA, 1833SIQUEIRA, João de Nossa Senhora da Porta. Escola de política ou tratado prático da civilidade portuguesa. Lisboa: Typographia Rollandiana, 1833., p. 66-67; 75, grifos meus).

A cultura da Ordem orientava comportamentos, mas quero frisar que ela gerou também uma linguagem, argumentos típicos, justificativas, metáforas recorrentes usadas aquém e além-mar. A alegoria do corpo humano surgia em vários cenários. “Os feitores são os braços de que se valem os senhores de engenho”, concluía Antonil (1837ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brazil, por suas drogas e minas. Rio de Janeiro: Typ. Imp. E Const. De J. Villeneuve e Ca, 1837., p. 21) durante visita ao Recôncavo Baiano em 1710. “Porém” - continua ele -, “se cada feitor quiser ser a cabeça, será o governo monstruoso, o verdadeiro retrato do cão Cérbero a quem os poetas dão fabulosamente três cabeças.” Neste contexto linguístico, o desrespeito à hierarquia sempre gera um monstro destruidor da paz social. O rei perfeito deve manter a harmonia, garantindo a cada um seu estatuto (XAVIER; HESPANHA, 1993XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, António Manuel. A representação da sociedade e do poder. In: HESPANHA, António Manuel (org.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Ed. Stampa, 1993. v. 4, p. 120-155.).

A monarquia cristã estreitou os vínculos entre fé, nobreza e arte bélica. Neste cenário, o ideal de virtude se associa a valores militares como obediência à autoridade, hierarquia, sacrifício e Ordem. Com o advento da dinastia de Bragança, o ethos da Alta Nobreza é medido pela ideia de Casa, Corte e serviço ao rei (MONTEIRO, 1998MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O “ethos” da aristocracia portuguesa sob a dinastia de Bragança. Algumas notas sobre a Casa e o Serviço do rei. Revista História das Ideias, Coimbra, v. 19, 1998. ). A Casa senhorial reunia o capital simbólico acumulado ao longo de séculos. O prestígio familiar, o sangue, a herança e o nome compunham a ética nobiliárquica. Os tratadistas lusitanos justificavam este preceito por três argumentos típicos: a nobreza tinha capacidade inata para amar o próximo e procurar o bem comum. Era, assim, o mais fiel cumpridor da ordem segundo a qual Deus dispusera as coisas (TRONI, 2012TRONI, Joana L. P. de Almeida. A casa real portuguesa no tempo de D. Pedro II (1668-1706). Tese (Doutorado em História Moderna), Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/10712/1/ulsd067734_td_Joana_Troni.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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). Disso deriva que os nascidos de antepassados melhores tendem a ser homens melhores, pois herdam virtude e aprendem com os pais. Por último, a educação e a prudência se coadunam melhor com as classes mais ricas, pois os ricos já possuem os bens materiais cujo desejo de conquistar induz os homens a fazer o mal (HESPANHA, 2007HESPANHA, António Manuel. A mobilidade social na sociedade do Antigo Regime. Tempo, Niterói, v.1, n. 2, p. 121-143, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/tem/v11n21/v11n21a09.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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).

De fato, a aristocracia possuía bens que lhe permitia viver sem trabalhar em um contexto em que o ofício mecânico era considerado uma mácula. Tais recursos se originavam da posse de latifúndios e privilégios/ direitos naturais legitimados pela tradição e pela lei ditada pelas Ordenações Afonsinas, Filipinas e Manuelinas. O título nobiliárquico representava um estatuto jurídico, uma propriedade privada transmissível aos descendentes, sendo assim, estava acima da alçada do rei, que podia apenas ratificá-la. Os títulos agregavam privilégios institucionais, como preferência para cargos patrimonializados que corriam por séculos nas mesmas linhagens (TRONI, 2012TRONI, Joana L. P. de Almeida. A casa real portuguesa no tempo de D. Pedro II (1668-1706). Tese (Doutorado em História Moderna), Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/10712/1/ulsd067734_td_Joana_Troni.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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); privilégios simbólicos, como formas de tratamento, vestimentas e brasões exclusivos; do ponto de vista econômico, pensões do Estado, isenção fiscal e monopólios agregados; havia ainda privilégios jurídicos, como prisão domiciliar, regime especial de prova e dispensa de penas vis, tais quais o suplício e a fogueira (XAVIER; HESPANHA, 1993XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, António Manuel. A representação da sociedade e do poder. In: HESPANHA, António Manuel (org.). História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Ed. Stampa, 1993. v. 4, p. 120-155.).

Por último, a cultura da Ordem abrange uma experiência de tempo em que importa mais conservar do que a inovar. Mudanças bruscas são vistas como perturbadoras da Ordem. Sob esta perspectiva, certos hábitos eram infundidos por Deus, mas outros eram adquiridos pela repetição, expressando o empenho em transmitir valores aos descendentes. Conforme este padrão de aquisição, a riqueza denotava virtudes, como a prudência e a moderação, amoldando-se ao equilíbrio social; já o enriquecimento rápido sinalizava ambição excessiva ou conduta desonesta. A nobreza se apresentava como o principal representante deste cabedal antigo, bem administrado, acumulado por gerações (HESPANHA, 2007HESPANHA, António Manuel. A mobilidade social na sociedade do Antigo Regime. Tempo, Niterói, v.1, n. 2, p. 121-143, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/tem/v11n21/v11n21a09.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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).

No decorrer das transformações econômicas e sociais geradas pela colonização, no entanto, novos grupos sociais se destacaram. Para simbolizar esta ascensão, a Coroa lusitana concedeu títulos de Baixa Nobreza - os hábitos das Ordens de Cristo, Santiago e Avis. Os contemplados se situavam abaixo da Alta Nobreza de sangue, mas acima da plebe, composta por lavradores e oficiais mecânicos (MONTEIRO, 2003MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O crepúsculo dos Grandes. A Casa e o Património da Aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: INCM - Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 2003.).

Cultura aristocrática no Brasil colonial

Se Portugal era o lugar da Ordem, a diversidade étnica da América representava a desordem. Ainda assim, estudos apontam que os colonos orientavam suas ações de acordo com a cultura da Ordem, calcada na noção de privilégio, hierarquia e desigualdade natural. “A colonização se confundia com a expansão da civilização católica, recuperando-se o imaginário das cruzadas e da guerra santa contra os ‘infiéis’ muçulmanos” (DOMINGUES, 1997DOMINGUES, Beatriz Helena. O medieval e o moderno no mundo ibérico e ibero-americano. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 20, p. 195-216, 1997. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2052/1191 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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, p. 201).

Na América, esta visão seria reforçada pela ideia de conquista, pelas lutas contra o gentio e pela escravidão. Conquistas e lutas que, feitas em nome del Rey, deveriam ser recompensadas com mercês - títulos, ofícios e terras. [A colonização] representava para aqueles homens a possibilidade de mudar de “qualidade”, de ingressar na nobreza da terra e, por conseguinte, “mandar” em outros homens - e mulheres (FRAGOSO, 2001FRAGOSO, João. Introdução. In: FRAGOSO, João; BICALHO, M. Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima (org.). O Antigo Regime nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI -XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 21-25., p. 24).

A administração nos trópicos seria inviável se as câmaras municipais não possuíssem liberdade de atuação, assim a iniciativa particular se tornou um valor central no Brasil colonial. Em comparação com Portugal, vereadores e juízes das vilas tinham muito mais autonomia para adequar seus interesses aos projetos econômicos e religiosos da Coroa. Este poder decresceu com a centralização promovida desde a Restauração, quando muitas atribuições das câmaras foram transferidas para os governadores, nomeados pelo rei. Este posto costumava ser concedido à Alta Nobreza reinol, desencadeando rivalidades (BRAGA, 2008BRAGA, Alencar Santana. O poder político do município no Brasil colônia. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n. 12, p. 169-232, 2008.). Por outro lado, formatada pelas lentes da Ordem, a diversidade do Novo Mundo reforçou as desigualdades. Surgiam novas formas de hierarquia, como cargos, riqueza, cor da pele, a condição de livre, liberto ou escravizado (FIGUERÔA-RÊGO; OLIVAL, 201FIGUERÔA-RÊGO, João de; OLIVAL, Fernanda. Cor da Pele, distinções e cargos: Portugal e espaços atlânticos portugueses (séculos XVI a XVIII). Tempo, Niterói, v. XVI, n. 30, p. 115-145, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/tem/v16n30/a06v16n30.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
https://www.scielo.br/pdf/tem/v16n30/a06...
1).

Nesta esfera onde ser branco era a primeira forma de distinção, os títulos de Baixa Nobreza representavam o cume da jornada. De acordo com Maria Nizza da Silva (2005SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2005., p. 11), na Colônia havia uma sede por graças honoríficas que “nem mesmo a mudança de regime político em 1821 fez desaparecer.” Se é certo que alguns grupos se ressentiram com a centralização, a Coroa os recompensou com títulos, criando-se assim uma aristocracia colonial cujo caráter utilitário se destacou durante o Reformismo Ilustrado (BICALHO, 1998BICALHO, Maria Fernanda. As Câmaras Municipais no Império Português: o exemplo do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de História, v. 18, n. 36, p. 251-280, 1998. ). Para além das armas, D. José I introduziu leis para enobrecer negociantes de grosso trato que financiassem grandes empreendimentos do Estado (RAMINELLI, 2013RAMINELLI, Ronald. Nobreza e riqueza no Antigo Regime Ibérico. Revista de História, São Paulo, n. 169, p. 83-110, 2013.). Ressalte-se que, no Novo Mundo, não havia uma Alta Nobreza hereditária. Os Grandes transitavam pelo império, mas suas raízes estavam fixas em Portugal. A ascensão social disponível aos colonos se tratava de títulos de Baixa Nobreza, vitalícios. Ou seja: seu portador não o herdou, ele mereceu a premiação por esforço próprio.

Este é um argumento retórico, já que as concessões obedeciam a processos em que o nascimento continuava relevante.2 2 Não só o pretendente ao título, como seus pais e avós, deveriam provar jamais terem exercido atividades manuais; que eram cristãos velhos por três gerações, prerrogativa anulada por Pombal. O estilo de vida também constituía prova: era preciso atestar que eram ricos e se tratam nobremente com cavalos e criados. Tais provas se davam por meio de documentos e testemunhas (SILVA, 2005, p. 99-100). De todo modo, ele permitiu à Baixa Nobreza colonial criar uma cultura própria mais atrelada à ideia de mérito individual do que de tradição, sangue e herança. Sua identidade se constitui por uma dupla negação: de um lado, contrasta com “plebe mestiça”; de outro, distingue-se da Alta Nobreza lusa por meio da oposição entre nascimento e mérito. O tropo do mérito individual seria importante para deslegitimar a aristocracia portuguesa durante a Independência do Brasil.

Guerra das penas

Lúcia Bastos Neves ressaltou a intensidade das transformações semânticas no Brasil à época da Independência. O jornal Diário do Governo chegava a explicar o vocabulário liberal, pois julgava que ele atribuíra “uma significação nova a todos os termos”, assim “um dicionário não nos serve para nada” (Apud NEVES, 1999NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. A “guerra de penas”: os impressos políticos e a independência do Brasil. Tempo, Niterói, v. 8, p. 01-17, 1999. , p. 5). A própria criação da esfera pública indicava uma escalada de ideais democráticos no interior da cultura monárquica. Os periódicos promoviam discussões que envolviam a participação dos cidadãos em um domínio antes exclusivo aos setores privados próximos à Coroa, os únicos que tinham legitimidade para falar em nome da nação. Sob este olhar, a virtude passava a se associar à cidadania, à defesa da liberdade de opinião, à participação coletiva na arena política em detrimento da mera obediência hierárquica (FERREIRA, 2009FERREIRA, Tania M. T. Bessone da Cruz et al. Da gazeta tradicional aos jornais de opinião: metamorfoses da imprensa periódica no Brasil. In: NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. (Org.). Livros impressos. Retratos do setecentos e do oitocentos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009. v.1, p. 153-184. ).

Essas novas linguagens eram contrárias ao absolutismo e, no limite, avessas ao próprio regime monárquico. Tratava-se de idiomas oriundos do liberalismo britânico, veiculados pela Revolução do Porto, e também do republicanismo francês que adentrara o contexto linguístico tropical pelas rebeliões setecentistas. Lúcia Bastos Neves (1999NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. A “guerra de penas”: os impressos políticos e a independência do Brasil. Tempo, Niterói, v. 8, p. 01-17, 1999. , p. 9) apontou a existência de uma elite “brasiliense” mais aberta ao arcabouço democrático francês, a que tinham acesso pelos livros dos enciclopedistas, “introduzidos sob o capote para ludibriar a censura”. Esta tradição viabilizou argumentos típicos para criticar a monarquia e a nobreza, entre os quais destaco a linguagem do luxo, de Voltaire, e idioma da igualdade, de Rousseau.

Linguagem do luxo: o cortesão parasita

O parecer elaborado por Voltaire sobre o absolutismo na França associa a nobreza à imagem do cortesão devasso, faustoso e alienado que a caricatura de Marie Antoinette e seus brioches exprime bem. Este tropo se insere em um contexto mais amplo de críticas liberais ao modo de vida monárquico em que o objetivo do luxo era simbolizar hierarquias. Neste contexto, a suntuosidade era uma ferramenta ritual exclusiva da família real, da nobreza e do clero, enquanto o povo era aconselhado a viver de modo frugal. O luxo da plebe era visto como supérfluo, pior, motor de pecados como a vaidade, a ambição, a inveja e a corrupção (LEITE, 2014LEITE, Rafael de Araújo e Viana. A querela do luxo por Voltaire e Rousseau. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2014. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/36308 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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).

No universo liberal britânico, por outro lado, acentuava-se que a ciência e o comércio ultramarino criavam um horizonte de abundância, ampliando o padrão de conforto. Estas expectativas se aliam a uma filosofia da história em que o desenvolvimento material mensura o progresso das civilizações. Voltaire frisava que uma nação próspera deve ser capaz de promover e democratizar o luxo entre seus cidadãos. O conceito de luxo se redefine, incluindo tudo aquilo que, mesmo não sendo vitalmente essencial, torna a vida humana na Terra mais confortável (LEITE, 2014LEITE, Rafael de Araújo e Viana. A querela do luxo por Voltaire e Rousseau. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2014. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/36308 . Acesso em: 26 abr. 2021.
https://acervodigital.ufpr.br/handle/188...
). Estes preceitos propiciam a distinção entre dois tipos antagônicos de aristocracia: a moderna e a cortesã.

A nobreza moderna está ligada ao espírito burguês. Voltaire lembra que a aristocracia britânica contribuía para o bem-estar dos cidadãos, pois os negócios, a indústria e a ciência enriqueciam as nações. Nesta perspectiva, o comércio internacional tornava os homens mais tolerantes, reunia os hemisférios e criava um mundo cosmopolita. Em contraposição, situa-se a nobreza cortesã, acomodada, faustosa e parasitária, pois seu estilo de vida não permitia inscrever a riqueza para multiplicar a grandeza estatal ou melhorar o cotidiano das pessoas. O idioma do luxo frisa que o cortesão só se importa com rituais fúteis e prazeres da Corte, levando uma vida de tédio e ostentação que destoa da miséria popular. Voltaire repetia que a nobreza francesa era onerosa ao Estado e sua sustentação sobrecarregava os habitantes com altos impostos, o que representava um abuso cruel. Esta conduta egoísta impedia que a população alcançasse autonomia econômica, aproximando-a da mais amarga servidão (LEITE, 2014LEITE, Rafael de Araújo e Viana. A querela do luxo por Voltaire e Rousseau. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2014. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/36308 . Acesso em: 26 abr. 2021.
https://acervodigital.ufpr.br/handle/188...
). Cria-se, assim, uma causalidade entre a aristocracia e a pobreza do povo.

Linguagem da igualdade: toda aristocracia é um mal

A ideia de que todos os cidadãos nascem iguais é um preceito basilar do pensamento de Rousseau e uma referência para o republicanismo moderno. Neste contexto discursivo não há lugar para nenhuma aristocracia, seja ela moderna ou cortesã. O estatuto civilizatório se mede pela capacidade de gerar igualdade social, econômica e política. A riqueza é entendida como incompatível com o bem comum, já que dependia da pobreza como contraponto. Em paralelo, o idioma da igualdade associa o aristocrata a estereótipos ligados ao feminino, como a vaidade, a moleza e a frouxidão. Rousseau (1964ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discours sur les sciences et les arts. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Ouvres Complètes. Paris: Gallimard, 1964. Tomo III. , p. 8, p. 22) censurava o “homem opulento e sua elegância” e argumentava que o verdadeiro vigor do corpo se encontrava no “homem são e robusto” e “na vestimenta rústica do lavrador”. A seu ver, o luxo adocicava os costumes, pondo em risco um tipo de masculinidade associada à virtude militar.

Neste idioma, todo luxo simboliza distinções e hierarquias, promovendo apenas o interesse pessoal. Reféns de satisfazer desejos materiais, os cidadãos se tornariam vulneráveis a maus hábitos como a corrupção e o servilismo, renunciando à liberdade (LEITE, 2014LEITE, Rafael de Araújo e Viana. A querela do luxo por Voltaire e Rousseau. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2014. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/36308 . Acesso em: 26 abr. 2021.
https://acervodigital.ufpr.br/handle/188...
). Outro tropo importante é o luxo como disfarce para o vício. Trata-se da ideia de que as pessoas se valem de honras e riqueza para disfarçar a vileza da alma; logo, diferenças entre camponês, nobre e rei seriam apenas de indumentária, não de caráter ou mérito. Uma vez que as coisas são colocadas nestes termos, pode-se questionar a legitimidade da nobreza e do regime monárquico. “O que faz o rei é simplesmente a coroa, no entanto, o que significa esse símbolo além de ser um objeto que pesa sobre a cabeça de alguém?” (LEITE, 2014LEITE, Rafael de Araújo e Viana. A querela do luxo por Voltaire e Rousseau. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2014. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/36308 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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, p. 117).

Aristocracia do mérito no Brasil: liberais moderados

No momento anterior à Independência, vários projetos eram possíveis, até mesmo a instituição da república democrática - sem rei e sem nobreza, com eleições para parlamento, senado e presidência. Muitos liberais partilhavam dessa aspiração, mas, diante do contexto político desfavorável, conformaram-se em disputar o regime monárquico constitucional. Situados entre os polos da Ordem e da República, liberais moderados propunham uma monarquia mais democrática e menos aristocrática.

Este segmento era mais aberto ao arcabouço iluminista, mesclando-o à experiência colonial de premiar o esforço. A linguagem do luxo permitia associar a nobreza hereditária ao tropo do cortesão parasita, acolhendo-se somente o ideal de aristocracia meritocrática, vitalícia e simbólica, sem ônus econômico ao Estado. “A única nobreza que a nossa Constituição reconhece é a do merecimento, mas não reconhece a nobreza de famílias. E como pode existir essa nobreza de famílias se a Constituição diz: todos são iguais?”, indagou o senador Nicolau de Campos Vergueiro em 1829. “O merecimento e a virtude não se herdam”, conclui.3 3 Anais do Senado, 09/07/1829, p. 75; 10/07/1829, p. 81 apudOLIVEIRA, 2013, p. 176; 178. Giros retóricos deste tipo podiam conectar princípios opostos, como nobreza e igualdade. Claro está que, na opinião do senador, era injusto que uns nascessem fidalgos, outros, plebeus. Mas, se todos nasciam iguais, como explicar a riqueza de uns e a pobreza de outros? Chega-se ao conceito de mérito individual.

A linguagem do luxo ajudou este segmento a impedir a adoção de títulos de nobreza hereditária com pensões agregadas no Império. Contudo, mantém-se a ideia de que o esforço individual justifica a desigualdade e que a soma das conquistas pessoais torna a nação mais próspera.

Republicanos: os antiaristocratas

Enquanto moderados tinham uma visão crítica sobre a nobilitação, a imprensa republicana ou liberal exaltada era radicalmente antiaristocrata. Neste horizonte, a soberania do povo e a igualdade são os pilares, logo, nobres “são lixo, são piores que lama”, como dizia o jornal Tribuno do Povo. Estamos na seara de Rousseau, em que distinção é sinônimo de corrupção moral e disfarce para o vício. “Ordens, fora, fora títulos, valha o homem pelo que é na realidade, não pelo que quer valer com fitas” (Tribuno do Povo, edição 40, 1831 apudFONSECA, 2006FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de República nos primeiros anos do Império: a semântica histórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23-24, p. 323-350, 2006. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/6405 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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, p. 345, grifos meus).

A expressão mais notória desta apropriação à época da Independência foi o Manifesto contra a criação da Nobreza Brasileira, publicado por Joaquim Gonçalves Ledo no jornal Sentinela. O autor deixava clara sua “repugnância e aversão à fidalguia”, nociva à nação por sobrepor interesses particulares à identidade nacional; “cheio de ufania” e sendo “incapaz de fazer o útil, porque tudo considera como indecoroso ao seu estado”, o aristocrata era, em suas palavras, “um sanguessuga da Sociedade”.4 4 O manifesto está disponível em ASLAN, 1975, p. 259. O tropo do cortesão parasita aparece também na fala de Vasconcellos: “O aristocrata quer consumir sem produzir, quer viver com grande ostentação e luxo sem trabalhar, quer ocupar os primeiros e mais lucrativos empregos sem ter mérito. O aristocrata é, em todos os lugares e em todos os tempos, o inimigo dos defensores da humanidade”.5 5 Anais do Parlamento, sessão de 2 de novembro de 1827. (Biblioteca Nacional).

Homens como Gonçalves Ledo chegavam a recusar títulos nobiliárquicos para se manterem coerentes com suas bases eleitorais. Em carta a Araújo Lima, afirmou que o imperador lhe ofereceu honras de Marquês da Praia Grande um mês após a publicação do Manifesto, “convite que reputo ofensivo à minha dignidade” (apudASLAN, 1975ASLAN, Nicola. Biografia de Joaquim Gonçalves Ledo. Rio de Janeiro: Editora Maçônica, 1975., p. 274). Francisco Gomes Brandão também recusou o título de Barão, pois “tal despacho me [faria] perder as afeições do partido liberal exaltado” (REZENDE, 1917REZENDE -. Correspondência ao Marquez de Rezende. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Tomo 80, 1917., p. 495).

Mais tarde, os republicanos agregariam ainda o argumento do anacronismo. Aos poucos, nobreza e monarquia passam a ser apresentadas como instituições típicas de um estágio anterior da humanidade, um tempo arcaico, primitivo e ultrapassado: o “Antigo Regime”. Logo, argumentava-se que a manutenção deste modelo e seus atores era inapropriada, “fora do tempo correto”, sintoma de atraso civilizacional. Borges da Fonseca incitava a legislatura regencial a promover “o completo aniquilamento dos princípios da Velha Europa cá na América” e questionava: “Ontem se leu na Câmara o projeto que diz que a Regência pode dar títulos. A ser assim, ainda se pretende que no Brasil da América haja títulos”? (O Repúblico, edição 64, 1831SILVA, Carolina Paes Barreto da. A trajetória d'O Repúblico no fim do Primeiro Reinado e início da Regência: os discursos impressos de Antônio Borges da Fonseca sobre a política imperial (1830-1832). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010b. Disponível em: https://www.historia.uff.br/stricto/td/1383.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
https://www.historia.uff.br/stricto/td/1...
).

Monarquia liberal aristocrática

A recepção das linguagens do luxo e da igualdade no Brasil promoveu uma visão favorável aos ideais democráticos, todavia, muitos continuavam a mediar o debate por meio da linguagem da Ordem. Estes princípios estavam mais enraizados entre a “elite coimbrã”, mais próxima à Coroa. O periódico O bem da Ordem (edição 5, 1821), por exemplo, caracterizava Pedro I como “a cabeça e parte essencial deste corpo moral”, um “pai no meio de seus filhos”. O Diário Fluminense (edição 28, 1826) frisava que “quem diz monarquia diz aristocracia e admite a diferença de hierarquias”. Outro editorial lembrava que “a nobreza formou sempre uma classe intermédia essencial nas monarquias puras, indispensável e conveniente para maior perfeição e solidez” (Diário Fluminense, edição 146, 1826).

Neste cenário, a apropriação da tradição liberal se concentrava nas propostas econômicas, não nos programas políticos e sociais. José da Silva Lisboa, o Visconde de Cayru, ora criticava as Cortes Vintistas pela ausência de liberalismo econômico (manutenção de monopólios), ora pelo excesso de liberalismo político, tendo em vista a adoção de princípios democráticos como o constitucionalismo e as eleições parlamentares. Em sua concepção, o movimento era uma “Cabala Jacobínica” que incentivava delírios iluministas e revolucionários, impondo a soberania do povo sobre o rei à força (LISBOA, 1827LISBOA, José da Silva. História dos Principais Sucessos Políticos do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1827. Tomo 1., p. 12). Apesar da pregação em nome da moderação, a criação de espantalhos retóricos é um elemento recorrente na linguagem da Ordem. Para assustar o leitor valia até mesmo associar a comedida Revolução do Porto aos jacobinos, artífices de perseguições políticas e execuções em massa na França.

Neste idioma, os ideais democráticos da Revolução Francesa são a maior causa da crise que abalara a Ordem, mas a solução sempre residia na restauração da monarquia aristocrática. “A invisível mão do grande Arquiteto restabelece a ordem civil e com ela a Nobreza Hereditária, que forma [o] Capitel Coríntio da Sociedade Civil, assentando em larga base a Pirâmide da Constituição Monárquica” (LISBOA, 1815LISBOA, José da Silva. Memória da vida pública de Lord Wellington. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1815., p. 7-8). A nobilitação até podia ser pontualmente criticada, mas o modelo aristocrático continuava a ser visto como o ideal.

Em 1808, D. João VI concedeu 44 títulos (RAMINELLI, 2013RAMINELLI, Ronald. Nobreza e riqueza no Antigo Regime Ibérico. Revista de História, São Paulo, n. 169, p. 83-110, 2013.) e, após a Independência, Pedro I usou o mesmo artifício para costurar apoios. Assim, a prática da nobilitação foi assegurada pela Constituição de 1824, sendo o rei a fonte destas concessões. Tais títulos, porém, não traziam privilégios, como ocorria no Antigo Regime, pois a cultura colonial do mérito e o rótulo de cortesão parasita demonstraram ser fortes obstáculos para tal. A opinião pública condenou a hereditariedade e as mercês pecuniárias agregadas, reduzindo os títulos de Alta Nobreza do Império a premiações de caráter simbólico e vitalício apenas.

Os falantes da Ordem, no entanto, censuravam estas novidades. “Que valem os títulos, dignidades e honras dados sem justiça? [...] Ninguém os quererá se não vierem acompanhados de dinheiro ou ofícios! E de onde sairão estes? E quando não os houver, em que base se estribará a monarquia?”, queixou-se José Bonifácio em uma correspondência (apudDOLHNIKOFF, 1998DOLHNIKOFF, Miriam (org.). Projetos para o Brasil: José Bonifácio de Andrada e Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 1998., p. 219, grifos meus). Ele também criticava a rapidez com que Pedro I concedia títulos, negligenciando o tempo lento necessário para a naturalização da nova Alta Nobreza no seio da sociedade.

A verdade é que se tornara difícil argumentar em defesa da nobiliarquia hereditária na nação brasileira que surgia. Ao menos em teoria, o mérito vencera o nascimento. Contudo, havia o “jeitinho”. A Constituição de 1824 previa mercês pecuniárias para condes, marqueses e duques que tinham assento no Conselho da Fazenda. Pedro I concedeu 22 honras de marquês a senadores que lhe davam sustentação, em seguida, indicou-os para o Conselho, garantindo-lhes pensões. Um prestigioso Conselho áulico conservado em meio à nova estrutura constitucional era visto como o “depositário dos antigos segredos de estado, da velha arte de governar, preciosa herança do regime colonial” (MARTINS, 2006MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A velha arte de governar: o Conselho de Estado no Brasil Imperial. Topoi. Rio de Janeiro, v. 7, n. 12, p. 178-221, 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/topoi/v7n12/2237-101X-topoi-7-12-00178.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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, p. 178).

Estes debates se prolongaram durante o período regencial. É sintomático que, em 1831, em meio a tantas urgências impostas pela vacância do trono, a Câmara considerou prioridade definir se a Regência tinha a prerrogativa de conceder títulos. Porém, a gravidade do tema é compreensível. No fundo, os liberais notaram que a Alta Nobreza senatorial apoiara as medidas centralizadoras de Pedro I, vistas como sinais de absolutismo e recolonização. Não passara despercebida “a íntima relação entre títulos de nobreza, bens vinculados, mercês pecuniárias e o fortalecimento do monarca” (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Marina Garcia. Entre nobres lusitanos e titulados brasileiros: práticas, políticas e significados dos títulos nobiliárquicos entre o Período joanino e o alvorecer do Segundo Reinado. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/002456110 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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, p. 184). A participação dos republicanos neste debate serviu para aprofundar a crítica à nobreza e à monarquia, preocupação que se acentua a medida que as Regências fortalecem os protocolos em torno da figura do príncipe. Associadas a costumes de cortesãos europeus, a ritualística monárquica era considerada pelos exaltados como “imprópria para povos americanos livres” (FONSECA, 2006FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de República nos primeiros anos do Império: a semântica histórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23-24, p. 323-350, 2006. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/6405 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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, p. 344).

O avanço da Ordem

Motivadas pelo excesso de mudanças ou pela limitação destas, as rebeliões regenciais assustaram a população e favoreceram o discurso da Ordem. Promoveu-se o Regresso, desfazendo-se as reformas descentralizadoras do Ato Adicional. O gabinete que se seguiu em 1837 evidenciava a força da nova direção. Composto pelo núcleo do então chamado Partido da Ordem, mais tarde conhecido como Partido Conservador, o gabinete era formado por uma fração dos liberais moderados e pela maioria dos áulicos (BASILE, 2009BASILE, Marcello Otávio Neri de Campos. O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840). In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (org.). O Brasil Imperial. 1831-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. v. 2, p. 53-119.; NEEDELL, 2009NEEDELL, Jeffrey D. Formação dos partidos políticos no Brasil da Regência à Conciliação, 1831-1857. Almanack Braziliense, São Paulo, n. 10, p. 05-22, 2009. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/alb/article/view/11719 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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).

Com o jovem Pedro II à frente de um Império convulsionado, a doutrina a ser combatida já não era o absolutismo, mas o pensamento democrático associado ao Terror francês. A prioridade era restaurar a monarquia, prestigiar a figura do rei e fortalecer as instituições, em especial o Senado e o Conselho de Estado, desgastados por duas décadas de pregação que os vinculava ao parasitismo cortesão e ao absolutismo. Neste quadro político em que restaurar a Ordem se tornava primordial, o regente Araújo Lima restabeleceu práticas já em desuso: a concessão de títulos nobiliárquicos a estrangeiros, a restituição do cerimonial do beija-mão e outros rituais alusivos à sacralidade do jovem príncipe (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Marina Garcia. Entre nobres lusitanos e titulados brasileiros: práticas, políticas e significados dos títulos nobiliárquicos entre o Período joanino e o alvorecer do Segundo Reinado. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/002456110 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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). Para os oposicionistas, estas práticas patenteavam o caráter aristocrático do Regresso. Mas não adiantava. Iniciava-se o Tempo Saquarema.

O gabinete Conservador concedeu 19 títulos apenas em 1841, indicando que a nobilitação seria uma estratégia importante na composição da base política de Pedro II. Em 1854, durante o Gabinete da Conciliação, 62 títulos foram concedidos, montante superado apenas nos anos 1888 e 1889. Foram ofertados 1138 títulos durante o Segundo Reinado (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Marina Garcia. Entre nobres lusitanos e titulados brasileiros: práticas, políticas e significados dos títulos nobiliárquicos entre o Período joanino e o alvorecer do Segundo Reinado. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/002456110 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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).

A historiografia da Ordem

Os cronistas coloniais apresentavam a história dos portugueses na América como uma epopeia da expansão do Império e da Fé Católica no mundo selvagem. A historiografia de José da Silva Lisboa fortalecia esta concepção, propagando os valores da nobreza hereditária, mas o contexto da Independência promoveu uma releitura crítica do passado. O projeto era criar um Brasil “regenerado”, calcado apenas no aspecto positivo da herança portuguesa, como o pendor comercial que encorajara as navegações e ampliara o conhecimento humano sobre o universo. Esta ótica acentuava que a intenção de colonizar a América era boa, mas fora deturpada por vícios violentos (e ultrapassados) do “espírito de conquista”, causando opressão e miséria aos povos nativos e aos próprios colonos. (SILVA, 2010aSILVA, Bruno Diniz. Da Restauração à Regeneração: linguagens políticas em José da Silva Lisboa (1808-1830). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2010a. Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/document/read/13489441/universidade-federal-de-ouro-preto-ichs-ufop . Acesso em: 26 abr. 2021.
https://www.yumpu.com/pt/document/read/1...
). Cristalizava-se a imagem de um Portugal corrompido, despótico, retrógrado e parasitário que, “tendo percebido o futuro brilhante daquela porção da América, tudo fez para mantê-la em atraso e obscuridade” (ARAUJO, 2008ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo. Conceitos e Narrativas na Formação Nacional Brasileira (1813-1845). São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008., p. 149).

Como se vê, o discurso regenerador usa a estrutura da linguagem do luxo para expor a relação causal entre a metrópole parasita e a pobreza da colônia explorada. O dualismo era útil para imputar as mazelas ao inimigo externo e fazer a Independência; embora não favorecesse uma crítica interna, contribuía para fixar valores como a liberdade, o comércio e a soberania da nação. A crescente hegemonia do Partido Conservador, no entanto, impactou o contexto linguístico e sobrepôs o conceito de Ordem ao tópico da liberdade.

Este cenário incidiu sobre a interpretação do processo colonizador. Gradualmente, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) ameniza a imagem do Portugal despótico e passa a enfatizar as continuidades. “Contrastando com opiniões pessimistas que imaginavam o Brasil em grande atraso, destacavam-se os avanços, o encadeamento ininterrupto de um progresso lento que parecia seguro desde que Pedro II se mantivesse na trilha de seus antepassados” (ARAUJO, 2008ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo. Conceitos e Narrativas na Formação Nacional Brasileira (1813-1845). São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008., p. 159). Os valores nobiliárquicos passam a ser apresentados como virtudes cívicas que a história nacional deveria despertar: “o amor da pátria, coragem, constância, indústria, fidelidade, prudência” (MARTIUS, 1844MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Como se deve escrever a história do Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 24, p. 389-411, 1884., p. 401).

Estas escolhas indicam um alinhamento entre a historiografia oficiosa do Instituto e o projeto monárquico conservador, mas, a meu ver, também fazem parte de um deslocamento mais amplo no contexto linguístico em que os velhos conceitos da Ordem reassumem a primazia. A simbiose entre este idioma e a escrita da história atingirá sua maior expressão com a obra de Varnhagen, “por excelência o historiador que melhor representa o tempo saquarema” (MATTOS, 1987MATTOS, Ilmar. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 1987., p. 286).

Filho de mãe portuguesa e de um engenheiro militar alemão, Francisco Adolfo de Varnhagen estudou no Real Colégio Militar da Luz, em Lisboa. Iniciou a carreira no Exército como voluntário das tropas de Pedro IV de Portugal. Foi admitido como sócio correspondente na Academia de Ciências de Lisboa e se tornou membro do IHGB em 1840. Na mesma década, iniciou trajetória diplomática que lhe permitiu acesso a arquivos documentais no exterior. Pedro II o agraciou com o título de Barão de Porto Seguro em 1872 e, dois anos mais tarde, foi elevado a Visconde. Seu principal livro é História Geral do Brazil, cujos tomos foram publicados em 1854 e 1857.

Como a história poderia ser usada para recuperar o prestígio do regime monárquico e de suas instituições aristocráticas, tais quais o Senado e o Conselho de Estado? Recobrar as funções exercidas pela nobreza no passado, fixar suas qualidades morais e administrativas eram estratégias possíveis. O primeiro desafio seria criar uma identidade que a desvinculasse do tropo do cortesão parasita. Para tanto, Varnhagen segue dois passos: de um lado, examina a gênese da nobreza, inserindo-a em uma narrativa de longa duração que se confunde com a própria história da civilização humana. De outro, resgata a função militar da aristocracia, reintegrando-a a um imaginário romântico de heroísmo e proteção dos vulneráveis.

A nobreza contra os tempos obscuros

“Mais que partidário de Hobbes, Varnhagen era um crítico de Rousseau”, diz Temístocles Cezar (2007CEZAR, Temístocles. Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência. Topoi, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p. 159-207, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/topoi/v8n15/2237-101X-topoi-8-15-00159.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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, p. 162). Estas referências expõem o aporte teórico que orienta a linguagem da Ordem no Brasil oitocentista. O maior “adversário” deste idioma é o republicanismo democrático de Rousseau. Por outro lado, na História Geral o conceito de civilização está ligado à construção do Estado, como na obra de Hobbes. O argumento é de que a constituição do Estado requeria condições mínimas de autoridade, estabilidade, economia e organização burocrática, em suma, o Estado representava avanço civilizacional.

Esta relação é um tópico estrutural na narrativa da modernidade. “O mito da nação moderna faz referência a uma era pré-moderna que seria desprovida de nações” (SMITH, 2000SMITH, Anthony D. O nacionalismo e os historiadores. In: BALAKRISHNAN, Gopal (org.). Um mapa da questão nacional. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. p. 185-208., p. 203). Essa era “sem Estado” é descrita como um estágio mais ou menos lastimável da história humana. Citando Giambattista Vico e a Bíblia, Varnhagen imagina como eram estes tempos obscuros em que a humanidade vivia em “estado bestial”, um passado tão longínquo que antecedia a história narrada e as formas conhecidas de governo sequer haviam sido inventadas. Segundo ele, neste estágio o ser humano não passava de um poço de instintos, pecado, violência e depravação. “Foi nesse regime de tribo que o inocente Abel pereceu vítima da inveja do irmão, que o velho Noé se viu escarnecido pela família e que as filhas de Loth pecaram incestuosamente” (VARNHAGEN, 1857VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa de J. del Rio, 1857. Tomo II., p. XVII).

Na macro história da modernidade, cabia aos ameríndios e africanos servir como exemplos contemporâneos deste “homem primitivo” (HOFBAUER, 2006HOFBAUER, Andreas. Uma história de branqueamento ou o negro em questão. São Paulo: Editora Unesp, 2006. , p. 119). Logo, estas etnias eram deslocadas para o passado, inseridas num tempo mais ou menos pré-moderno ou pré-civilizado (GILROY, 2007GILROY, Paul. Entre campos. Nações, culturas e o fascínio da raça. Tradução: Célia Maria Marinho de Azevedo et al. São Paulo: Annablume, 2007. ; MIGNOLO, 2010MIGNOLO, Walter. Desobediência epistémica: retórica de la modernidade, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2010.).

[Os indígenas] nem sequer mereciam o nome de bárbaros: eram selvagens [...]. Desfiguravam-se horrivelmente, esburacando a cara; andavam geralmente nus; experimentavam toda sorte de privações, passando até fome por excesso de imprevidência; não castigavam os vícios nem premiavam virtudes [...]. Tratavam as mulheres como escravas e eram viciosos contra naturam. [...]. Não usavam de nenhum metal (VARNHAGEN, 1857VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa de J. del Rio, 1857. Tomo II., p. XVII, grifos meus).

A “estética da selvageria” proposta por Varnhagen sublinhava também que os indígenas se envenenavam “pelo uso de comer terra e barro”, pois desconheciam as propriedades dos elementos químicos, e “olhavam com superstição para as fases da lua”. Suas festas “acabavam sempre em indisposições do estômago e do juízo, e então havia ferimentos e mortes” (VARNHAGEN, 1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 123-125). Os africanos, a seu ver, provinham de “nações igualmente bárbaras e mais supersticiosas, essencialmente intolerantes, inimigas de toda liberdade” (VARNHAGEN, 1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 180).

Outra característica atribuída aos “homens primitivos” do passado ou do presente era viver em contínuo estado de guerra. “Apenas uns venciam, vinham outros arrancar-lhes das mãos a palma da vitória e as hostilidades e vícios não tinham fim” (VARNHAGEN, 1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 107). Entre as “nações [africanas], os mais fortes vendiam os fracos, os pais [vendiam] os filhos e os vencedores, com muito maior razão, os inimigos vencidos” (VARNHAGEN, 1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 184). Neste horizonte, o problema era a ausência de uma autoridade central poderosa o suficiente para impedir que os homens dessem vazão aos impulsos animalescos. De acordo com Varnhagen, este cenário começa a mudar quando a providência divina revela à humanidade um segredo: a “arte de governar”.

E somente do Céu podem ter baixado os preceitos revelados aos patriarcas, confirmados no decálogo e aceitos pelos filósofos e pelos primeiros legisladores que ensinaram ao homem caído a aproveitar-se em benefício próprio e dos semelhantes dos seus instintos de ódio e de vingança, de vaidade e de cobiça, para, por meio de leis e penas, de premiações ideais ou da esperança destas e temor daquelas, inverter esses instintos destrutores da humanidade em prol dela mesma (VARNHAGEN, 1857VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa de J. del Rio, 1857. Tomo II., p. XIX, grifos meus).

Segundo esta tese, no limiar entre a barbárie e a civilização, duas estratégias foram reveladas para ensinar a humanidade a extrair o melhor de si: o prêmio e a dor.

Premiações ideais ou esperança delas

Varnhagen supõe que o ser humano é essencialmente vicioso, por isso o bom governante é um pragmático capaz de explorar as paixões alheias, dirigindo-as para o bem comum. A vaidade e a ambição, vistas a princípio como defeitos morais, podiam ser positivas já que o desejo de se destacar move os homens a superar seus limites. As primeiras honrarias, diz ele, surgiram quando a sociedade recebeu uma revelação metafisica que a aconselhara a criar títulos de nobreza para premiar o esforço extraordinário do herói. A honraria também exercia uma função pedagógica ligada à memória e à utilidade. O reconhecimento público do mérito explicitava os valores da comunidade, fundamentava hierarquias e criava modelos. “Favorecei a memória de vossos heróis, de vossos escritores, de vossos artistas, e a vossa nação terá artistas, terá escritores e terá heróis” (VARNHAGEN, 1857VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa de J. del Rio, 1857. Tomo II., p. 21).

Nesta perspectiva, a nobreza hereditária era crucial para que as nações tivessem uma história. Varnhagen lembra que as famílias aristocráticas conservavam longas árvores genealógicas e veneravam os grandes feitos de seus ancestrais, possibilitando aos modernos conhecer o passado. “A tradição das famílias vem com o andar do tempo a constituir a história da pátria” (VARNHAGEN, 1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 80). De fato, no século XIX a capacidade de preservar a memória passa a ser cada vez mais associada à sofisticação nacional. “Quanto mais variado um passado, quanto mais remoto for, mais salienta, por contraste, os progressos” (ARAUJO, 2008ARAUJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo. Conceitos e Narrativas na Formação Nacional Brasileira (1813-1845). São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2008., p. 129). A salvaguarda de documentos, registros e memórias exigia uma cultura escrita, entendida como superior à cultura oral que prevalecia entre certas etnias ameríndias e africanas. “De tais povos na infância não há história: há só etnografia” (VARNHAGEN, 1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 108).

Outro modo de enaltecer a aristocracia portuguesa era inseri-la num processo mais amplo da história universal (europeia), associando sua emergência ao mérito individual. Quando o regime monárquico se impôs, seria justo, natural e proveitoso que o rei sábio seguisse o caminho mostrado pela providência e atraísse os súditos de maior mérito a seu serviço por meio da concessão de títulos. “A nobreza de sangue não é outra coisa mais que a [nobreza] de serviços, com algumas gerações acima”, diz Varnhagen (1854, p. 80). Em outras palavras: na Colônia, a Baixa Nobreza vitalícia (de serviços) foi premiada por uma ação meritória individual e isolada; já a Alta Nobreza hereditária (portuguesa), fez ainda mais: conservou-se, tradicionalmente e por várias gerações, prestando serviços à sociedade e à civilização, por isso ela seria legítima e superior.

A prova deste mérito contínuo seria que, em Portugal, “o aristocrata blasonava menos com o apelido do solar da família, por mais ilustre que fosse, que com o título que lhe dava ou confirmava o rei e ao qual de ordinário estavam anexos foros e regalias” (VARNHAGEN, 1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 81). Isso indicava que, ao contrário do que apregoavam idiomas liberais e republicanos, a segurança propiciada pela hereditariedade não tornara esta nobreza acomodada. Tendo em vista que este segmento era herdeiro de um grande nome e representante de muitos heróis, o desafio dos filhos para imitar ou superar os feitos de seus antepassados era ainda maior.

Como se vê, a História Geral expressa a continuidade da tradição monárquica ibérica no Brasil oitocentista. Neste horizonte, a capacidade de conservação ao longo do tempo implica virtudes típicas como estabilidade familiar, prudência, habilidade de administrar os bens e os homens e, sobretudo, de transmitir esta tradição às gerações futuras (HESPANHA, 2007HESPANHA, António Manuel. A mobilidade social na sociedade do Antigo Regime. Tempo, Niterói, v.1, n. 2, p. 121-143, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/tem/v11n21/v11n21a09.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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). Para Varnhagen, estas competências indicavam que a aristocracia hereditária não só havia se civilizado, como adquirira a experiência necessária para civilizar - o que, neste contexto, dizia respeito à “arte de governar” vasta clientela e ao emprego da violência. Assim, a pretensão da nobreza ao exercício das principais funções sociais se fundamenta na superioridade de suas qualidades.

Moderação, conhecimento e experiência

Outro modo de realçar as virtudes da fidalguia era contrastar seu comportamento sóbrio com o desregramento que supostamente orientava o “homem primitivo”, segundo o idioma da Ordem, o indígena, o africano, a plebe. Recuperando os princípios da riqueza honesta (HESPANHA, 2007HESPANHA, António Manuel. A mobilidade social na sociedade do Antigo Regime. Tempo, Niterói, v.1, n. 2, p. 121-143, 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/tem/v11n21/v11n21a09.pdf . Acesso em: 26 abr. 2021.
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), por outro lado, Varnhagen procurou desvincular a nobreza da imagem do cortesão parasita. A polidez, o cavalheirismo e a fala formal seriam manifestações exteriores de um espírito caracterizado pela temperança, disciplina e desprendimento material.

Este decoro está ligado a um padrão moral que se opõe a todo tipo de excesso, inclusive à etiqueta pedante e exagerada. A atitude do capitão André Vidal na guerra contra os holandeses é uma expressão da conduta exemplar: “Enquanto empreendeu, sempre com muito esforço e valor, não levara a mira no prêmio, nem talvez nesse mesmo fantasma da glória que tantas vezes nos embriaga; tudo fez por zelo e amor do Brasil ou por caridade cristã”. Varnhagen ressalta que André Vidal não solicitou mercê pelos serviços prestados, porém El Rei, sendo um rei justo, concedeu-lhe “o foro de grande” e “uma comenda lucrativa na Ordem de Cristo”. Já Fernandes Vieira, outro herói da guerra, não era tão virtuoso, pois “alardeava riquezas e serviços. [...] era de poucas falas, exceto quando se ocupava de si, pois desconhecia a virtude da modéstia ainda na velhice” (VARNHAGEN, 1857VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa de J. del Rio, 1857. Tomo II., p. 29).

No Manual do Caçador, a arte da caça e a arte militar eram vistas como promotoras por excelência dos “valores essenciais” da nobreza, os quais se opõem claramente ao ócio, ao tédio e à ostentação que caracterizam o cortesão parasita.

Os passeios ao campo que [a caça] ocasiona são higiênicos e o modo com que nela se ocupa o espírito do homem abastado e independente o desvia do ócio ignaro que conduz à moleza e outros vícios. A caça é um simulacro da guerra e para muitos heróis foi dela o tirocínio; e a experiência prova que geralmente os caçadores, como os guerreiros, são sofredores, tolerantes e generosos. [...] Por isso na antiguidade a caça foi considerada complemento essencial da educação dos reis e senhores (VARNHAGEN, 1860VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. A caça no Brasil ou o Manual do Caçador. Rio de Janeiro: Casa de E. & H. Laemmert, 1860., p. 9-10, grifos meus).

Os saberes engendrados pela caça e pela guerra eram de ordem prática e subjetiva. O conhecimento sobre o terreno e a conduta dos animais, táticas e armas adequadas, instruções de química, confecção da pólvora, “o sangue frio” e o espírito coletivo compunham um know how que tornava o homem realmente útil a seu grupo, à comunidade e ao país (VARNHAGEN, 1860VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. A caça no Brasil ou o Manual do Caçador. Rio de Janeiro: Casa de E. & H. Laemmert, 1860., p. 53). Enquanto o caçador/guerreiro garante sua sobrevivência e a de seus semelhantes, ele também cria uma imagem de si, um conceito, uma reputação. No fundo, este arsenal compõe uma ética que o “homem de mérito” adquiriu e preservou ao longo de séculos, mas também um tipo de masculinidade que se afasta da imagem do cortesão efeminado e amolecido pelo luxo.

Entre todas as virtudes da nobreza hereditária, a experiência militar e administrativa se destaca como indispensável a qualquer governo. Para Varnhagen, o exercício da autoridade é uma ciência que implica aquela experiência ancestral, permitindo reconhecer as paixões e conduzi-las no sentido do bem comum. Devido à ausência deste conhecimento, as democracias começavam com amplas promessas de liberdade e terminavam em desordens. A boa intenção ingênua, ainda que sincera, não bastava para colaborar com a sociedade. Por isso, argumentava, o regime monárquico aristocrático era o mais adequado. As “aristocracias, sustentáculos dos tronos, são a mais segura barreira contra as invasões e despotismos de poder e contra os transbordamentos tirânicos e intolerantes das democracias” (VARNHAGEN, 1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 80).

Leis e penas: a nobreza protege os mais fracos

Defender o povo dos inimigos externos era dever do rei e da nobreza, mas, ressalta Varnhagen, era fundamental também proteger os súditos uns dos outros, impedindo que os mais vulneráveis sofressem injustiças ou fossem enganados por falsas promessas democráticas. Ele explica que, em tempos imemoriais, quando europeus estavam em um estágio civilizatório tão deplorável quanto, a seu ver, os ameríndios, vivia-se em estado permanente de discórdia, hostilidade e conflito. A grande guinada se dá quando uma aristocracia surge, rompendo este ciclo. Esta teoria era usada para interpretar a situação dos povos originários do Brasil.

Divididos em cabildas insignificantes que umas às outras se evitavam, quando não guerreavam, [os indígenas] apenas podiam acudir aos interesses ditados pelo instinto de conservação vital; e numa grande extensão de território não aparecia um só chefe que estabelecesse um centro poderoso, como havia no Peru, cuja aristocracia, livre de cuidar só em resguardar-se das intempéries e em adquirir diariamente o necessário alimento, pudesse pensar no bem dos seus semelhantes, apaziguando suas contendas e civilizando-os com o exemplo (VARNHAGEN, 1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 107).

O requisito primordial para o desenvolvimento da civilização seria o estabelecimento de uma autoridade e a instituição da Ordem, permitindo que os estratos sociais se especializassem. Esta premissa está em consonância com a tradição monárquica portuguesa, cujos princípios eram a hierarquia e a desigualdade complementar. O ato de civilizar também se confunde com o monopólio da violência. “Apaziguar as contendas” significava centralizar o poder e criar uma estrutura punitiva capaz de pôr fim à brutalidade generalizada que supostamente imperava.

De acordo com Varnhagen (1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 34), “Os meios coercivos mais ou menos cruéis foram os que em todos os tempos geralmente se empregaram para domar e submeter à razão.” Seus elogios ao “grande tato governativo” do Marquês de Lavradio demonstram que a violência era considerada a estratégia mais apropriada para civilizar os habitantes da Colônia, “gentes da pior educação, de caráter o mais libertino, como são negros, mulatos, cabras, mestiços e outras gentes similares” (LAVRADIO, 1842LAVRADIO, Luís de Almeida Portugal. Relatório do marquês de Lavradio, vice-rei do Rio de Janeiro entregando o governo a Luís de Vasconcelos e Sousa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, Tomo IV, p. 409-486, 1842., p. 424). Neste horizonte, até mesmo advogados, juízes e ouvidores locais corriam risco de sofrer perseguições, sendo vistos como agitadores ou espíritos inquietos que ameaçavam a Ordem.

Eu mandei buscar [os bacharéis] e tive-os por muitos meses reduzidos a uma aspérrima prisão, macerei-os até o último ponto e com este meu procedimento se intimidaram todos os demais; e depois de estar tudo em sossego, tornei a permitir que voltassem para que pudessem contar aos outros o que lhes tinha sucedido (LAVRADIO, 1842LAVRADIO, Luís de Almeida Portugal. Relatório do marquês de Lavradio, vice-rei do Rio de Janeiro entregando o governo a Luís de Vasconcelos e Sousa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, Tomo IV, p. 409-486, 1842., p. 423).

Este trecho, reproduzido por Varnhagen (1857, p. 251), expressa de forma contundente a primazia da violência como método de ensinar e civilizar, contrariando as tendências que tornavam o suplício prática intolerável no século XVIII (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. Tradução: Raquel Ramalhete. Rio de Janeiro: Editora Vozes Ltda., 2014.). Na História Geral, tais ações eram atribuídas à historicidade, anistiando os aristocratas do julgamento da posteridade: “Obraram segundo as ideias do século” (VARNHAGEN, 1857VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa de J. del Rio, 1857. Tomo II., p. XXVII-XXVIII).

A nobreza merece ser paga

Outra função do rei e da nobreza era proteger os súditos da ambição dos ricos. Sem regulamentação, a ganância dos negociantes usurparia os suores de toda a indústria do lavrador, alertava Varnhagen (1854VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa da V. de Dominguez, 1854. Tomo I., p. 80). Enquanto os burgueses só pensavam em enriquecer, a nobreza se veria sem meios de obter o merecido conforto financeiro se seus títulos não fossem acompanhados de foros e regalias. Em consonância com o corporativismo ibérico, o autor defendia a hereditariedade de títulos de nobreza e mercês pecuniárias agregadas.

[Assim como] respeitamos a propriedade transmitida aos filhos e netos, não concebemos que igualdade de justiça haja em excluir do gozo da hereditariedade a certas recompensas públicas ganhas pelos que, em vez de terem dedicado a vida a juntar dinheiro, a gastaram mais nobremente servindo a pátria à custa de seu sangue, do seu cogitar e até da sua própria fazenda (VARNHAGEN, 1857VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Madrid: Imprensa de J. del Rio, 1857. Tomo II., p. 31, grifos meus).

No contexto linguístico dos anos 1850, defender os privilégios econômicos da nobreza hereditária era no mínimo polêmico, para alguns, um insulto. Talvez nem mesmo os conservadores históricos ousassem expressar tais pensamentos em público, já que suas identidades se fundavam no ideal de aristocracia vitalícia e simbólica, mérito pessoal e sem gastos públicos. Por outro lado, para aqueles que acreditavam viver em um contexto de progresso, a obra de Varnhagen soava retrógrada e antinatural. Assim, liberais e republicanos assistiram boquiabertos à publicação da História Geral, cuja leitura lhes provocara “repugnância”, “indignação” e “falta de ânimo para continuar a percorrer essas páginas deploráveis” (Correio Official de Minas, edição 182, 1858, p. 2).

Conclusão

O objetivo do artigo foi analisar a polissemia do conceito de nobreza nos idiomas políticos que compõem a textura linguística do Brasil no século XIX. Tendo em vista a vasta literatura sobre as mudanças semânticas no período, priorizei uma abordagem que lançasse luzes sobre a continuidade de idiomas típicos da cultura da Ordem ibérica no debate político e na historiografia nascente. Para explicitar esta perpetuidade, o artigo recupera os princípios centrais da cultura monárquica lusa, entendendo-a como uma linguagem. O idioma da Ordem se caracteriza por uma temporalidade lenta, com forte apelo à conservação, à noção de desigualdade natural e a valores de matriz militar como o respeito às hierarquias, à obediência e à autoridade. A Alta Nobreza é vista como o segmento mais antigo e virtuoso da sociedade. Juridicamente, seus títulos nobiliárquicos não são apenas símbolos de distinção; a eles se agregam morgados, pensões e outros privilégios concretos, encarados como propriedade privada transmissível aos descendentes.

Na América, os portugueses continuaram a orientar suas ações a partir desta cultura, entretanto, a distância em relação à metrópole incentivou a iniciativa particular, impactando a ótica sobre a aristocracia. A ascensão dos colonos estava mais ligada ao mérito individual que ao passado nobre; além disso, os títulos disponíveis a eles eram os de Baixa Nobreza, apenas vitalícios. Mais tarde, no contexto dos anos 1820, jornais e panfletos permitiram amplo acesso ao vocabulário liberal, republicano e democrático. “Cada uma dessas linguagens favorece determinadas distribuições de prioridade e, consequentemente, de autoridade” (POCOCK, 2003POCOCK, John Greville. Linguagens do ideário político. Tradução de Fábio Fernandez. São Paulo: Edusp, 2003., p. 32).

Com efeito, as luzes estavam repletas de tropos típicos para lutar contra o absolutismo, pleitear regimes constitucionais e, no limite, derrubar regimes monárquicos. Estas linguagens atingem o conceito de nobreza, que sofre alterações. No idioma da igualdade, a regra seria aniquilar a aristocracia em prol de uma sociedade plenamente democrática; já na linguagem do luxo, a crítica incide sobre a nobreza cortesã, definindo-a como ociosa e parasitária, constrangendo-a a adotar uma postura econômica “moderna”, industrial, liberal.

Os partícipes do debate público brasileiro se apropriaram desses idiomas para interpretar a realidade local, integrando-os ao contexto linguístico. Os liberais moderados e boa parte dos conservadores amoldaram a linguagem do luxo para defender uma nobilitação meritocrática, vitalícia e simbólica, congruente com a experiência colonial. Os republicanos (liberais exaltados), por sua vez, mobilizaram o arquétipo do cortesão parasita e o tropo do anacronismo para demandar uma sociedade democrática, baseada na igualdade. Assim sendo, descrevem-se como radicalmente antiaristocráticos.

Apesar dos limites deste artigo, há pistas de que este idioma foi o grande vitorioso com a instituição da República, em 1889. Uma imagem caricatural da nobreza predominou na cultura popular e nas artes, bem como no imaginário político e histórico, respaldada pela obra satírica e historiográfica de Joaquim Felício dos Santos (MARTINS, 2021MARTINS, Amanda. O látego e o riso: a historiografia republicana de Joaquim Felício dos Santos.História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 14, n. 36, p. 403-433, 2021. DOI: 10.15848/hh.v14i36.1715.
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). Imersa no progressismo moderno, parte expressiva da historiografia brasileira tendeu a destacar recortes de pioneirismo republicano, negligenciando a permanência do idioma da Ordem em certos contextos. Interpretações nativistas se tornaram hegemônicas, pautadas por uma perspectiva teleológica que expõe movimentos de revolta de forma acentuada, reforçando a ideia de que rupturas progressivas rumo ao futuro democrático estavam sendo construídas (SILVA, 1997SILVA, Rogério Forastieri. Colônia e nativismo: a História como “biografia da nação”. São Paulo: Hucitec, 1997.; MOTA, 2008MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974). São Paulo: Editora 34, 2008.).

Embora a linguagem da Ordem tenha perdido a hegemonia na década de 1820, certamente continuou a compor o discurso político e a disputar o conceito de nobreza ao longo do século XIX. A História Geral do Brazil, de Varnhagen, demonstra este movimento. Num contexto dominado pela alegoria do cortesão parasita, sua obra busca recuperar o prestígio da nobreza hereditária, reconciliando nascimento e mérito. Para tanto, o autor resgatou a imagem da nobreza militar antiga, fundada no valor individual, na experiência ancestral, no sacrifício da guerra e na conservação da sociedade. A Alta Nobreza hereditária ressurgia como protagonista do processo histórico. Inserida em uma longa filosofia da história, sua gênese é vista como crucial para o progresso das nações.

A aristocracia também foi entendida como o último bastião na defesa dos mais fracos. A violência é considerada o recurso mais eficiente para coibir a injustiça e a demagogia utópica. Esta visão distancia Varnhagen do democratismo e mesmo dos princípios monárquico-constitucionais adotados no Brasil. Neste, esperava-se que leis e instituições fossem criadas para inibir a concentração de poder, freando as paixões e favorecendo a virtude. Já no regime monárquico descrito pelo autor, a ação da aristocracia e a ética nobiliárquica ocupam em alguma medida o lugar das instituições.

O idioma da Ordem decerto favorece argumentos que limitam a participação popular nos assuntos de interesse geral, além disso, justifica o monopólio da governança pelo rei e pela aristocracia supondo que alguns, os “melhores”, devem governar. Por fim, toca num tema espinhoso: a defesa dos privilégios pecuniários e hereditários da nobreza.

Quais seriam as consequências possíveis deste discurso no cenário Oitocentista?

No que tange à representação do poder, a História Geral recuperava o prestígio da aristocracia e legitimava seu papel governativo no Segundo Reinado. No passado e no presente, a nobreza era vista como responsável por manter a ordem e evitar os perigos de um governo liderado pelo povo, entendido como uma multidão irracional. Por outro lado, Varnhagen trazia uma inovação, ou melhor, uma regressão: a defesa da hereditariedade da aristocracia, uma concepção que parecia superada naquela conjuntura.

Este lance foi executado sem alarde, inserido em um passado português relativamente distante, entretanto, não deixava de produzir seus efeitos em um presente marcado pela consolidação do projeto conservador. Em um momento em que o Senado, o Conselho de Estado e a Câmara estavam repletos de nobres titulados e parcialmente pacificados pela Conciliação, a História Geral abria brecha para que demandassem a hereditariedade de seus títulos. Este discurso também devia ser tentador para aqueles que estivessem em condição de ser titulados, incluindo-se os “homens de letras”. A adoção desta bandeira por jornalistas, por exemplo, forneceria um cenário propício para que a nobreza legislasse em causa própria. Caso isso ocorresse, os títulos seriam tratados como propriedade e impor-se-iam a todo poder - inclusive à autoridade da Coroa, já que todas as gerações de monarcas deveriam respeitar os direitos adquiridos.

Como se vê, ao longo do século XIX a polissemia do conceito de nobreza foi disputada. Continua a ser, aliás, como demonstram os movimentos marginais de restauração monárquica em nossos tempos.

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  • VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. A caça no Brasil ou o Manual do Caçador Rio de Janeiro: Casa de E. & H. Laemmert, 1860.

NOTAS

  • 1
    Alguns exemplos desta abordagem são o Movimento pela Restauração da Monarquia no Brasil e a TV Imperial, que impulsionam centenas de milhares de militantes no youtube e nas redes sociais.
  • 2
    Não só o pretendente ao título, como seus pais e avós, deveriam provar jamais terem exercido atividades manuais; que eram cristãos velhos por três gerações, prerrogativa anulada por Pombal. O estilo de vida também constituía prova: era preciso atestar que eram ricos e se tratam nobremente com cavalos e criados. Tais provas se davam por meio de documentos e testemunhas (SILVA, 2005SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2005., p. 99-100).
  • 3
    Anais do Senado, 09/07/1829, p. 75; 10/07/1829, p. 81 apudOLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Marina Garcia. Entre nobres lusitanos e titulados brasileiros: práticas, políticas e significados dos títulos nobiliárquicos entre o Período joanino e o alvorecer do Segundo Reinado. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://repositorio.usp.br/item/002456110 . Acesso em: 26 abr. 2021.
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    , p. 176; 178.
  • 4
    O manifesto está disponível em ASLAN, 1975, p. 259.
  • 5
    Anais do Parlamento, sessão de 2 de novembro de 1827. (Biblioteca Nacional).
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da CAPES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2021
  • Aceito
    21 Abr 2021
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