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Ativismo em direitos humanos e violência: notas sobre a história da FEDEFAM e a atualidade do desaparecimento forçado de pessoas

Human rights activism and violence: notes on the history of FEDEFAM and the current state of the enforced disappearance of people

Resumo:

Este artigo reconstitui os primeiros anos da história da FEDEFAM (Federação Latino-americana de Associações de Familiares de Detidos e Desaparecidos). Avalia as contribuições e procedimentos adotados pela Federação quanto a denunciar o crime de desaparecimento forçado de pessoas no contexto de vigência das ditaduras civil-militares da região. Emprega dois marcos conceituais de análise: 1) a relação entre redes e movimentos sociais para compreender as estratégias que mobilizaram o trabalho da FEDEFAM em caráter local e transnacional; 2) a noção de “violência extrema” apropriada da leitura de Éttienne Balibar, que o texto procura destacar como o crime de desaparecimento forçado representa o ponto de superação da violência normalizada. Em paralelo a esse processo de reflexão, o artigo propõe, em termos conclusivos, pensar a atualidade e permanência dos crimes de desaparecimento forçado nos quadros sociais da violência cotidiana.

Palavras-chave:
FEDEFAM; direitos humanos; desaparecimento forçado; redes e movimentos sociais; violência

Abstract:

This article traces the early years in the history of FEDEFAM (Latin American Federation of the Associations of the Relatives of Detained-Disappeared People). It examines the contributions and procedures adopted by the Federation to denounce the crime of enforced disappearance of people during civic-military dictatorships in the continent. It employs two conceptual pillars of analysis: 1) the relation among networks and social movements to understand the strategies that drove FEDEFAM’s work in local and transnational environments; 2) the notion of “extreme violence” according to Étienne Balibar, who highlights how the crime of enforced disappearance represents the threshold to normalized violence. Besides this process of reflection, this article proposes, in conclusive terms, to ponder upon the current state and permanence of enforced disappearance crimes in social frameworks of everyday violence.

Keywords:
FEDEFAM; human rights; enforced disappearance; networks and social movements; violence

Este artigo reconstitui o início da história da Federação Latino-americana de Associações de Familiares de Detidos e Desaparecidos (FEDEFAM). Ademais, demonstra quais foram as demandas que impulsionaram o surgimento da Federação em janeiro de 1981, suas modalidades de reivindicações e a inserção de organizações regionais de direitos humanos congregadas em uma Federação que abrangeu, ao menos, 12 países entre o continente latino-americano e o Caribe. Em paralelo a essa perspectiva, discute conclusivamente sobre a atualidade e a persistência dos casos de desaparecimento forçado nos quadros sociais de violência cotidiana.

O empenho central da Federação no início da década de 1980 consistiu em denunciar, perante a comunidade internacional, os crimes de desaparecimento forçado de pessoas e elaborar um Projeto de Estatuto contra esse delito de lesa humanidade com o objetivo de levá-lo à consideração das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos.

Esta análise começou a ser desenvolvida no ano de 2016, motivada por experiências de pesquisa que realizei a partir de duas visitas realizadas ao Archivo Nacional de la Memoria, em Buenos Aires, detentor de parte da documentação da FEDEFAM. A investigação apresenta alguns de seus resultados parciais e está vinculada a um projeto de pesquisa mais amplo que desenvolvo no eixo “Cidadania, Violência e Direitos Humanos”, com recursos do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico - CNPq. 1 1 O Projeto é coordenado pela Dra. Marion Brepohl/UFPR, e leva o título de: “Violência na era dos direitos humanos: a questão da invisibilidade social de grupos vulneráveis”. O ano de 2016 coincide com a assinatura, pela presidente Dilma Rousseff, do Decreto n. 8.767BRASIL. Decreto nº. 8.767 de 11 de maio de 2016. Promulga a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, firmada pela República Federativa do Brasil em 6 de fevereiro de 2007. Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível: Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8767.htm . Acesso em: 15 jan. 2019.
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, que promulgou a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado. O processo cronológico que levou à promulgação da Convenção Internacional foi, todavia, lento: o documento foi concluído em 20 de dezembro de 2006 e firmado pelo Brasil em 6 de dezembro de 2007. O governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação à Convenção junto ao Secretário Geral das Nações Unidas em 29 de novembro de 2010, e a mesma entrou em vigor para o país, no plano jurídico externo, em 29 de dezembro de 2010. 2 2 Em paralelo a esse processo, verifica-se que o Congresso Nacional aprovou a Convenção Internacional por meio do Decreto Legislativo n. 661 de 1 de setembro de 2010.

O artigo é estruturado pelas seguintes seções. A primeira é uma breve contextualização bibliográfica que busca recuperar os dilemas enfrentados pelas pessoas que tiveram familiares vitimados pelos crimes de desaparecimento forçado; crimes esses cometidos pelas ditaduras que infestaram a América Latina entre as décadas de 1960 a 1980. Delitos amplamente conhecidos pela comunidade nacional, reconhecidos pelo Estado brasileiro e pela comunidade do direito humanitário internacional.3 3 Quando afirmo “conhecidos pela comunidade nacional” refiro-me à Lei n. 9.140 de 4/12/1995, que em seu artigo 1 destacou: “São reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias”. O Anexo I da Lei elenca o nome de 136 pessoas desaparecidas com a época provável do desaparecimento. Disponível em: http://www.planalt.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9140compilada.htm. Acesso em: 24 dez. 2019. Ressalto que o número de desaparecidos reconhecidos pela lei brasileira está em contradição com o levantamento da CNV (Comissão Nacional da Verdade) que identificou 210 desaparecidos, e mais 33 desaparecidos cujos corpos tiveram seu paradeiro posteriormente localizado, quatro deles durante os trabalhos da CNV. No entanto, há uma distinção cronológica entre a Lei 9.140 e a CNV. Enquanto a primeira toma como ponto de partida o ano de 1961, a CNV aplica a metodologia a partir do ano de 1946. Ver: Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Mortos e desaparecidos políticos. Brasília: CNV, 2014. Quando afirmo “comunidade do direito humanitário internacional”, refiro-me ao trabalho realizado pelo Ministério Público Federal em dezembro de 2018, ao disponibilizar as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos traduzidas ao português. Ver: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-atuacao/corte-idh. Acesso em: 12 dez.2019. Ainda que, até o presente, tenham sido alvo de censuras, silêncios e/ou apagamentos pelos criminosos que seguem vivos e impunes, ou tripudiados pelas vozes negacionistas dos herdeiros desses regimes abjetos e anacrônicos, tais delitos impõem-se como acontecimentos estruturantes da memória histórica da região e são continuamente discutidos, ao menos, pela historiografia, direito, psicologia, e mais recentemente, pela antropologia. 4 4 A literatura sobre o desaparecimento forçado é vasta, e, sobretudo, de natureza interdisicplinar e comparativa. Cito aqui alguns exemplos: MARTYNIUK (2004); GATTI (2008, 2011); CALVEIRO (2013); RUBIN (2015); MENDOZA (2016); SILVESTRE (2016).

Nessa mesma seção do artigo, estabeleço alguns marcos conceituais que podem subsidiar a análise. Tomo como referência a relação entre redes e movimentos sociais, e a essa reflexão somo as contribuições de Kathryn Sikkink. Igualmente, merece minha atenção o diálogo com algumas intuições teóricas de Étienne Balibar, no qual o autor desenvolve suas considerações a respeito da ideia de “violência extrema”. A seguir, descrevo o processo de constituição da FEDEFAM, em 1981, na cidade de San José de Costa Rica, e a sua consolidação como uma organização de alcance transnacional no Segundo Congresso realizado em Caracas no mês de novembro do mesmo ano. Tenho por base a documentação extraída do Archivo Nacional de la Memoria, reunindo informes de três Congressos e sucessivas argumentações de denúncias sobre o desaparecimento forçado publicadas pelo Boletim Informativo da FEDEFAM. Aqui, também emprego um depoimento concedido pelo ex-secretário executivo da Federação: o ex-padre irlandês Patrick Rice (1945-2010). 5 5 A entrevista com Patrick Rice foi realizada pelo colega historiador Mario Ayala, professor da UNTDF (Universidad Nacional de Tierra del Fuego, Antartida e Islas del Atlantico Sur/Argentina). Está publicada em edição da Revista Cantareira (jan./jul. 2014). Agradeço ao autor da entrevista pela referência, que segue devidamente citada na lista ao final deste artigo. Na seção seguinte do artigo, analiso o documento “Proyecto de Convención sobre Desaparecimiento Forzado”, concebido por uma equipe de juristas convocados pela FEDEFAM no marco de realização do II Congresso em Caracas (novembro de 1981) e publicado em junho de 1982.

Ao final, confessando certa condição em que os sentimentos de perplexidade conjugaram-se ao esgotamento intelectual e emocional, seja inadvertidamente, seja pelo traçado talvez imperfeito e desigual tomado pelo meu plano de leituras, o foco narrativo do texto deslocou-se para uma apropriação oblíqua sobre o tema do desaparecimento forçado. As conclusões sobre o texto passaram por um processo de ressemantização quando tive um contato mais aproximado com a magnitude do problema do desaparecimento em nossas sociedades presentes. Destarte, nestas conclusões procuro situar no marco tais problemas do que podem vir a se converter em novas investigações, e nos quais meu esforço tentou relacionar a dimensão de repressão política do fenômeno do desaparecimento à dimensão de repressão policial, repercutida nas formas assumidas pela violência cotidiana.

Desaparecimento forçado - ponto final do circuito da repressão

O desaparecimento forçado é uma das modalidades assumidas pelos delitos de lesa humanidade. Uma figura jurídica cuja natureza de excepcionalidade, no âmbito do direito penal internacional, permitiu circunscrevê-la como um crime imprescritível, carecendo dos institutos da anistia e do indulto. Os antecedentes históricos dos crimes ou delitos de lesa humanidade podem ser localizados entre o final do século XIX e início do século XX, a partir da II Convenção de Haia (1899) e da IV Convenção de Haia (1907), que deliberaram, ambas, a respeito das “Leis e Costumes sobre a Guerra Terrestre” (LORENZETTI; KRAUT, 2011LORENZETTI, R. L.; KRAUT, A. J. Derechos humanos: justicia y reparación: la experiencia de los juicios en la Argentina: crímenes de lesa humanidad. Buenos Aires: Sudamericana, 2011., p. 23-24). Sendo uma conduta específica constitutiva dos delitos de lesa humanidade, o desaparecimento forçado está definido como:

a detenção, a prisão, ou o sequestro de pessoas por um Estado ou uma organização política, ou com a autorização, o apoio ou a concordância destes, seguidos de recusa a reconhecer tal estado de privação de liberdade ou a prestar qualquer informação sobre a situação ou localização dessas pessoas, com o propósito de lhes negar a proteção da lei por um prolongado período de tempo. 6 6 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm Acesso em: 24 dez. 2019. As demais condutas específicas constitutivas dos delitos de lesa humanidade são, de acordo com o mesmo Estatuto: homicídio, extermínio, escravidão, deportação ou transferência forçada de uma população, prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional, tortura, agressão sexual (escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável), perseguição de um grupo ou coletividade (que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero), apartheid, outros atos desumanos de caráter semelhante (que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental).

No que se refere à política terrorista adotada deliberadamente pelos estados militarizados da América Latina entre as décadas de 1960 a 1980, sugiro que o desaparecimento forçado pode ser frequentemente associado ao ponto final de um circuito repressivo padrão: inicia com a detenção ilegal e/ou sequestro de pessoas, prossegue com a tortura, e degenera para o assassinato sem que se tenha conhecimento da localização dos corpos das vítimas. Outra característica que sobressai dessa prática, e é reafirmada pela jurisprudência internacional, é tratar-se de uma conduta múltipla, autônoma e permanente. Como ressaltam juristas, a natureza múltipla do desaparecimento forçado está em sua “pluriofensividade”. Vale dizer: a transgressão de vários direitos protegidos por dispositivos jurídicos internacionais, como o “direito a não ser submetido à tortura, o direito à vida, o direito à proteção judicial e ao reconhecimento da personalidade” (SCHETINI; MELO, 2018SCHETINI, A. B. de M.; MELO, C. de C. O desaparecimento forçado sob as lentes da ONU: contribuições para a justiça de transição brasileira. In: BRASIL, Ministério Público Federal. Justiça de transição, direito à memória e à verdade: boas práticas. Brasília: MPF, 2018. p. 342-365. 4 v., p. 352).

O emprego sistemático desse expediente criminoso pelas ditaduras, durante o marco histórico mencionado, fez com que dezenas de organizações de direitos humanos passassem a ser criadas e a se manifestar por meio de várias metodologias de denúncia. Por exemplo, em dezembro de 1981, ao publicar seu informativo quinzenal Solidaridad, a Vicaria de la Solidaridad del Arzobispado, de Santiago, ligado às expressões mais progressistas da igreja católica chilena, fez saber aos seus leitores sobre a estimativa de pessoas vítimas do desaparecimento forçado na América Latina:

Jovenes, ancianos, niños, hombres y mujeres. Una abigarrada legión de 90.000 personas constituye otro dramático record que hoy muestra nuestra América Latina y el Caribe. Son los detenidos desaparecidos por razones de conciencia. Sus casos permanecen sin resolver, prolongando una angustia que dura varios años. (SOLIDARIDAD, 1981SOLIDARIDAD - Informativo Quincenal de la Vicaria de la Solidaridad del Arzobispado de Santiago. 90 mil desaparecidos. Santiago, n. 126, año 6, p. 17-18, Segunda Quincena Diciembre 1981, p. 17).

Estudos recentes publicados na Colômbia, pelo Centro Nacional de Memoria Histórica (CNMH), concluíram que as reações comuns a esse tipo de delito desde o horizonte do perpetrador, são as de silenciar sobre a própria existência da vítima e cuidar para que não haja possíveis registros do delito, nem rastros do vitimado: “se empeña, por eso, en ocultar de la faz de la tierra la existencia de una persona” (CNMH, 2016Centro Nacional de Memoria Histórica. Hasta encontrarlos: el drama de la desaparición forzada en Colombia. Bogota: CNMH, 2016., p. 14). O mesmo estudo destaca a mobilização e o esforço dos familiares por exigir o reconhecimento do delito de desaparecimento forçado, porque os casos ocorridos na Colômbia até o ano 2000 eram classificados como sequestros ou homicídios. O reconhecimento dos desaparecimentos forçados nesse país foi possível graças ao trabalho da Associação de Familiares de Detidos e Desaparecidos. É nesse âmbito que se pode dimensionar a importância da FEDEFAM, pois aquela organização colombiana “participó desde sus inicios en la Federación Latinoamericana de Asociaciones de Familiares de Detenidos - Desaparecidos (FEDEFAM), consolidando relaciones con otras organizaciones y entes internacionales” (CNMH, 2016Centro Nacional de Memoria Histórica. Hasta encontrarlos: el drama de la desaparición forzada en Colombia. Bogota: CNMH, 2016., p. 55).

Ademais, o “aparecer” do desaparecido somente se consolida pela certeza de materialidade do corpo, ou seja; que os restos mortais localizados sejam, efetivamente, da pessoa que é procurada. A gravidade da conduta perdura enquanto não “restar conhecido o verdadeiro paradeiro da pessoa desaparecida, com a efetiva certificação de sua identidade” (SCHETINI; MELO, 2018SCHETINI, A. B. de M.; MELO, C. de C. O desaparecimento forçado sob as lentes da ONU: contribuições para a justiça de transição brasileira. In: BRASIL, Ministério Público Federal. Justiça de transição, direito à memória e à verdade: boas práticas. Brasília: MPF, 2018. p. 342-365. 4 v., p. 353). Não é suficiente, portanto, a morte presuntiva da vítima por meio de um atestado de óbito ou declarações oficiais provindas de agentes estatais. Como reafirmam Schetini e Melo (2018SCHETINI, A. B. de M.; MELO, C. de C. O desaparecimento forçado sob as lentes da ONU: contribuições para a justiça de transição brasileira. In: BRASIL, Ministério Público Federal. Justiça de transição, direito à memória e à verdade: boas práticas. Brasília: MPF, 2018. p. 342-365. 4 v.), é imprescindível que o Estado identifique os restos mortais da pessoa desaparecida, apontando, até onde é possível, a data, as circunstâncias e as causas da morte, bem como a existência de eventuais lesões ou sinais de tortura. Essa normativa internacional quando cotejada, em específico, com a Lei brasileira 9.140/1995, tenderia a estabelecer um ponto de controvérsia quanto ao governo brasileiro adotar, como situação consolidada ou como argumento, que pessoas desaparecidas seriam, também, aquelas que não se tendo notícias do seu paradeiro, acham-se desaparecidas, “sem que delas haja notícias” (SCHETINI; MELO, 2018SCHETINI, A. B. de M.; MELO, C. de C. O desaparecimento forçado sob as lentes da ONU: contribuições para a justiça de transição brasileira. In: BRASIL, Ministério Público Federal. Justiça de transição, direito à memória e à verdade: boas práticas. Brasília: MPF, 2018. p. 342-365. 4 v., p. 357). É uma fórmula, no mínimo, grosseira de (des)responsabilização e pela qual o Estado somente se compromete com cláusulas de reparação pecuniária. Ainda que a mesma lei prescrevesse a criação de uma comissão especial sobre mortos e desaparecidos políticos, que tinha entre seus objetivos proceder ao reconhecimento de pessoas não elencadas no diploma legal, ela retroagia no sentido de que caberia ao “cônjuge, o companheiro ou a companheira, descendente, ascendente, ou colateral até quarto grau, das pessoas nominadas na lista referida no art. 1, comprovando essa condição”, requerer a oficial de registro civil das pessoas naturais de seu domicílio a lavratura do assento de óbito, instruindo o pedido com original ou cópia da publicação da lei e de seus anexos (BRASIL, 1995BRASIL. Lei nº. 9.140 de 04 de dezembro de 1995. Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1995. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9140compilada.htm . Acesso em: 24 dez. 2019.
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, Art. 3, grifo nosso). Portanto, a lei brasileira silencia sobre responsabilização e punição dos responsáveis pelos crimes, invocando, obviamente, os princípios de “reconciliação e pacificação nacional” previstos na sombria Lei de Anistia de 1979.

No campo da investigação antropológica, Ludmila da Silva Catela, ao colocar em evidência as estratégias cognitivas da etnografia, analisou a memória elaborada pelos familiares de desaparecidos na Argentina. Em um exemplar trabalho de reconstituição das experiências traumáticas vivenciadas por familiares, entre outras questões, Catela percebeu, pela voz das testemunhas, que o desaparecimento se constrói como um “lugar” sem corpo, sem túmulo, sem morte:

No ritual fúnebre, o locus de culto é o corpo. Sobre ele se fala, sobre ele se chora... O corpo condensa e domestica a morte. [...] A falta de um corpo acarreta a ausência de um lugar de culto. O túmulo marca o lugar exato em que o corpo foi depositado. [...] Por outro lado, a impossibilidade de ver os restos mortais faz com que a morte não se possa consumar nas consciências. A imagem que os familiares recriam ainda faz parte, de alguma forma do sistema das coisas “deste mundo”. (CATELA, 2001CATELA, L. da S. Situação-limite e memória: a reconstrução do mundo dos familiares de desaparecidos da Argentina. São Paulo: Hucitec, 2001., p. 151, 159, 190).

Os sentidos atribuídos pelo vocabulário político ao “detido-desaparecido”, muito pela cota do trabalho militante desenvolvido pelos familiares, elevaram-se ao status de categoria de análise das ciências sociais, praticamente, em paralelo ao processo em que foi se consolidando como categoria jurídica na esfera do direito internacional. 7 7 Segundo Rubin (2015, p. 9), “o surgimento da categoria forense de desaparecido forçado acontece nos anos setenta do século passado”. Desde então, os acadêmicos de distintas disciplinas depararamse com a necessidade de buscar uma descrição adequada capaz de unificar em uma só definição sociojurídica diferentes casos práticos de violência clandestina contra civis. Assim, no ponto de vista do meu artigo, há uma indissociabilidade entre a historiografia do desaparecimento forçado e a história desse objeto de estudo desde a perspectiva do direito. Ainda devemos considerar, nesse contexto intelectual, a importância das transversalidades disciplinares sobre o estudo do fenômeno. Como destaca Sanjurjo (2018SANJURJO, L. Sangue, identidade e verdade: memórias sobre o passado ditatorial na Argentina. São Carlos: EDUFSCAR, 2018.), quando significam a figura do detido-desaparecido, os familiares reconhecem-se como atores políticos, articulando demandas por justiça e responsabilização por meio de práticas sociais nas quais a família e o parentesco emergem a partir de sua condição política. 8 8 E reafirmando tal condição política assumida pelos familiares, Sanjurjo (2018, p. 151) sublinha: “Convertendo o tema da restituição da identidade das vítimas em uma questão crucial de suamilitância, o movimento de familiares reage ao que concebe ser uma forma de apagamento identitário - seja pelo extermínio de adultos, seja pela construção de identidades alternativas (apropriação de bebês).” Na reunião de argumentos de Catela (2016) e Sanjurjo (2018SANJURJO, L. Sangue, identidade e verdade: memórias sobre o passado ditatorial na Argentina. São Carlos: EDUFSCAR, 2018.), é sensato supor uma relação indissociável entre “coisas” objetivas e subjetivas, tanto ligadas à função ritualística exigida pela morte quanto pela necessidade de o familiar conhecer a exata localização física do ente que desapareceu, esteja vivo ou morto. Foi assim que as organizações de direitos humanos constituídas por “familiares de desaparecidos” passaram a conceber formas de mobilização que combinassem demandas locais e transnacionais. Nessa perspectiva, pode-se inferir, conceitualmente, que o trabalho desempenhado por organizações de âmbito local/nacional irradiou em modalidades de militância que exigiram funções organizativas mais amplas, congregando o que Kathryn Sikkink entende como um diálogo entre redes e movimentos sociais.

Para Sikkink (2006SIKKINK, K. A emergência, evolução e efetividade da Rede de Direitos Humanos da América Latina. In: JELIN, E.; HERSHBERG, E. (org.). Construindo a democracia: Direitos Humanos, Cidadania e Sociedade na América Latina. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. p. 97-132.), se um “movimento social” tende a enfatizar protestos de cidadãos na base, não conseguiria, dado ao seu alcance local, captar os atores envolvidos em uma rede internacional de direitos humanos. A rede internacional, ou transnacional, embora não conjugue uma perfeita sintonia de propósitos, ou níveis elevados de coordenação entre os grupos, estaria mais habilitada a estabelecer ou compartilhar valores participando de um fluxo frequente de informações geradas no exterior. Os aspectos relacionais entre movimento social (de âmbito local) e redes (de âmbito transnacional) favorecem, portanto, identificarmos a rede (neste caso, representada pelo papel da FEDEFAM) como aquela que comporta estruturas organizacionais mais amplas e em diálogo tanto com os movimentos sociais locais quanto com outras organizações internacionais, ao passo que a manutenção das identidades, as ações políticas e as estratégias desenvolvidas pelo movimento social (neste caso, as organizações locais de direitos humanos) estariam ajustadas ao processo conflitivo interno, sem prejuízo, no entanto, de uma simbiose de suas práticas com as organizações internacionais. Tal formulação torna-se mais clara pelo fato de as organizações de familiares de detidos e desaparecidos terem construído sua unidade, ainda que não isenta de fricções e divergências, na modalidade federada.

Outro aspecto a ponderar, e que alicerça teoricamente a minha narrativa, é o papel atribuído à FEDEFAM no tocante a pensar e agir sobre a prática do desaparecimento forçado como aquele crime-paradigma que representa um ato de violência extrema desencadeada pelas ditaduras, mas não somente por elas. Aproprio algumas intuições teóricas de Étienne Balibar, quando esse pensador opera distinções entre “violência normal” ou “violência normalizada” e “violência extrema”. Se a “violência normalizada”, como pretende Balibar, não é o “outro” da política, mas indissociável da relação com a política, ou, então, relativamente independente da natureza dos regimes políticos (desde que haja uma violência que é intrínseca às democracias tradicionais), tendo a imaginar ou conceber um modelo de compreensão, seguindo Balibar, que visualiza o desaparecimento forçado como a antítese paradoxal da violência normalizada. É quando, como sugere Balibar, a política normal não saberia nos proteger, porque essa política existente encontra-se aniquilada por um estado de excepcionalidade que ultrapassa os limites dessa mesma política. É quando se observa que o ponto no qual se toca mais fundo é aquele onde a solidariedade desaparece; “aquele em que toda a esperança de ajuda ou inclusive de um chamado de auxílio são aniquilados” (BALIBAR, 2015BALIBAR, É. Violencia, política, civilidad. Ciência Política, Bogotá, v. 10, n. 19, p. 45-67, jan./jun. 2015., p. 50). O ponto de passagem de uma violência normalizada para um estado de violência extrema é o que Balibar define pelo nome de umbral, ou em outra linguagem, o limiar. Nesse sentido, as perguntas formuladas por Balibar são de tal modo inquietantes que podemos também empregá-las como esteio para entender os agenciamentos produzidos pela FEDEFAM: em que momento podemos temer ou constatar que uma política existente se encontra aniquilada? Quando devemos postular que a política deva ser reinventada ou refundada para que a resistência a um regime terrorista, a priori impossível, entre na esfera do possível? Para aniquilar grupos humanos, como é o caso do desaparecimento forçado, também há de se aniquilar sua memória, há de se aniquilar a recordação daquilo que foram. Em síntese, o desaparecimento forçado como violência extrema, cujo efeito devastador se faz sentir sobre vítimas e familiares, “requer ser pensado a partir de conceitos também extremos” (GATTI, 2011GATTI, G. El lenguaje de las víctimas: silencios (ruidosos) y parodias (serias) para hablar (sin hacerlo) de la desaparición forzada de personas. Universitas Humanística, Bogotá, p. 89-109, jul./dez. 2011., p. 91).

O papel insurgente da FEDEFAM estaria, portanto, em conceber respostas dentro de uma estratégia de contraviolência que fizesse emergir demandas sistemáticas tanto no campo das relações com movimentos sociais quanto na esfera das relações com as redes internacionais de direitos humanos, bem como em refundar a política, elaborando formas de resistência que restituíssem a representação ativa dos detidos-desaparecidos, por meio da luta pela sua aparição física, ou no limite, pela permanência de sua memória, estabelecendo ou gestionando objetivamente o local do sepulcro e tendo por desdobramento a responsabilização e a reparação. Se a invisibilidade do desaparecido calibra a existência do terrorismo de estado, aprofunda a política de esquecimento e induz ao desconhecimento forjado pelos perpetradores, 9 9 No artigo do informativo Solidaridad, citado anteriormente, há uma menção indireta ao esquecimento: “En cada entrevista con familiares, se repetían los antecedentes comunes. Hijos, esposas, esposos, nietos, hermanos, todos detenidos por grupos sin ninguna orden legal. Y la respuesta de las autoridades militares era sugestivamente igual: “Se desconoce el paradero” (Solidaridad, 1981, p. 17). é plausível supor que os três objetivos centrais a nortear a experiência da FEDEFAM nucleavam em torno às denúncias da violência extrema significada pelo crime do desaparecimento forçado, a saber: 1) resgatar com vida as vítimas de desaparecimento forçado dos lugares de reclusão clandestina onde eram mantidas e obter a devolução de crianças de pais submetidos ao desaparecimento forçado a suas famílias de origem; 2) investigar cada caso de desaparecimento forçado e o ajuizamento e castigo dos responsáveis por esses crimes; 3) promover ou sugerir normas jurídicas nacionais e internacionais que, tipificando o desaparecimento forçado como um crime contra a humanidade, constituíssem medidas de justiça e prevenção desse delito (FEDEFAM, 1981FEDEFAM. Informes, año de 1981. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires., n. p.).

Os primórdios da FEDEFAM - San José de Costa Rica, Caracas e além

Ao ser entrevistado pelo historiador Mario Ayala em 2008, o ex-padre irlandês Patrick Rice (1945-2010), coordenador e primeiro secretário executivo da FEDEFAM, afirmou que as origens da organização se encontram na Federación Latinoamericana para el Desarollo Social (Fundalatin), uma obra quase pessoal do sacerdote espanhol Juan Vives Suriá. Presidente da Caritas, da Venezuela, por alguns anos, Vives Suriá, a partir dessa posição, conseguiu obter contatos de maior alcance com muitos países:

Además, él tenía un talento muy particular como artista y como comunciador. Era un gran comunicador social. Yo aprendí mucho con él. Vives se comunicaba a los diarios, saludaba, comunicaba, llamaba a las cinco de la mañana. Siempre estaba llamando, sino salía la nota, si salía o no salía, era un obsesivo de ese tema. (AYALA, 2014aAYALA, M. La formación de comités y redes de lucha contra la dictadura militar de los exiliados argentinos en Venezuela: interacciones locales, regionales y transnacionales (1976-1981). e-l@tina Revista Electrónica de Estudios Latinoamericanos, Buenos Aires, v. 12, n. 46, p. 18-39, jan./mar. 2014b., p. 134).

Segundo Rice, a FundaLatin almejava, como plano estratégico preliminar, reunir os grupos de camponeses latino-americanos aos familiares de desaparecidos em uma frente comum de luta contra a repressão dos governos do período. No entanto, o que efetivamente vicejou foi a realização de um primeiro congresso de familiares de desaparecidos realizado em San José, Costa Rica, no mês de janeiro de 1981: “En ese proyecto había gente de Chile, de Argentina, de distintas organizaciones, [...] y ahí se quedó la idea de crear FEDEFAM y a mí nombraron como coordinador del proyecto” (AYALA, 2014aAYALA, M. La formación de comités y redes de lucha contra la dictadura militar de los exiliados argentinos en Venezuela: interacciones locales, regionales y transnacionales (1976-1981). e-l@tina Revista Electrónica de Estudios Latinoamericanos, Buenos Aires, v. 12, n. 46, p. 18-39, jan./mar. 2014b., p. 136).

Mas quem era Patrick Rice? Um recorte do jornal caraquenho El Nacional, da terça-feira, 30 de março de 1982, localizado junto aos documentos da FEDEFAM no Archivo Nacional de la Memoria, trazia uma breve notícia da trajetória de Rice, combinada a uma narração sobre a violência da qual foi alvo quando esteve detido na Argentina. Rice era sobrevivente de um campo de concentração argentino. O título da matéria, publicada por Rosita Caldeira, era: “Pedir a los gobiernos información sobre los desaparecidos, exigen familiares a ONUONU - Organização das Nações Unidas. Convenção Internacional Para a Proteção de Todas as Pessoas Contra o Crime de Desaparecimento Forçado. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8767.htm . Acesso em: 15 jan. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
”:

Rice, sacerdote de origen irlandés, fue invitado por los periodistas a contar su propia experiencia vivida en Argentina, donde fue detenido y trasladado en forma clandestina a una cárcel después a un campo de concentración donde pudo ver a otros, a quienes hicieron desaparecer como a él, y a quienes colocaron capuchas en las cabezas para evitar identificaciones. Al igual a los otros que estaban allí, le torturaron varios días. (FEDEFAM, 1982aFEDEFAM. Boletim Informativo ¡HASTA ENCONTRARLOS! Año I, n. 1, maio/jun. 1982a. , Recortes de jornais).

No seu depoimento a Rosita Caldeira, Rice afirmara que a tortura sofrida era administrativa, profissional e executada por verdugos que sabiam o que estavam fazendo e pareciam não ter nada contra as pessoas ali detidas ilegalmente. Foi por obra de uma intervenção da embaixada da Irlanda em Buenos Aires que Rice pôde ser retirado de seu confinamento, entrevistado por um alto oficial do exército, depois colocado no porta-malas de um automóvel e levado até a Chefatura da Polícia onde, por fim, ficou detido até ser autorizado a deixar o país.

No mesmo acervo documental localizei, junto ao Fundo COSOFAM, 10 10 Sigla da Comissão de Solidariedade aos Familiares de Detidos e Desaparecidos da Argentina. Esta organização surgiu em Estocolmo a partir da iniciativa de exilados argentinos. No entanto, em capitais de países como México, Espanha, Israel e Holanda, também surgiram organizações que adotaram o nome COSOFAM, assim como, tal denominação sofreu variações segundo épocas e países. Por exemplo: Comisión de Solidaridad con las víctimas de la Represión en Argentina, Comisión de Familiares de Presos Políticos, Desaparecidos y Muertos en Argentina, entre outros. Ver: JENSEN (2014, p. 157-185). a Circular n. 1, de 28 de fevereiro de 1981, produzida pela FEDEFAM ainda sob coordenação da FundaLatin, como bem afirmado por Patrick Rice na entrevista. Nesse documento pioneiro, a equipe liderada por Rice resumia as atividades do Congresso de San José, bem como projetava a série de estratégias futuras. Uma das primeiras discussões desenvolvidas em janeiro de 1981, em San José, foi sobre o nome e a natureza da nova federação que havia se decidido criar. Esta nova organização deveria reunir agrupamentos de familiares de detidos-desaparecidos, isto é, de familiares organizados. Idealizadores da FEDEFAM, como o padre Rice, entendiam que a luta solitária ou isolada de familiares ocasionava debilidade e dispersão das organizações locais. Assim, a primeira tarefa consistiu em conscientizar os agrupamentos locais da importância de se incorporarem em uma federação: “Este familiar debe poder reunirse con otros familiares latinoamericanos en igual situación, para que así participen activamente en las diferentes campañas que se hacen” (FEDEFAM, 1981FEDEFAM. Informes, año de 1981. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires., n. p.). A segunda tarefa era dar sentido de unidade à nova organização. Apesar de o Congresso de San José evidenciar as particularidades nacionais, os processos históricos e enfoques sócio-políticos distintos, as desiguais situações de vida e extração social dos países participantes, como Guatemala e Chile, El Salvador e Bolívia, Argentina, Haiti, Paraguai, Uruguai, México, emergiu a constatação que “De pronto descubrimos que es más lo que nos une que lo que nos divide”. O indicativo de possíveis divergências sobre os pontos de vista e as estratégias a serem desenvolvidas para pressionar os regimes políticos a darem uma resposta sobre os desaparecimentos foram considerados na entrevista de Patrick Rice em 2008.

O ativista irlandês afirmou que uma das fontes de conflito dentro da Federação foi a tentativa de enquadrar as demandas dos familiares centro-americanos aos do cone sul do continente, que apresentavam realidades diferentes e momentos distintos e, também, vinculavam as reivindicações ao respectivo timing repressivo. Embora o núcleo do problema fosse o mesmo (o desaparecimento forçado), os centro-americanos consideravam as suas questões mais amplas e urgentes: a guerra civil na Nicarágua e El Salvador, o genocídio indígena na Guatemala,11 11 O caso da Guatemala pode ser visto como singular. Em 1954, o governo democrático de Jacob Arbenz foi deposto por um golpe militar. A partir de então, deu-se início a um processo de conflitos e extermínio sistemático que atingiu as comunidades indígenas/camponesas do país. Desde 1954 até 1996, quando os conflitos encontraram um termo por meio de acordos de paz, calcula-se que foram assassinadas ou desaparecidas mais de 200 mil pessoas. Ver: ROSTICA (2009, p. 73-99). todas elas situações que vinham acompanhadas pelo crime de desaparecimento forçado. Uma segunda fonte de conflito residia no papel dos exilados dentro da FEDEFAM. Havia algumas associações de familiares, mais especificamente na América Central, refratárias à presença de exilados, tendo em conta que a percepção era de que aquelas pessoas estavam em uma posição privilegiada em comparação com estas que não tinham meios para escapar das ditaduras “ou que desenvolviam seu ativismo no lugar mais potencialmente perigoso que era dentro do próprio país” (AYALA, 2014aAYALA, M. La formación de comités y redes de lucha contra la dictadura militar de los exiliados argentinos en Venezuela: interacciones locales, regionales y transnacionales (1976-1981). e-l@tina Revista Electrónica de Estudios Latinoamericanos, Buenos Aires, v. 12, n. 46, p. 18-39, jan./mar. 2014b., p. 136-138). Divergências à parte, uma terceira e importante demanda do I Congresso de San José foi organizar uma campanha mundial pelo detido-desaparecido. Decidiu-se pela celebração da Semana Mundial del Detenido-Desaparecido em 1981. A data escolhida foi a última semana de maio, segunda-feira, dia 25, até o domingo, dia 31:

Se hará un gran esfuerzo para alertar la opinión mundial sobre la situación que os aflige, denunciando que la práctica de la desaparición se ha institucionalizado en muchos países de América Latina, extendiendóse cada vez más. En el exterior se pueden realizar charlas, exposiciones, actos públicos durante esa semana, campañas por casos individuales como pedidos de acción a nivel oficial. Se procuraría igualmente lograr el apoyo decidido del resto de los sectores integrantes de esos países para con nuestra lucha. Esa semana servirá también para aumentar nuestra propia organización y difundir nuestra propuesta sobre un Convenio Internacional contra la Detención-Desaparición (FEDEFAM, 28/2/1981FEDEFAM. Informes, año de 1981. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires., Circular n. 1, n. p.). 12 12 Em pesquisa em desenvolvimento, procedo a levantamentos em órgãos da imprensa latinoamericana e europeia indagando a respeito da difusão, alcance e impactos da Semana Mundial del Detenido-Desaparecido, cujo propósito central era mobilizar centenas de organizações em várias cidades da América Latina (considerando, claro está, os óbvios limites quanto à possibilidade de reunião em países sob ditaduras) e da Europa contra o desaparecimento forçado.

Em síntese, e pela ótica da organização, quais foram os resultados de maior impacto da Semana Mundial do Detenido-Desaparecido? A Circular n. 3 da FEDEFAM, datada de 6 de julho de 1981, assim resumia: 1) Acordo do Congresso venezuelano declarando o desaparecimento crime contra a humanidade e instando o governo do país a buscar estabelecer uma Convenção Internacional a respeito; 2) Ação unida dos exilados latino-americanos residentes na França, Bélgica, México, Peru, Venezuela, entre outros países, em programas de auxílio e respectiva ampla repercussão na imprensa; 3) Em Buenos Aires, a presença das Madres de Plaza de Mayo, na tradicional quinta-feira, 28, reclamando pela aparição com vida de seus familiares. 13 13 Na manifestação de Buenos Aires, e segundo a Circular, teriam sido detidas quatorze pessoas, incluindo cinco membros do Servicio Paz y Justicia (SERPAJ), liderado pelo prêmio Nobel Adolfo Pérez Esquivel. No mesmo documento foi publicada uma relação não definitiva e sujeita à revisão das associações-membros da FEDEFAM, em que sobressaíam as organizações que monitoravam o desaparecimento de pessoas que haviam se refugiado, desafortunadamente, em outras ditaduras. Provavelmente, seu desaparecimento era fruto dos crimes cometidos pela Operação Condor. 14 14 Asociación Madres de Plaza de Mayo (Argentina), Asociación Abuelas de Plaza de Mayo (Argentina), Comisión de Familiares de Detenidos y Desaparecidos por Razones Políticas (Argentina); Familiares de Desaparecidos Bolivianos en Argentina; Familiares de Desaparecidos del Comité Brasileño por la Amnistía; Familiares de Desaparecidos en Argentina del Comité Brasileño de Solidaridad; Familiares de Desaparecidos de la Asamblea Permanente por los Derechos Humanos (Bolívia); Agrupación de Familiares de Detenidos-Desaparecidos de Chile; Agrupación de Familiares de Ejecutados Chilenos; Agrupación de Familiares de Detenidos-Desaparecidos Chilenos en Argentina; Familiares Guatemaltecos del Frente Democrático contra la Represión, Comité de Madres y Familiares de El Salvador; Familiares de Desaparecidos Haitianos; Comité Pro-Defensa de Presos, Perseguidos, Exiliados y Desaparecidos Políticos de México; Familiares de Desaparecidos de Paraguay; Agrupación de Familiares de Paraguayos Desaparecidos en la Argentina; Asociación de Familiares de Uruguayos Desaparecidos; Familiares de Uruguayos Desaparecidos en la Argentina; Familiares de Desaparecidos en Honduras; Familiares de Desaparecidos en Colombia; Familiares de Desaparecidos en Perú; Comisión de Solidaridad con los Familiares de Detenidos y Desaparecidos (Argentina); Familiares de Desaparecidos Chilenos en el Exilio

Qual o papel desempenhado pelo Brasil nesse Primeiro Congresso? Nenhum. Ainda que fosse mencionado o nome do Comitê Brasileiro de Anistia, especulo que a relação de participantes do Congresso de San José, elaborada pela FEDEFAM, dizia mais respeito a uma estimativa de associações nacionais que poderiam tomar parte da Federação no futuro, do que propriamente de associações de familiares que estiveram efetivamente presentes em San José. Esse, ao menos, foi o caso brasileiro. Por quê? A Circular n. 3 ajuda a explicar. Esse documento publicava um “Informe sobre Brasil”, redigido por Patrick Rice. O irlandês sublinhava que em uma visita realizada à cidade de São Paulo, entre os dias 02 e 11 de junho de 1981, reunira-se com o cardeal Arns e com os grupos Clamor, Comitê Brasileiro de Anistia, Comitê Brasileiro de Solidariedade com os Povos da América Latina, Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos, Secretariado Não-Violência e Justiça, entre outras pessoas e grupos:

Me encontré en una situación de muy poca información sobre el Congreso de Costa Rica y el posterior proceso de coordinación en que estamos. Así la actitud general de los sectores eclesiales era de cierta reserva proponiendo a la vez que los más indicados para participar y decidir sobre el tema, serían los mismos familiares de desaparecidos brasileños, quienes están organizando el Comité Brasileño de Amnistía. Esta organización existe a nivel nacional en el país desde más de 5 años y ha jugado un papel muy importante en la lucha por Derechos Humanos en Brasil. El encuentro con estos familiares fue el momento más importante de toda la visita. Se les explicó el desarrollo del Congreso de Costa Rica y la marcha posterior de las conclusiones. Ellos lamentaron no haber sabido del Evento. Inclusive algunos sectores de la prensa local aprovecharon de su ausencia para decir que los demás familiares de América Latina no reconocían su problema (FEDEFAM, 1981FEDEFAM. Informes, año de 1981. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires., n. p.).

Por outro lado, fica patente certa posição majoritária em que o nome da Argentina aparece, seja por meio de associações locais ou em virtude de que muitas associações de familiares de outros países conviviam com a situação de terem seus entes desaparecidos no país platino. Mas os argentinos também se destacavam pelo trabalho de denúncia de desaparecimentos a partir de sua posição no exílio. Ayala (2014bAYALA, M. La formación de comités y redes de lucha contra la dictadura militar de los exiliados argentinos en Venezuela: interacciones locales, regionales y transnacionales (1976-1981). e-l@tina Revista Electrónica de Estudios Latinoamericanos, Buenos Aires, v. 12, n. 46, p. 18-39, jan./mar. 2014b.) investigou como os argentinos passaram, primeiro, a reunir-se informalmente no exílio venezuelano, mesmo antes do golpe militar de março de 1976, para depois expor as formas organizativas que amadureceram a partir desses encontros informais. 15 15 “A medida que fueron llegando a Venezuela, muchos militantes políticos, gremiales y religiosos argentinos comenzaron a reunirse informalmente con miembros de agrupaciones locales afines o con el propósito de nuclearse con sus connacionales víctimas de la represión. Estas reuniones se realizaban en bares, universidades, sindicatos o iglesias de las principales ciudades del país (Caracas, Mérida, Valencia o Maracaibo)” (AYALA, 2014b, p. 22). No caso da cidade de Caracas, o autor mencionou que a cidade foi aquela que concentrou a maior quantidade de exilados argentinos entre 1974 e 1982, e ali foram criados o “Comité Argentino de Solidaridad e o Comité Argentino de Exiliados, que realizaram um trabalho de assistência às vítimas de repressão em conjunto com o Programa Venezolano Pro Refugiados Latinoamericano” (AYALA, 2014bAYALA, M. La formación de comités y redes de lucha contra la dictadura militar de los exiliados argentinos en Venezuela: interacciones locales, regionales y transnacionales (1976-1981). e-l@tina Revista Electrónica de Estudios Latinoamericanos, Buenos Aires, v. 12, n. 46, p. 18-39, jan./mar. 2014b., p. 22-23, 27).

Em termos relativos, o ambiente político favorável da Venezuela à época, praticamente um oásis democrático na região em meio a ditaduras terroristas, a presença maciça de exilados argentinos em Caracas e a influência de pessoas como Juan Vives Suriá e Patrick Rice justificariam a realização do II Congresso da FEDEFAM na Venezuela.

Sob a consigna ¡HASTA ENCONTRARLOS!, entre os dias 24 e 28 de novembro de 1981, realizou-se o segundo Congresso na cidade de Caracas, já marcado pela adoção oficial do nome FEDEFAM para as organizações nacionais federadas. Do Congresso de Caracas, 16 16 O local escolhido para o Congresso foi o Colégio San José de Tarbes, dirigido pelas irmãs tarbesianas, congregação religiosa que chegou na Venezuela oriunda de Cantaous/França no ano de 1889. participaram 130 delegados e 20 observadores de organismos internacionais, na ocasião foram aprovados o estatuto e o plano de trabalho, também foi eleito o Comitê Diretivo. Este Comitê foi composto por países e organizado da seguinte forma: presidência, Chile e El Salvador; vice-presidência, Argentina e Guatemala; secretaria de organização, Uruguai e Argentina; finanças, Chile; publicações, México; representação permanente perante organismos internacionais, Uruguai; coordenações regionais, El Salvador e Chile; secretário executivo, padre Patrício (Patrick) Rice; presidentes honorários, Juan Vives Suriá (FundaLatin), Leonte Herdocia (Comisión de Derechos Humanos, Nicarágua); Isabel Letelier 17 17 Viúva de Orlando Letelier, político e diplomata chileno ligado à Frente Popular de Salvador Allende, assassinado no dia 21 de setembro de 1976 em Washington D. C., por detonação remota de explosivos colocados em seu veículo. O assassinato é atribuído à DINA - Dirección de Inteligencia Nacional, a polícia secreta da ditadura pinochetista, mas em cuja implicação direta está o nome do ditador chileno. (Comisión de Derechos Humanos, Chile-USA); padre Júlio Tumiri Javier (Asamblea de Derechos Humanos, Bolívia).

O Congresso organizou quatro oficinas que foram divididas pelos seguintes eixos temáticos: 1) Jurídico: participação do Grupo de Trabalho das Nações Unidas composto por membros da Comissão Internacional de Juristas que tomaram contato com a experiência judicial dos familiares e seus advogados para elaborar novos instrumentos jurídicos quanto ao desaparecimento forçado; 18 18 É importante destacar as articulações entre grupos de familiares e redes mais amplas na perspectiva de criação de novos instrumentos jurídicos para tipificar um delito de alcance universal, e não apenas latino-americano. Neste sentido, convém recordar que, já durante o Congresso de San José de Costa Rica, ocorria em simultâneo o 1º Colóquio Internacional sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, realizado em Paris entre os dias 31 de janeiro e 1 de fevereiro de 1981. Além de reunir juristas, o encontro teve a presença de representantes do movimento de direitos humanos, e no qual foi destacada a necessidade de uma Convenção sobre o desaparecimento forçado. Alguns dos participantes do Colóquio de Paris e ativos porta-vozes junto à ONU constituíram-se em figuras chaves na produção de várias iniciativas de anteprojetos discutidas previamente à elaboração do Projeto da FEDEFAM de 1982. Para esse contexto, consultar especialmente: Jensen (2017, p. 13-30). 2) Teológico: intercâmbio de experiências pastorais e reflexão sobre princípios éticos e teológicos com o objetivo de que as igrejas e o mundo religioso em geral tomassem maior consciência quanto a uma resposta cabal ao drama dos familiares e outras vítimas do desaparecimento; 3) Médico-psicossocial: debate das experiências de médicos, psiquiatras, psicólogos e trabalhadores sociais para a atenção e reabilitação das pessoas afetadas; 4) Meios de comunicação: discussão de experiências sobre o papel dos meios de comunicação social em campanhas de denúncia e solidariedade, de modo a promover e coordenar mecanismos informativos a nível continental e mundial. Patrick Rice ainda destacaria em sua entrevista de 2008 que o Congresso de Caracas foi organizado quase sem apoio econômico do exterior, “porém, os participantes foram surpreendidos quando receberam a notícia de que a arrecadação da receita de estreia do filme Missing, do cineasta Costa Gavras, teria sido canalizada para auxiliar na realização do Congresso” (AYALA, 2014aAYALA, M. Entrevista com Patrick Rice. Revista Cantareira, Niterói, v. 20, p. 132-139, jan./jul. 2014a., p. 136).

Por ser a comunicação um dos dispositivos mais eficazes de a FEDEFAM amplificar suas demandas e denúncias, a última parte desta seção aborda o Boletim Informativo ¡HASTA ENCONTRARLOS!. O Boletim surgiu no bimestre maio-junho de 1982, provavelmente como resultado dos debates ocorridos em Caracas, na respectiva oficina dos meios de comunicação, e retoma a “obsessão” do sacerdote Juan Vives Suriá (presidente honorário da FEDEFAM) pela comunicação, como destacou Patrick Rice em sua entrevista de 2008. O Boletim, de aspecto técnico bastante rudimentar, com os originais datilografados e depois mimeografados, sugere condições precárias de impressão, reprodução e difusão. Igualmente, a flagrante descontinuidade identificada nas edições localizadas no acervo do Archivo Nacional de la Memoria foi um obstáculo que impossibilitou a constituição de uma série mais razoável de informações, sem, no entanto, prejudicar uma abordagem descritiva e analítica de alguns núcleos temáticos predominantes.

No Editorial do primeiro número afirmava-se que o Boletim surgia para responder à necessidade urgente de um meio de comunicação interno da FEDEFAM. Também publicava denúncias, excertos de cartas e documentos enviados pelos familiares. Um exemplo era a publicação da carta conjunta das Madres de Plaza de Mayo e da Asociación de Familiares de Desaparecidos y Detenidos por Razones Políticas dirigida ao Presidente da Suprema Corte da Nação Argentina em 24 de fevereiro de 1982. O extenso documento era de fundamental importância, pois em seu teor evidenciava com pronunciada clareza quais eram os métodos empregados pela ditadura argentina (e, no mais das vezes, por ditaduras similares do continente) para encobrir seus crimes, burlar o frágil e não menos comprometido ou acuado sistema judiciário e, sobretudo, porque fazia referência ao emprego frequente do desaparecimento. Assim vejamos:

La detención y posterior desaparición de personas no es otra cosa, señor Presidente, que un sistema clandestino de detención, aplicado en forma sistemática durante seis años y dirigido a sustraer a las víctimas del conocimiento y jurisdicción de los órganos oficiales provistos de competencia para juzgarlos. En otras palabras. La desaparición masiva de personas, como acción desarrollada por órganos del Estado y la continuidad de dicha situación para las víctimas, agravada por la total ausencia de explicaciones e información, configura la más flagrante violación imaginable a las principales normas que organizan la vida de una comunidad como la nuestra. [...] Siempre existieron suficientes elementos de juicio como para inferir que detrás del empleo de esta forma represiva de la “detención-desaparición” existía algún instrumento institucional muy definido y poderoso que lo decidió, autorizó e impulsó. Sólo contando con esta facultad es posible la ejecución constante y en términos de miles de casos, de acciones que comprometen ingentes recursos económicos y de infraestructura y, sobre todo, de personal militar, o dependiente del Estado, del más variado nivel jerárquico, que necesariamente tiene que estar dotado de instrucciones y cobertura para el ejercicio de este y de otros tipos de procedimientos (¡HASTA ENCONTRARLOS!, año 1, 1982aFEDEFAM. Boletim Informativo ¡HASTA ENCONTRARLOS! Año I, n. 1, maio/jun. 1982a., núm. 1, p. 6-7).

De fato, a prática persecutória de fazer desaparecer fisicamente o adversário político, ludibriando o direito, a justiça e a vigilância internacional, apareceu denunciada em um dos informes do II Congresso de Caracas, parecendo antecipar o pleito exposto na carta de Madres e Familiares ao Presidente da Suprema Corte Argentina. Esse informe assinalava que, de todas as violações de direitos humanos, a mais sentida era o desaparecimento forçado: “La más dolorosa y traumatizante para los familiares y demás víctimas indirectas. Quiebra la moral y destruye la esperanza” (FEDEFAM, Informe do II Congresso, 1981FEDEFAM. Informes, año de 1981. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires., n. p.).

Já o Editorial de ¡HASTA ENCONTRARLOS! número 2, publicado no bimestre julho-agosto de 1982, levava o título “Una voz de alerta” e circunscrevia suas preocupações em torno à guerra das Malvinas e a intensificação das lutas contra a repressão na América Central. Atenta ao visível colapso de algumas ditaduras militares na região no início da década de 1980, a FEDEFAM consagrava seu discurso não somente em prol do retorno à democracia, mas também em não deixar de denunciar as prováveis tentativas de transições pactuadas que contavam com o apoio de aliados internacionais:

Durante el momento del estallido de la guerra de las Malvinas hasta la presente intensificación de la lucha en Centro América, todo el continente ha entrado en un estado de mucha convulsión y fragilidad. Hasta esta crisis general, las dictaduras militares junto con sus aliados internacionales están promoviendo la “salida política” que tienen poco que con la causa de los derechos humanos. Auspiciando en sus planes un manto de olvido sobre los crímenes del pasado, y una conspiración de silencio sobre los muchos hechos de represión. No es de sorprenderse que algunos sectores políticos, ansiosos por su cuota de poder, se han apresurado para sumarse a esos planes siniestros (FEDEFAM, 1982bFEDEFAM. Boletim Informativo ¡HASTA ENCONTRARLOS! Año I, n. 2, jul./ago. 1982b., n. p.).

Consegui localizar ainda um terceiro Boletim Informativo ¡HASTA ENCONTRARLOS!. Trata-se de uma edição de 1984, publicada no mês de dezembro e que recebe o número 13. Convém mencionar que esse boletim anuncia e encontra-se no contexto de realização do V Congresso da FEDEFAM, alojado como sede em uma Buenos Aires recém liberada do terrorismo de Estado: “El V Congreso se inauguró el 13 de noviembre en el Aula Magna de la Facultad de Medicina de la Universidad de Buenos Aires” (FEDEFAM, 1984FEDEFAM. Informes, año de 1984. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires , p. 4). O boletim desenvolvia uma acerba crítica ao governo encabeçado por Raúl Alfonsín, pela sua indiferença ao V Congresso, ressaltando sua completa ausência: “el gobierno optó por la más absoluta ignorancia práctica y política del evento. Tal vez porque quiso ignorar la exigencia, tal vez porque no quiso enfrentarse a familiares de toda América Latina” (FEDEMAM, 1984FEDEFAM. Boletim Informativo ¡HASTA ENCONTRARLOS! Año II, n. 13, dez. 1984., p. 2).

No entanto, o que chama a atenção nos textos publicados no Boletim Informativo número 13 são duas narrativas que se conectam. Inicio pela segunda. A FEDEFAM estabelecia um debate que localizava as origens do crime de desaparecimento forçado na Doutrina de Segurança Nacional e, consequentemente, no conluio entre poderosos locais e o imperialismo norte-americano. O artigo “Origen del crimen” referia que muitas vezes se escutavam opiniões distorcidas ou superficiais sobre a origem dos desaparecimentos forçados. O V Congresso foi taxativo ao afirmar que a verdadeira origem do crime encontrava seu fundamento na Doutrina de Segurança Nacional. A similitude pela qual se havia aplicado tal forma repressiva diante de diversas situações de oposição popular mostrava claramente que ela não era uma resposta à insurgência. Ao contrário, significava uma brutal agressão aos povos que, de maneira ou outra, exigiam seus direitos. O desaparecimento forçado, friamente planificado “en las academias militares estadounidenses y propagado a través de innumerables cursos de contrainsurgencia” se executava contra os lutadores populares e sobre a cidadania como o mais perverso recurso para impor um modelo social (FEDEFAM, 1984FEDEFAM. Boletim Informativo ¡HASTA ENCONTRARLOS! Año II, n. 13, dez. 1984., p. 6). E o artigo concluía:

Por ahora, los latinoamericanos, además de ser el blanco de estos crímenes, soportamos que gran parte de la opinión pública mundial, mal informada, nos considere bárbaros naturales de un continente de horror e ignominia, mientras quienes imponen siguen posando de campeones de la libertad y la democracia. Sin embargo, poco a poco, el mundo va comprendiendo que son los poderosos locales, los mercenarios y sus amos imperiales, los que imponen - a pesar de nosotros - esta y otras aberraciones [...] (FEDEFAM, 1984FEDEFAM. Informes, año de 1984. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires , p. 6).

O outro aspecto, evidenciado no Editorial da edição, expressava de forma contundente uma das visões mais lúcidas apresentadas precocemente sobre a figura do desaparecido. Visões as quais a própria historiografia futura teria apropriado para formular seguidas hipóteses sobre o tema do desaparecimento. Ainda que situasse o desaparecido na condição de vítima do terrorismo de Estado, o texto do Editorial não o definia como alguém portador de uma inocência abstrata, senão como um indivíduo que lutava por uma causa. O delito do desaparecimento, nesse enfoque, buscava apagar a luta do desaparecido, os valores os quais era enunciador, sua vida e sua dignidade. O texto prosseguia enfatizando que a única culpa das vítimas era ter lutado por seu povo, seu país, seu futuro.

Na heterogeneidade de pensamentos entre os desaparecidos, na diversidade de circunstâncias e formas de luta que empreenderam, todos os desaparecidos tinham em comum terem sido pessoas comprometidas com os demais homens e não terem cedido ao ultraje, à mentira, ao saque, ao interesse dos poderosos. Em suma, não terem silenciado diante da infâmia:

Es el obrero desaparecido por su actividad sindical, el campesino que defiende sus derechos, el periodista que no calló la verdad, el sacerdote fiel a los Evangelios, el médico que no revela el secreto profesional, los estudiantes, los artistas, los profesionales que cumplieron su misión a cabalidad, el luchador político que se opone al régimen, el indígena que defiende su comunidad y su cultura, el hombre que cobija al perseguido o el que es “carne de cañon” en la política de materializar el terror mediante la desaparición masiva y son los niños, cuya desaparición es la expresión más abyecta del terrorismo de Estado y de su determinación de combatir el futuro (FEDEFAM, 1984FEDEFAM. Informes, año de 1984. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires , p. 1).

É importante lembrar que a realização do V Congresso da FEDEFAM em Buenos Aires/1984, coincidiu com a investigação, impulsionada pela CONADEP - Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas -, sobre a amplitude dos crimes cometidos pela ditadura argentina, investigação esta que resultou na publicação do Informe Nunca Más. Em uma interpretação já considerada clássica pela profundidade das questões desenvolvidas, Crenzel (2008CRENZEL, E. La historia política del Nunca Más: la memoria de las desapariciones en la Argentina. Buenos Aires: Siglo XXI, 2008. 271 p.) analisou detidamente os significados do Nunca Más no contexto local, destacando que o crime de desaparecimento forçado na vigência da ditadura consistiu em um objetivo de extermínio político. O autor reivindica que a natureza política do crime relaciona-se à identidade social dos desaparecidos. Uma das chaves para entender os desaparecimentos, segundo Crenzel, é não apenas valorizar a descrição sociodemográfica das vítimas do regime, mas, principalmente, “levar em consideração a militância e os compromissos políticos” (CRENZEL, 2008CRENZEL, E. La historia política del Nunca Más: la memoria de las desapariciones en la Argentina. Buenos Aires: Siglo XXI, 2008. 271 p., p. 175-176). Assim, postas as coisas, convém destacar que a violência extrema, ou o ponto no qual se verifica o umbral definido por Balibar, era dirigida a todas as formas de expressão ou grupos que reivindicavam uma espécie de transformação igualitária da ordem social, ou, no limite, colocavam-se relativamente contra as profundas desigualdades de natureza social, econômica e política vivenciadas no continente. O Editorial apontava para um sentido estratégico do qual era dotada a luta do desaparecido. Em outras palavras, a repressão somente podia alcançar aqueles que desempenhavam um papel peculiar no destino dos grupos nacionais elencados no texto, aqueles cujo desaparecimento colaboraria na possibilidade de refundação de uma “nova” sociedade, que representava a antítese do “ideário almejado pelas categorias sociais vítimas do desaparecimento” (FEIERSTEIN, 2009FEIERSTEIN, D. Guerra, genocidio, violencia política y sistema concentracionario en América Latina. In: FEIERSTEIN, D. (comp.). Terrorismo de Estado y genocidio en América Latina. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2009. p. 9-32., p. 29). Assim, além de os conceitos de “guerra suja”, “guerra contrainsurgente”, “guerra antissubversiva”, “luta contra o comunismo” continuamente manipulados pelo limitado e pauperizado vocabulário das ditaduras, servirem de fácil justificação ao senso comum, mas serem pífios argumentos diante da magnitude do crime do desaparecimento, os processos militarizados impostos igualmente serviriam, segundo Feierstein (2009FEIERSTEIN, D. Guerra, genocidio, violencia política y sistema concentracionario en América Latina. In: FEIERSTEIN, D. (comp.). Terrorismo de Estado y genocidio en América Latina. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2009. p. 9-32.), para beneficiar determinados grupos, e, fundamentalmente, gerar uma transformação profunda no próprio grupo nacional alvo das estratégias de aniquilamento. A FEDEFAM estabelecia um entendimento à época, de que os grupos eleitos majoritariamente para serem “desaparecidos” destacavam-se pela sua característica predominante: a militância política e social em vários e transversais níveis de atuação. Dois anos antes desse breve texto, a FEDEFAM elaborou outro documento de importância central na construção de suas demandas: um Projeto de Estatuto contra o Desaparecimento Forçado para ser levado à consideração das Nações Unidas e à Organização dos Estados Americanos, objeto de exame na próxima seção deste artigo. Contudo, não saberia responder em que medida o Projeto possa ter gerado influência ou ressonâncias sobre dois outros documentos: a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, adotada pela Assembleia Geral da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) em 1994, e a própria Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, produzida pelas Nações Unidas em sua Assembleia Geral de 2006.

A FEDEFAM: Um projeto de convenção contra o desaparecimento forçado

Elaborado por uma equipe de juristas convocados pela FEDEFAM, o “Proyecto de Convención sobre Desaparecimiento Forzado” foi concebido e publicado em Caracas em de junho de 1982. Em seu labor, foram consultados outros projetos anteriores, como o do Instituto de Advogados do Foro de Paris (1980), da Assembleia Permanente pelos Direitos Humanos da Argentina (1981), além de juristas consagrados no campo do direito humanitário internacional, como o argentino Roberto Bergalli, o chileno Héctor Faundez Ledesma e a espanhola Victoria Abellán Honrubia. Creio ser imperativo destacar que em sua exposição de motivos, o projeto já atentava para três especificidades a serem juridicamente circunscritas no crime de desaparecimento forçado: a retroatividade, a imprescritibilidade e a ineficácia de anistias e indultos.

Com efeito, ao contemplar diversas disposições tendentes a evitar a impunidade do delito, sendo a maioria emanando do caráter de crime contra a humanidade, o projeto da FEDEFAM estabelecia:

La imprescriptibilidad de la acción penal y de la pena, la ineficacia de las medidas de gracia que se otorguen por el régimen político o el gobierno bajo el cual obró el responsable, la inexistencia de foros especiales que pudieran invocarse los responsables y la sanción del delito sin consideración al tiempo en que él fue realizado, por lo cual también cubre hechos cometidos antes de entrada en vigor. (FEDEFAM, 1982cFEDEFAM. Proyecto de Convención sobre Desaparecimiento Forzado. Caracas, jun. 1982c., p. 2).

A conduta múltipla de infringência aos direitos humanos pelo crime de desaparecimento era observada na série de considerandos que justificavam a concepção e identidade do projeto. Esses crimes eram vistos como máxima ofensa à consciência humana, produzindo uma comoção social de consequências imprevisíveis, ampliada a numerosos setores das sociedades, ou “repercutindo tanto nas vítimas, como nos familiares, ao criarem uma situação de angústia e incerteza” (FEDEFAM, 1982cFEDEFAM. Proyecto de Convención sobre Desaparecimiento Forzado. Caracas, jun. 1982c. , p. 4). Um ponto fundamental do projeto era a busca por uma definição adequada do crime de desaparecimento forçado, a partir da qual pudessem estar abrangidas as condições históricas objetivas pelas quais o delito se caracterizava, aliadas, certamente, às experiências evocadas pelos familiares na sua faina cotidiana pela aparição dos seus entes e amigos. O projeto seguia de perto a Convenção das Nações Unidas sobre o genocídio (1948), ao apelar para o argumento de que se tratava de um instrumento internacional já legitimado. Devia ser considerado que o delito de desaparecimento forçado apresentava relevantes características comuns com o genocídio, porque ambos os casos eram associados a métodos sistemáticos e massivos de repressão, especialmente cruéis, realizados por membros do poder público “que atuavam com predisposição contra vítimas indefesas e contando com o acobertamento institucional do Estado, que lhes assegurava, na prática, absoluta impunidade” (FEDEFAM, 1982cFEDEFAM. Proyecto de Convención sobre Desaparecimiento Forzado. Caracas, jun. 1982c. , p. 1). A sugestão de definição do crime, desse modo, era contemplada no Artigo 2 do projeto. Entendia-se por desaparecimento forçado de pessoas toda ação ou omissão que tendesse a ocultar o paradeiro de um opositor ou dissidente político cujo destino era desconhecido por sua família, amigos ou partidários, levada a efeito com a intenção de reprimir, impedir ou entorpecer a oposição ou dissidência, por aqueles que desempenhavam funções governativas, “ou por agentes públicos de qualquer classe ou por grupos organizados de particulares que operavam com apoio ou tolerância dos anteriores” (FEDEFAM, 1982FEDEFAM. Informes, año de 1982. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires. c, p. 6).

Convém observar que a FEDEFAM, nesta definição, politizava o crime de desaparecimento forçado ao valorizar a conduta social e a identidade do desaparecido a partir de termos-chaves, como “opositor”, “dissidente político”, “partidários”; e, a um só tempo, incluía, na categoria de responsáveis pelo crime, possíveis grupos que agiam como milícias paraestatais operando, no mais das vezes, com a conivência do Estado. Ao cotejarmos essa proposta de definição do crime com aquela concebida pela Convenção Internacional das Nações Unidas, nota-se a ausência nesta última, de qualquer referência ao conteúdo político na relação entre a vítima e o perpetrador. De fato, em seu Artigo 2, a Convenção adota, como marco definidor do desaparecimento forçado, uma fórmula geral e impessoal, destituindo de motivação política a “razão” do Estado em “fazer desaparecer”, porém, mantendo no centro dessa definição o comprometimento de grupos paraestatais. Assim, a Convenção prescreve como desaparecimento, e tal como afirmado no início do artigo: a prisão, detenção, o sequestro ou qualquer outra forma de privação de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, e a subsequente recusa em admitir a privação de liberdade ou a ocultação do destino, ou, ainda, o paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a da proteção da lei. 19 19 Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direito-amemoria-e-a-verdade/convencoes/convencao-internacional-desaparecimento-forcado. Acesso em: 04 jan. 2020.

Por sua vez, o projeto da FEDEFAM insistia na abordagem política do desaparecimento. Nessa perspectiva, enumerava uma série de ações ou omissões que deveriam ser especialmente punidas: a) A apreensão ou detenção de opositores ou dissidentes políticos realizada arbitrariamente, sem dar informação sobre o destino da vítima ou prestando falsa informação; b) A negativa de proporcionar informação sobre o paradeiro de qualquer pessoa detida que se encontrasse em poder do Estado, quando fossem tais informações reclamadas por parentes, amigos ou partidários, a não ser que dentro de prazo legal a vítima fosse colocada à disposição da justiça; c) A negação, por parte de quem desempenhasse funções públicas ou de autoridade, do fato de manter em seu poder como preso ou detido a um opositor ou dissidente; d) A não colaboração eficaz, da parte de quem desempenhasse funções governativas, para o esclarecimento do destino de um opositor ou dissidente cujo paradeiro fosse ignorado; e) Os mesmos fatos anteriores ‘quando eles recaíssem sobre pessoas que não fossem opositoras ou dissidentes, porém, cujo desaparecimento pudesse intimidar, colocar em desamparo ou condicionar a atuação de opositores ou dissidentes” (FEDEFAM, 1982FEDEFAM. Informes, año de 1982. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires.c, p. 6-7, grifos nossos).

Por todas essas ações ou omissões, o projeto também alcançava a não admissão de alegações quanto aos responsáveis haverem operado em “obediência devida”, administrativa ou militar, ou por razão de Estado, não podendo invocar como defesa supostos atos de guerra ou segurança nacional, dispositivo que estaria reverberado no Editorial de ¡HASTA ENCONTRARLOS! de 1984FEDEFAM. Boletim Informativo ¡HASTA ENCONTRARLOS! Año II, n. 13, dez. 1984.. Por fim, cabe mencionar o conteúdo do Artigo 12 do Projeto de Convenção da FEDEFAM, extremamente atual e objeto de debate entre a comunidade de especialistas, porque expressa uma vinculação à teoria do “duplo controle”. A proposta desse artigo prescrevia que no caso em que um responsável de desaparecimento forçado fosse absolvido por uma jurisdição nacional devido à falta de provas, ou anistiado e indultado, um tribunal internacional competente poderia ordenar a abertura de um novo processo em virtude de novas provas que surgissem e fossem apresentadas, ou delegar, em outro tribunal, a atribuição de iniciar novo processo. Assim, um tribunal internacional poderia invalidar sentenças de tribunais nacionais relativas ao desaparecimento forçado “quando essas fossem ditadas em clara violação de princípios jurídicos fundamentais ou desconhecendo abertamente o mérito do processo” (FEDEFAM, 1982cFEDEFAM. Proyecto de Convención sobre Desaparecimiento Forzado. Caracas, jun. 1982c., p. 8).

De qual forma podemos pensar que a teoria do duplo controle possa ser operativa para interpretarmos as intencionalidades previstas nesse artigo do projeto, e que não só revalida sua original atualidade, mas enaltece o papel histórico da FEDEFAM? Se tomarmos como exemplo a relação da justiça brasileira com o direito humanitário internacional, deve existir uma sintonia entre dois princípios que, na linguagem jurídica, são designados como “controle da constitucionalidade”, de jurisdição interna, e “controle da convencionalidade”, que é externo, internacional e sob responsabilidade da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ou seja, quando pensamos na anistia de 1979 e nos crimes de desaparecimento forçado cometidos pela ditadura brasileira, deveria haver uma anuência entre os dois controles. Em outras palavras: “A anistia aos agentes da ditadura, para subsistir, deveria ter sobrevivido intacta aos dois controles, mas só passou por um, o controle da constitucionalidade” (BRASIL, 2017BRASIL. Crimes da ditadura militar. Brasília: Ministério Público Federal, 2017., p. 46). Algo que efetivamente se cristaliza, por exemplo, no caso Gomes Lund versus Brasil, relativo aos militantes desaparecidos da guerrilha do Araguaia. 20 20 “A CIDH, no caso Gomes Lund, condenou o Brasil a apurar e denunciar, no campo criminal, os atos ilícitos cometidos por agentes do Estado durante o período da ditadura militar, bem como frisou o fato de que tais crimes não poderiam ser afetados por leis de anistia como a lei brasileira de 1979” (MPF, 2017, p. 15). Para uma exemplar síntese histórica e jurídica do caso Gomes Lund versus Brasil, bem como, uma crítica bem fundamentada sobre a “tradicional desconsideração” do STF por uma agenda de direitos que reforça o papel histórico dessa corte como “baluarte de preservação e defesa da legalidade autoritária”, ver: Bernardi (2017, p. 49-92). Tendo em vista que este caso foi levado à consideração de um tribunal internacional, representado na instância da CIDH, a constitucionalidade foi “destroçada no controle da convencionalidade. Por sua vez, as teses defensivas de prescrição, legalidade penal escrita, etc., também deveriam ter obtido a anuência dos dois controles” (BRASIL, 2017BRASIL. Crimes da ditadura militar. Brasília: Ministério Público Federal, 2017., p. 46-47). Por isso mesmo, se retomarmos o ideário exposto no projeto da FEDEFAM, identificaremos a proposta de uma dupla jurisdição para o conhecimento do delito: uma de caráter nacional e outra internacional, e tal aspecto era visto como um elemento necessário e indispensável a constar de uma Convenção. Ora, de acordo com a qualificação feita do delito como “crimen internacional contra la humanidad” (FEDEFAM, 1982FEDEFAM. Proyecto de Convención sobre Desaparecimiento Forzado. Caracas, jun. 1982c.c, p. 3) e em atenção a que os responsáveis sabidamente gozavam de impunidade praticamente em todos os países nos quais ordinariamente atuavam “La única forma de obtener el castigo de estos criminales es permitiendo su juzgamiento por un tribunal imparcial de otro país o por el tribunal internacional que sea competente” (FEDEFAM, 1982FEDEFAM. Proyecto de Convención sobre Desaparecimiento Forzado. Caracas, jun. 1982c.c, p. 3).

Considerações finais: desaparecimento forçado e cotidiano

Mas onde há perigo, cresce também aquilo que salva.

Friedrich Hölderlin

Politizado no conceito dado pela FEDEFAM em 1982, ou isento desse atributo definidor na concepção da Convenção Internacional duas décadas e meia depois, 21 21 Embora este artigo compreenda que a “despolitização” do conceito de desaparecimento forçado possa ter sido a tônica predominante na Convenção aprovada pelas Nações Unidas, tal argumento não invalida a elasticidade da categoria “desaparecimento” e termos de potencial histórico e crítico. Isto porque ela continua a ser uma categoria, desde a ênfase mais pronunciada sobre sua gênese no início da década de 1980, aberta ou disponível no vocabulário em termos de disputas de narrativas e interpretações. Em outras palavras, este aspecto tende a recolocar a instabilidade dos sentidos em torno às vítimas, bem como chama a atenção para a complexidade do debate sobre a natureza das ditaduras da região. qual seria a relevância em se debater continuadamente sobre o crime de desaparecimento forçado no âmbito das comunidades nacionais? Ou indagado sob outra perspectiva: o quanto seria criticamente razoável pensarmos a “relevância da irrelevância” de tal crime nos contextos cotidianos locais recobertos por violência, injustiça, pobreza e indiferença enquanto fatores potencialmente políticos geradores de vulnerabilidades? Foi observado anteriormente como a postura oficial de determinados países frente ao desaparecimento tratou-o como casos de “sequestros ou homicídios” e pelos quais a hipótese oficial - e geralmente amplificada por mídias de referência - revela-se também como verdade oficial. Assim, julgo que o desaparecimento pode, e deve ser especialmente pensado na relação e em nexos inevitáveis entre sua dimensão política e sua dimensão policial, dupla dimensão que escancara a fragilidade reinante do estado de direito nos países latino-americanos. A primeira dimensão afetaria preferencialmente os familiares dos desaparecidos políticos que, em países como o Brasil, careceram de canais internos de ressonância em sua luta contra a impunidade dos criminosos. Os familiares sentiram-se isolados ou objeto de estigmas por parte, sobretudo, de setores da esquerda que, não descartado o apetite pelos dividendos políticos, redirecionaram sua agenda de direitos humanos à medida que o país se democratizava eleitoralmente, focando interesses nos setores marginalizados a partir da “temática dos direitos socioeconômicos” (BERNARDI, 2017BERNARDI, B. B. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos e o caso da guerrilha do Araguaia: impactos no Brasil. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 22, p. 49-92, jan./abr. 2017., p. 58). Em um plano mais abrangente e sob olhar retrospectivo, a FEDEFAM representou a construção de um espaço de gestão, aconselhamento e abrigo, no qual os familiares podiam vocalizar suas demandas, denúncias, dores e expectativas. Podiam, de alguma forma, demonstrar cabalmente, a partir das recidivas negações do Estado a respeito do paradeiro dos desaparecidos, que o segredo oficial, o segredo de seus artefatos criminosos era passível de ser verbalizado, penetrado e desarticulado. O que a FEDEFAM proporcionou, para situarmo-nos no contexto teórico de Éttienne Balibar, foi um lugar de produção da contraviolência. Em outras palavras, mas seguindo o filósofo francês, a FEDEFAM pode ser visualizada como um “poder” organizado enquanto contraviolência preventiva. Sua existência dependeu de conhecimentos sobre a violência, a saber: o “domínio de tipologias jurídicas, a formulação de explicações e argumentos sobre os horizontes sociológicos e psicológicos, estatísticas acerca do seu avanço ou retrocesso” (BALIBAR, 2005BALIBAR, É. Violencias, identidades y civilidade: para una cultura política global. Tradução Luciano Padilla. Barcelona: Gedisa Editorial, 2005., p. 112-113).

Ainda que tardiamente, e a despeito da construção de mecanismos preventivos em alguns países contra o desaparecimento forçado, 22 22 Segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV, 2019), em junho de 2016, o Peru aprovou a Lei de Busca de Pessoas Desaparecidas e, em 2018, foi aprovado um decreto criando um Banco de Dados Genético para a busca de pessoas desaparecidas entre 1980 e 2000. No México, um dos países que mais “produz” desaparecidos nas Américas, em 2018, entrou em vigência a Lei Geral sobre Desaparecimento de Pessoas. Em El Salvador, o CICV acompanhava, em 2018, as famílias e a Procuradoria de Direitos Humanos em uma iniciativa de lei sobre migrantes desaparecidos e seus familiares. Ver: CICV - Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Pessoas desaparecidas no Brasil e na América Latina: as famílias não param de buscar e nós não paramos de ajudá-las, 07 de junho de 2019. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/document/pessoas-desaparecidas-nobrasil-e-america-latina-familias-nao-param-de-buscar. Acesso em: 12 jan. 2020. a segunda dimensão nos alcança e fere ordinariamente e, também, diz respeito aos sentidos produzidos pelo nexo entre desaparecidos e violência policial. É imprescindível observar, para que tais considerações finais tenham algum efeito prático, que essa dimensão é a cenografia que persiste nos países latino-americanos pós-ditaduras e incide sobre a irrelevância das vítimas no que concerne à categoria social: o desaparecimento atinge, em maioria, as populações pobres e desguarnecidas de amparo social, residentes (mas não só) nas periferias de grandes centros urbanos. Entretanto, os pobres já se constituíam em matéria-prima importante nesse mecanismo acionado pelo terror das ditaduras. O terror combinava ações de natureza política e ações de natureza policial, em que o pobre era, não raras vezes, “confundido” com o subversivo, sendo alvo de extermínio, ou, por truísmo, desaparecimento. 23 23 Ver, por exemplo, a pesquisa de Antonio (2019) sobre os esquadrões da morte e a imprensa no final da década de 1960.

Em uma reflexão inquietante, Araújo intuiu que “Se durante os regimes militares o desaparecimento forçado foi uma política de Estado para fins de repressão política, atualmente ele tornou-se uma prática da linguagem da violência urbana” (ARAÚJO, 2016ARAÚJO, F. A. “Não tem corpo, não tem crime”: notas socioantropológicas sobre o ato de fazer desaparecer corpos. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 22, n. 46, p. 37-64, jul./dez. 2016., p. 47). Assim, um novo esquema de interpretação sobre o desaparecido no período “democrático” confere a ele um diferencial em termos de reputação. Se acolá era adjetivado como subversivo, comunista e uma ameaça à segurança nacional, aqui é comumente designado como traficante, como um bandido a menos, ou irremediavelmente tem atrelado seu pertencimento a uma facção criminosa que controla ou disputa “territórios”. De modo (in)conclusivo, insistiria em repetir aqui os argumentos de Araújo (2016ARAÚJO, F. A. “Não tem corpo, não tem crime”: notas socioantropológicas sobre o ato de fazer desaparecer corpos. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 22, n. 46, p. 37-64, jul./dez. 2016., p. 61):

O excesso que o desaparecimento provoca, em termos de suspensão de vida, transforma-o em um drama não apenas para a vítima direta - o desaparecido - mas desloca-se para aqueles que sofrem por ele. [...] Se durante a ditadura o desaparecimento representou uma linguagem do terror de Estado praticado principalmente contra os opositores políticos (mas não só) hoje ele aparece como prática da linguagem da “violência” associado a práticas de violência policial, de grupos de extermínio, de milícias e traficantes. 24 24 Na sua etnografia sobre o desaparecimento forçado na cidade do Rio de Janeiro, Araújo (2016, p. 46) afirmou: “Estima-se que no Brasil anualmente desaparecem entre 40.000 e 50.000 pessoas. No Rio de Janeiro são registrados por ano entre 4000 e 5000 casos”.

O ato de fazer desaparecer sustenta-se e é reatualizado como um dos estruturantes sociais do cotidiano do Rio de Janeiro, Bogotá, Buenos Aires, Caracas, Porto Príncipe e além. Isso revela, por um lado, as formas de impotência civilizatória que aceleradamente esfacelam os vestígios de laços comunitários, mas compõem a dinâmica do poder na direção de intensificar os efeitos sobre a banalidade da vida. Assim, nossas “reservas de solidariedade”, como argumentou recentemente Oliver Nachtwey (2019NACHTWEY, O. Descivilização - Sobre tendências regressivas nas sociedades ocidentais. In: APPADURAI, A. et al (org.). A Grande Regressão: um debate internacional sobre os novos populismos - e como enfrentá-los. São Paulo: Estação Liberdade, 2019. p. 215-232., p. 221), parecem esgotadas, porque estamos mergulhados em uma espécie “progressiva de modernização regressiva” que encampa o abalo sofrido na autoimagem das sociedades ocidentais, em que, “no âmbito público e político, além de um ódio descarado, sentimentos perigosos, fantasias de violência e mesmo desejos de morte são pronunciados levianamente” (NACHTWEY, 2019NACHTWEY, O. Descivilização - Sobre tendências regressivas nas sociedades ocidentais. In: APPADURAI, A. et al (org.). A Grande Regressão: um debate internacional sobre os novos populismos - e como enfrentá-los. São Paulo: Estação Liberdade, 2019. p. 215-232., p. 215). 25 25 Para o autor, esta “modernização regressiva” tem a seu favor, ainda, o papel que o neoliberalismo ocupa nas relações sociais, porque tal sistema é gerador de um processo de individualização brutal que resulta em ressentimentos, desde que a autonomia real do indivíduo está associada à sua performatividade no mercado. O autor completa: “Medos materiais e culturais relativos ao status são os motores do ressentimento, de sentimentos negativos, de retração identitária e de teorias conspiratórias - aspectos identificados já cedo como sinais de estruturas autoritárias da personalidade. Possivelmente, sob este pano de fundo, é a própria submissão, frente à suposta falta de alternativa econômica do mercado que liberta ‘agressões autoritárias’” (NACHTWEY, 2019, p. 230-231). Nesse sentido, como sugere Araújo (2016ARAÚJO, F. A. “Não tem corpo, não tem crime”: notas socioantropológicas sobre o ato de fazer desaparecer corpos. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 22, n. 46, p. 37-64, jul./dez. 2016., p. 60), “o terror aparece como parte de um mecanismo de poder, e não como algo que o extrapola”. Por outro lado, meu vademecum balibariano teima em mirar utopicamente a possibilidade de construirmos uma antítese possível da crueldade política ora em curso, e que reverbera, inevitavelmente, no forjamento das impunidades e nas imprecisas estatísticas sobre os desaparecimentos. Reitero uma espécie de utopia cidadã sonhada que rebente “por fora” das instituições e venha a rechaçar, transgredindo, os limites políticos reconhecidos do sistema no qual sobrevivemos e produzimos (BALIBAR, 2005BALIBAR, É. Violencias, identidades y civilidade: para una cultura política global. Tradução Luciano Padilla. Barcelona: Gedisa Editorial, 2005.). À medida que esse “por fora” sonhado tomar consciência de que a soberania do Estado, de poderes paralelos e das classes que o legitimam no tocante ao emprego planificado da violência extrema funcionam de um modo imperfeito, e não absoluto, à medida que rebente a percepção de que a eficácia política também depende de “uma elevação da práxis individual à ação coletiva” (BALIBAR, 2015BALIBAR, É. Violencia, política, civilidad. Ciência Política, Bogotá, v. 10, n. 19, p. 45-67, jan./jun. 2015., p. 63), as mesmas forças da crueldade desse Estado não residirão mais em seu poder, senão especificamente na constatação da impotência mesma da qual hoje somos portadores.

Referências

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Fontes

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  • FEDEFAM. Informes, año de 1981. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires.
  • FEDEFAM. Informes, año de 1982. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires.
  • FEDEFAM. Informes, año de 1984. Acervo do Archivo Nacional de la Memoria, Buenos Aires

Notas

  • 1
    O Projeto é coordenado pela Dra. Marion Brepohl/UFPR, e leva o título de: “Violência na era dos direitos humanos: a questão da invisibilidade social de grupos vulneráveis”.
  • 2
    Em paralelo a esse processo, verifica-se que o Congresso Nacional aprovou a Convenção Internacional por meio do Decreto Legislativo n. 661 de 1 de setembro de 2010.
  • 3
    Quando afirmo “conhecidos pela comunidade nacional” refiro-me à Lei n. 9.140 de 4/12/1995, que em seu artigo 1 destacou: “São reconhecidos como mortas, para todos os efeitos legais, as pessoas que tenham participado, ou tenham sido acusadas de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988, e que, por este motivo, tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, deste então, desaparecidas, sem que delas haja notícias”. O Anexo I da Lei elenca o nome de 136 pessoas desaparecidas com a época provável do desaparecimento. Disponível em: http://www.planalt.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9140compilada.htm. Acesso em: 24 dez. 2019. Ressalto que o número de desaparecidos reconhecidos pela lei brasileira está em contradição com o levantamento da CNV (Comissão Nacional da VerdadeBRASIL. Comissão Nacional da Verdade: mortos e desaparecidos políticos. Brasília: CNV, 2014.) que identificou 210 desaparecidos, e mais 33 desaparecidos cujos corpos tiveram seu paradeiro posteriormente localizado, quatro deles durante os trabalhos da CNV. No entanto, há uma distinção cronológica entre a Lei 9.140 e a CNV. Enquanto a primeira toma como ponto de partida o ano de 1961, a CNV aplica a metodologia a partir do ano de 1946. Ver: Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Mortos e desaparecidos políticos. Brasília: CNV, 2014. Quando afirmo “comunidade do direito humanitário internacional”, refiro-me ao trabalho realizado pelo Ministério Público Federal em dezembro de 2018, ao disponibilizar as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos traduzidas ao português. Ver: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-atuacao/corte-idh. Acesso em: 12 dez.2019.
  • 4
    A literatura sobre o desaparecimento forçado é vasta, e, sobretudo, de natureza interdisicplinar e comparativa. Cito aqui alguns exemplos: MARTYNIUK (2004MARTYNIUK, C. ESMA: Fenomenología de la desaparición. Buenos Aires: Prometeo Libros , 2004.); GATTI (2008GATTI, G. El detenido-desaparecido: narrativas posibles para una catástrofe de la identidad. Montevideo: Ediciones Trilce, 2008., 2011GATTI, G. El lenguaje de las víctimas: silencios (ruidosos) y parodias (serias) para hablar (sin hacerlo) de la desaparición forzada de personas. Universitas Humanística, Bogotá, p. 89-109, jul./dez. 2011.); CALVEIRO (2013CALVEIRO, P. Poder e desaparecimento: os campos de concentração na Argentina. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013.); RUBIN (2015RUBIN, J. S. Aproximación al concepto de desaparecido: reflexiones sobre El Salvador y España. Alteridades, v. 25, n. 49, p. 9-24, 2015.); MENDOZA (2016MENDOZA, J. S. Q. Las desapariciones forzadas y los “falsos positivos”: del derecho internacional al derecho administrativo colombiano. Bogotá: Editorial Universidad del Rosario, 2016.); SILVESTRE (2016SILVESTRE, C. R. Genealogía e historia no resuelta de la desaparición forzada en México. Íconos Revista de Ciencias Sociales, Quito, n. 5, p. 93-114, maio 2016.).
  • 5
    A entrevista com Patrick Rice foi realizada pelo colega historiador Mario Ayala, professor da UNTDF (Universidad Nacional de Tierra del Fuego, Antartida e Islas del Atlantico Sur/Argentina). Está publicada em edição da Revista Cantareira (jan./jul. 2014). Agradeço ao autor da entrevista pela referência, que segue devidamente citada na lista ao final deste artigo.
  • 6
    Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4388.htm Acesso em: 24 dez. 2019. As demais condutas específicas constitutivas dos delitos de lesa humanidade são, de acordo com o mesmo Estatuto: homicídio, extermínio, escravidão, deportação ou transferência forçada de uma população, prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional, tortura, agressão sexual (escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável), perseguição de um grupo ou coletividade (que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero), apartheid, outros atos desumanos de caráter semelhante (que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental).
  • 7
    Segundo Rubin (2015RUBIN, J. S. Aproximación al concepto de desaparecido: reflexiones sobre El Salvador y España. Alteridades, v. 25, n. 49, p. 9-24, 2015., p. 9), “o surgimento da categoria forense de desaparecido forçado acontece nos anos setenta do século passado”. Desde então, os acadêmicos de distintas disciplinas depararamse com a necessidade de buscar uma descrição adequada capaz de unificar em uma só definição sociojurídica diferentes casos práticos de violência clandestina contra civis. Assim, no ponto de vista do meu artigo, há uma indissociabilidade entre a historiografia do desaparecimento forçado e a história desse objeto de estudo desde a perspectiva do direito. Ainda devemos considerar, nesse contexto intelectual, a importância das transversalidades disciplinares sobre o estudo do fenômeno.
  • 8
    E reafirmando tal condição política assumida pelos familiares, Sanjurjo (2018SANJURJO, L. Sangue, identidade e verdade: memórias sobre o passado ditatorial na Argentina. São Carlos: EDUFSCAR, 2018., p. 151) sublinha: “Convertendo o tema da restituição da identidade das vítimas em uma questão crucial de suamilitância, o movimento de familiares reage ao que concebe ser uma forma de apagamento identitário - seja pelo extermínio de adultos, seja pela construção de identidades alternativas (apropriação de bebês).”
  • 9
    No artigo do informativo Solidaridad, citado anteriormente, há uma menção indireta ao esquecimento: “En cada entrevista con familiares, se repetían los antecedentes comunes. Hijos, esposas, esposos, nietos, hermanos, todos detenidos por grupos sin ninguna orden legal. Y la respuesta de las autoridades militares era sugestivamente igual: “Se desconoce el paradero” (Solidaridad, 1981SOLIDARIDAD - Informativo Quincenal de la Vicaria de la Solidaridad del Arzobispado de Santiago. 90 mil desaparecidos. Santiago, n. 126, año 6, p. 17-18, Segunda Quincena Diciembre 1981, p. 17).
  • 10
    Sigla da Comissão de Solidariedade aos Familiares de Detidos e Desaparecidos da Argentina. Esta organização surgiu em Estocolmo a partir da iniciativa de exilados argentinos. No entanto, em capitais de países como México, Espanha, Israel e Holanda, também surgiram organizações que adotaram o nome COSOFAM, assim como, tal denominação sofreu variações segundo épocas e países. Por exemplo: Comisión de Solidaridad con las víctimas de la Represión en Argentina, Comisión de Familiares de Presos Políticos, Desaparecidos y Muertos en Argentina, entre outros. Ver: JENSEN (2014JENSEN, S. El descubrimiento de los derechos humanos en el exilio español. Los derroteros de COSOFAM Barcelona en la lucha antidictatorial (1978-1983). In: KOTLER, R. I. (comp.). En el país del sí me acuerdo: los Orígenes nacionales e internacionales del movimento de derechos humanos argentino: de la dictadura a la transición. Buenos Aires: Ediciones Imago Mundi, 2014. p. 157-186., p. 157-185).
  • 11
    O caso da Guatemala pode ser visto como singular. Em 1954, o governo democrático de Jacob Arbenz foi deposto por um golpe militar. A partir de então, deu-se início a um processo de conflitos e extermínio sistemático que atingiu as comunidades indígenas/camponesas do país. Desde 1954 até 1996, quando os conflitos encontraram um termo por meio de acordos de paz, calcula-se que foram assassinadas ou desaparecidas mais de 200 mil pessoas. Ver: ROSTICA (2009ROSTICA, J. C. Interpretaciones de la historia reciente y memoria colectiva. Guatemala y el proceso de democratización. In: FEIERSTEIN, D. (comp.). Terrorismo de Estado y genocidio en América Latina. Buenos Aires: Prometeo Libros , 2009. p. 73-99., p. 73-99).
  • 12
    Em pesquisa em desenvolvimento, procedo a levantamentos em órgãos da imprensa latinoamericana e europeia indagando a respeito da difusão, alcance e impactos da Semana Mundial del Detenido-Desaparecido, cujo propósito central era mobilizar centenas de organizações em várias cidades da América Latina (considerando, claro está, os óbvios limites quanto à possibilidade de reunião em países sob ditaduras) e da Europa contra o desaparecimento forçado.
  • 13
    Na manifestação de Buenos Aires, e segundo a Circular, teriam sido detidas quatorze pessoas, incluindo cinco membros do Servicio Paz y Justicia (SERPAJ), liderado pelo prêmio Nobel Adolfo Pérez Esquivel.
  • 14
    Asociación Madres de Plaza de Mayo (Argentina), Asociación Abuelas de Plaza de Mayo (Argentina), Comisión de Familiares de Detenidos y Desaparecidos por Razones Políticas (Argentina); Familiares de Desaparecidos Bolivianos en Argentina; Familiares de Desaparecidos del Comité Brasileño por la Amnistía; Familiares de Desaparecidos en Argentina del Comité Brasileño de Solidaridad; Familiares de Desaparecidos de la Asamblea Permanente por los Derechos Humanos (Bolívia); Agrupación de Familiares de Detenidos-Desaparecidos de Chile; Agrupación de Familiares de Ejecutados Chilenos; Agrupación de Familiares de Detenidos-Desaparecidos Chilenos en Argentina; Familiares Guatemaltecos del Frente Democrático contra la Represión, Comité de Madres y Familiares de El Salvador; Familiares de Desaparecidos Haitianos; Comité Pro-Defensa de Presos, Perseguidos, Exiliados y Desaparecidos Políticos de México; Familiares de Desaparecidos de Paraguay; Agrupación de Familiares de Paraguayos Desaparecidos en la Argentina; Asociación de Familiares de Uruguayos Desaparecidos; Familiares de Uruguayos Desaparecidos en la Argentina; Familiares de Desaparecidos en Honduras; Familiares de Desaparecidos en Colombia; Familiares de Desaparecidos en Perú; Comisión de Solidaridad con los Familiares de Detenidos y Desaparecidos (Argentina); Familiares de Desaparecidos Chilenos en el Exilio
  • 15
    “A medida que fueron llegando a Venezuela, muchos militantes políticos, gremiales y religiosos argentinos comenzaron a reunirse informalmente con miembros de agrupaciones locales afines o con el propósito de nuclearse con sus connacionales víctimas de la represión. Estas reuniones se realizaban en bares, universidades, sindicatos o iglesias de las principales ciudades del país (Caracas, Mérida, Valencia o Maracaibo)” (AYALA, 2014bAYALA, M. La formación de comités y redes de lucha contra la dictadura militar de los exiliados argentinos en Venezuela: interacciones locales, regionales y transnacionales (1976-1981). e-l@tina Revista Electrónica de Estudios Latinoamericanos, Buenos Aires, v. 12, n. 46, p. 18-39, jan./mar. 2014b., p. 22).
  • 16
    O local escolhido para o Congresso foi o Colégio San José de Tarbes, dirigido pelas irmãs tarbesianas, congregação religiosa que chegou na Venezuela oriunda de Cantaous/França no ano de 1889.
  • 17
    Viúva de Orlando Letelier, político e diplomata chileno ligado à Frente Popular de Salvador Allende, assassinado no dia 21 de setembro de 1976 em Washington D. C., por detonação remota de explosivos colocados em seu veículo. O assassinato é atribuído à DINA - Dirección de Inteligencia Nacional, a polícia secreta da ditadura pinochetista, mas em cuja implicação direta está o nome do ditador chileno.
  • 18
    É importante destacar as articulações entre grupos de familiares e redes mais amplas na perspectiva de criação de novos instrumentos jurídicos para tipificar um delito de alcance universal, e não apenas latino-americano. Neste sentido, convém recordar que, já durante o Congresso de San José de Costa Rica, ocorria em simultâneo o 1º Colóquio Internacional sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, realizado em Paris entre os dias 31 de janeiro e 1 de fevereiro de 1981. Além de reunir juristas, o encontro teve a presença de representantes do movimento de direitos humanos, e no qual foi destacada a necessidade de uma Convenção sobre o desaparecimento forçado. Alguns dos participantes do Colóquio de Paris e ativos porta-vozes junto à ONU constituíram-se em figuras chaves na produção de várias iniciativas de anteprojetos discutidas previamente à elaboração do Projeto da FEDEFAM de 1982. Para esse contexto, consultar especialmente: Jensen (2017JENSEN, S. Los exiliados argentinos y las luchas por la justicia (1976-1981). Estudios Digital, Córdoba, n. 38, p. 13-30, jul./dez. 2017., p. 13-30).
  • 19
    Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direito-amemoria-e-a-verdade/convencoes/convencao-internacional-desaparecimento-forcado. Acesso em: 04 jan. 2020.
  • 20
    “A CIDH, no caso Gomes Lund, condenou o Brasil a apurar e denunciar, no campo criminal, os atos ilícitos cometidos por agentes do Estado durante o período da ditadura militar, bem como frisou o fato de que tais crimes não poderiam ser afetados por leis de anistia como a lei brasileira de 1979” (MPF, 2017Ministério Público Federal. CIDH - Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ministério Público Federal, 2017. Disponível em: Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-atuacao/corte-idh Acesso em: 12 dez. 2019.
    http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sc...
    , p. 15). Para uma exemplar síntese histórica e jurídica do caso Gomes Lund versus Brasil, bem como, uma crítica bem fundamentada sobre a “tradicional desconsideração” do STF por uma agenda de direitos que reforça o papel histórico dessa corte como “baluarte de preservação e defesa da legalidade autoritária”, ver: Bernardi (2017BERNARDI, B. B. O Sistema Interamericano de Direitos Humanos e o caso da guerrilha do Araguaia: impactos no Brasil. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 22, p. 49-92, jan./abr. 2017., p. 49-92).
  • 21
    Embora este artigo compreenda que a “despolitização” do conceito de desaparecimento forçado possa ter sido a tônica predominante na Convenção aprovada pelas Nações Unidas, tal argumento não invalida a elasticidade da categoria “desaparecimento” e termos de potencial histórico e crítico. Isto porque ela continua a ser uma categoria, desde a ênfase mais pronunciada sobre sua gênese no início da década de 1980, aberta ou disponível no vocabulário em termos de disputas de narrativas e interpretações. Em outras palavras, este aspecto tende a recolocar a instabilidade dos sentidos em torno às vítimas, bem como chama a atenção para a complexidade do debate sobre a natureza das ditaduras da região.
  • 22
    Segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV, 2019CICV. Pessoas desaparecidas no Brasil e na América Latina: as famílias não param de buscar e nós não paramos de ajudá-las. Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 7 jun. 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.icrc.org/pt/document/pessoas-desaparecidas-no-brasil-e-america-latina-familias-nao-param-de-buscar . Acesso em: 12 jan. 2020.
    https://www.icrc.org/pt/document/pessoas...
    ), em junho de 2016, o Peru aprovou a Lei de Busca de Pessoas Desaparecidas e, em 2018, foi aprovado um decreto criando um Banco de Dados Genético para a busca de pessoas desaparecidas entre 1980 e 2000. No México, um dos países que mais “produz” desaparecidos nas Américas, em 2018, entrou em vigência a Lei Geral sobre Desaparecimento de Pessoas. Em El Salvador, o CICV acompanhava, em 2018, as famílias e a Procuradoria de Direitos Humanos em uma iniciativa de lei sobre migrantes desaparecidos e seus familiares. Ver: CICV - Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Pessoas desaparecidas no Brasil e na América Latina: as famílias não param de buscar e nós não paramos de ajudá-las, 07 de junho de 2019. Disponível em: https://www.icrc.org/pt/document/pessoas-desaparecidas-nobrasil-e-america-latina-familias-nao-param-de-buscar. Acesso em: 12 jan. 2020.
  • 23
    Ver, por exemplo, a pesquisa de Antonio (2019ANTONIO, M. D. Disparos na cena do crime: o Esquadrão da Morte sob as lentes do Última Hora carioca (1968-1969). São Paulo: Intermeios, 2019.) sobre os esquadrões da morte e a imprensa no final da década de 1960.
  • 24
    Na sua etnografia sobre o desaparecimento forçado na cidade do Rio de Janeiro, Araújo (2016ARAÚJO, F. A. “Não tem corpo, não tem crime”: notas socioantropológicas sobre o ato de fazer desaparecer corpos. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 22, n. 46, p. 37-64, jul./dez. 2016., p. 46) afirmou: “Estima-se que no Brasil anualmente desaparecem entre 40.000 e 50.000 pessoas. No Rio de Janeiro são registrados por ano entre 4000 e 5000 casos”.
  • 25
    Para o autor, esta “modernização regressiva” tem a seu favor, ainda, o papel que o neoliberalismo ocupa nas relações sociais, porque tal sistema é gerador de um processo de individualização brutal que resulta em ressentimentos, desde que a autonomia real do indivíduo está associada à sua performatividade no mercado. O autor completa: “Medos materiais e culturais relativos ao status são os motores do ressentimento, de sentimentos negativos, de retração identitária e de teorias conspiratórias - aspectos identificados já cedo como sinais de estruturas autoritárias da personalidade. Possivelmente, sob este pano de fundo, é a própria submissão, frente à suposta falta de alternativa econômica do mercado que liberta ‘agressões autoritárias’” (NACHTWEY, 2019NACHTWEY, O. Descivilização - Sobre tendências regressivas nas sociedades ocidentais. In: APPADURAI, A. et al (org.). A Grande Regressão: um debate internacional sobre os novos populismos - e como enfrentá-los. São Paulo: Estação Liberdade, 2019. p. 215-232., p. 230-231).
  • Declaração de financiamento:

    Esta pesquisa foi financiada com recursos do CNPq, através do Edital, Chamada 22/2016 - Pesquisa e Inovação em Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, publicada em D. O. U. de 09/09/2016. Área temática: cidadania, violência e direitos humanos.

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2020
  • Aceito
    29 Out 2020
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