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O provimento de ofícios militares e a organização da defesa na capitania da Bahia (1642-1682)

The appointment of military officers and the organization of defense in the captaincy of Bahia (1642-1682)

Resumo

Nesse estudo analisamos os provimentos de serventia de ofícios militares realizados pelos governadores-gerais no Estado do Brasil para a capitania da Bahia. Ressaltaremos quais eram os tipos de tropas existentes na capitania da Bahia e quais eram suas funções no sistema defensivo local. Além disso, analisamos como as relações entre o governo-geral, as elites locais e os oficiais militares possibilitaram a inserção de interesses locais na governação por meio da delimitação espacial da defesa e da organização das bases para as expedições punitivas contra populações indígenas e mocambos.

Palavras-chave:
governo-geral; Estado do Brasil; provimentos militares; defesa; elites locais

Abstract

In this study, we analyze the appointments of vacant military officers made by governors-general of the State of Brazil for the captaincy of Bahia. We seek to highlight which types of troops existed in the captaincy of Bahia and their functions in the local defensive system. Besides that, we aim to demonstrate how the relations between the general government, the local elites, and the military officers enabled the insertion of local interests in the governance through the spatial delimitation of defense and the organization of the basis for the punitive expeditions against indigenous populations and mocambos.

Keywords:
general government; State of Brazil; military appointment; defense; local elites

Este artigo abordará como o uso de provimentos militares pelo governo-geral propiciou o desenvolvimento de dinâmicas específicas que transformaram a organização da defesa na capitania da Bahia na segunda metade do século XVII. Iniciaremos pela caracterização e importância que a historiografia concedeu a temáticas correlatas, em seguida apresentaremos uma caracterização inicial dos tipos de tropas presentes na capitania da Bahia, propondo um olhar alargado sobre a multiplicidade de tropas e suas funções. Por fim, analisaremos as transformações promovidas pelo governo-geral na organização defensiva da Bahia por meio dos provimentos militares, a fim de indicar como as relações com os poderes locais interferiram e moldaram essas dinâmicas da governação.

O provimento de ofícios na monarquia portuguesa é uma das temáticas que ganhou espaço e atenção no debate historiográfico recente. Alguns desses estudos têm destacado a necessidade de analisar as especificidades dessas práticas a fim de construir uma compreensão mais delineada dos mecanismos de recrutamento e provimento dos ofícios. Esses estudos também têm apontado como vários ofícios possuíam grande importância e impacto nas sociedades da América portuguesa.1 1 Destacamos que recentemente surgiram análises mais específicas sobre os ofícios militares, que têm ressaltado a importância desses postos para a lógica de serviço imperial e para o reconhecimento e acrescentamento social (MOREIRA, 2015; CRUZ, 2015).

Como sabemos a prerrogativa de provimento de ofícios foi um instrumento central de governo. A matéria era vista como tão fundamental que por vezes foi identificada como sinônimo da própria arte de governar. Evaldo Cabral de MelloMELLO, J. A. G. Henrique Dias: governador dos crioulos, negros e mulatos do Brasil. Recife: FUNDAJ; Editora Massangana, 1988. inferiu que

Governar significava nomear, o que constituía fonte substancial de poder e também de renda, pois freqüentemente os cargos eram, por baixo do pano, literalmente comprados pelos interessados não legalmente à Coroa, como na França, mas ilegalmente aos governadores. Por trás de linhas jurisdicionais propositadamente indefinidas ou mal definidas, exercia-se a pressão incessante de clientelas vorazes de amigos, protegidos, fâmulos ou meros recomendados em busca de colocação no Brasil. (MELLO, 2003MELLO, E. C. A fronda dos mazombos: Nobres contra mascates, Pernambuco (1666-1715). 2. ed. rev. São Paulo: Editora 34, 2003., p. 33).

A afirmação de Evaldo Cabral de Mello suscita algumas considerações. Em primeiro lugar, a percepção da centralidade dos provimentos na governação aparece com o devido peso que tinha na esfera da gestão do Estado do Brasil. Contudo, uma série de pesquisas recentes têm indicado que a venalidade de ofícios, além de um tópico controverso, carece de dados e de uma pesquisa exaustiva para corroborar afirmações tão contundentes2 2 Em especial os trabalhos de Roberta Stumpf (2012a; 2012b). , como sugere o historiador pernambucano. Nesse sentido, caberia questionar se o autor considera as redes e os interesses identificados como algo exógeno a essa sociedade? Afinal, estamos nos referindo a uma sociedade de Antigo Regime, organizada segundo uma lógica corporativa, movimentada por redes sociais dos mais diversos tipos, na qual a divisão entre o público e o privado era bem menos evidente.

Se observarmos o caso português veremos que a questão dos provimentos possuía contornos igualmente complexos, inclusive nas esferas inferiores da hierarquia. Ao analisar o provimento de serventias em terras senhoriais, Mafalda Soares da Cunha indicou que essa prerrogativa “era uma área importante de exercício do poder dos donatários nas suas terras” (CUNHA, 2012CUNHA, M. S. da. O provimento de ofícios menores nas terras senhoriais. A casa de Bragança nos séculos XVI-XVIII. In: Stumpf, R.; Chaturvedula, N. (org.). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). Lisboa: CHAM , 2012., p. 18) que estava sob os constrangimentos impostos pelo quadro legal do reino, sendo necessário que “os providos cumprissem certo número de requisitos políticos, sociais e de mérito para o desempenho dos ofícios” (CUNHA, 2012CUNHA, M. S. da. O provimento de ofícios menores nas terras senhoriais. A casa de Bragança nos séculos XVI-XVIII. In: Stumpf, R.; Chaturvedula, N. (org.). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). Lisboa: CHAM , 2012., p. 21) com ênfase na naturalidade. Além disso, havia o constrangimento legal estabelecendo “que os ofícios não deviam ser vendidos e que o oficial provido devia servir por si e não ceder o cargo a qualquer serventuário” (CUNHA, 2012CUNHA, M. S. da. O provimento de ofícios menores nas terras senhoriais. A casa de Bragança nos séculos XVI-XVIII. In: Stumpf, R.; Chaturvedula, N. (org.). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). Lisboa: CHAM , 2012., p. 21).

As formas de remuneração e as estratégias de uso dos serviços e dos méritos revelam outra faceta fundamental da economia das mercês na monarquia corporativa: a centralidade da negociação com o centro. Em um estudo recente, Javier Barrientos Grandón demonstrou como a prática de patrimonialização de serviços e méritos permeava tanto as discussões entre os juristas, quanto as estratégias familiares que visavam à obtenção de mercês e privilégios.3 3 O autor analisa especificamente como essa prática de patrimonialização dos serviços e méritos foi desenvolvida por famílias castelhanas em torno dos ofícios de justiça. Entendemos que o cerne das práticas analisadas pelo autor também se aplica aos casos que encontramos para a América Portuguesa. Grandón entende que os serviços eram como bens adquiridos, que mesmo com a morte do prestador de serviços era possível viabilizar a transmissão hereditária, formando “una cierta memoria familiar de servicios al príncipe, favorecida por la seguridad de que ellos no perecerían y siempre iban a ser merecedores de un premio” (GRANDÓN, 2018, p. 590-591). O uso de um conjunto de serviços passados buscando a remuneração e a projeção de oportunidades futuras, além de possibilitar a perpetuação familiar no serviço régio, era também um componente fundamental da economia da mercê que moldou os arranjos locais de poder na América Lusa.

Sobre as especificidades dos provimentos militares em Portugal, Fernando Dores Costa indicou que a principal característica desses ofícios era o fato de não se vincularem a transmissão hereditária, o que permitia estes “regressarem periodicamente a um acto ‘livre’ de nomeação de um novo detentor” (COSTA, 2012COSTA, F. D. Observações para o estudo das nomeações dos postos militares. In: Stumpf, R.; Chaturvedula, N. (org.). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). Lisboa: CHAM, 2012., p. 51). O autor também ressalta a predominância da primeira nobreza nos postos mais elevados da hierarquia militar, característica essa que o autor associa ao fato do exército português ser “periférico no sistema europeu e mesmo nos espaços extra-europeus [onde] funciona como sistema de circulação intercontinental de alguns indivíduos de origem européia, mas sem que haja a formação de exércitos para além das guarnições de praças” (COSTA, 2012COSTA, F. D. Observações para o estudo das nomeações dos postos militares. In: Stumpf, R.; Chaturvedula, N. (org.). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). Lisboa: CHAM, 2012., p. 53). De modo que a predominância dos fidalgos nos postos cimeiros da hierarquia se deve principalmente a um fator de “autoridade social” que associava o papel da nobreza à honra advinda do comando militar (COSTA, 2012COSTA, F. D. Observações para o estudo das nomeações dos postos militares. In: Stumpf, R.; Chaturvedula, N. (org.). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). Lisboa: CHAM, 2012., p. 53).

Ao analisar os provimentos militares feitos pelos governadores-gerais do Estado do Brasil, Miguel Dantas da Cruz indicou como o governo-geral possuía um grau de autonomia maior do que os governadores-de-armas das províncias do Reino, isto é, na América Lusa esses oficiais dispunham de uma larga margem para intervir no processo de escolha dos providos. Além de possuírem a prerrogativa de prover as serventias dos ofícios vagos, os governadores-gerais também poderiam consultar câmaras municipais e outros oficiais antes de indicar nomes para Coroa, ao passo que os governadores-das-armas deveriam apenas encaminhar as listas formuladas pelas câmaras para o Conselho de Guerra (CRUZ, 2013CRUZ, M. D. da. O Conselho Ultramarino e a administração militar do Brasil (da Restauração ao Pombalismo): Política, finanças e burocracia. Tese (Doutorado em História) -Instituto Universitário de Lisboa, Universidade de Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Universidade de Évora, 2013., p. 235). O autor atribuiu essa maior margem de autonomia dos governadores-gerais em razão das distâncias que separavam o Estado do Brasil e o Reino, uma vez que “a imposição do encaminhamento das propostas para Lisboa constituía uma medida de uniformização administrativa impraticável” (CRUZ, 2013CRUZ, M. D. da. O Conselho Ultramarino e a administração militar do Brasil (da Restauração ao Pombalismo): Política, finanças e burocracia. Tese (Doutorado em História) -Instituto Universitário de Lisboa, Universidade de Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Universidade de Évora, 2013., p. 235). Assim, “o Conselho Ultramarino assumiu, ao longo de todo o período estudado [séculos XVII e XVIII], uma função essencialmente relacionada apenas com a confirmação e averiguação da legitimidade das patentes passadas na América” (CRUZ, 2013CRUZ, M. D. da. O Conselho Ultramarino e a administração militar do Brasil (da Restauração ao Pombalismo): Política, finanças e burocracia. Tese (Doutorado em História) -Instituto Universitário de Lisboa, Universidade de Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Universidade de Évora, 2013., p. 235).

Vale ressaltar que os provimentos de postos militares também eram alvo de disputas entre os conselhos da Coroa, fato esse que evidencia a posição central dos provimentos na pauta política da monarquia. Desse modo, a importância dos postos militares se deve a forma como “as estruturas militares ajudavam a reiterar às lógicas estamentais da sociedade portuguesa transplantada”, ao passo que frequentemente “o topo da hierarquia militar acabava mesmo por exercer funções governativas” (CRUZ, 2015CRUZ, M. D. da. A nomeação de militares na América portuguesa: Tendências de um império negociado. Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 57, p. 673-710, 2015., p. 667-668). Assim, as disputas entre o Conselho Ultramarino e o Conselho de Guerra são exemplos da importância atribuída a essa prerrogativa. Conforme indica Miguel Dantas da Cruz, as disputas pela prerrogativa de provimento de determinados ofícios foram intensamente debatidas entre os conselhos régios, o que resultou em uma delimitação bem específica. O Conselho de Guerra possuía jurisdição para prover os postos militares no Reino, e tencionava ser o responsável por prove-los nas conquistas ultramarinas. Em réplica, o Conselho Ultramarino justificava seu domínio sobre essa capacidade, indicando que todos os ofícios exercidos nas conquistas eram da jurisdição própria do Conselho Ultramarino, como estava expresso seu regimento. Ao cabo do embate, o Conselho Ultramarino assegurou o controle sobre todos os ofícios exercidos no ultramar, inclusive sobre as patentes militares de hierarquia elevada (como as de mestre de campo e sargento-mor), como foi apontado por Miguel Dantas (CRUZ, 2015CRUZ, M. D. da. A nomeação de militares na América portuguesa: Tendências de um império negociado. Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 57, p. 673-710, 2015., p. 247).

No que toca ao governo das capitanias, é possível perceber que o provimento das serventias também foi alvo de disputas. Marcos Arthur Viana da Fonseca estudou as dinâmicas de governo entre os capitães-mores do Rio Grande e os governadores de Pernambuco, analisando as transformações de poderes ocorridas a partir da subordinação da capitania do Rio Grande à jurisdição de Pernambuco,4 4 Entre 1654 e 1701 a capitania do Rio Grande esteve subordinada ao governo-geral sediado na Bahia, e a partir de 1701 fora anexada a jurisdição do governo de Pernambuco. Deste modo, alguns estudos começaram a sugerir hipótese sobre as motivações que teriam levado as modificações jurisdicionais no Rio Grande. Carmen Alveal mapeou como a atuação dos grupos locais do Rio Grande e de Pernambuco favoreceu a mudança jurisdicional. Cf. ALVEAL, 2016, p.135-158. ressaltando as disputas pelas prerrogativas do provimento de serventias. O autor destacou como alguns setores da capitania do Rio Grande manifestaram seu descontentamento com a anexação da capitania ao governo de Pernambuco e aponta como os capitães-mores do Rio Grande atuaram para exercer a governação com relativa autonomia em relação aos governadores de Pernambuco (Cf. FONSECA, 2018FONSECA, M. A. V. da. Sob a sombra dos governadores de Pernambuco? Jurisdição e administração dos capitães-mores da capitania do Rio Grande (1701-1750). Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2018.).

Devemos ressaltar ainda que os provimentos de serventia eram elementos importantes da economia da mercê, e por integrarem essa esfera central de ações da monarquia, sofreram sucessivas transformações ao longo do Antigo Regime. De acordo com Fernanda Olival

os esforços de organização da economia da mercê tenderam a incidir, globalmente, em 3 pontos essenciais: em primeiro lugar, no estabelecimento de normas sobre serviços, papéis e procedimentos em sentido amplo; em segundo lugar, na integração das práticas de liberalidade no âmbito de alguns conselhos e secretarias criadas pelo sistema político; por fim, no intuito de um sistema de registro das concessões feitas, de modo a evitar que pelos mesmos serviços se duplicassem as recompensas. Como é notório, estas preocupações de enquadramento denunciam o quanto a mercê era relevante na gramática política do Estado Moderno. (OLIVAL, 2001OLIVAL, F. As Ordens Militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2001., p. 110).

Nesse sentido, buscamos compreender as dinâmicas de governo que perpassaram o provimento das serventias a luz deste quadro de transformações administrativas. Essa opção analítica parte de uma compreensão acerca dos estudos renovados de história militarMIRALES, D. J. História Militar do Brazil: Desde o anno de mil quinhentos quarenta e nove, em q’ teve principio a fund.am. da Cid.e. de S. Savl.or. Bahia de todos de todos os Santos até o de 1762. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro , v. XXII, Typographia Leuzinger, p. 1-214, 1900., nos quais a interseção entre recortes políticos, sociais e econômicos contribuem para a compreensão dos fenômenos associados ao universo militar.5 5 Isso é apontado por diversos autores, como: PUJOL, 2006; RESTIER JUNIOR, LOUREIRO, 2012. BORREGUERO BELTRÁN, 2017. Sendo assim, consideramos que é fundamental compreender a variedade de tipos de tropas militares a fim de perceber o emprego político que o governo-geral fez desses tipos de oficiais. No tópico a seguir faremos uma breve caracterização dos tipos de tropas a fim de compreender suas especificidades e seu papel na governação.

Tipos de ofícios providos e suas especificidades

A capitania da Bahia figurou como o principal destino de provimentos militares do governo-geral no período analisado, representando 48,37% de todos os ofícios militares providos pelo governo-geral entre 1642 e 1682.6 6 Em números absolutos a capitania da Bahia recebeu 431 provimentos de um total de 891.

Na Tabela 1, indicamos a relação entre a quantidade de patentes providas pelo governo-geral e os tipos de tropa na capitania da Bahia. Nesse sentido, é importante esclarecer que optamos por trabalhar com várias subdivisões de tipos de tropas. Os ofícios militares eram divididos em três tipos: Tropas Pagas (também chamadas de tropas de primeira linha), Tropas Auxiliares e Ordenanças. Contudo, em nossa análise optamos por desdobrar subdivisões existentes nesses tipos, por entender que essas categorias gerais por vezes ignoram a pluralidade e a dinâmica das formas de organização dos diversos tipos de tropas que encontramos. Argumentamos que considerar essas subdivisões nos auxilia a compreender as especificidades de alguns tipos de provimentos, assim como da própria lógica de organização da defesa. Portanto, trabalharemos também com os seguintes tipos de ofícios militares: indígenas, pretos e pardos, artilharia, fortificação.

Tabela 1 -
Quantidade de patentes por tipo de tropa na capitania da Bahia (1642-1682)

A opção de trabalhar com todas essas subdivisões das tropas militares implica no esforço de definir e caracterizar cada uma delas, o que por si só é um problema fundamental, visto que a própria percepção coeva sobre alguns desses tipos não era rígida nem estanque. Deste modo, não pretendemos esgotar a discussão e a caracterização desses diversos tipos, mas antes trazê-los para o centro da discussão, buscando situar e entender as funções dessas tropas no quadro da governação. Discutir e analisar as especificidades desses tipos de tropas é um ponto de partida para nos ajudar a construir uma visão mais acurada da própria governação.

Os oficiais que compunham a Tropa Paga eram aqueles que “recebiam, mesmo que com atraso, soldo, fardamento, armamento, farinha, azeite, capim, cavalos e assistência médica. Eles vinculavam os soldados a longos períodos de serviço” (IZECKSOHN, 2014IZECKSOHN, V. Ordenanças, tropas de linha e auxiliares: mapeando os espaços militares luso-brasileiros. In: Fragoso, J.; Gouvêa, M. de F. (org.). O Brasil Colonial (1720-1821). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 3, p. 483-522, 2014. , p. 492). Esse tipo de tropa tem por função a defesa das praças que guarnecem e o combate de inimigos estrangeiros. De modo geral, os estudos tratam os oficiais de infantaria, artilharia, fortificação e cavalaria como forças integrantes das Tropas pagas. Entretanto, em nossa análise, quando nos referimos às Tropas pagas estamos remetendo àqueles oficiais tidos como de infantaria e cavalaria, de modo que essa opção foi adotada em razão de suas semelhanças hierárquicas e de organização. Por sua vez, os oficiais de Artilharia e Fortificação serão abordados separadamente adiante, uma vez que percebemos que suas especificidades ganham contornos mais definidos em uma exploração detida de suas características.

No caso das tropas de Ordenança, vemos que estas eram compostas por “homens que não possuíam instrução militar sistemática nem recebiam soldos. Seu efetivo era formado pelos moradores locais não arrolados na milícia, que permaneciam em suas atividades particulares e somente eram mobilizados em caso de perturbação da ordem pública” (IZECKSOHN, 2014IZECKSOHN, V. Ordenanças, tropas de linha e auxiliares: mapeando os espaços militares luso-brasileiros. In: Fragoso, J.; Gouvêa, M. de F. (org.). O Brasil Colonial (1720-1821). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 3, p. 483-522, 2014. , p. 493). Para além das funções de defesa e controle social, as ordenanças também eram peças centrais na arrecadação de tributos, fintas e contribuições, sobretudo por estarem organizadas em freguesias.

As tropas de Auxiliares mobilizavam “vassalos em tempo parcial, não assalariados e arregimentados segundo seu lugar de origem, ou seja, não se locomoviam como os corpos regulares”, sendo que seus “oficiais inferiores também eram eleitos entre os civis, com apenas algumas patentes superiores sendo designadas pelo vice-rei, procedimento que se tornaria mais comum ao fim do período pombalino” (IZECKSOHN, 2014IZECKSOHN, V. Ordenanças, tropas de linha e auxiliares: mapeando os espaços militares luso-brasileiros. In: Fragoso, J.; Gouvêa, M. de F. (org.). O Brasil Colonial (1720-1821). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 3, p. 483-522, 2014. , p. 493). De modo que “apesar de civis, as tropas auxiliares seriam treinadas e armadas de modo a ser, como segundo escalão da força militar, um contingente preparado para auxiliar a Tropa de Linha” (MELLO, 2009MELLO, C. F. P. Forças militares no Brasil colonial: Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na Segunda Metade do Século XVIII. Rio de Janeiro: E-papes, 2009.. p. 45-46), o que explica o nome dado a este corpo militar. Nesse sentido, esta tropa surge como um modelo intermediário entre a Tropa Paga e a Ordenança.

Os ofícios que classificamos como indígenas são referentes aos provimentos de oficiais para comando e gestão de tropas ou aldeias indígenas. Desde os primórdios da ocupação na América Lusa, o estabelecimento de alianças com povos indígenas mais receptivos a presença europeia foi fundamental para assegurar a permanência e o avanço do povoamento, assim como foi essencial para combater os vários grupos que resistiram às interferências dos colonos europeus.8 8 John Monteiro indica como a formação de alianças com os indígenas foi fundamental nas primeiras décadas da colonização de São Vicente. O autor cita o exemplo de João Ramalho, um português que intermediou alianças com os grupos tupiniquins da capitania, por viver entre eles e adotar seus costumes e práticas (MONTEIRO, 1994, p. 29-30). Francisco Cosentino destaca como as instruções dos regimentos dos governadores-gerais previam a utilização de indígenas e mamelucos para ações ofensivas desde o início do povoamento da América Portuguesa, bem como aponta como algumas mudanças ocorreram no emprego desses agentes sociais ao longo do século XVII (COSENTINO, 2012. p. 19). Essas patentes foram conferidas aos sertanistas, líderes indígenas, mamelucos e moradores de localidades que possuíam boas relações com os indígenas. Em nossa amostragem, encontramos 12 provimentos com referência explícita sobre a origem indígena do provido.9 9 Alguns destes eram designados como “Principais” e outros como “Índio de Nação”. A denominação Principal estava associada à percepção que os luso-brasileiros possuíam sobre as lideranças indígenas. Sendo assim, vale recordar o que John Monteiro indicou sobre o “papel fundamental desempenhado pelo chefe na composição original e na proliferação de cada aldeia, pois a identidade histórica e política da mesma associava-se de forma intrínseca ao líder da comunidade”, pois a despeito do reconhecimento conferido pelos agentes luso-brasileiros, “o chefe permanecia igual a seus seguidores na execução das tarefas produtivas”, ou seja, “a liderança política raramente correspondia a qualquer privilégio econômico ou posição social diferenciada” (MONTEIRO, 1994, p. 22-23). Portanto o conjunto de indivíduos agregados a esse tipo de provimento era bastante heterogêneo, contando tanto com indivíduos de projeção local10 10 Podemos citar os exemplos de Antônio Ribeiro Baião, irmão de Estevão Ribeiro Baião Parente, que foi uma das principais lideranças paulista nos combates ao “gentio bárbaro” no recôncavo da Bahia; e Manuel Rodrigues Arzão, membro de uma conhecida família de sertanistas paulistas (FRANCO, 1954, p. 40; p. 48). até lideranças indígenas em aldeias11 11 Este era o caso de João Mulato, Capitão dos Índios da Aldeia de Aracajú, descrito como “principal da Aldeia”. (04/11/1669. DHBN, Vol. XII. p. 59-60), e de Gonçalo de Sousa, Capitão da Aldeia de Poxim, descrito como “Índio de Nação” (08/02/1673. DHBN, Vol. XII. p. 262-263). .

O fenômeno das milícias de cor surgiu na América Portuguesa como um desdobramento direto da guerra contra os holandeses no Nordeste. O primeiro e mais evidente caso é o do mestre de campo Henrique Dias e seu terço de soldados africanos e afrodescendentes, cujo reconhecimento e institucionalização moldaram permanentemente o sistema defensivo do Estado do Brasil, num primeiro momento nas capitanias de Pernambuco e Bahia, e, posteriormente, com a difusão do modelo de milícias negras, em outras partes da América portuguesa.12 12 José Antônio Gonçalves de Mello fez uma biografia introdutória sobre Henrique Dias que se tornou referência para os estudos das milícias de cor: MELLO, 1988. Hebe Mattos apresentou uma interpretação interessante para o caso de Henrique Dias e seu terço, destacando o fenômeno da “guerra preta” e conectando o emprego dessas tropas com dinâmicas existentes na África (MATTOS, 2010). Antes, contudo, é importante destacar que havia uma grande distinção entre as tropas de pretos e pardos, fossem forros ou livres, das tropas de escravos (tanto aquelas particulares quanto aquelas mobilizadas para fins “públicos”). As tropas de pretos e pardos conquistaram direitos, privilégios e distinção social que as tropas de cativos jamais tiveram, ao passo que os grupos de escravos armados por senhores continuamente eram alvos de leis, bandos e restrições.13 13 Em 1661, o governador de Pernambuco, Francisco de Brito Freire, passou uma proibição sobre o armamento de escravos, por reclamação de “alguns moradores desta capitania” sobre os “Índios, negros e mulatos cativos por trazerem armas ofensivas e andarem cometendo delitos”. A proibição restringia que “nenhum mulato, negro nem índio que for cativo traga espingarda, faca ou espada, nem outra arma alguma ofensiva” sobre pena de prisão, pagamento de 40 cruzados e “castigo dos mais a meu arbítrio”. A exceção sobre a posse de armas se aplicava para “as que lhes forem necessárias para a ocupação do trabalho a que forem dirigidos, ou indo diante de seus senhores acompanhando-os pelos caminhos”. AUC, CA, Cod. 31, f. 58v-59. Arquivo da Universidade de Coimbra - Coleção Conde dos Arcos, Disposições dos Governadores de Pernambuco. Tomo I (daqui em diante abreviado como AUC, CA, Cod. 31) Essas tropas tenderam a adquirir especificidades de acordo com as regiões onde atuavam. Se no século XVII as tropas de pretos e pardos que atuaram nas capitanias da Bahia e de Pernambuco desempenharam funções de defesa e atuaram no combate aos “inimigos internos” (SILVA, 2018SILVA, L. G. Africanos e afrodescendentes na América portuguesa: entre a escravidão e a liberdade. (Pernambuco, séculos XVI ao XIX). Tese (Professor Titular de História) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2018.. p. 152-153; MENIM, 2019MENIM, F. G. B. Sociogênese e institucionalização de milícias de africanos e afrodescendentes livres e libertos na América Portuguesa: Bahia e Rio de Janeiro (1638-1766). Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2019.. p. 95-99), no século XVIII as milícias criadas nas capitanias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro assumiram funções de ordem policial (SILVA, 2013SILVA, L. G. Gênese das milícias de pardos e pretos na América portuguesa: Pernambuco e Minas gerais, séculos XVII e XVIII. Revista de História, São Paulo, n. 169, p.111-144, 2013.. p. 128; MARTA, 2013MARTA, M. M. Em busca de honras, isenções e liberdades: As milícias de homens pretos forros na cidade do Rio de Janeiro (meados do século XVIII e início do XIX). Dissertação (Mestrado em História) - Programa de pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.. p. 43), isto é, no controle da ordem pública e auxílio na cobrança de encargos fiscais.

Os oficiais de Fortificação estavam associados à defesa de pontos estratégicos e comumente estavam integrados a Tropa Paga, comandando outros oficiais e soldados que estavam em sua guarnição. Alguns dos oficiais deste tipo poderiam receber soldos e exercer o direito de cobrar emolumentos, mas isso não se aplicava a todas as fortificações, uma vez que fatores como localização, importância estratégica, tamanho, capacidade defensiva e o fluxo de embarcações contribuíam para a hierarquização das fortificações e, por consequência, nas possibilidades de soldos e emolumentos agregados ao comando destas. De modo geral, as fortificações eram erigidas em pontos estratégicos para a defesa de rios, portos e cidades, e como indicamos em nossa amostragem, das 24 patentes encontradas para a Bahia, 15 eram referentes às fortificações localizadas na cidade de Salvador e o restante àquelas espalhadas por pontos estratégicos do recôncavo.

Podemos definir os oficiais de Artilharia como um tipo especializado de oficial militar em razão das particularidades de sua função.14 14 A preocupação com a formação desses oficiais, sobretudo buscando sua capacitação técnica, adquiriu maior ênfase a partir do século XVIII, sobretudo pela publicação de diversas obras que tratavam das competências que esses oficiais deveriam adquirir. Essa temática é abordada por Ricardo Vieira Martins em sua tese de doutorado (MARTINS, 2013). Seu papel na defesa das praças era vital, sobretudo no que toca à defesa costeira contra ofensivas navais. Os cuidados de manutenção e operação dos petrechos de artilharia exigiam desses oficiais um conjunto de competências e conhecimentos próprios para o bom exercício das funções. Além disso, esses oficiais se relacionam diretamente com dois outros tipos fundamentais anteriormente descritos: Tropas Pagas e Fortificações. A preocupação com a formação desse tipo de oficial está expressa nos regimentos do governo geral, destacando a necessidade de exercício e atividades práticas com as peças de artilharia e até mesmo a avaliação e concessão de uma carta de exame que habilitava o oficial a servir nestes postos.15 15 Como se observa no capítulo 19 do regimento passado ao governador-geral Roque da Costa Barreto, o governo geral era responsável pelo alistamento de “cento e vinte aprendizes de Oficiais de compasso, e dos mais soldados da Ordenança, que se mandarem assentar praça, o que ordenará o Governador assim, para que sirvam de artilheiros”, registrando estes oficiais em um livro de matrícula específico a fim de assegurar que fossem pagos pelos dias em que exercitassem nas barreiras. Ao concluir a formação prática, estes oficiais eram avaliados pelos oficiais maiores da artilharia, que determinariam se estavam aptos ao exercício concedendo-lhes “cartas de exame”, documento que lhes conferia habilitação para o exercício, assim como os privilégios próprios do ofício (ARAÚJO, 2018, p. 252).

Essa caracterização inicial não explora as diversas nuances que esses tipos de tropas possuíam, tais como suas hierarquias, as médias de tempo de serviço de seus providos, as remunerações recebidas, entre outras questões.16 16 Isso escapa ao objetivo imediato deste artigo, mas desenvolvemos essa discussão em um trabalho anterior (ARAÚJO, 2018, p. 180-286). Contudo, a partir dela podemos compreender melhor os usos que o governo-geral fez desses diversos tipos de tropa, bem como as funções dessas tropas nas dinâmicas tecidas em torno da organização do espaço militar da capitania da Bahia, como veremos a seguir.

O provimento de ofícios e a governação: interesses, estratégias e políticas

A partir dessa caracterização inicial podemos analisar de modo detido como o provimento de ofícios moldava dinâmicas governativas específicas. No caso em questão, analisaremos esses provimentos sob a ótica da organização militar da capitania da Bahia, e por consequência como se aplicavam as medidas de governo que buscavam assegurar a defesa, viabilizar o comércio e garantir o sustento das localidades do recôncavo.

Em 15 de Dezembro de 1654, alguns meses após a capitulação dos holandeses em Pernambuco, houve a elaboração de uma relação dos oficiais militares e soldados que atuavam na Bahia. Na Lista da mostra que se passou a toda a Infantaria dos dois Terços do Presídio e guarnição desta praça”,17 17 O documento foi produzido por Gonçalo Pinto de Freitas, escrivão da fazenda real e da matrícula de gente de guerra do exército, a pedido do Conde de Atouguia: Lista da mostra que se pasou a toda a Infantaria dos dous Terços do Prisidio e goarnição desta praça em 15 Dezembro de 1654, Salvador, 19/01/1655, AHU_CU_005-02, Cx.13, D. 1580. (Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, Luiza da Fonseca, daqui em diante abreviado como AHU_CU_005-02) encontramos de modo detalhado a distribuição numérica dos soldados pelas companhias dos terços da Tropa paga de Salvador. O documento apresenta um quadro em que consta a divisão das companhias dos dois terços, os nomes dos capitães que comandavam essas companhias, o número de soldados e a condição (efetivos, doentes ou de licença), bem como as localidades que essas tropas guarneciam.

A produção de uma relação tão detalhada se deve ao contexto de tensões que marcou o final da guerra contra os neerlandeses em Pernambuco. O ônus do sustento da infantaria recaia sobre a população do Recôncavo, que utilizava a Câmara de Salvador como meio de ressoar seus descontentamentos e pretensões. Desde o governo de Antônio Teles da Silva (1642-1647) diversas fintas e imposições haviam sido acordadas para viabilizar o sustento das tropas, e, posteriormente, com a criação da Companhia Geral de Comércio (1649), a pressão fiscal se acentuou sobre os luso-brasileiros com a instituição do estanco (monopólio) de quatro gêneros: vinhos, azeite, bacalhau e farinha18 18 As nuances dessa conjuntura foram exploradas a fundo por trabalhos anteriores. Wolfgang Lenk explorou esse contexto pela ótica da fiscalidade, analisando as dinâmicas que permeavam a arrecadação e a manutenção das tropas: LENK, 2009. Em um estudo recente Thiago Krause analisou as relações entre a elite da Bahia, os governadores-gerais e a Coroa, destacando as flutuações entre momentos de tensão e construção de consenso na organização da arrecadação e aplicação das rendas que custeavam a defesa da cabeça do Estado do Brasil (KRAUSE, 2015). . Com as esperanças do fim da guerra no horizonte, vislumbradas pela vitória da segunda batalha de Guararapes (em fevereiro de 1649), as elites baianas começaram a buscar meios para reduzir o peso destes custos. Em uma carta dirigida ao monarca os oficiais da Câmara representavam sobre a forma como continuamente contribuíam para o sustento das tropas “com liberal vontade”, e por esta razão se encontravam sobrecarregados. Pediam, em contrapartida, que o monarca ordenasse uma reforma na organização dos terços, em razão do desequilíbrio entre o número de oficiais e soldados, ressaltando que o elevado número de oficiais era a causa de “ser maior o dispêndio das primeiras planas do que é o da infantaria”.19 19 09/05/1650, AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod.14, fl.229v-230v. (Arquivo Histórico Ultramarino, Administração Central, Conselho Ultramarino, Consultas Mistas, daqui em diante abreviado como AHU_ACL_CU, Consultas Mistas) Neste momento, o presídio de Salvador contava com três terços, que mobilizavam pouco menos de 2500 soldados e com uma grande quantidade de oficiais, o que implicava em despesas de mais de 4000 mil rações por conta da Câmara de Salvador.20 20 09/05/1650. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod. 14, fl.229v-230v. Diante dessa situação, tanto o Conselho Ultramarino quanto o governo-geral iniciaram um processo de redução dos oficiais e reorganização das companhias, denominado nas fontes como “reforma do terço”. Após a reforma firmou-se um novo termo entre a câmara e o governo-geral sobre as condições do sustento da tropa, que eram significativamente mais favoráveis a municipalidade de Salvador.21 21 No acordo firmado com a câmara em 1652 o Conde de Castelo Melhor indica que os oficiais se comprometeram a “sustentar com ração ordinária de dinheiro e farinha duas mil cento e trinta e quatro praças que havia e os oficiais maiores que ficaram em pé na Reformação”. 13/07/1652, DHBN, Vol. III, p. 177-180; DH-AMS, Atas da Câmara, Vol. III, p. 220-223 (Documentos Históricos do Arquivo Municipal de Salvador, Atas da Câmara (1649-1659), Vol. III. Prefeitura do Município de Salvador, 1949, daqui em diante abreviado como DH-AMS, Atas da Câmara). Um movimento de articulação semelhante ocorreu entre as elites locais fluminenses e o governador do Rio de Janeiro, o que resultou na reforma das tropas pagas daquela capitania também no ano de 1652 (MOREIRA, 2015MOREIRA, L. G. S. Os ofícios superiores e inferiores da tropa paga (ou de 1ª. linha) na capitania do Rio de Janeiro, 1640-1652: Lógica social, circulação e a governança da terra. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015., p. 165-185).

Nesse sentido, compilamos os dados que encontramos de diversas mostras dos terços da Bahia realizadas entre 1642 e 1660 (Tabela 2), utilizando aquelas que apresentavam mais informações sobre a distribuição das forças pelo recôncavo da capitania.

Tabela 2-
Distribuição das forças de Tropas pagas, Fortificação e Artilharia entre os anos de 1642 e 1660

De modo geral, essa documentação não segue um modelo estabelecido de elaboração dos dados, sendo que para alguns anos temos ausência de informações ou de detalhes qualitativos sobre os dados apontados. Nas mostras de 1642 e 1644 não temos indicações detalhadas sobre a distribuição das forças pelo recôncavo e nem sobre o número de soldados de licença. A mostra de 1654 que mencionamos anteriormente é a relação que apresenta as informações mais detalhadas sobre a organização e distribuição das forças dessa amostragem, incluindo oficiais das Tropas Pagas, Fortificações e Artilharia, como exploraremos adiante. A relação de 1659 também apresenta muitos detalhes, mas não informa o número de soldados doentes e de licença. Por fim, a relação de 1660 apresenta informações muito semelhantes à de 1659, porém esta não aponta de modo detalhado os números de soldados em cada forte, por isso optamos por agregar os dados ao número de oficiais em Salvador, visto que a cidade concentrava grande quantidade de fortificações. Assim, a relação aponta apenas que “trezentos e trinta e quatro [soldados] que estão pelos fortes assim desta cidade como de seu recôncavo e nos postos assim do Morro de São Paulo, como na Ilha de Taparica, Maragogipe e Sergipe del Rey”.28 28 Salvador, 14/09/1660, AHU_CU_005-02, Cx. 16, D. 1818. Assim, podemos estimar que entre as fortificações houvesse um total de 59 soldados, uma vez que excluímos dos 334 soldados apontados na relação os 18 artilheiros, e os valores das forças do Morro de São Paulo, da Ilha de Itaparica e de Sergipe del Rey, que podem ser observados na Tabela 2. É interessante observar que as mostras de 1654, 1659 e 1660 apresentam informações detalhadas para cada terço, permitindo, assim, mapear o número de soldados de cada força, e também traz detalhes de cada companhia, como o capitão responsável, a quantidade de soldados, a condição (efetivos, doentes e de licença) e localização das forças de cada companhia.

O conjunto de dados apresentado na Tabela 2 nos permite perceber algumas particularidades de cada período em que a mostra foi realizada. É possível observar que durante os anos de conflito contra os neerlandeses no Nordeste (1642, 1644 e 1654) havia uma maior quantidade de soldados mobilizados, sobretudo na urbe soteropolitana.29 29 Essa alta mobilização militar propiciou que diversos oficiais que serviram durante os anos de conflito peticionassem junto à Coroa portuguesa, buscando remunerações honoríficas e acrescentamento social. Nesse sentido, o trabalho de Thiago Krause é muito importante por analisar os pedidos e concessões de hábitos militares dos oficiais que serviram na Bahia e em Pernambuco (KRAUSE, 2010). Algumas localidades também estão relacionadas ao contexto de cada momento, assim em 1642 e 1644 temos indicações de forças na “Fronteira do Rio Real”,30 30 Diogo de Campos Moreno descreve a situação dessa região em 1612: “Desta torre [de Garcia d’Avila] até o rio Real toda a terra é fraca tirado o Rio Itapicuru, e povoada de currais e roças; neste rio Real acaba a demarcação da Capitania da Bahia e começa a capitania de Sergipe Del Rey” (MORENO, 1968. p. 4). que não só era parte dos limites geográficos da Capitania da Bahia, mas até 164831 31 A região foi recuperada em setembro de 1648, na esteira de várias vitórias luso-brasileiras em batalhas e rendições de fortes ocupados por holandeses (MIRANDA, 2011, p. 310; BOXER, 2004, p. 241). era também a região de fronteira com os territórios ocupados pelos neerlandeses, portanto as tropas ali presentes possuíam uma função defensiva importante. Ao passo que no pós-guerra (1659 e 1660) as forças passaram a guarnecer localidades da capitania de Sergipe del Rey, que era anexa à capitania de Bahia, tal como as forças do Morro de São Paulo na capitania de Ilhéus.

É interessante observar que a lógica defensiva adotada após a capitulação dos holandeses foi sugerida por Salvador Correia de Sá em uma consulta do Conselho Ultramarino e de certa forma representa em parte o que os dados compilados na Tabela 2 apontam. No parecer apresentado ao Conselho Ultramarino, Salvador Correia de Sá sugere que na

cidade [de Salvador] lhe parece que Vossa Majestade deve ter dois terços, com vinte e quatro Companhias com dois mil e quatro centos Infantes, porque destes se há de guarnecer Sergipe delRey com uma [companhia]; o Morro [de São Paulo] com duas; e para a defensa do Recôncavo, seis barcos da própria forma, que se apontam os do Rio de Janeiro sustentados por semelhantes efeitos, e guarnecidos com duas destas companhias, ficando as dezenove para guarnição da Praça que de tudo necessita.32 32 31/03/1654, AHU_ACL_CU_015, Cx. 6, D. 466. (Arquivo Histórico Ultramarino, Administração Central, Conselho Ultramarino, Avulsos de Pernambuco, daqui em diante abreviado como AHU_ACL_CU_015). A defesa costeira mencionada seria feita por embarcações pequenas com duas peças de artilharia e isso seria custeado com os rendimentos da própria capitania. Não conseguimos verificar se isso se efetivou nos moldes sugeridos por Salvador Correia de Sá.

Esses dados nos indicam como a distribuição dessas forças estava voltada para a defesa de pontos fundamentais para o escoamento da produção açucareira. A defesa destes pontos vitais da economia do recôncavo era não só uma preocupação fundamental do governo-geral, como um interesse dos grande produtores da região e da Câmara de Salvador, conselho do qual vários dos senhores de engenho do Recôncavo faziam parte, basta recordar que durante o século XVII 60% dos oficiais que serviram na câmara de Salvador e na provedoria da Misericórdia eram senhores de engenho (KRAUSE, 2015KRAUSE, T. N. A Formação de uma Nobreza Ultramarina: Coroa e elites locais na Bahia seiscentista. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.. p.141).

Para compreender melhor a forma como foram dispostas essas forças, elaboramos a representação no mapa 1, no qual destacamos a presença das tropas do terço em pontos essenciais ao fluxo produtivo do Recôncavo. Como vemos, os pontos 1 e 3 do mapa indicam os principais polos de defesa da cidade de Salvador, e que concentravam 1654 de um total de 1844 soldados que pertenciam aos terços. Estes dados apontam para a divisão de áreas de atuação entre os dois terços de Salvador: enquanto o terço velho do Mestre de Campo João de Araújo concentrava suas forças em Salvador, com alguns soldados nos fortes da Barra e de Itapagipe; o terço novo do Mestre de Campo Nicolau Aranha Pacheco também concentrava a maior parte de seu efetivo na urbe, mas também distribuía suas forças na Ilha de Itaparica,33 33 Encontramos duas patentes para Ilha de Itaparica, também fazendo menção ao pertencimento ao terço novo: Patente de Capitão em João Francisco, 10/10/1655, DHBN, Vol.XVIII. p.438-440; Patente de Capitão em Felipe Ferreira da Camera, 07/03/1657, DHBN, Vol. XIX. p.127-128. no Rio Paraguaçu e na plataforma de São Francisco. Algumas localidades como o Morro de São Paulo (em Ilhéus) e a plataforma de Matoim eram guarnecidas por soldados de ambos os terços34 34 O terço velho do Mestre de Campo João de Araújo contava com um efetivo de 1027, incluindo soldados e oficiais, já o terço novo do Mestre de Campo Nicolau Aranha Pacheco tinha efetivo total de 992. 19/01/1655, AHU_CU_005-02, Cx.13, D. 1580. .

Mapa 1 -
Divisão dos soldados dos terço em 1654.

Os pontos 4, 535 35 “A segunda maior concentração de engenhos situava-se nas ilhas denominadas Marapé por Soares de Sousa, as quais se tornaram mais tarde as paróquias da vila de São Francisco do Conde. Esse foi o centro da região açucareira, o ‘berço do massapê’” (SCHWARTZ, 1988, p. 82). e 6 indicados no mapa representavam posições estratégicas para a defesa dos rios, freguesias e povoações, sendo que essas localidades eram responsáveis por grande parte da produção e do escoamento dos principais gêneros cultivados no recôncavo. Como Stuart Schwartz indicou em seu estudo clássico, a posição de ancoradouros e pequenas angras favoreciam a conexão de várias regiões produtoras. Sendo que nessa “categoria estavam a foz do rio Matoim [6]36 36 “Fica patente que a maioria dos engenhos localizava-se no litoral da baía ou ao longo dos rios que nela desembocavam. Aproximadamente metade os engenhos ficavam na zona de Pirajá, Matoim, Paripe e Cotegipe, região situada em um raio de alguns quilômetros ao norte de salvador, e que, em meados do século XVII, passaria a ser considerada área pertencente àquela municipalidade. (...) As desembocaduras dos rios Pirajá e Matoim também forneciam abrigo para os navios e sustentavam intensa atividade pesqueira.” (SCHWARTZ, 1988. p. 82). , protegida pela ilha da Maré, e a entrada do rio Paraguaçu [4]37 37 “Somente às margens do Paraguaçu, o maior rio a desaguar na baía de Todos os Santos, é que novamente se encontravam solos adequados para os canaviais. O Paraguaçu muda de direção bruscamente logo acima de sua foz, formando a península de Iguape. (...) Na orla da península havia fazendas e engenhos.” (SCHWARTZ, 1988. p. 83). . A baía de Todos os Santos, com suas ilhas e enseadas, portos e praias, era um mar mediterrâneo que tornava possível e lucrativo um contato íntimo entre o porto de Salvador e sua hinterlândia agrícola” (SCHWARTZ, 1988SCHWARTZ, S. Segredos internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835). São Paulo: Cia das Letras, 1988., p. 78). A importância defensiva dessas localidades foi ressaltada em uma consulta do Conselho Ultramarino da seguinte maneira: “os fortes de Matoim e Peruaçú e Itaparica se devem conservar porque asseguram os engenhos de açúcar e tiram de poderem querenar as naus inimigas”.38 38 Consulta do Conselho Ultramarino sobre o governador do Brasil Alexandre de Sousa Freire da conta do estado dos fortes da Bahia e seu recôncavo, Lisboa, 16/02/1668, AHU_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263. A preocupação com a defesa dessas regiões era fruto das sucessivas investidas neerlandesas que assolaram as freguesias e distritos açucareiros do recôncavo.39 39 Wanderley Pinho indica que entre o final de 1648 e começo de 1649, cerca de 23 engenhos do Recôncavo teriam sido saqueados e queimados pela incursão de Van dem Brand e Van Goch. PINHO, 1982. p.122. Charles Boxer aponta que os holandeses fizeram essa incursão no intuito de atrair os navios da Armada Real, abrigados em segurança no rio Matoim. A recusa do Conde de Vila Pouca de Aguiar em oferecer resistência permitiu que os neerlandeses saqueassem os engenhos livremente, obtendo cerca de 1500 caixas de açúcar (BOXER, 2004. p. 282).

É importante destacar que a principal localidade fora do Recôncavo de Salvador com tropas dos terços era a fortaleza do Morro de São Paulo (Tabela 2). A rigor, essa fortificação fazia parte da jurisdição da capitania de Ilhéus,40 40 A capitania de Ilhéus foi um dos principais destinos de correspondências do governo-geral, sendo a quarta capitania mais presente no fluxo da correspondência, atrás apenas das capitanias da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco. Entre 1648 e 1682 os governadores enviaram 221 cartas para a capitania, das quais 88 foram destinadas aos oficiais militares da capitania. E no que toca aos provimentos militares, dos 55 provimentos feitos para a capitania 14 eram referentes aos oficiais do Morro de São Paulo (ARAÚJO, 2018. p. 139-141). fornecendo proteção às “vilas de baixo” (Camamú, Cairú e Boipeba), uma das linhas vitais de abastecimento da capitania da Bahia. A importância estratégica dessa fortificação era fortemente ressaltada em uma consulta do Conselho Ultramarino, na qual se discutia a importância da conservação e dos reparos das fortalezas do Recôncavo:

a praça do Morro se deve mandar conservar em sua perfeição e defensa porque dela se seguem grandes consequências a conservação da Bahia pois se além de estar na cabeça da barra donde precisamente vão demandar todos os navios que buscam aquele porto, vem daquele distrito as mais das farinhas de que a Bahia se sustenta e as madeiras de que se fazem os reparos para a artilharia e esplanadas para os fortes.41 41 16/02/1668. AHU_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263.

Contudo, importa acrescentar como o governo-geral se valeu dos oficiais militares nessa região para para assegurar o abastecimento do Recôncavo. Em 27 de Junho de 1651, Pedro Gomes, que servia como Tenente General da Artilharia, foi enviado a Ilhéus para garantir que não houvessem descaminhos com as farinhas que proveriam o sustento de Salvador. As cartas que foram destinadas as principais autoridades das vilas de Ilhéus deixavam bem claro que o envio das farinhas seria efetivado, nem que para isso o oficial enviado tivesse que usar de meios coercivos.42 42 27/06/1651. DHBN, Vol. III. p.114-115. Essas ações aparentemente lograram êxito imediato, como as cartas remetidas pelo governador-geral a Pedro Gomes explicitam.43 43 01/08/1651, DHBN, Vol. III. p.119; 01/08/1651, DHBN, Vol. III. p. 119-120. Francisco Carlos Teixeira apontou em sua tese de doutorado como a “vocação abastecedora” dessas vilas de Ilhéus foi forjada pela conjunção de interesses das elites baianas, que fixaram um valor baixo pelos produtos adquiridos, e pelo governo-geral que enviou oficiais militares para garantir o envio regular de mantimentos e coibir o descaminho e a venda para terceiros, uma vez os governadores-gerais constantemente se viam em dificuldade para assegurar o abastecimento da cidade e o municiamento das frotas.44 44 Essas vilas foram submetidas a restrições acerca do cultivo de gêneros como tabaco e aguardente, e a compra da farinha produzida era de exclusividade da cidade de Salvador por um preço fixo (SILVA, 1990. p.129-134).

Podemos aprofundar as considerações sobre organização da defesa na capitania ao observarmos os dados relativos aos provimentos de oficiais militares. Isso nos permitirá observar mais detidamente a importância das localidades do Recôncavo, como indicamos na Tabela 3. Estes dados evidenciam a percepção sobre como o governo-geral se relacionava com os mais diversos níveis de poder local. A “cabeça do Estado do Brasil” respondia sozinha por 58,84% (253 patentes) dos provimentos do recôncavo, com predominância dos oficiais da Tropa Paga (165)45 45 Devemos fazer a ressalva que os provimentos não informam a localidade de serviço, como a relação de 1654 apresenta. Nesse sentido, é muito provável que uma porção desses oficiais servisse efetivamente em alguns dos pontos do Recôncavo (como em Matoim, na Ilha de Itaparica e em Sergipe do Conde) mas diante da impossibilidade de precisar essa informação, optamos por manter Salvador como localidade de exercício, uma vez que a maioria da Tropa Paga estava alocada na cidade e em suas fortificações. e das Ordenanças (50). Por outro lado, temos um volume de provimentos igualmente relevante (177 patentes) destinados às freguesias, distritos, aldeias indígenas, e outras localidades ao redor de Salvador, sendo que a imensa maioria desses provimentos era de oficiais das Ordenanças (149). A participação de algumas localidades reflete a situação do povoamento no Recôncavo, assim como as funções produtivas das vilas e freguesias que movimentavam a economia da Bahia. Deste modo, se observa que as freguesias de Maragogipe (4 patentes) e Jaguaripe (13 patentes) produziam mandioca e possuíam em seu entorno algumas aldeias indígenas administradas; Santo Amaro de Ipitanga (8 patentes) fazia às vezes de porto do centro da zona açucareira; os distritos de Cachoeira (9 patentes) serviam tanto de “entrada para o sertão”, por sua posição favorável a penetração no interior, quanto região produtora de açúcar e mandioca, e no final do século XVII também cultivava o fumo, incrementando seu mosaico produtivo (SCHWARTZ; PÉCORA, 2002SCHWARTZ, S. e Pécora, A. (org.). As excelências do governador: o panegírico fúnebre a D. Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra (Bahia, 1676). São Paulo: Cia das Letras , 2002.. p. 19). Outras regiões eram especializadas na criação de gado, como os Distritos do Rio Real (7 patentes) e as terras pertencentes a Casa da Torre (9 patentes), dos descendentes de Garcia D’Ávila, de modo que a atividade subsidiou o processo de expansão ao rumo ao interior e a fundação de núcleos de povoação nos arredores do Rio São Francisco, território que algumas décadas depois integraria a jurisdição da capitania do Piauí (SANTOS, 2017SANTOS, A. L. S. M. “Trato da perpétua tormenta”: a conversão nos sertões de dentro e os escritos de Luigi Vincenzo Miamiani della Rovere sobre os Kiriri (1666-1699). Tese (Doutorado em História) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2017.. p. 32-33).

Tabela 3 -
Quantidade de provimentos por localidade do Recôncavo (1642-1682).46 46 Art = Artilharia; Aux= Auxiliares; Fort= Fortificações; TP= Tropa Paga; Ord= Ordenanças; PP= Pretos e Pardos; Ind= Indígenas

Sendo assim, é interessante observar as mudanças que ocorreram na organização das Ordenanças, sobretudo a partir das transformações efetuadas no governo de Alexandre de Souza Freire. Em 1668 os rumores de uma incursão naval holandesa levaram o governador-geral a promover uma intensa mobilização defensiva na capitania da Bahia, uma vez que número de soldados nas tropas pagas era bem diminuto52 52 O governador-geral havia recebido uma carta régia com informações sobre os preparativos de uma armada holandesa para atacar o Estado do Brasil e instruções para organizar a defesa de Salvador. 17/10/1667, DHBN, Vol. LXVII, p.17. Evaldo Cabral de Mello aponta que o rumor do envio da armada foi uma estratégia dos Países Baixos para pressionar as discussões que ocorriam com Portugal desde o início de 1667 (MELLO, 1998. p. 245). Em uma consulta do Conselho Ultramarino se discutia a informação de que Alexandre de Souza Freire havia remetido sobre ter encontrado “Os terços com muita pouca gente, e a mais dela desarmada” (23/04/1668, AHU_CU_005-02, Cx.20, D.2249-2251). Não dispomos dos dados para o ano de 1668 sobre o número de soldados do terço, mas é provável que não fosse uma cifra maior do que os 1332 soldados registrados para 1660 ou cerca das 1200 praças do ano de 1676. Cf: 14/09/1660, AHU_CU_005-02, Cx. 16, D. 1818; 05/06/1676, AHU_CU_005-02, Cx. 22, D. 2607. . Em razão disso, a necessidade de mobilizar as Ordenanças culminou na reorganização da jurisdição dessas tropas na capitania. O território do recôncavo foi dividido em quatro partidos, sendo que cada um era governado por um Coronel e um sargento-mor, que tinham sob seu comando as freguesias e distritos que compunham a região de seu partido.53 53 Nas cartas patentes dos coronéis a divisão da jurisdição dos partidos é justificada pela organização territorial dos núcleos de povoamento: “são dilatados os distritos das freguesias de todo o Recôncavo desta cidade, e para na presente ocasião que pelo aviso que tive de Sua Majestade se pode justamente esperar cada hora a armada holandesa que passa a este Estado se fazerem nesta praça todas as prevenções necessárias, e se reconduzir mais facilmente a gente da Ordenança, convém ao serviço de Sua Majestade se divida todo o Recôncavo em diferentes partidos cujas companhias sejam governadas por quatro Coronéis de cujo valor, zelo e grandes experiências da guerra se fiem todos os acertos da disciplina dos soldados, e execução das ordens, e felicidade dos sucessos e se possa acudir assim mais prontamente a todas as partes ao mesmo tempo a tudo o que importar á defensa desta praça” (02/01/1668, DHBN, Vol. XXXI. p. 401-403). As companhias da cidade de Salvador e seus arrabaldes eram comandadas por outro Coronel.54 54 O comando destas foi concedido ao Coronel Ascenso da Silva (02/01/1668, DHBN, Vol. XXXI. p. 403-405). Como resultado dessa mobilização o governador-geral informou a Coroa que conseguiu mobilizar 4080 soldados “entre infantaria e ordenança”, dos quais cerca de “trezentos desarmados”.55 55 Este elevado número de soldados se deve também à mobilização que o governo-geral esperava conseguir de Sergipe del Rey (cerca de 600 homens da ordenança). Além disso, houve mobilização voluntária dos estudantes, estrangeiros e dos mulatos “forros” de Salvador. O desembargador Cristóvão de Burgos chegou a formar uma companhia às suas custas (23/04/1668, AHU_CU_005-02, Cx. 20, D. 2249-2251). Na avaliação de Thiago Krause, essa medida de Alexandre de Souza Freire angariou grande simpatia da nobreza baiana, visto que as modificações organização das tropas da ordenança abriram “espaço para quatro novos coronéis (incluindo homens poderosos, como Francisco Gil de Araújo) e muitos outros oficiais”, realizando a inclusão desses “coronéis nas discussões da Câmara sobre a cobrança do donativo, com o objetivo de tornar a arrecadação mais eficiente” (KRAUSE, 2015KRAUSE, T. N. A Formação de uma Nobreza Ultramarina: Coroa e elites locais na Bahia seiscentista. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 250).

O que observamos, portanto, é que no período do post-bellum as elites baianas conseguiram maior autonomia e capacidade de intervenção nas localidades da capitania. O alto grau de mobilização observado nos preparativos de 1668 indica não só a organização desses grupos, mas também um desejo manifesto de controlar determinados aspectos da vida política da capitania. Certamente a população do Recôncavo não desejava que os custos de sustento da Tropa Paga se elevassem como no período da guerra. Ademais, a força advinda dessa mobilização podia ser utilizada para consolidar outros interesses e projetos. Não por acaso se observa que a partir desta data as incursões contra os mocambos e os indígenas do Recôncavo se intensificaram. Essas ações também contaram com o aval régio: “E visto que não tem efeito a ida da Armada de Holanda executareis (já que vos achais com prevenção) a ordem que vos mandei para se fazerem as entradas no sertão contra os gentios e mocambos que no recôncavo dessa cidade fazem as hostilidades de que me destes conta”.56 56 11/05/1668, DHBN, Vol. LXVII. p. 36-37. Esta carta régia foi o resultado de uma consulta do conselho Ultramarino de 23/04/1668, em que o parecer emitido foi exatamente o mesmo (23/04/1668, AHU_CU_005-02, Cx.20, D. 2249). Basta observar que no espaço de 18 anos, entre 1649 e 1667, foram organizadas 9 expedições57 57 Compreendemos as “expedições” tanto como mobilizações militares, quanto como um tipo específico de provimento, pois partimos da percepção de que estes oficiais a rigor não se enquadram nos demais tipos de tropa. Identificamos um conjunto de características particulares que definia em termos gerais um grupo, no qual os oficiais eram designados para atuar em expedições, que eram ações de curta ou curtíssima duração. Além disso, essas patentes não vinculavam os providos a uma hierarquia rigidamente estabelecida, isto é, não havia previsão de uma forma de ascensão hierárquica ou do pleito de acrescentamentos formais. Contudo, algumas dessas experiências poderiam ser convertidas em progressão e acrescentamento em outros tipos de tropa, visto que eram serviços reconhecidos e valorizados pela Coroa. E no caso em questão, as expedições se referem a ações de combate e apresamento contra indígenas, quilombos e mocambos na capitania da Bahia em suas anexas. contra indígenas e negros nas capitanias de Bahia, Ilhéus e Sergipe del Rey.58 58 Nos referimos as expedições organizadas nos anos 1649, 1651, 1653, 1654, 1656, 1658, 1662, 1667, que receberam 21 patentes do governo-geral. Após a mobilização de 1668, em um espaço de seis anos, ocorreram 9 expedições nas mesmas capitanias, o que é um sintoma de como a prática se intensificou.59 59 Ocorrem expedições nos anos 1668, 1669, 1671, 1672, 1673, 1674, com um total de 26 patentes emitidas pelo governo-geral. E não estamos considerando aqui as expedições contra Palmares e aquelas que fizeram parte da dita “guerra dos bárbaros” nas capitanias do Norte, uma vez que elas ficaram a cargo do governo de Pernambuco. Cabe ressaltar, no entanto, que “nem todos os governadores-gerais deram a mesma ênfase ao problema do gentio bárbaro durante seus governos respectivos, nem privilegiaram da mesma maneira as jornadas do sertão” (MARQUES, 2014MARQUES, G. Do índio gentio ao gentio bárbaro: usos e deslizes da guerra justa na Bahia seiscentista. Revista de História, São Paulo, n. 171, p. 15-48, 2014. , p. 33). Para Guida Marques os governadores-gerais que se envolviam mais diretamente com as expedições ao sertão buscavam “assentar a sua própria influência política” de modo que “as guerras contra os índios bem podiam constituir um mecanismo de poder importante no meio das relações de poder locais, mas também um lugar de tensão” (MARQUES, 2014MARQUES, G. Do índio gentio ao gentio bárbaro: usos e deslizes da guerra justa na Bahia seiscentista. Revista de História, São Paulo, n. 171, p. 15-48, 2014. , p. 33).

Portanto, esses novos arranjos de poder interessavam não apenas as elites baianas que vislumbravam um novo meio para expansão de sua influência, mas também para o governo-geral e a Coroa, que aproveitaram as vantagens advindas da mobilização da população a fim de empreender a execução de expedições sem grandes investimentos, e da mesma forma a arrecadação de tributos passava a contar com uma rede de oficiais capazes de agir com maior diligência.60 60 Ainda em 1668 os oficiais dos quatro partidos do Recôncavo apresentaram uma relação detalhada dos valores arrecadados do Dote da Rainha da Inglaterra e Paz da Holanda coletados nas freguesias (DH-AMS, Atas da Câmara, Vol. IV. p. 388-392).

Considerações finais

O provimento de serventias ocupou uma posição central na esfera de governo por ser um instrumento de intervenção muito eficaz, além de uma expressão significativa da economia da mercê e um dos principais termos do vocabulário político do governo-geral. Como temos indicado, as especificidades dos tipos de tropas estavam diretamente associadas às funções que estas assumiram no quadro da governação.

Outra faceta importante que os provimentos nos permitem acessar é a incorporação e mobilização de indivíduos das mais variadas qualidades sociais e condições jurídicas. A mobilização de indígenas, assim como de pretos e pardos, aparece como um traço marcante da organização militar da América Lusa, que utilizou esses indivíduos desde os primórdios da colonização, e que lentamente os incorporou à sua estrutura de tropas, por meio da concessão de patentes e outras distinções honoríficas.

A análise dos provimentos em uma escala territorial, como a que fizemos para Salvador e seu Recôncavo, nos auxilia a compreender a estruturação de dinâmicas de poder, bem como os processos que permearam essas mudanças. Neste sentido, apontamos como a gestão da defesa estava associada tanto a interesses locais, quanto a interesses da Coroa e dos governadores-gerais. Essas ações apontam por um lado para a proteção das regiões produtoras e para o desenvolvimento de interesses expansionistas das elites baianas, por outro lado, revelam a estratégia de reprodução da influência política do governo-geral e de aumento da eficiência na arrecadação dos tributos. A negociação e a mediação desses provimentos se mostraram centrais para a viabilização da governação, e na mesma medida permitiu a inserção e a perpetuação de interesses locais em esferas de influência que dependiam da chancela do governo-geral e da Coroa. Inferimos que a conjugação da dinâmica dos provimentos com outros processos da governação nos permite identificar e compreender ações de interferência política, bem como a negociação e a construção de alianças.

Portanto, buscamos apontar com essa reflexão o potencial ainda inexplorado da atuação dos oficiais militares no Estado do Brasil e suas relações com o governo-geral. A presente análise não se propôs a esgotar possibilidades, nem tão pouco apresentar modelos de análise prontos. Acreditamos que à luz das novas questões propostas pelos estudos de história política e militar seja possível construir novas interpretações acerca do exercício do poder. Diversas questões surgem a partir de análises como esta: qual era o perfil desses diferentes tipos de tropa? Quais eram as possibilidades de circulação e acrescentamento que cada tipo de tropa permitia aos membros de suas fileiras? Quais eram os tipos e modalidades de remuneração material e imaterial que eram oferecidas aos oficiais dessas tropas? Em que bases se organizavam a relação entre o governo-geral, as elites locais e os oficiais militares?

Nesse sentido, este estudo convida à reflexão, à crítica e à experimentação de diferentes metodologias de análise a fim de compreender os fenômenos ocorridos por um prisma mais alargado, observando tanto as transformações ao longo do tempo em um recorte quantitativo, quanto à importância de não se perder de vista as influências particulares e situacionais que eram resultantes das várias conjunturas de conflitos no Estado do Brasil seiscentista.

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  • 1
    Destacamos que recentemente surgiram análises mais específicas sobre os ofícios militares, que têm ressaltado a importância desses postos para a lógica de serviço imperial e para o reconhecimento e acrescentamento social (MOREIRA, 2015MOREIRA, L. G. S. Os ofícios superiores e inferiores da tropa paga (ou de 1ª. linha) na capitania do Rio de Janeiro, 1640-1652: Lógica social, circulação e a governança da terra. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015.; CRUZ, 2015CRUZ, M. D. da. A nomeação de militares na América portuguesa: Tendências de um império negociado. Varia História, Belo Horizonte, v. 31, n. 57, p. 673-710, 2015.).
  • 2
    Em especial os trabalhos de Roberta Stumpf (2012aSTUMPF, R. G. Venalidade de Ofícios e Honras na Monarquia Portuguesa: um balanço preliminar. In. Almeida, S. C. C.; Silva, G. C. M; Silva, K. V.; Souza, G. F. C. (org.). Políticas e Estratégias Administrativas no Mundo Atlântico. Recife: Editoria Universitária UFPE, 2012a.; 2012bSTUMPF, R. G. Formas de venalidade de Ofícios na Monarquia Portuguesa do Século XVIII. In: Stumpf, R.; Chaturvedula, N. (org.). Cargos e ofícios nas monarquias ibéricas: provimento, controlo e venalidade (Séculos XVII e XVIII). Lisboa: CHAM , 2012b.).
  • 3
    O autor analisa especificamente como essa prática de patrimonialização dos serviços e méritos foi desenvolvida por famílias castelhanas em torno dos ofícios de justiça. Entendemos que o cerne das práticas analisadas pelo autor também se aplica aos casos que encontramos para a América Portuguesa. Grandón entende que os serviços eram como bens adquiridos, que mesmo com a morte do prestador de serviços era possível viabilizar a transmissão hereditária, formando “una cierta memoria familiar de servicios al príncipe, favorecida por la seguridad de que ellos no perecerían y siempre iban a ser merecedores de un premio” (GRANDÓN, 2018GRANDÓN, J. B. “Méritos y servicios”: su patrimonialización en una cultura jurisdiccional. (s. XVI-XVII). Revista de Estudios Histórico-Jurídicos, v. XL, Valparaíso, p.589-615, 2018., p. 590-591).
  • 4
    Entre 1654 e 1701 a capitania do Rio Grande esteve subordinada ao governo-geral sediado na Bahia, e a partir de 1701 fora anexada a jurisdição do governo de Pernambuco. Deste modo, alguns estudos começaram a sugerir hipótese sobre as motivações que teriam levado as modificações jurisdicionais no Rio Grande. Carmen Alveal mapeou como a atuação dos grupos locais do Rio Grande e de Pernambuco favoreceu a mudança jurisdicional. Cf. ALVEAL, 2016ALVEAL, C. A anexação da capitania do Rio Grande em 1701: Estratégia da Coroa ou interesse de grupo da capitania de Pernambuco. In: Caetano, A. F. P. (org.). Dinâmicas sociais, políticas e judiciais na América Lusa: Hierarquias, poderes e governo (século XVI-XIX). Recife: Editora UFPE, 2016., p.135-158.
  • 5
    Isso é apontado por diversos autores, como: PUJOL, 2006PUJOL, X. G. Notas sobre el estudio del poder como nueva valoración de la historia política. Tiempo de política: Perspectivas historiográficas sobre la Europa Moderna, Barcelona, p. 73-112, 2006.; RESTIER JUNIOR, LOUREIRO, 2012RESTIER JUNIOR, R.; Loureiro, M. J. G. História política, história social e história militar: três histórias em busca de um eixo teórico e metodológico comum. Revista Brasileira de História Militar, n. 8, 2012.. BORREGUERO BELTRÁN, 2017BORREGUERO BELTRÁN, C. La historia militar en el contexto de las nuevas corrientes historiográficas. Una aproximación. Manuscrits: Revista d’història Moderna, v. 34, p. 145-176, 2017..
  • 6
    Em números absolutos a capitania da Bahia recebeu 431 provimentos de um total de 891.
  • 7
    O referido banco de dados foi elaborado por meio da coleta de dados diversos fundos documentais, incorporando os provimentos de serventia dos governadores-gerais para as capitanias do Estado do Brasil. Informações coletadas em: Documentos Históricos da Biblioteca Nacional (daqui em diante abreviada como DHBN) Volumes III, IV, VII, XI, XII, XIII, XVIII, XIX, XX, XXI, XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, XXVII, XXVIII, XXXI, XXXII; Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo. (1637-1660). Vol. II. São Paulo: Typographia Piratininga, 1917; AHMS - 125.1 - Provisões do Governo e Senado (1642-1648). Vol. I. Estante 4 / Prateleira 01-02; AHMS - 125.2 - Provisões do Governo e Senado (1648-1657). Vol. II. Estante 4 / Prateleira 01-02.
  • 8
    John Monteiro indica como a formação de alianças com os indígenas foi fundamental nas primeiras décadas da colonização de São Vicente. O autor cita o exemplo de João Ramalho, um português que intermediou alianças com os grupos tupiniquins da capitania, por viver entre eles e adotar seus costumes e práticas (MONTEIRO, 1994MONTEIRO, J. M. Negros da Terra: Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Cia. das Letras, 1994., p. 29-30). Francisco Cosentino destaca como as instruções dos regimentos dos governadores-gerais previam a utilização de indígenas e mamelucos para ações ofensivas desde o início do povoamento da América Portuguesa, bem como aponta como algumas mudanças ocorreram no emprego desses agentes sociais ao longo do século XVII (COSENTINO, 2012COSENTINO, F. C. C. Apontamentos sobre a defesa do litoral, questões militares, governo-geral do Estado do Brasil e carreira militar, séculos XVI e XVII. Navigator: Subsídios para a História Marítima do Brasil, v. 8, n. 15, p. 9-25, 2012.. p. 19).
  • 9
    Alguns destes eram designados como “Principais” e outros como “Índio de Nação”. A denominação Principal estava associada à percepção que os luso-brasileiros possuíam sobre as lideranças indígenas. Sendo assim, vale recordar o que John Monteiro indicou sobre o “papel fundamental desempenhado pelo chefe na composição original e na proliferação de cada aldeia, pois a identidade histórica e política da mesma associava-se de forma intrínseca ao líder da comunidade”, pois a despeito do reconhecimento conferido pelos agentes luso-brasileiros, “o chefe permanecia igual a seus seguidores na execução das tarefas produtivas”, ou seja, “a liderança política raramente correspondia a qualquer privilégio econômico ou posição social diferenciada” (MONTEIRO, 1994MONTEIRO, J. M. Negros da Terra: Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Cia. das Letras, 1994., p. 22-23).
  • 10
    Podemos citar os exemplos de Antônio Ribeiro Baião, irmão de Estevão Ribeiro Baião Parente, que foi uma das principais lideranças paulista nos combates ao “gentio bárbaro” no recôncavo da Bahia; e Manuel Rodrigues Arzão, membro de uma conhecida família de sertanistas paulistas (FRANCO, 1954FRANCO, F. de A. C. Dicionário de bandeirantes e sertanistas do Brasil: Séculos XVI, XVII, XVIII. São Paulo: Comissão do IV centenário da cidade de São Paulo, 1954., p. 40; p. 48).
  • 11
    Este era o caso de João Mulato, Capitão dos Índios da Aldeia de Aracajú, descrito como “principal da Aldeia”. (04/11/1669. DHBN, Vol. XII. p. 59-60), e de Gonçalo de Sousa, Capitão da Aldeia de Poxim, descrito como “Índio de Nação” (08/02/1673. DHBN, Vol. XII. p. 262-263).
  • 12
    José Antônio Gonçalves de Mello fez uma biografia introdutória sobre Henrique Dias que se tornou referência para os estudos das milícias de cor: MELLO, 1988. Hebe Mattos apresentou uma interpretação interessante para o caso de Henrique Dias e seu terço, destacando o fenômeno da “guerra preta” e conectando o emprego dessas tropas com dinâmicas existentes na África (MATTOS, 2010MATTOS, H. “Guerra Preta”: culturas políticas e hierarquias sociais no mundo atlântico. In: Fragoso, J.; Gouvêa, M. de F. (org.). Na trama das redes: Política e negócios no império português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2010.).
  • 13
    Em 1661, o governador de Pernambuco, Francisco de Brito Freire, passou uma proibição sobre o armamento de escravos, por reclamação de “alguns moradores desta capitania” sobre os “Índios, negros e mulatos cativos por trazerem armas ofensivas e andarem cometendo delitos”. A proibição restringia que “nenhum mulato, negro nem índio que for cativo traga espingarda, faca ou espada, nem outra arma alguma ofensiva” sobre pena de prisão, pagamento de 40 cruzados e “castigo dos mais a meu arbítrio”. A exceção sobre a posse de armas se aplicava para “as que lhes forem necessárias para a ocupação do trabalho a que forem dirigidos, ou indo diante de seus senhores acompanhando-os pelos caminhos”. AUC, CA, Cod. 31, f. 58v-59. Arquivo da Universidade de Coimbra - Coleção Conde dos Arcos, Disposições dos Governadores de Pernambuco. Tomo I (daqui em diante abreviado como AUC, CA, Cod. 31)
  • 14
    A preocupação com a formação desses oficiais, sobretudo buscando sua capacitação técnica, adquiriu maior ênfase a partir do século XVIII, sobretudo pela publicação de diversas obras que tratavam das competências que esses oficiais deveriam adquirir. Essa temática é abordada por Ricardo Vieira Martins em sua tese de doutorado (MARTINS, 2013MARTINS, R. V. A restauração de Portugal à modernidade no século XVIII. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013.).
  • 15
    Como se observa no capítulo 19 do regimento passado ao governador-geral Roque da Costa Barreto, o governo geral era responsável pelo alistamento de “cento e vinte aprendizes de Oficiais de compasso, e dos mais soldados da Ordenança, que se mandarem assentar praça, o que ordenará o Governador assim, para que sirvam de artilheiros”, registrando estes oficiais em um livro de matrícula específico a fim de assegurar que fossem pagos pelos dias em que exercitassem nas barreiras. Ao concluir a formação prática, estes oficiais eram avaliados pelos oficiais maiores da artilharia, que determinariam se estavam aptos ao exercício concedendo-lhes “cartas de exame”, documento que lhes conferia habilitação para o exercício, assim como os privilégios próprios do ofício (ARAÚJO, 2018ARAÚJO, H. A. F. F. A construção da governabilidade no Estado do Brasil: perfil social, dinâmicas políticas e redes governativas do governo-geral (1642-1682). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018., p. 252).
  • 16
    Isso escapa ao objetivo imediato deste artigo, mas desenvolvemos essa discussão em um trabalho anterior (ARAÚJO, 2018ARAÚJO, H. A. F. F. A construção da governabilidade no Estado do Brasil: perfil social, dinâmicas políticas e redes governativas do governo-geral (1642-1682). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018., p. 180-286).
  • 17
    O documento foi produzido por Gonçalo Pinto de Freitas, escrivão da fazenda real e da matrícula de gente de guerra do exército, a pedido do Conde de Atouguia: Lista da mostra que se pasou a toda a Infantaria dos dous Terços do Prisidio e goarnição desta praça em 15 Dezembro de 1654, Salvador, 19/01/1655, AHU_CU_005-02, Cx.13, D. 1580. (Arquivo Histórico Ultramarino, Conselho Ultramarino, Luiza da Fonseca, daqui em diante abreviado como AHU_CU_005-02)
  • 18
    As nuances dessa conjuntura foram exploradas a fundo por trabalhos anteriores. Wolfgang Lenk explorou esse contexto pela ótica da fiscalidade, analisando as dinâmicas que permeavam a arrecadação e a manutenção das tropas: LENK, 2009LENK, W. Guerra e pacto colonial: exército, fiscalidade e administração colonial da Bahia (1624-1654). Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009.. Em um estudo recente Thiago Krause analisou as relações entre a elite da Bahia, os governadores-gerais e a Coroa, destacando as flutuações entre momentos de tensão e construção de consenso na organização da arrecadação e aplicação das rendas que custeavam a defesa da cabeça do Estado do Brasil (KRAUSE, 2015KRAUSE, T. N. A Formação de uma Nobreza Ultramarina: Coroa e elites locais na Bahia seiscentista. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.).
  • 19
    09/05/1650, AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod.14, fl.229v-230v. (Arquivo Histórico Ultramarino, Administração Central, Conselho Ultramarino, Consultas Mistas, daqui em diante abreviado como AHU_ACL_CU, Consultas Mistas)
  • 20
    09/05/1650. AHU_ACL_CU, Consultas Mistas, Cod. 14, fl.229v-230v.
  • 21
    No acordo firmado com a câmara em 1652 o Conde de Castelo Melhor indica que os oficiais se comprometeram a “sustentar com ração ordinária de dinheiro e farinha duas mil cento e trinta e quatro praças que havia e os oficiais maiores que ficaram em pé na Reformação”. 13/07/1652, DHBN, Vol. III, p. 177-180; DH-AMS, Atas da Câmara, Vol. III, p. 220-223 (Documentos Históricos do Arquivo Municipal de Salvador, Atas da Câmara (1649-1659), Vol. III. Prefeitura do Município de Salvador, 1949, daqui em diante abreviado como DH-AMS, Atas da Câmara).
  • 22
    Sendo 1608 soldados efetivos e 182 oficiais de primeira plana.
  • 23
    Sendo 957 soldados efetivos e 226 oficiais de primeira plana.
  • 24
    Sendo 8 oficiais e 53 artilheiros. Os artilheiros estavam divididos da seguinte maneira, 36 na praça de Salvador e 17 pelos fortes da cidade e do recôncavo.
  • 25
    Sendo 8 oficiais (1 tenente de artilharia, 3 capitães de artilharia, 2 gentis-homens da artilharia, 1 condestável, 1 mestre de carpintaria), 30 soldados efetivos (artilheiros) na praça de Salvador e 18 pelos fortes da cidade e do recôncavo.
  • 26
    Essa fortificação é referida na documentação como São Bartolomeu da Passagem de Pirajá ou por vezes como Forte da Passagem de Itapagipe.
  • 27
    “foram para o Rio de Janeiro com o Capitão João Rodrigues Pestana em companhia do Mestre de Campo Francisco de Souto Maior” 30/06/1644, AHU_CU_005-02, Cx. 9, D. 1076.
  • 28
    Salvador, 14/09/1660, AHU_CU_005-02, Cx. 16, D. 1818. Assim, podemos estimar que entre as fortificações houvesse um total de 59 soldados, uma vez que excluímos dos 334 soldados apontados na relação os 18 artilheiros, e os valores das forças do Morro de São Paulo, da Ilha de Itaparica e de Sergipe del Rey, que podem ser observados na Tabela 2.
  • 29
    Essa alta mobilização militar propiciou que diversos oficiais que serviram durante os anos de conflito peticionassem junto à Coroa portuguesa, buscando remunerações honoríficas e acrescentamento social. Nesse sentido, o trabalho de Thiago Krause é muito importante por analisar os pedidos e concessões de hábitos militares dos oficiais que serviram na Bahia e em Pernambuco (KRAUSE, 2010KRAUSE, T. N. Em busca de honra: a remuneração dos serviços da guerra holandesa e os hábitos das Ordens Militares (Bahia e Pernambuco, 1641-1683). Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010.).
  • 30
    Diogo de Campos Moreno descreve a situação dessa região em 1612: “Desta torre [de Garcia d’Avila] até o rio Real toda a terra é fraca tirado o Rio Itapicuru, e povoada de currais e roças; neste rio Real acaba a demarcação da Capitania da Bahia e começa a capitania de Sergipe Del Rey” (MORENO, 1968MORENO, D. C. O livro que dá razão do Estado do Brasil (1612). Salvador: Centro de Estudos Bahianos, 1968.. p. 4).
  • 31
    A região foi recuperada em setembro de 1648, na esteira de várias vitórias luso-brasileiras em batalhas e rendições de fortes ocupados por holandeses (MIRANDA, 2011MIRANDA, B. R. F. Gente de Guerra: Origem, cotidiano e resistência dos soldados do exercito da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil (1630-1654). Tese (Doutorado em História) - Universidade de Leiden, 2011., p. 310; BOXER, 2004BOXER, C. R. Holandeses no Brasil: 1624-1654. Recife: CEPE, 2004., p. 241).
  • 32
    31/03/1654, AHU_ACL_CU_015, Cx. 6, D. 466. (Arquivo Histórico Ultramarino, Administração Central, Conselho Ultramarino, Avulsos de Pernambuco, daqui em diante abreviado como AHU_ACL_CU_015). A defesa costeira mencionada seria feita por embarcações pequenas com duas peças de artilharia e isso seria custeado com os rendimentos da própria capitania. Não conseguimos verificar se isso se efetivou nos moldes sugeridos por Salvador Correia de Sá.
  • 33
    Encontramos duas patentes para Ilha de Itaparica, também fazendo menção ao pertencimento ao terço novo: Patente de Capitão em João Francisco, 10/10/1655, DHBN, Vol.XVIII. p.438-440; Patente de Capitão em Felipe Ferreira da Camera, 07/03/1657, DHBN, Vol. XIX. p.127-128.
  • 34
    O terço velho do Mestre de Campo João de Araújo contava com um efetivo de 1027, incluindo soldados e oficiais, já o terço novo do Mestre de Campo Nicolau Aranha Pacheco tinha efetivo total de 992. 19/01/1655, AHU_CU_005-02, Cx.13, D. 1580.
  • 35
    “A segunda maior concentração de engenhos situava-se nas ilhas denominadas Marapé por Soares de Sousa, as quais se tornaram mais tarde as paróquias da vila de São Francisco do Conde. Esse foi o centro da região açucareira, o ‘berço do massapê’” (SCHWARTZ, 1988SCHWARTZ, S. Segredos internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835). São Paulo: Cia das Letras, 1988., p. 82).
  • 36
    “Fica patente que a maioria dos engenhos localizava-se no litoral da baía ou ao longo dos rios que nela desembocavam. Aproximadamente metade os engenhos ficavam na zona de Pirajá, Matoim, Paripe e Cotegipe, região situada em um raio de alguns quilômetros ao norte de salvador, e que, em meados do século XVII, passaria a ser considerada área pertencente àquela municipalidade. (...) As desembocaduras dos rios Pirajá e Matoim também forneciam abrigo para os navios e sustentavam intensa atividade pesqueira.” (SCHWARTZ, 1988SCHWARTZ, S. Segredos internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835). São Paulo: Cia das Letras, 1988.. p. 82).
  • 37
    “Somente às margens do Paraguaçu, o maior rio a desaguar na baía de Todos os Santos, é que novamente se encontravam solos adequados para os canaviais. O Paraguaçu muda de direção bruscamente logo acima de sua foz, formando a península de Iguape. (...) Na orla da península havia fazendas e engenhos.” (SCHWARTZ, 1988SCHWARTZ, S. Segredos internos: Engenhos e escravos na sociedade colonial (1550-1835). São Paulo: Cia das Letras, 1988.. p. 83).
  • 38
    Consulta do Conselho Ultramarino sobre o governador do Brasil Alexandre de Sousa Freire da conta do estado dos fortes da Bahia e seu recôncavo, Lisboa, 16/02/1668, AHU_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263.
  • 39
    Wanderley Pinho indica que entre o final de 1648 e começo de 1649, cerca de 23 engenhos do Recôncavo teriam sido saqueados e queimados pela incursão de Van dem Brand e Van Goch. PINHO, 1982PINHO, J. W. de A. História de um engenho do Recôncavo: Matoim, Novo Caboto, Freguesia. (1552-1944). 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1982. . p.122. Charles Boxer aponta que os holandeses fizeram essa incursão no intuito de atrair os navios da Armada Real, abrigados em segurança no rio Matoim. A recusa do Conde de Vila Pouca de Aguiar em oferecer resistência permitiu que os neerlandeses saqueassem os engenhos livremente, obtendo cerca de 1500 caixas de açúcar (BOXER, 2004BOXER, C. R. Holandeses no Brasil: 1624-1654. Recife: CEPE, 2004.. p. 282).
  • 40
    A capitania de Ilhéus foi um dos principais destinos de correspondências do governo-geral, sendo a quarta capitania mais presente no fluxo da correspondência, atrás apenas das capitanias da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco. Entre 1648 e 1682 os governadores enviaram 221 cartas para a capitania, das quais 88 foram destinadas aos oficiais militares da capitania. E no que toca aos provimentos militares, dos 55 provimentos feitos para a capitania 14 eram referentes aos oficiais do Morro de São Paulo (ARAÚJO, 2018ARAÚJO, H. A. F. F. A construção da governabilidade no Estado do Brasil: perfil social, dinâmicas políticas e redes governativas do governo-geral (1642-1682). Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.. p. 139-141).
  • 41
    16/02/1668. AHU_CU_005-02, Cx. 20, D. 2263.
  • 42
    27/06/1651. DHBN, Vol. III. p.114-115.
  • 43
    01/08/1651, DHBN, Vol. III. p.119; 01/08/1651, DHBN, Vol. III. p. 119-120.
  • 44
    Essas vilas foram submetidas a restrições acerca do cultivo de gêneros como tabaco e aguardente, e a compra da farinha produzida era de exclusividade da cidade de Salvador por um preço fixo (SILVA, 1990SILVA, F. C. T. A morfologia da escassez: crises de subsistência e política econômica no Brasil Colônia (Salvador e Rio de Janeiro, 1680-1790). Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990.. p.129-134).
  • 45
    Devemos fazer a ressalva que os provimentos não informam a localidade de serviço, como a relação de 1654 apresenta. Nesse sentido, é muito provável que uma porção desses oficiais servisse efetivamente em alguns dos pontos do Recôncavo (como em Matoim, na Ilha de Itaparica e em Sergipe do Conde) mas diante da impossibilidade de precisar essa informação, optamos por manter Salvador como localidade de exercício, uma vez que a maioria da Tropa Paga estava alocada na cidade e em suas fortificações.
  • 46
    Art = Artilharia; Aux= Auxiliares; Fort= Fortificações; TP= Tropa Paga; Ord= Ordenanças; PP= Pretos e Pardos; Ind= Indígenas
  • 47
    Freguesias de Saubara, Patatiba, Sergipe do Conde, Nossa Senhora do Monte e Nossa Senhora do Socorro. Aqui listamos os nomes dos Coronéis desse partido entre 1668 e 1678: Francisco Gil de Araújo (1668); Sebastião de Araújo e Lima (1671); Afonso Barbosa da França (1672); Sebastião de Araújo e Lima (1678).
  • 48
    Freguesias do Rio Vermelho, Santo Amaro, Torre, Inhambupe, Rio Real, Tapecurú, Jacobina, que se situavam em uma região ao nordeste de Salvador, território fronteiriço com a capitania de Sergipe del Rey.
  • 49
    Freguesias de Iguape, Cachoeira e Maragogipe
  • 50
    Freguesias de Passé, Matoim, Cotegipe, Paripe e Pirajá
  • 51
    Não incluímos nesta amostragem uma Carta patente de Capitão-mor da Vila de Santo Antônio da Conquista, DHBN, Vol. XII. p. 298-299.
  • 52
    O governador-geral havia recebido uma carta régia com informações sobre os preparativos de uma armada holandesa para atacar o Estado do Brasil e instruções para organizar a defesa de Salvador. 17/10/1667, DHBN, Vol. LXVII, p.17. Evaldo Cabral de Mello aponta que o rumor do envio da armada foi uma estratégia dos Países Baixos para pressionar as discussões que ocorriam com Portugal desde o início de 1667 (MELLO, 1998MELLO, E. C. O negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641-1669. Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 1998.. p. 245). Em uma consulta do Conselho Ultramarino se discutia a informação de que Alexandre de Souza Freire havia remetido sobre ter encontrado “Os terços com muita pouca gente, e a mais dela desarmada” (23/04/1668, AHU_CU_005-02, Cx.20, D.2249-2251). Não dispomos dos dados para o ano de 1668 sobre o número de soldados do terço, mas é provável que não fosse uma cifra maior do que os 1332 soldados registrados para 1660 ou cerca das 1200 praças do ano de 1676. Cf: 14/09/1660, AHU_CU_005-02, Cx. 16, D. 1818; 05/06/1676, AHU_CU_005-02, Cx. 22, D. 2607.
  • 53
    Nas cartas patentes dos coronéis a divisão da jurisdição dos partidos é justificada pela organização territorial dos núcleos de povoamento: “são dilatados os distritos das freguesias de todo o Recôncavo desta cidade, e para na presente ocasião que pelo aviso que tive de Sua Majestade se pode justamente esperar cada hora a armada holandesa que passa a este Estado se fazerem nesta praça todas as prevenções necessárias, e se reconduzir mais facilmente a gente da Ordenança, convém ao serviço de Sua Majestade se divida todo o Recôncavo em diferentes partidos cujas companhias sejam governadas por quatro Coronéis de cujo valor, zelo e grandes experiências da guerra se fiem todos os acertos da disciplina dos soldados, e execução das ordens, e felicidade dos sucessos e se possa acudir assim mais prontamente a todas as partes ao mesmo tempo a tudo o que importar á defensa desta praça” (02/01/1668, DHBN, Vol. XXXI. p. 401-403).
  • 54
    O comando destas foi concedido ao Coronel Ascenso da Silva (02/01/1668, DHBN, Vol. XXXI. p. 403-405).
  • 55
    Este elevado número de soldados se deve também à mobilização que o governo-geral esperava conseguir de Sergipe del Rey (cerca de 600 homens da ordenança). Além disso, houve mobilização voluntária dos estudantes, estrangeiros e dos mulatos “forros” de Salvador. O desembargador Cristóvão de Burgos chegou a formar uma companhia às suas custas (23/04/1668, AHU_CU_005-02, Cx. 20, D. 2249-2251).
  • 56
    11/05/1668, DHBN, Vol. LXVII. p. 36-37. Esta carta régia foi o resultado de uma consulta do conselho Ultramarino de 23/04/1668, em que o parecer emitido foi exatamente o mesmo (23/04/1668, AHU_CU_005-02, Cx.20, D. 2249).
  • 57
    Compreendemos as “expedições” tanto como mobilizações militares, quanto como um tipo específico de provimento, pois partimos da percepção de que estes oficiais a rigor não se enquadram nos demais tipos de tropa. Identificamos um conjunto de características particulares que definia em termos gerais um grupo, no qual os oficiais eram designados para atuar em expedições, que eram ações de curta ou curtíssima duração. Além disso, essas patentes não vinculavam os providos a uma hierarquia rigidamente estabelecida, isto é, não havia previsão de uma forma de ascensão hierárquica ou do pleito de acrescentamentos formais. Contudo, algumas dessas experiências poderiam ser convertidas em progressão e acrescentamento em outros tipos de tropa, visto que eram serviços reconhecidos e valorizados pela Coroa. E no caso em questão, as expedições se referem a ações de combate e apresamento contra indígenas, quilombos e mocambos na capitania da Bahia em suas anexas.
  • 58
    Nos referimos as expedições organizadas nos anos 1649, 1651, 1653, 1654, 1656, 1658, 1662, 1667, que receberam 21 patentes do governo-geral.
  • 59
    Ocorrem expedições nos anos 1668, 1669, 1671, 1672, 1673, 1674, com um total de 26 patentes emitidas pelo governo-geral.
  • 60
    Ainda em 1668 os oficiais dos quatro partidos do Recôncavo apresentaram uma relação detalhada dos valores arrecadados do Dote da Rainha da Inglaterra e Paz da Holanda coletados nas freguesias (DH-AMS, Atas da Câmara, Vol. IV. p. 388-392).
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou nesse artigo contou com financiamento da CAPES/PNPD (Proc. 88887.465297/2019-00).

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2020
  • Aceito
    30 Nov 2021
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