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Adelmar Coimbra-Filho: primatologia, áreas protegidas e conservação da natureza no Brasil

Adelmar Coimbra-Filho: primatology, protected areas and nature conservation in Brazil

RESUMO

O presente artigo trata do papel desempenhado por Adelmar Coimbra-Filho no desenvolvimento da ciência da primatologia e da conservação da natureza no Brasil. Com base em fontes primárias - documentos de arquivo pessoal, artigos e boletins científicos - e secundárias - bibliografia sobre primatologia e conservação da natureza, concluiu-se que esse cientista contribuiu fortemente para o conhecimento da biologia, habitat e comportamento de diversas espécies de primatas neotropicais. Ele desempenhou um papel essencial no desenvolvimento de um programa-modelo de conservação de micos-leões e de remanescentes de Mata Atlântica, que impulsionou o processo de institucionalização da primatologia no Brasil, com ênfase na interface dessa ciência com a conservação de espécies ameaçadas de extinção.

PALAVRAS-CHAVE:
primatologia; Mata Atlântica; conservação da natureza; áreas protegidas; Adelmar Coimbra-Filho

ABSTRACT

This article deals with the role played by Adelmar Coimbra-Filho in the development of the science of primatology and at the nature conservation in Brazil. Based on primary sources - personal records, scientific articles, and newsletters - and secondary sources - bibliography on primatology and nature conservation, it was concluded that this scientist contributed strongly to the knowledge of the biology, habitat, and behavior of several species of Neotropical primates. He played an essential role in the development of a conservation program for lion tamarins and Atlantic Forest remnants that was a model, and which boosted the process of institutionalizing primatology in Brazil, with an emphasis on the interface of this science with the conservation of endangered species.

KEYWORDS:
primatology; Atlantic Rainforest; nature conservation; protected areas; Adelmar Coimbra-Filho

Os primeiros estudos sobre primatas não humanos foram publicados no Ocidente no século XVII1 1 A publicação de Orang-Outang, sive Homo Sylvestris: or, the Anatomy of a Pygmie Compared with that of a Monkey, an Ape, and a Man (1698) rendeu a Edward Tyson o epíteto de “pai” da primatologia e da moderna anatomia comparada. A obra clássica abordava as semelhanças neurológicas entre chimpanzés e humanos e defendia que os pigmeus seriam o elo a conectar humanos e macacos (LOSADA et al., 2016, p. 365). e buscavam entender, sobretudo, as similaridades anatômicas, neurológicas e comportamentais entre os diferentes macacos e entre eles e os humanos. Apesar desse marco recuado no tempo, foi somente nos anos 1940 que os estudiosos especializados em símios ganharam um nicho de pesquisa próprio. Nessa década, o termo “primatologia” foi cunhado para se referir a uma ciência que agruparia as contribuições advindas da zoologia, antropologia, medicina e paleontologia, entre outras áreas do saber. Mas, foi somente no final da década de 1950 que o novo campo começou a se espraiar pelo mundo não europeu, com o surgimento de periódicos especializados e da primeira associação internacional - a International Primatological Society, fundada em 1964 (LOSADA et al., 2016LOSADA, Janina Zito; CORNILS, Fernanda; FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto; BRAZ, Vivian da Silva. Da carnificina viajante à conservação da natureza no país dos macacos: a primatologia no Brasil, séculos XIX e XX. In: FRANCO, J. L. A.; DUTRA e SILVA, S.; DRUMMOND, J. A.; TAVARES, G. G. (org.). História Ambiental: territórios, fronteiras e biodiversidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. v. 2, p. 361-392.).

No Brasil, também houve hiatos consideráveis entre as primeiras observações seiscentistas sobre primatas, o interesse sistemático pelos símios neotropicais por parte de viajantes naturalistas do século XIX2 2 Segundo Coimbra-Filho (2004, p. 15), as primeiras referências sobre macacos brasileiros foram registradas no século XVI pelo naturalista holandês George Marcgraf. A elas vieram se somar, quase 200 anos mais tarde, as observações do naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, e os estudos prosperaram ainda mais com o interesse dos viajantes naturalistas do século XIX. De acordo com Benevides et al. (2017, p. 87), o primeiro relato especificamente sobre os micos-leões (Leontopithecus) na natureza - esses “lindos gatos próximos a micos e similares a leões” - foi do padre Antônio Pigafetta, em 1519. e a emergência de um campo de pesquisa especializado sobre eles, já nos anos 1960-1970. No presente artigo, examinamos o processo de institucionalização dessa nova fronteira científica, a partir de uma reflexão sobre a biografia do zoólogo Adelmar Faria Coimbra-Filho (1924-2016) e as suas pesquisas sobre os hábitos, a biologia, distribuição geográfica e habitat dos micos-leões (Leontopithecus). Adicionalmente, analisamos algumas fontes de arquivo (relatórios, pareceres e ofícios) produzidas pelo referido zoólogo, as quais se encontram em processo de organização arquivística pela equipe do Instituto Nacional da Mata Atlântica - INMA3 3 Trata-se do Projeto de Capacitação Institucional “Arquivos históricos e produção científica sobre a Mata Atlântica e a Conservação da Natureza no Brasil: organização, análise e difusão da informação” (PCI nº 5 INMA/MCTI, 2019-2023), o qual vem se dedicando, entre outras tarefas, a captar arquivos pessoais produzidos e/ou mantidos por cientistas e militantes dedicados à Mata Atlântica e à conservação da natureza, a fim de organizá-los e disponibilizá-los como fonte de pesquisa para o público amplo. .

Como consequência desse processo de institucionalização, aqui entendido como “[...] a implantação, desenvolvimento e consolidação de atividades científicas em um determinado espaço-tempo histórico”, a partir do estabelecimento de redes de sustentação dessas atividades - vale dizer, articulações entre/com instituições científicas, diferentes apoios de grupos sociais, interesses privados, interesses governamentais, mecanismos de efetivação etc. (FIGUEIRÔA apudLOPES, 2009LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa científica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Aderaldo & Rotschild; Brasília: Ed. UnB, 2009., p. 21-22) -, verificou-se não só a ampliação do conhecimento sobre os primatas do Brasil, mas também o surgimento de uma preocupação com as ameaças a sua sobrevivência e com a sua proteção.

A preocupação com a sobrevivência dos primatas

... Adelmar, mais do que ninguém, garantiu que meu conhecimento sobre os micos-leões não viesse só de fotografias.

(FREAGLE apudCORRÊA; BRITO, 2006CORRÊA, Marcos Sá; BRITO, Manoel Francisco. Água mole em pedra dura: dez histórias de luta pelo meio ambiente. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2006., p. 36).

Johann Baptist von Spix, Maximiliano de Wied-Neuwied, Johann Natterer, Elizabeth Agassiz e Louis Agassiz estão entre os mais lembrados naturalistas estrangeiros que exploraram o Brasil do Oitocentos. Todos eles se impressionaram com as vocalizações produzidas pelos nossos primatas, com sua diversidade de formas e cores, sua inteligência e, sobretudo, pelas semelhanças com os humanos. Apesar disso, não se furtaram a abatê-los em grandes quantidades - fosse para servirem de refeição ou para serem empalhados e doados ou vendidos a museus, universidades e colecionadores particulares da Europa e Estados Unidos. Essas atividades ampliaram os horizontes dos naturalistas, mas a ciência cobrou um preço: além das observações in loco, era necessário coletar animais que representassem as diferentes etapas da vida de uma espécie, de diferentes grupos e localidades, vivos e mortos. Os espécimes coletados vivos, afastados dos seus habitat naturais, sem os cuidados parentais e com hábitos alimentares desconhecidos, não sobreviviam por muito tempo (LOSADA et al., 2016LOSADA, Janina Zito; CORNILS, Fernanda; FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto; BRAZ, Vivian da Silva. Da carnificina viajante à conservação da natureza no país dos macacos: a primatologia no Brasil, séculos XIX e XX. In: FRANCO, J. L. A.; DUTRA e SILVA, S.; DRUMMOND, J. A.; TAVARES, G. G. (org.). História Ambiental: territórios, fronteiras e biodiversidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. v. 2, p. 361-392.).

Ao preço da “carnificina viajante”, nossos conhecimentos sobre os Platyrrhini aumentaram consideravelmente.4 4 A expressão “carnificina viajante” é de Losada et al. (2016). Os platirrinos são uma subordem de símios neotropicais, que representam espécies mais evoluídas da ordem dos primatas, e são caracterizados por narinas dirigidas lateralmente e septo nasal largo (COIMBRA-FILHO, 1982, p. 63). A prática se perpetuou ao menos até o século XX e pareceu mesmo ser questão mundialmente pacificada entre os cientistas:

Pesquisas de alto alcance para a humanidade exigem o sacrifício de milhares de indivíduos de muitas espécies de macacos. Koford [...] refere-se ao fato de que em 1966 foram exportados só para a Inglaterra 14.000 símios da América do Sul. Nessa época, os Estados Unidos importavam anualmente mais de 100.000 macacos do mundo inteiro, sendo que 11.000 pertenciam a formas neotropicais. Provavelmente estes exemplos pouco espelham a destruição a que estão sujeitos, tudo indicando que a mortandade mantém-se ainda elevadíssima, notadamente no período compreendido entre a captura e a chegada dos animais ao seu destino. Inúmeras espécies são muito frágeis, não sobrevivendo, nas atuais condições de captura, mais que umas poucas semanas. (COIMBRA-FILHO, 1969COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Mico-Leão, Leontideus rosalia (Linnaeus, 1766), Situação Atual da Espécie no Brasil (Callithricidae - Primates). Simpósio sobre Conservação da Natureza e Restauração do Ambiente Natural do Homem. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 41, suplemento, p. 29-52, 1969., p. 29).

Parte da importação europeia e norte-americana de símios brasileiros nos séculos XIX e XX foi impulsionada pelo mercado de animais de estimação e por instituições zoológicas (BALLOU et al., 2008BALLOU, Jonathan D. et al. A história, o manejo e o papel da conservação de populações de micos-leões em cativeiro. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA, 2008. p. 136-162., p. 136). Entretanto, nas décadas de 1950 e 1960 ela visava atender sobretudo à demanda da indústria farmacêutica e de grandes empresas biomédicas por “modelos experimentais insubstituíveis” - algo que se converteu em uma das principais ameaças de extinção para muitas espécies de macacos neotropicais, ao lado da destruição acelerada das florestas e da caça de subsistência (COIMBRA-FILHO, 2004COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Os primórdios da Primatologia no Brasil. In: MENDES, S. L.; CHIARELLO, Adriano Garcia (org.). A Primatologia no Brasil. Vitória: IPEMA/SBPR, 2004. p. v. 8, p. 11-35., p. 13). Por outro lado, as consequências negativas dessa prática científica também fizeram nascer uma preocupação com a conservação desses primatas, sob pena de perdê-los irremediavelmente:

É crescente o aumento da importância dos primatas na indagação biomédica e, em índices cada vez maiores, na indústria farmacêutica. [...] Apesar de indispensáveis às pesquisas científicas não seria procedimento inteligente abandoná-los à própria sorte. Medidas conservacionistas se impõem. Somente assim conseguiremos a sobrevivência e consequente perenidade das espécies em cuja ordem se encontra o próprio homem. (COIMBRA-FILHO, 1969COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Mico-Leão, Leontideus rosalia (Linnaeus, 1766), Situação Atual da Espécie no Brasil (Callithricidae - Primates). Simpósio sobre Conservação da Natureza e Restauração do Ambiente Natural do Homem. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 41, suplemento, p. 29-52, 1969., p. 29).

Além das investigações ligadas à área da saúde, o interesse mundial pelos símios no nascedouro da primatologia esteve intimamente relacionado a interrogações sobre a origem do gênero humano. A maioria dos estudos pioneiros dos anos 1950-1960 elegeu os macacos do Velho Mundo como objetos preferenciais de análise porque, entre outras razões, esses estudos foram conduzidos por “antropólogos interessados em utilizar seus achados para responder questões sobre evolução humana”: babuínos, gorilas e chimpanzés “eram simplesmente parentes muito mais próximos do homem do que seus exóticos e pouco conhecidos homólogos das florestas Neotropicais” (COIMBRA-FILHO; MITTERMEIER, 1981COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MITTERMEIER, Russell A. Introduction. In: COIMBRA-FILHO, A. F.; MITTERMEIER, R. A. (ed.). Ecology and behavior of neotropical primates. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 1981. v. 1, p. 3-7., p. 3, tradução nossa).

O ponto de inflexão de uma prática científica marcadamente utilitarista para um comportamento que combinava pesquisa e cuidados com os animais foi a histórica conferência internacional Saving the Lion Marmoset, ocorrida em fevereiro 1972 em Washington D. C., organizada por John Perry, do National Zoo, Don Bridgwater, do Minnesota Zoo, e Bill Conway, do Bronx Zoo. O mote para o encontro foi a preocupação com o declínio do número de micos-leões-dourados nos zoológicos europeus e norte-americanos, a qual foi intensificada pelas vozes que alertavam para a iminente extinção da espécie na natureza. Uma dessas vozes foi a de Aldelmar Faria Coimbra-Filho, pesquisador brasileiro que desde o final dos anos 1960 vinha proferindo palestras sobre os micos-leões e que, naquela conferência, apresentou os principais resultados de suas pesquisas, chamando a atenção internacional para o status de perigo da espécie (MITTERMEIER, 2008MITTERMEIER, Russell A. Apresentação. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. (Não paginado n.p.); RYLANDS et al., 2008RYLANDS, Anthony B.; MALLINSON, Jeremy J. C.; KLEIMAN, Devra G.; COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MITTERMEIER, Russell A.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão; VALLADARES-PADUA, Claudio B.; BAMPI, Maria Iolita. A história e o status dos micos-leões. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B . (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 23-68.; SERRA; PALO JR., 2019SERRA, Cristina; PALO JR., Haroldo. Uma história de conservação: A Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2019.).5 5 A primeira das palestras referidas foi proferida durante o 3º Congresso Brasileiro de Zoologia, ocorrido em julho de 1968 no Museu Nacional do Rio de Janeiro, o qual teve como símbolo justamente o mico-leão-dourado, por insistência de Coimbra-Filho (RYLANDS et al., 2008, p. 33).

Os trabalhos de campo e o esforço para sustar a ameaça de extinção de seu próprio objeto de estudo fez de Coimbra-Filho um paradigma para os pesquisadores do recente campo da primatologia. Mas, a despeito da constatação de que a pesquisa científica deveria estar conectada à garantia de sobrevivência digna para todos os seres, o caminho que vai do laboratório à militância conservacionista não é nada óbvio.6 6 Comentando o relato de Fernando de Ávila-Pires acerca do recebimento de muitas cartas solicitando-lhe informações sobre o fornecimento regular do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), Coimbra-Filho (1969, p. 47) observou que “o imediatismo que preside o comportamento da maior parte dos laboratórios de pesquisas estrangeiros faz com que pouco se interessem pela preservação das espécies animais exóticas utilizadas, sendo sua preocupação o material regular e de fácil manutenção”. No caso de Coimbra-Filho, a decisão de desenvolver e difundir métodos de conservação de espécies ameaçadas foi tomada nos anos 1960, quando ele começou a estudar os primatas. Tratava-se, em princípio, de salientar a sua utilidade para a pesquisa científica:

A importância científica dos primatas não-humanos é indiscutível e eles representam valioso patrimônio, cujas potencialidades óbvias são facilmente percebidas através das múltiplas investigações cientificas, principalmente biomédicas e farmacêuticas, onde são mais utilizados. Por esta razão, é paradoxal que até há poucos decênios tamanha riqueza estava sendo negligenciada pela política científica nacional, à qual cabia prestigiar a Primatologia e colaborar de modo objetivo na preservação dos símios brasileiros (COIMBRA-FILHO, 2004COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Os primórdios da Primatologia no Brasil. In: MENDES, S. L.; CHIARELLO, Adriano Garcia (org.). A Primatologia no Brasil. Vitória: IPEMA/SBPR, 2004. p. v. 8, p. 11-35., p. 13).

Ao longo da sua vida profissional, Coimbra-Filho se dedicou intensamente à pesquisa e à preservação dos primatas, especialmente ao mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia). Reconhecido mundialmente como uma das principais autoridades da área, além de cientista e funcionário público, Adelmar se tornou também um gestor de instituições primatológicas e um ativista da conservação da natureza, com destaque especial para a sua atuação nas questões relacionadas com as espécies ameaçadas de extinção e com as áreas protegidas (MITTERMEIER, 2008MITTERMEIER, Russell A. Apresentação. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. (Não paginado n.p.); FRANCO; DRUMMOND, 2013FRANCO, José Luiz de Andrade. O conceito de biodiversidade e a história da biologia da conservação: da preservação da wilderness à conservação da biodiversidade. História (São Paulo), Franca, v. 32, n. 2, p. 21-48, 2013.; INEA, 2015; BENEVIDES et al., 2017BENEVIDES, Fernanda Cornils Monteiro; FRANCO, José Luiz de Andrade; BRAZ, Vivian da Silva. História dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil. História Revista, Goiânia, v. 22, n. 2, p. 83-106, 2017.; SERRA; PALO JR., 2019SERRA, Cristina; PALO JR., Haroldo. Uma história de conservação: A Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2019.).

Adelmar Coimbra-Filho: aspectos biográficos

Produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como o relato coerente de uma sequência de acontecimentos com significado e direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica [...].

(BOURDIEU, 1998BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaina. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998. p. 183-191., p. 185).

Narrar é um fenômeno antropológico bastante profícuo que entrelaça “o ser e o tempo, o ser e o espaço, o ser e o outro” (PASSEGGI, 2014PASSEGGI, Maria da Conceição. Pierre Bourdieu: da “ilusão” à “conversão” autobiográfica. Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 41, p. 223-235, 2014., p. 227). As histórias de vida, embora povoadas por acontecimentos muitas vezes aleatórios e contingentes, são oportunidades para articulá-los entre si e com outros acontecimentos, conferindo, assim, alguma inteligibilidade histórica aos processos sociais, uma vez que “nosso sistema social encontra-se integralmente em cada um de nossos sonhos, delírios, obras, comportamentos” (FERRAROTTI, 2010 apud PASSEGGI, 2014, p. 230).

Se o método biográfico clássico buscava reconstruir trajetórias de vida imputando-lhes “uma coerência ex post factum, como se as vidas houvessem transcorrido de forma linear e ascensional na direção do sucesso” (FIGUEIRÔA, 2001FIGUEIRÔA, Silvia F. de M. Para pensar as vidas de nossos cientistas tropicais. In: HEIZER, Alda; VIDEIRA, Antonio Augusto Passos (org.). Ciência, Civilização e Império nos Trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001. p. 238-239., p. 241), a guinada crítica ocorrida na historiografia francesa, a partir dos anos 1980, inaugurou uma nova perspectiva para o gênero biográfico. Nela, a ênfase dada às singularidades, às idiossincrasias, à subjetividade, ao acaso e às descontinuidades representou a tentativa de romper com o estruturalismo e as generalizações totalizantes das análises historiográficas desertas de indivíduos concretos. Por outro lado, a proposição de ajustar constantemente a escala observacional do macro ao micro e vice-versa, valorizou a experiência inédita vivida pelo sujeito como uma forma de compreender o espaço novo no qual ela foi possível existir e se realizar (DOSSE, 2009DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Edusp, 2009.; REVEL, 2010REVEL, Jacques. Micro-história, macro-história: o que as variações de escala ajudam a pensar em um mundo globalizado. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 15, n. 45, p. 434-590, 2010.).

A trajetória do cientista e conservacionista de Adelmar Faria Coimbra-Filho nos permite compreender o processo de institucionalização da primatologia como nova fronteira científica da biologia no Brasil. Ela surgiu entre nós junto com a preocupação de garantir uma política pública e um comportamento social de proteção às diferentes espécies de primatas não humanos. O sentido agudo de proteção à natureza desenvolvido por Coimbra-Filho ao longo das suas experiências de vida não resultou, porém, do sentimento idílico provocado pelas expedições de infância às florestas ainda bem preservadas do nordeste brasileiro do início do século XX, mas por meio de sua paixão pelas caçadas.

Coimbra-Filho nasceu em Fortaleza, Ceará, no dia 4 de junho de 1924, filho do engenheiro eletricista Adelmar Faria Coimbra e de Zita Arêas Coimbra. Os conhecimentos acumulados ao longo da vida a respeito das florestas começaram a ser adquiridos em meio a suas andanças atrás de pacas e caititus - segundo ele, as únicas espécies que caçava. Começou caçando nas matas de Pernambuco, para onde seus pais se mudaram quando tinha um ano de idade. Nos anos 1940, já morador do Rio de Janeiro, costumava caçar nos subúrbios cariocas, da Baixada Fluminense à Barra da Tijuca. Segundo ele, apenas um exemplar era abatido por vez, devido à percepção de que era preciso conservar as populações de animais (CORRÊA; BRITO, 2006CORRÊA, Marcos Sá; BRITO, Manoel Francisco. Água mole em pedra dura: dez histórias de luta pelo meio ambiente. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2006., p. 40; INEA, 2015).

Vale lembrar o papel desempenhado por caçadores amadores no processo de emergência das preocupações com a proteção da fauna selvagem, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Alguns se preocupavam, basicamente, em estabelecer um manejo racional das espécies cinegéticas, mas muitos deles acabavam por desenvolver uma sensibilidade estética, um conhecimento das interações ecológicas entre as diversas espécies e uma percepção do mundo natural que os levava à atribuição de um valor intrínseco às espécies que caçavam. O maior exemplo de caçador que se tornou um cientista conservacionista foi o norte-americano Aldo Leopold, engenheiro florestal, ecólogo e um dos principais expoentes da ciência do manejo de fauna selvagem (DUNLAP, 1991DUNLAP, Thomas R. Saving America’s Wildlife: Ecology and the American Mind, 1850-1990. New Jersey: Princeton University Press, 1991.; NASH, 1989NASH, Roderick Frazier. The Rights of Nature: a history of environmental ethics. Madison, WI: Wisconsin University Press, 1989., 2014NASH, Roderick Frazier. Wilderness and the American Mind. Yale: Yale University Press, 2014.; ALAGONA, 2013ALAGONA, Peter S. After the Grizzly: Endangered Species and the Politics of Place in California. Berkeley: University of California Press, 2013.; FRANCO, 2016FRANCO, José Luiz de Andrade. História da Panthera onca no Brasil: entre o terror e a admiração (séculos XVI-XXI). In: FRANCO, José Luiz de Andrade et al. (ed.). História Ambiental: Territórios, fronteiras e biodiversidade. Rio de Janeiro, Garamond, 2016. v. 2, p. 393-426.).

As preocupações de Coimbra-Filho com a conservação da natureza estavam firmemente relacionadas com a geração que o antecedeu e com a qual ele teve contato direto. Uma geração de cientistas que além da pesquisa, se preocupou com a proteção do patrimônio natural brasileiro e com o uso racional dos recursos naturais, nos anos 1920-1940, da qual fizeram parte Alberto José Sampaio, Armando Magalhães Corrêa, Cândido de Mello Leitão e Frederico Carlos Hoehne (FRANCO; DRUMMOND, 2009FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. O cuidado da natureza: a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza e a experiência conservacionista no Brasil: 1958-1992. Textos de História, Brasília, v. 17, n. 1, p. 59-84, 2009.). Dessa matriz intelectual beberam cientistas e intelectuais que trabalharam diretamente com Coimbra-Filho, como Alceo Magnanini, Paulo Nogueira Neto, João Vasconcelos Sobrinho, Augusto Ruschi e Alvaro Coutinho Aguirre, entre outros.

A carreira de Adelmar na primatologia esteve relacionada, de algum modo, a dois encontros fortuitos com micos-leões-dourados, no início da década de 1940. Ele desconfiou que, embora raros, esses primatas ainda poderiam ser localizados nos remanescentes de Mata Atlântica do Rio de Janeiro. Um desses encontros se deu na natureza, em uma de suas caçadas na Baixada Fluminense. O outro foi em uma casa na Tijuca, com um animal criado como pet. A partir de então, resolveu procurá-los, batendo as matas de Rio Bonito, Cabo Frio, Araruama, Silva Jardim e Casimiro de Abreu, até achá-los (CORRÊA; BRITO, 2006CORRÊA, Marcos Sá; BRITO, Manoel Francisco. Água mole em pedra dura: dez histórias de luta pelo meio ambiente. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2006.; URBAN, 1998URBAN, Teresa. Saudade do matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR; Fundação O Boticário de Proteção à Natureza; Fundação MacArthur,1998.).

Se a decisão de se tornar primatólogo foi “acidental” e esteve relacionada ao fascínio provocado pelo animal, o fato é que sua formação primeira e os trabalhos de início de carreira pareciam direcioná-lo para a botânica: começou a vida profissional como técnico agrícola, porque, segundo ele, pretendia ser fazendeiro (URBAN, 1998URBAN, Teresa. Saudade do matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR; Fundação O Boticário de Proteção à Natureza; Fundação MacArthur,1998.; INEA, 2015). Cursou o ginásio no Rio de Janeiro, nos colégios Mallet Soares, Pedro II e Vera Cruz, entre os anos de 1937 e 1942. Em seguida, cumpriu o serviço militar (1943-1944). Aos 22 anos tornou-se técnico agrícola pela Escola Superior de Agricultura de Minas Gerais (1945-1946), quando assumiu a administração do Parque Florestal da Gávea (1946-1957), atual Parque da Cidade.7 7 Dados extraídos do curriculum vitae de Coimbra-Filho (sem data) e de Corrêa & Brito, 2006.

Durante o período em que foi diretor desse parque, Coimbra-Filho agiu com autonomia em relação a seus superiores e com a segurança de quem confia nas competências profissionais adquiridas, na justeza da própria visão de mundo e na adequação de seu comportamento social:

Comprava pássaros com os caraminguás do próprio bolso para soltar no parque. Plantou jacarandás, perobas e palmeiras nas encostas que os antigos proprietários tratavam como um jardim europeu. Encontrou canteiros geométricos. Transformou-os em vitrinas da exuberância tropical, 419 espécies vegetais genuinamente brasileiras, sendo 93 típicas da mata atlântica. [...] Dono do cargo, Coimbra comandava pessoalmente a derrubada de construções irregulares em seu contorno, assim que elas brotavam nas encostas verdes do bairro. Subia o morro sozinho para peitar os valentões da Rocinha, ainda uma pequena favela escondida atrás do morro, ensaiando a descida para dentro do bairro. Eliminava a tiros de Winchester 44 os cachorros da vizinhança que atazanavam a fauna silvestre em sua jurisdição. “Quem foi que disse que pobre no Brasil pode fazer o que a lei proíbe?”, ele argumenta. Fez um parque à sua imagem e semelhança. (CORRÊA; BRITO, 2006CORRÊA, Marcos Sá; BRITO, Manoel Francisco. Água mole em pedra dura: dez histórias de luta pelo meio ambiente. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2006., p. 45).

Para além da aplicação espontânea de técnicas de reflorestamento, a citação acima nos permite divisar alguns traços da personalidade de Coimbra, nomeadamente a verve empreendedora, o gênio impetuoso e a disposição para se contrapor ao crescimento urbano desordenado. Até os anos de 1970, quando os temas e demandas relativas à conservação da natureza começavam a ganhar alguma capilaridade social (PÁDUA, 2012PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. In: FRANCO, José Luiz de Andrade; SILVA, Sandro Dutra e; DRUMMOND, José Augusto; TAVARES, Giovana Galvão (org.). História ambiental: fronteiras, recursos naturais e conservação da natureza. Rio de Janeiro: Garamond , 2012. p. 17-37.), levantar a voz contra a destruição do meio ambiente era tarefa de uns poucos indivíduos. Indiferente a um modelo agropastoril que já havia destruído parte monumental da Mata Atlântica, a um processo acelerado de industrialização que desafiava a capacidade da natureza em prover matérias primas e a um crescimento populacional vertiginoso que demandava produção sempre crescente de gêneros alimentícios e bens de consumo, o imperativo do desenvolvimento econômico dominava não só as políticas públicas, mas também a comunicação de massas e o imaginário popular brasileiro da segunda metade do século XX (DEAN, 1996DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.).

A perspectiva desenvolvimentista inaugurada no Brasil pelo Governo Vargas - modernização via industrialização de base, a partir da associação entre capital público e privado, comandada por um Estado centralizador e intervencionista - foi ampliada no Governo Juscelino Kubitschek, por meio de seu Plano de Metas. O ritmo acelerado de crescimento econômico vivido nos anos JK provocou a emergência de uma classe média razoavelmente bem instruída e com acesso a bens de consumo diversos, incluindo atividades recreativas como observação de pássaros, colecionamento e cultivo de orquídeas, exploração de cavernas - hábitos que, por sua vez, tornavam essa mesma classe média consciente do preço cobrado pela intensa exploração dos recursos naturais (DEAN, 1996DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.).

Essa nova sensibilidade, no entanto, era para poucos. Em tempos de turbulência política crônica, com o suicídio de Vargas em 1954, as constantes trocas no comando da República, passando pelo Golpe Civil-Militar de 1964, até chegar aos movimentos civis pela abertura democrática no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, os conflitos pelo exercício do poder atraiam todas as atenções públicas. A conservação da natureza ocupava um lugar marginal nesse contexto:

[...] era impraticável propagar uma ideologia conservacionista sob um regime que suspeitava da ação cívica coletiva, qualquer que fosse sua forma. Depois de 1964, entre os movimentos reformistas, o restabelecimento de um governo baseado nas urnas e dos direitos civis detinha necessariamente a mais alta prioridade. Reformadores conservacionistas, difíceis de rotular politicamente, mas ainda, em sua maioria, alojados na burocracia científica estatal, nesse meio tempo ocupavam uma posição precária, ignorados pelo governo e desdenhados pela oposição. (DEAN, 1996DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996., p. 283).

Remando contra a maré, Coimbra-Filho e outros de sua geração se reuniram em torno de organizações não governamentais, a fim de contribuir para frear a rápida destruição do mundo natural observada em meados do século. A principal delas foi a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN), fundada em 1958 para promover uma ação nacional pelo uso racional dos recursos naturais, pela criação de áreas protegidas e pela proteção da fauna e da flora. Não era um empreendimento fácil, na medida em que poucas eram as vozes que destoavam da mentalidade desenvolvimentista e utilitarista hegemônica, no governo e na sociedade (DEAN, 1996DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.; URBAN, 1998URBAN, Teresa. Saudade do matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR; Fundação O Boticário de Proteção à Natureza; Fundação MacArthur,1998.; FRANCO; DRUMMOND, 2009FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. O cuidado da natureza: a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza e a experiência conservacionista no Brasil: 1958-1992. Textos de História, Brasília, v. 17, n. 1, p. 59-84, 2009., 2013FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Nature Protection: The FBCN Conservation Initiatives in Brazil, 1958-1992. HALAC, Belo Horizonte, v. II, n. 2, p. 338-367, 2013.).

A propósito de mentalidades, também havia a dificuldade de defender o patrimônio público em uma sociedade relacional e autoritária. Quando Coimbra administrava o antigo Parque da Gávea, foi demitido pelo secretário de Agricultura do Estado da Guanabara, Reinaldo Reis, devido à negativa em permitir que duas amigas de seu chefe levassem consigo, além de um antúrio para o qual portavam autorização, o vaso esmaltado de cerâmica portuguesa que lhe continha, e que era tombado como bem público:

[...] salvando a peça, ele perdeu o emprego. Ao receber, no dia seguinte, o aviso de que estava suspenso do cargo por 15 dias e, em seguida, seria transferido para o Matadouro de Santa Cruz, o lugar mais remoto para onde a Prefeitura poderia degredar um botânico como ele, Coimbra pôs o revólver no bolso e foi ao gabinete do secretário. Estava decidido a falar sério. Mas foi agarrado na ante-sala pela turma do deixa-disso e requisitado por [Alceo] Magnanini para o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. E assim o país ganhou um zoólogo. (CORRÊA; BRITO, 2006CORRÊA, Marcos Sá; BRITO, Manoel Francisco. Água mole em pedra dura: dez histórias de luta pelo meio ambiente. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2006., p. 46).

Eis aqui mais uma cena indicando o caráter impulsivo de Coimbra-Filho - uma energia passional que, no entanto, se mostrou passível de contenção e de canalização para uma nova rota profissional. Entre o mergulho nos conhecimentos botânicos8 8 A passagem de Adelmar pela botânica e pelos estudos florestais ficou marcada tanto por sua participação em associações civis - foi sócio fundador da Sociedade Botânica do Brasil (1950) e membro da International Society of Tropical Foresters (1953-1978) - como em representações oficiais do governo de seu Estado, como no I Congresso Florestal Brasileiro (Curitiba, 1953) e no Grupo de Trabalho para elaboração de um programa de reflorestamento das áreas devastadas (1962). Ver Coimbra-Filho (sem data). e o ingresso na zoologia, Coimbra passou uma temporada como coordenador dos Serviços de Parques e Reservas Biológicas do Governo do Estado da Guanabara, nomeado pela Portaria nº 4, de 3 de novembro de 1961, função que desempenhou até 1963, quando foi integrado ao corpo técnico do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. Nos primeiros anos em que ocupou a chefia do Serviço Técnico-Científico dessa instituição, investiu na formalização dos conhecimentos ligados ao novo posto: cursou história natural na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Estado da Guanabara, formando-se bacharel em 1963 e licenciado em 1964. Em 1970, foi nomeado chefe do Serviço de Zoologia daquele jardim zoológico, sendo responsável “pelas questões de bionomia, nutrição e taxonomia dos animais selvagens” (COIMBRA-FILHO, s/dCOIMBRA-FILHO, Adelmar F. Curriculum Vitae. Arquivo Adelmar Faria Coimbra-Filho. Instituto Estadual do Ambiente, Rio de Janeiro . s/d., p. 2-3).

Como recém-graduado em história natural, sistematizou, em 1964, junto com o amigo Alceo Magnanini, informações sobre animais raros e ameaçados de extinção no Brasil, as quais foram publicadas quatro anos depois no Anuário Brasileiro de Economia Florestal. Esse trabalho serviu de base para que José Cândido de Melo Carvalho, então presidente da FBCN, produzisse, em 1968, a primeira lista brasileira de espécies ameaçadas, com 86 táxons. Também a partir daquele trabalho foi publicado, em 1972, pela Academia Brasileira de Ciências, o primeiro “livro vermelho” brasileiro de espécies ameaçadas de extinção - que era, na verdade, azul. Dois anos mais tarde, Coimbra-Filho viu publicado pela International Union for Conservation of Nature (IUCN), o livro vermelho das espécies ameaçadas de extinção em nível global, para o qual preparou, em parceria com o primatólogo Russell Mittermeier, todas as fichas de dados sobre os mamíferos do Brasil (URBAN, 1998URBAN, Teresa. Saudade do matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR; Fundação O Boticário de Proteção à Natureza; Fundação MacArthur,1998.; MITTERMEIER et al., 2005MITTERMEIER, Russel A.; FONSECA, Gustavo A. B.; RYLANDS, Anthony B.; BRANDON, Katrina. Uma breve história da conservação da biodiversidade no Brasil. Megadiversidade, Belo Horizonte, v. 1, n 1, p. 14-21, 2005.; BENEVIDES et al., 2017BENEVIDES, Fernanda Cornils Monteiro; FRANCO, José Luiz de Andrade; BRAZ, Vivian da Silva. História dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil. História Revista, Goiânia, v. 22, n. 2, p. 83-106, 2017.; FRANCO; DRUMMOND, 2019FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Brazilian Wildlife: History, Threats, and Opportunities. Oxford Research Encyclopedia of Latin American History. New York: Oxford University Press, 2019. p. 1-21.).

Com efeito, garantir proteção à fauna selvagem com base em dispositivos legais e em instrumentos institucionais norteou a atuação de Coimbra-Filho como pesquisador e também como servidor público, a exemplo de quando emitiu parecer contrário à solicitação da empresa norte-americana de pesquisas South American Primates para que o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) autorizasse a exportação mensal de 50 a 200 saguis (Callithrix jacchus). Era o ano de 1973 e Adelmar ocupava o cargo de diretor do Instituto de Conservação da Natureza da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado da Guanabara (ICN-GB).

Apoiando-se na Lei de Proteção à Fauna, de 1967, e em resultados de suas próprias pesquisas, argumentou que “uma captura regular de tal ordem [...] certamente concorreria para o desastre total” da espécie, uma vez que não haveria condições biológicas para realizá-la: as fêmeas daqueles saguis são capazes de procriar, em condições ideais, apenas dois filhotes por ano, o que não vinha acontecendo por causa do desmatamento e da caça predatória. Para piorar a situação, faltavam dados científicos sobre ecologia de primatas: naquela época, não era possível precisar qual o número de saguis que poderiam ser retirados de seu habitat sem ameaçar a espécie. Ademais, a ausência de protocolos internacionais para o funcionamento de criadouros indicava a necessidade de, em primeiro lugar, estabelecer cuidados básicos de manejo e conservação antes que qualquer bicho pudesse ser exportado:

Do grande interesse demonstrado pela South American Primates, Inc. em estabelecer criadouros para a produção de macacos e saguis em cativeiro, infere-se que os primatas são indispensáveis à pesquisa científica. Infelizmente, abusos de toda sorte têm sido enormes. Elevado número de símios são sacrificados e desperdiçados por absoluta falta de trato na quase totalidade dos biotérios dos estabelecimentos científicos. Isso tem acontecido porque os importadores possuem recursos fartos e adquirem mercadoria de valor incalculável a preço vil, uma vez que se trata de extrativismo primário e altamente lesivo ao País. É preciso ter em mente que investigações atuais e futuras de grande significado para a humanidade podem ser prejudicadas com a escassez cada vez maior de primatas. Portanto, torna-se lógico que para garantir a continuidade dos estudos científicos em variada gama é imprescindível a existência e a disponibilidade de símios de diferentes formas e em grande número (COIMBRA-FILHO, 31 jul. 1973COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Parecer ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Arquivo Adelmar Faria Coimbra-Filho. Instituto Estadual do Ambiente, Rio de Janeiro. 31 jul. 1973.).

Paralelamente às atividades de pesquisa e funções técnicas desempenhadas na administração pública, Coimbra também dedicou algum tempo à carreira acadêmica. Em 1976 cursou o mestrado em zoologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional e, quase que simultaneamente, começou a lecionar nesse mesmo programa de pós-graduação, como professor da cadeira de Zoogeografia (1976-1982). Era uma atividade não-remunerada, exercida como parte do acordo de colaboração entre aquela universidade e a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), órgão da Secretaria de Obras e Serviços Públicos do Rio de Janeiro. Nessa instituição desde 1975, Coimbra-Filho ocupou diversos cargos de assessoria técnica e de chefia, tendo nela se aposentado compulsoriamente em 1994 (COIMBRA-FILHO, s/dCOIMBRA-FILHO, Adelmar F. Curriculum Vitae. Arquivo Adelmar Faria Coimbra-Filho. Instituto Estadual do Ambiente, Rio de Janeiro . s/d.).

Adelmar Coimbra-Filho e a Mata Atlântica

Talvez por sua formação em história natural, por suas experiências profissionais em jardins botânicos e zoológicos e pelos cursos de ecologia que frequentou9 9 Coimbra registrou em seu curriculum vitae cursos de curta duração em ecologia, pela Divisão de Botânica do MNRJ (1952) e pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1971), e de ecologia animal, pela FEEMA (1978). A disciplina também se fez presente em diversos cursos que ministrou como professor, como os de Ecologia Humana, no Departamento de Ecologia do Instituto de Biologia da UFRJ (1971), e de Ecologia e Poluição, na Faculdade de Veterinária da UFF (1972). , Coimbra-Filho tenha conduzido os estudos taxonômicos sobre primatas de maneira integrada ao conhecimento e à preservação de seu habitat. Ao lutar pela conservação desses animais, ele discutiu as propriedades de essências botânicas - “madeiras da mais alta qualidade tecnológica, que serviram para a construção das ‘urbs’ regionais e que há séculos vêm sendo exportadas” - e chamou a atenção para a manutenção da “riqueza biótica da mata atlântica”, tanto por ser condição fundamental para a preservação da fauna selvagem, quanto por ser “um inesgotável manancial para gama vastíssima de investigações científicas básicas e utilitaristas” (COIMBRA-FILHO, 1984COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Situação da Fauna na Floresta Atlântica. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, v. 19, p. 89-110, 1984., p. 90).

Embora a região amazônica fosse, “de longe, a mais rica de todas no que se refere à fauna primatológica”, compreendendo a maioria dos gêneros e espécies de símios neotropicais, o foco de seu interesse na Mata Atlântica justificava-se pela alta taxa de endemismo - espécies que ocorrem exclusivamente nessa região, como os micos-leões e os muriquis (COIMBRA-FILHO, 1982COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Os primatas do Brasil, patrimônio a conservar. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, n. 2, p. 62-69, 1982., p. 65).

Coimbra-Filho contribuiu para consolidar o “conceito abrangente” de Mata Atlântica - uma definição relativamente arbitrária que, embora lastreada em dados fitogeográficos, geoclimáticos e históricos, também expressa um consenso político entre organizações não governamentais, cientistas e ativistas ambientais sobre a delimitação geográfica da imensa área que passaria a ser chamada, a partir do final dos anos 1980, de “bioma” ou “domínio da Mata Atlântica” (CASTRO, 2003CASTRO, Leonardo Costa de. Da biogeografia à biodiversidade: políticas e representações da Mata Atlântica. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, 2003.). Seus limites “originais” compreenderiam toda a costa atlântica até a foz do rio Amazonas, incorporando diferentes formações vegetais e avançando bastante para o interior do país - incluindo áreas hoje dominadas pela caatinga:

Neste estudo defende-se como válida a ideia de continuidade das florestas da margem atlântica brasileira ainda nos primórdios do século XVI, quando diversas formações florestais deviam recobrir toda costa do país e regiões interioranas contíguas, incluindo neste contexto a Região Nordeste com suas matas mesófilas ripárias e orográficas, além das amplas caatingas arbóreas primárias, conjunto que formava vasto continuum silvestre estruturado em íntima interrelação com ecossistemas adjacentes de outras províncias fitogeográficas (COIMBRA-FILHO; CÂMARA, 2005COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão. Os limites originais do bioma Mata Atlântica na região Nordeste do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: FBCN, 2005 [1996]., p. 3).

Dessa perspectiva, trechos remanescentes de florestas do Ceará, Piauí e Maranhão e outras formações vegetais do interior nordestino foram considerados parte integrante do “grande bioma Mata Atlântica” (COIMBRA-FILHO; CÂMARA, 2005COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão. Os limites originais do bioma Mata Atlântica na região Nordeste do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: FBCN, 2005 [1996]., p. 9-10). Entretanto, essa nem sempre foi a sua compreensão. Em 1982, em um artigo de divulgação científica, apresentando a distribuição zoogeográfica dos símios neotropicais, estampou um mapa baseado nos estudos morfoclimáticos de Ab’Saber e em pesquisas de zoólogos como Mello Leitão e Fittkau, no qual a “província Tupi”, correspondente à “região Atlântica”, não alcançava a maior parte do litoral nordestino. Possivelmente, sua concepção expandida sobre os “limites originais” do bioma foi reformulada durante sua participação nos debates sobre a preservação das diferentes regiões biogeográficas brasileiras, ocorridos a partir da segunda metade dos anos 198010 10 Para um histórico sobre esses debates, ver Castro, 2003. .

Quando foi diretor da Divisão de Pesquisas do Instituto de Conservação da Natureza do Estado da Guanabara (ICN-GB)11 11 O ICN deu origem à FEEMA quando da fusão entre os Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975. Na Fundação recém-criada, Coimbra-Filho foi nomeado diretor do Departamento de Conservação Ambiental - DECAM (REZENDE, 2013, p. 20). , discutiu o tema da recuperação de “ecossistemas da encosta atlântica”. Queria promover a organização do “Arboretum Atlântico”, uma empreitada para reunir “o maior número de espécies da região” e formar um cadastro para as pesquisas de ecologia e engenharia florestal com plantas nativas, com foco na salvaguarda de espécies raras e formação de porta-sementes (COIMBRA-FILHO, MARTINS, 1973COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MARTINS, Henrique Ferreira. Soluções ecológicas para problemas hidráulico-florestais. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, n. 8, p. 43-65, 1973., p. 57-58).

Uma perspectiva sobre a conservação da natureza

A questão do reflorestamento, sobretudo no que diz respeito ao plantio de espécies florestais exóticas para fins econômicos, motivou um intenso debate no Brasil desde o início do século XX. As paixões se inflamaram, especialmente, contra e a favor do eucalipto (GONÇALVES, 2019GONÇALVES, Alyne dos Santos. A “caixa-preta” da eucaliptocultura: controvérsias científicas, disputas políticas e projetos de sociedade. Projeto História, São Paulo, v. 65, p. 380-415, 2019.). Para Coimbra-Filho, as espécies de Eucalyptus e Pinus eram “inadequadas ou pouco eficientes” para a regulação hidráulico-florestal, sendo “um paliativo perigoso para ser empreendido nas proximidades de nascentes, por exemplo”. Plantios desses gêneros podiam ser “benéficos no contexto global, desde que realizados em áreas que não apresentem interdependência direta com fontes ou olhos d’água” (COIMBRA-FILHO; MARTINS, 1973COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MARTINS, Henrique Ferreira. Soluções ecológicas para problemas hidráulico-florestais. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, n. 8, p. 43-65, 1973., p. 60).

Com o passar do tempo, tornou-se mais permissivo em relação ao plantio de eucaliptos para fins de reflorestamento, mesmo quando se tratava de empreendimentos gigantescos, como as monoculturas da antiga Aracruz Celulose, no norte do Espírito Santo e sul da Bahia. Ao comentar sobre a importância dos projetos de conservação da fauna selvagem, citou o exemplo do Projeto Mico-Leão, no âmbito do qual recomendou a introdução do eucalipto para ajudar na restauração da área da Reserva Biológica de Poço das Antas:

Nós sugerimos uma série de métodos para reflorestar rapidamente a área, mas não foi aceito, porque eu sugeri uma planta exótica, o eucalipto. Não entenderam que o eucalipto teria apenas a função de assegurar o sombreamento e permitir a regeneração natural, que seria muito mais rápida, nessas condições, do que um plantio seletivo, porque a gramínea sempre dominaria as plantas menores. [...] em três anos já poderia dar suporte a epífitas, um elemento extremamente importante na alimentação dos saguis. As orquídeas e bromélias poderiam ser resgatadas em áreas de derrubada de mata, colocadas num suporte e fixadas no eucalipto, e logo começariam a atrair os passarinhos, importantes difusores de sementes. Em pouco tempo, toda área já estaria florestada. (COIMBRA-FILHO apudURBAN, 1998URBAN, Teresa. Saudade do matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR; Fundação O Boticário de Proteção à Natureza; Fundação MacArthur,1998., p. 293-294).

Na visão de Coimbra, o problema central para a conservação da natureza não era o reflorestamento com eucalipto. Outra questão polêmica por ele discutida era a caça. Dizia-se “favorável plenamente à caça, mas apenas em parques de caça”, pois, “ao proteger grandes formações naturais para caçar espécies de valor cinegético, criados para tal, isso favorece numerosas espécies não venatórias [não suscetíveis à caça], fato importante para a manutenção da diversidade biológica regional” (COIMBRA-FILHO apudURBAN, 1998URBAN, Teresa. Saudade do matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR; Fundação O Boticário de Proteção à Natureza; Fundação MacArthur,1998., p. 244). Pior do que a caça, a introdução de árvores exóticas ou até mesmo o tráfico de animais silvestres seria a perda de habitat, derivada dos desmatamentos e queimadas:

Falam de meia dúzia de passarinhos engaiolados, fazem aquele escândalo, e quando botam fogo em centenas de hectares, quantos milhões de animais estão sendo queimados? E os micoorganismos? E a consequência ambiental? E as condições meteorológicas, o microclima? Quando se reduz uma grande massa florestal, acaba o efeito de transpiração, responsável pela volta das chuvas. (COIMBRA-FILHO apudURBAN, 1998URBAN, Teresa. Saudade do matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR; Fundação O Boticário de Proteção à Natureza; Fundação MacArthur,1998., p. 118).

A propósito da perda de habitat, Coimbra-Filho (1984, p. 95) manifestou-se de forma crítica ao tamanho das áreas destinadas à conservação de espécies ameaçadas de extinção, afirmando que “a maioria das unidades de conservação da floresta atlântica possuem mais valor botânico-paisagístico do que de proteção à fauna”, e que, em muitas áreas desprotegidas pela legislação, “não raras vezes a abundância de animais selvagens supera a encontrada em muitas áreas protegidas”. Para ele, as unidades de conservação não deveriam ser pensadas para proteger uma ou outra espécie, mas todo um ecossistema conectado, envolvendo recurso hidrológico, segurança climática etc.

O governo tem que ampliar tremendamente as áreas protegidas: parques e reservas biológicas de cinco mil hectares é ridículo. Áreas de reservas para proteger mananciais hídricos importantes devem ter áreas mínimas de 50 mil hectares, no Leste e Sudeste. Na Amazônia, muito mais. [...] A unidade de conservação pode ser tanto parque nacional como reserva biológica, contanto que ninguém mexa. O termo ideal, a ideia que deve ser desenvolvida, é de uma “reserva de biodiversidade”. (COIMBRA-FILHO apudURBAN, 1998URBAN, Teresa. Saudade do matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR; Fundação O Boticário de Proteção à Natureza; Fundação MacArthur,1998., p. 118-119).

Em um artigo sobre a relação vegetação/equilíbrio hidráulico/proteção dos solos, Coimbra-Filho e Martins (1973, p. 43-44) defenderam a conservação desses recursos naturais como “fatores indispensáveis à continuidade do surto desenvolvimentista que a nação atravessa”. Eles argumentaram que a exploração adequada daqueles bens era uma questão de “enraizamento de mentalidade sadia [...] das práticas conservacionistas recomendadas com base nos princípios ecológicos”. Em outra publicação, Coimbra-Filho (1977, p. 16-17) chamou a atenção para o desequilíbrio entre o aumento populacional desordenado e a finitude dos recursos naturais: “A sobrevivência da humanidade dependerá tão somente da atitude que adotarmos nos dias que correm”, posto que “persiste ainda na mentalidade de muitos a ideia de que a Natureza é inimiga do homem e que como tal deve ser subjugada e explorada. Inconteste é, porém, o inverso, sendo o homem pouco inteligente o único inimigo do seu próprio ambiente natural”.

Dessa forma, procurou alinhavar, ao longo de sua atuação pela conservação da natureza, argumentos que defendiam o valor intrínseco de espécies e ecossistemas com argumentos utilitários, que demonstravam a sua importância para os seres humanos:

Um novo aspecto que muito credita a fauna selvagem é o material genético nela encerrado e que representa patrimônio de valor imensurável. Embora ainda difícil de ser avaliado e entendido, pois muitas de suas possibilidades permanecem obviamente incogitáveis, é contudo indiscutível tratar-se de herança natural cuja preservação dependerá diretamente da salvaguarda de todas as espécies selvagens. Assim, a preservação da fauna corresponderá, em consequência, a própria manutenção do seu genoma, material indispensável ao futuro da biologia, principalmente em suas áreas aplicadas, como a agricultura, medicina, zootecnia etc. [...] Cremos ser essa a direção que se deve incutir nos programas de conscientização das massas para poderem entender mais facilmente a importância de todos os animais selvagens. (COIMBRA-FILHO, 1984COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Situação da Fauna na Floresta Atlântica. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, v. 19, p. 89-110, 1984., p. 92).

O ecocentrismo desse cientista se baseava na inclusão dos humanos em uma comunidade biótica. Ele atacava a “relutância” de muitos que “ainda não se conformaram em pensar que também somos primatas”, mas que, para fins de pesquisa laboratorial, poderiam admitir facilmente a utilização de “primatas não-humanos, cães, cobaias, ratos e outros animais, como modelos experimentais dos seres humanos”. Tratava-se de admitir, quando conveniente, certa igualdade biológica entre humanos e não humanos, a qual, no entanto, caía por terra diante da necessidade de restringir ou limitar sua ação sobre o mundo natural:

No plano crítico da vida e da morte, admitimos serem os homens e outros animais fisiologicamente semelhantes e, portanto, sujeitos às mesmas leis biológicas. Todavia, quando estão em foco problemas de poluições, aglomerados urbanos, explosão demográfica etc., alguns dizem que o homem não precisa se preocupar com o ambiente natural, pois a ele não se aplicam as leis que regem o reino animal. Está aí o erro essencial da maioria de pseudo-economistas, tecnocratas e políticos de baixo nível cultural. Não existe uma dinâmica populacional aplicável a todos os animais e uma outra só aplicável à espécie humana. As leis são as mesmas (COIMBRA-FILHO, 1977COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Recursos naturais versus crescimento demográfico - uma preocupação dos futurólogos. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, v. 12, p. 15-29, 1977., p. 20-21).

Nesse mesmo texto, fez uma crítica velada ao propalado “milagre econômico” brasileiro:12 12 O artigo em questão é a transcrição de uma conferência ministrada por Coimbra em Maceió-AL, no dia 10 de junho de 1975, a convite da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG). A crítica nele contida pode ser encarada, portanto, como uma mensagem bastante direta aos agentes civis e militares congregados naquela associação, a qual, historicamente, participou da construção da doutrina de Segurança Nacional e do desenvolvimentismo, contribuindo, sobretudo, para sua difusão por todo o Brasil. Sobre o papel da ESG e na ADESG na política nacional, ver Mundim, 2007. “Os biólogos sabem que a natureza não dá saltos. Todos os saltos econômicos, políticos e ideológicos neste século fracassaram. Todo o desenvolvimento deveria acompanhar ritmo natural, normal, visto estar se processando na biosfera”. Ainda que a sua crítica ao “sistema” fosse calcada na mudança de atitude do indivíduo, ele chamava a atenção para uma mentalidade voltada para a crença em um “progresso a qualquer custo”:

A preocupação e metas da maioria dos dirigentes e governos no terreno exclusivamente material, do Produto Nacional Bruto, da produção de aço, construção pesada, de automóveis, planos habitacionais, cargas transportadas, criam a imagem distorcida daquilo que chamamos de progresso. Uma produção total não equivale nem significa bem-estar total, nem a felicidade de um povo. (COIMBRA-FILHO, 1977COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Recursos naturais versus crescimento demográfico - uma preocupação dos futurólogos. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, v. 12, p. 15-29, 1977., p. 25-26).

As posições políticas de Coimbra-Filho eram formalmente conservadoras. Ele não nutria nenhuma simpatia por ideologias críticas ao status quo. Ainda assim, quando se tratava de defender a natureza, seus argumentos eram bastante progressistas, no sentido de clamarem pela diversidade - a “base da força do organismo vivo, seja um homem, uma sociedade ou a humanidade inteira” - contra “ideologias exclusivistas e monolíticas” que “padronizam culturas, hábitos e tradições milenares” (COIMBRA-FILHO, 1977COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Recursos naturais versus crescimento demográfico - uma preocupação dos futurólogos. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, v. 12, p. 15-29, 1977., p. 27).

A luta para salvar os micos-leões

Coimbra-Filho estudou e trabalhou intensamente pela proteção dos símios brasileiros, tornando-se um primatólogo e conservacionista internacionalmente reconhecido. Os primatas do gênero Leontopithecus, que é endêmico da Mata Atlântica, foram a sua paixão e principal objeto de pesquisa. São quatro as espécies do gênero13 13 Segundo Rylands et al. (2008, p. 25), estudos genéticos desenvolvidos nos anos 1980 concluíram que os micos-leões devem ser considerados apenas formas distintas ou subespécies de uma única espécie, Leontopithecus rosalia. Entretanto, muitos conservacionistas continuam classificando-os como espécies individuais, a fim de “assegurar a continuação de sua proteção”. : L. rosalia, o mico-leão-dourado, descrito em 1766 por Carlos Lineu; L. chrysomelas, o mico-leão-da-cara-dourada, descrito por Kuhl em 1820; L. chrysopygus, o mico-leão-preto, descrito por Mikan em 1823; e L. caiçara, o mico-leão-da-cara-preta, descrito em 1990 por Maria Lucia Lorine e Vanessa Guerra Persson, a partir da pele de uma fêmea coletada no Município de Guaraqueçaba, no Estado do Paraná (RYLANDS et al., 2008RYLANDS, Anthony B.; MALLINSON, Jeremy J. C.; KLEIMAN, Devra G.; COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MITTERMEIER, Russell A.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão; VALLADARES-PADUA, Claudio B.; BAMPI, Maria Iolita. A história e o status dos micos-leões. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B . (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 23-68.). Adelmar ficou especialmente famoso pelos trabalhos com o mico-leão-dourado ou sauí-piranga, como preferia chamá-lo.

Foi Coimbra-Filho quem primeiro mapeou o que seria a área ocupada originalmente pelos micos-leões antes da destruição da Mata Atlântica. Segundo ele, os primatas do gênero Leontopithecus ocorriam na região litorânea e adentravam o interior pela faixa que ia do rio São Francisco, no Estado da Bahia, ao rio Paranapanema, no Estado de São Paulo. A espécie L. rosalia ocupava as florestas pluviais de baixada e morros de pequena altitude, restingas e manguezais, que se estendiam desde o centro-sul do Estado do Espírito Santo14 14 Embora Coimbra-Filho tenha considerado, na publicação de 1969, o Estado do Espírito Santo como área de ocorrência original do mico-leão-dourado, ele retificou essa informação posteriormente, em comunicação pessoal à primatóloga Maria Cecília Kierulff, por ter concluído não haver dados suficientes que comprovassem a presença daqueles micos nas florestas capixabas, conforme havia sido reportado por Hermann von Ihering, em 1940, e depois por Augusto Ruschi, em 1964 (RYLANDS et al., 2008, p. 72). até o sul do Estado do Rio de Janeiro. Devido a processos históricos de derrubadas e queimadas para os plantios de cana de açúcar e de café, essa área estava reduzida, em meados dos anos 1940, à bacia do rio São João, compreendendo os Municípios de Araruama, Silva Jardim, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio e Casimiro de Abreu (RJ). Espécie rara e exigente para procriar em cativeiro, o mico-leão-dourado contava apenas cerca de 600 indivíduos na natureza no final dos anos 1960, além de outros 120 exemplares mantidos em zoológicos e centros de primatologia espalhados pelo mundo (COIMBRA-FILHO, 1969COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Mico-Leão, Leontideus rosalia (Linnaeus, 1766), Situação Atual da Espécie no Brasil (Callithricidae - Primates). Simpósio sobre Conservação da Natureza e Restauração do Ambiente Natural do Homem. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 41, suplemento, p. 29-52, 1969., 1970aCOIMBRA-FILHO, Adelmar F. Considerações gerais e situação atual dos micos-leões escuros, Leontideus chrysomelas e Leontideus chrysopygus. Revista Brasileira de Biologia, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2. p. 249-268, 1970a.).

Adelmar também foi pioneiro na observação do comportamento dos micos na natureza, notando, por exemplo, que eles eram mais corredores-saltadores do que trepadores-escaladores - uma informação fundamental para redefinir a arquitetura dos viveiros, cujos poleiros, tradicionalmente dispostos na vertical, passaram a ser colocados na posição horizontal em todos os criadouros que ele veio a gerenciar a partir dos anos 1960. Coimbra também registrou o caráter territorialista dos micos, a utilização de ocos de árvores pelo grupo familiar como abrigo noturno, a dieta onívora - compreendendo, basicamente, frutos maduros, néctar, insetos e pequenos vertebrados - e o compartilhamento entre machos e fêmeas dos cuidados com a prole. Esse corpus de conhecimento foi extremamente útil para uma melhor adaptação dos micos ao cativeiro, aumentando o número de filhotes aí nascidos e, consequentemente, viabilizando sua reintrodução na natureza (LOSADA et al., 2016LOSADA, Janina Zito; CORNILS, Fernanda; FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto; BRAZ, Vivian da Silva. Da carnificina viajante à conservação da natureza no país dos macacos: a primatologia no Brasil, séculos XIX e XX. In: FRANCO, J. L. A.; DUTRA e SILVA, S.; DRUMMOND, J. A.; TAVARES, G. G. (org.). História Ambiental: territórios, fronteiras e biodiversidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. v. 2, p. 361-392.; SERRA; PALO JR., 2019SERRA, Cristina; PALO JR., Haroldo. Uma história de conservação: A Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2019.).

O primeiro esforço consistente para o desenvolvimento da primatologia no Brasil esteve, aliás, intimamente ligado à tentativa de reintroduzir o sauí-piranga em sua região de ocorrência natural, tentativa essa que redundou, por sua vez, na criação de um núcleo “primatológico-conservacionista experimental” - isto é, um centro de pesquisas biológicas focado não apenas na aplicação biomédica, como ocorria nos Primate Centers da Alemanha, Inglaterra, Japão e Estados Unidos, mas também dedicado à preservação da espécie. Assim, a Estação Biológica de Marapendi15 15 A instalação de uma reserva natural em Marapendi havia sido sugerida, pela primeira vez, por Armando Magalhães Correa, em 1931, mas somente em 1951 foi solicitada a criação da Reserva Biológica de Jacarepaguá, “por uma Comissão designada para propor medidas de proteção à natureza carioca” (COIMBRA-FILHO; MAGNANINI, 1963, p. 3). foi instalada em 1961, no Rio de Janeiro, como parte integrante da antiga Reserva Biológica de Jacarepaguá. Nessa estação, Coimbra-Filho e Magnanini projetaram grandes viveiros experimentais que imitavam o habitat dos micos e, em 1962, fizeram a primeira tentativa de reproduzir L. rosalia em cativeiro (COIMBRA-FILHO, 2004COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Os primórdios da Primatologia no Brasil. In: MENDES, S. L.; CHIARELLO, Adriano Garcia (org.). A Primatologia no Brasil. Vitória: IPEMA/SBPR, 2004. p. v. 8, p. 11-35.; BALLOU et al., 2008BALLOU, Jonathan D. et al. A história, o manejo e o papel da conservação de populações de micos-leões em cativeiro. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA, 2008. p. 136-162.; INEA, 2015).

Acossado pela especulação imobiliária do entorno, o núcleo de Marapendi não durou mais do que três anos. Coimbra-Filho (2004, p. 15) listou outras dificuldades existentes na década de 1960 para a realização desse e de outros projetos de pesquisa e conservação: a) ausência de literatura especializada; b) incidência de malária na região de ocorrência do mico-leão-dourado; c) indisponibilidade de gravadores para play back durante o trabalho de radiotelemetria; d) dificuldade de aproximação dos primatas, ainda mais ariscos e dispersos pela ação de caçadores; e) a inexistência de estrada pavimentada que viabilizasse o acesso à área em épocas de chuvas.

Apesar das dificuldades, Coimbra-Filho e Magnanini participaram ativamente de grandes esforços nacionais e internacionais para promover pesquisas em ecologia, etologia e biologia reprodutiva, integrando-as a projetos de monitoramento e conservação de micos-leões. No ano de 1967, os dois primeiros projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil foram iniciados, no âmbito da FBCN, com o apoio do Programa Biológico Internacional. Eles marcaram o começo de uma intensa colaboração entre a FBCN e a IUCN. Os projetos tinham como alvo dois primatas endêmicos da Mata Atlântica, os micos‐leões‐dourados e os muriquis, e foram coordenados respectivamente por Coimbra-Filho e Álvaro Aguirre. Os objetivos eram conhecer a distribuição geográfica das espécies (no presente e no passado), quais as principais populações e os números de indivíduos, o ciclo biológico, o comportamento, as relações com outros animais e com humanos. Já se pretendia, ao término da pesquisa, que fosse estabelecida uma reserva para a sobrevivência das espécies, caso não ocorressem nas reservas já existentes, caso dos micos‐leões‐dourados (BENEVIDES et al., 2017BENEVIDES, Fernanda Cornils Monteiro; FRANCO, José Luiz de Andrade; BRAZ, Vivian da Silva. História dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil. História Revista, Goiânia, v. 22, n. 2, p. 83-106, 2017.).

Em 1971, Adelamar e Alceo viabilizaram a implantação de dois novos núcleos primatológicos-conservacionistas: o núcleo do Instituto de Conservação da Natureza (1971-1975) e o Banco Biológico da Tijuca (1971-1979), que funcionaram com base na parceria entre órgãos do Estado brasileiro (IBDF), jardins zoológicos de todo o mundo (Rio de Janeiro, San Diego, Washington), pesquisadores e organizações não governamentais nacionais e estrangeiras (FBCN, IUCN, WWF).

Localizado na bacia do rio dos Macacos, nos limites do Parque Nacional da Tijuca, o Banco Biológico da Tijuca foi criado para receber os espécimes apanhados nos locais mais ameaçados pelo “contínuo e acelerado decréscimo de áreas primitivas capazes de suportar populações selvagens”. Sua construção, instruída pelo ofício DN-IBDF 55/71, teve por objetivo a reprodução de micos em cativeiro para o repovoamento de futuras áreas protegidas, e, com esse fim, abrigou as primeiras colônias reprodutivas do mundo de mico-leão-da-cara-dourada e de mico-leão-preto (MAGNANINI, 1973MAGNANINI, Alceo. Uma espécie ameaçada de extinção no Brasil - problemas e soluções no caso dos “micos-leões”, Leontopithecus rosalia. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, n. 8, p. 21-33, 1973., p. 28-29; BALLOU et al., 2008BALLOU, Jonathan D. et al. A história, o manejo e o papel da conservação de populações de micos-leões em cativeiro. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA, 2008. p. 136-162.).

Foi também em 1971 que Coimbra-Filho e Russel Mittermeier - então “um jovem estudante americano decidido a trabalhar com primatas neotropicais durante o doutorado” -iniciaram uma colaboração científica e uma amizade de grande importância para a conservação da natureza no Brasil, especialmente para os primatas. Mittermeier acabou por ocupar posições de destaque em instituições como IUCN, WWF e Conservation International, o que garantiu que uma série de projetos de pesquisa e conservação no Brasil obtivesse financiamento internacional (REZENDE, 2013REZENDE, Gabriela Cabral. Sucessos em programas de conservação de espécies da fauna ameaçada: a história do programa de conservação do mico-leão-preto. Dissertação (Mestrado em Ecologia). Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Nazaré Paulista, São Paulo, 2013., p. 18; LOSADA et al., 2016LOSADA, Janina Zito; CORNILS, Fernanda; FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto; BRAZ, Vivian da Silva. Da carnificina viajante à conservação da natureza no país dos macacos: a primatologia no Brasil, séculos XIX e XX. In: FRANCO, J. L. A.; DUTRA e SILVA, S.; DRUMMOND, J. A.; TAVARES, G. G. (org.). História Ambiental: territórios, fronteiras e biodiversidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. v. 2, p. 361-392.; BENEVIDES et al., 2017BENEVIDES, Fernanda Cornils Monteiro; FRANCO, José Luiz de Andrade; BRAZ, Vivian da Silva. História dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil. História Revista, Goiânia, v. 22, n. 2, p. 83-106, 2017.):

Segundo Mittermeier (2015MITTERMEIER, Russell A. Prefácio. In: INEA - Instituto Estadual do Ambiente. CPRJ - Centro de Primatologia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: INEA , 2015. (Não paginado n.p.), n.p.), nessa época “a primatologia não existia no Brasil”: havia algumas poucas contribuições da safra de naturalistas como Eládio da Cruz Lima ou de mastozoólogos como Cory Carvalho e Fernando Dias de Ávila-Pires. No entanto, “Coimbra foi o primeiro primatólogo de fato”, uma vez que não apenas pesquisava e escrevia artigos sobre macacos, mas também porque reconhecia a necessidade de se desenvolver no Brasil - “o país mais rico do mundo em primatas” - um campo específico de pesquisas sobre o tema.

A rede internacional de pesquisadores que Coimbra começou a integrar a partir do encontro com Mittermeier foi ampliada em fevereiro de 1972, quando 28 renomados cientistas se reuniram em Washington para a conferência Saving the Lion Marmoset, patrocinada pelo Wild Animal Propagation Trust e apoiada pela New York Zoological Society, a fim de avaliar a situação de L. rosalia, in situ (na natureza) e ex situ (em cativeiro). Ao final do encontro, o grupo recomendou:

[...] o estabelecimento de um estudo de campo bianual ou trianual para obter informações sobre a dieta, estrutura social, reprodução e comportamento de saguis, a fim de que pudessem ser aplicadas em programas de criação em cativeiro de Leontopithecus e que todas as propostas de pesquisa fossem inicialmente submetidas àqueles pesquisadores brasileiros [Coimbra-Filho e Magnanini]. (MAGNANINI, 1973MAGNANINI, Alceo. Uma espécie ameaçada de extinção no Brasil - problemas e soluções no caso dos “micos-leões”, Leontopithecus rosalia. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, n. 8, p. 21-33, 1973., p. 21-23).

Essa rede de pesquisa, que também envolveu instituições de fomento, zoológicos e ONGs conservacionistas de todo o mundo, deu enorme visibilidade aos micos-leões, os quais foram objeto de reuniões periódicas para discutir status de ameaça, biologia reprodutiva e protocolos para criação e manejo em cativeiro, monitoramento das populações na natureza etc. Dois exemplos marcantes foram a conferência “Biologia e Conservação dos Calitriquídeos” (Washington D. C., 1975) e o “Seminário do Sagui-Leão” (Goettingen, Alemanha, 1977), eventos nos quais Coimbra-Filho e Mittermeier defenderam a necessidade de pesquisas abrangendo todas as áreas protegidas da Mata Atlântica, a fim de identificar os primatas que a habitavam. Como resultado dessas reuniões, Coimbra-Filho pôde contar com mais recursos humanos e financeiros para realizar ações conservacionistas de maior impacto (MITTERMEIER, 2008MITTERMEIER, Russell A. Apresentação. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. (Não paginado n.p.), 2015; RYLLANDS et al., 2008).

Entre essas ações destacamos a criação de áreas protegidas como estratégia para garantir a sobrevivência dos micos-leões. Tratava-se de um importante diferencial, naquele momento, em relação às iniciativas internacionais: entre 1965 e 1967, associações zoológicas norte-americanas e europeias estavam se empenhando para coibir a importação de micos-leões-dourados, mediante, por exemplo, o apoio a medidas proibitivas adotadas pelo governo dos EUA ou do compromisso de que seus membros não importariam esses animais e ajudariam a divulgar sua situação de perigo (BALLOU et al., 2008BALLOU, Jonathan D. et al. A história, o manejo e o papel da conservação de populações de micos-leões em cativeiro. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA, 2008. p. 136-162., p. 139). No entanto, embora extremamente importantes para a proteção da espécie, essas iniciativas “infelizmente não fizeram nada para prevenir a destruição do habitat que, na realidade, era a maior ameaça a esses micos” (RYLAND et al., 2008, p. 39).

A Reserva Biológica de Poço das Antas foi criada pelo Decreto nº 73.791, de 11 de março de 1974, no Município de Silva Jardim (RJ), justamente com o objetivo de fazer frente à perda de habitat sofrida pelo mico-leão-dourado. Foi a primeira reserva biológica criada no Brasil, especialmente para proteger uma espécie da fauna ameaçada de extinção. Coimbra-Filho já havia delimitado os trechos que seriam propícios ao estabelecimento dessa reserva desde 1968, recomendando à Secretaria de Agricultura do Estado do Rio de Janeiro as matas localizadas na região da bacia do São João, próximas ao rio Iguape, em Poço das Antas. Ele contou com o endosso de Henrique P. Veloso, do Almirante José Luiz Belart e de José Cândido de Melo Carvalho, todos membros da FBCN. Em 1970, Coimbra e Magnanini fizeram os estudos da região e em março de 1971, o IBDF indicou uma área de cerca de 3.000 hectares para a reserva, solicitando a colaboração do INCRA para preparação de inventário, cadastro e avaliação das propriedades particulares existentes na área, o que foi concluído no mesmo ano. O projeto recebeu o apoio do governador do Estado do Rio de Janeiro, Floriano Faria Lima, da FEEMA, da IUCN, do Museu Nacional, da UFRJ, da WWF e do National Zoological Park (MAGNANINI, 1973MAGNANINI, Alceo. Uma espécie ameaçada de extinção no Brasil - problemas e soluções no caso dos “micos-leões”, Leontopithecus rosalia. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, n. 8, p. 21-33, 1973.; COIMBRA-FILHO, 1969COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Mico-Leão, Leontideus rosalia (Linnaeus, 1766), Situação Atual da Espécie no Brasil (Callithricidae - Primates). Simpósio sobre Conservação da Natureza e Restauração do Ambiente Natural do Homem. Anais da Academia Brasileira de Ciências, v. 41, suplemento, p. 29-52, 1969., 2004; LOSADA et al., 2016LOSADA, Janina Zito; CORNILS, Fernanda; FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto; BRAZ, Vivian da Silva. Da carnificina viajante à conservação da natureza no país dos macacos: a primatologia no Brasil, séculos XIX e XX. In: FRANCO, J. L. A.; DUTRA e SILVA, S.; DRUMMOND, J. A.; TAVARES, G. G. (org.). História Ambiental: territórios, fronteiras e biodiversidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. v. 2, p. 361-392.; INEA, 2015; SERRA, PALO JR., 2019SERRA, Cristina; PALO JR., Haroldo. Uma história de conservação: A Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2019.; FRANCO, DRUMMOND, 2019FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Brazilian Wildlife: History, Threats, and Opportunities. Oxford Research Encyclopedia of Latin American History. New York: Oxford University Press, 2019. p. 1-21.).

Os esforços de Coimbra e Magnanini para ampliar o tamanho da reserva foram exitosos. Em 1975, ela passou dos 3.000 hectares iniciais para 5.500 hectares. Ainda assim, o mico-leão-dourado, embora encontrando ambiente propício para sua reprodução natural, se deparava com o fato de seu habitat ser insuficiente em tamanho. Mesmo com a criação, em 1998, da Reserva Biológica União, nos Municípios de Casimiro de Abreu e Rio das Ostras, com 2.548 hectares16 16 A reserva foi ampliada em 2017 para 7.756 hectares (INEA, 2015). , esse problema continuava a preocupar o primatólogo:

Cabe notar que as duas áreas oficiais no Estado do Rio de Janeiro destinadas à salvaguarda de Leontopithecus rosalia são diminutas - Poço das Antas, com 5.500 ha, e a Fazenda União, com 2.400 ha - sendo até mesmo possível que, na área de Poço das Antas, os sauís-piranga já estejam pressionando demasiadamente as populações de suas presas mais visadas. É indispensável o conhecimento desses animais para se poder manejá-los nessas áreas restritas, principalmente em Poço das Antas, que já se acha praticamente saturada com indivíduos de L. rosalia. Urge também reconhecer a necessidade de se acelerar os trabalhos de restauração florestal, para que os sauís possam aproveitar integralmente a área da reserva hoje ainda com grandes áreas desmatadas, que propiciam repetidos incêndios. (COIMBRA-FILHO, 2004COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Os primórdios da Primatologia no Brasil. In: MENDES, S. L.; CHIARELLO, Adriano Garcia (org.). A Primatologia no Brasil. Vitória: IPEMA/SBPR, 2004. p. v. 8, p. 11-35., p. 25).

Além do tamanho insuficiente, as matas destinadas à Reserva Biológica de Poço das Antas eram altamente fragmentadas e degradadas, o que exigiu, desde o momento de sua criação, ações sistemáticas de reflorestamento, a fim de promover alguma conectividade entre os diferentes fragmentos florestais e, consequentemente, garantir o aumento da oferta de alimentos e o intercâmbio genético entre os micos. Esse trabalho deu condições para que a reserva hospedasse uma experiência pioneira: a reintrodução na natureza de animais nascidos em zoológicos de todo o mundo. Em 1981, foi criado o Programa de Conservação do Mico-Leão-Dourado (Golden Lion Tamarin Conservation Program - GLTCP), com financiamento do Smithsonian National Zoological Park e parceria do IBDF, realizando as primeiras solturas em 1984 (SERRA; PALO JR., 2019SERRA, Cristina; PALO JR., Haroldo. Uma história de conservação: A Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2019.; BALLOU et al., 2008BALLOU, Jonathan D. et al. A história, o manejo e o papel da conservação de populações de micos-leões em cativeiro. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA, 2008. p. 136-162.).

Outra área protegida criada pelo Estado brasileiro para a conservação de micos-leões foi a Reserva Biológica de Una, no sul da Bahia. Em 1969, Coimbra-Filho percorreu a região de Porto Seguro juntamente com José Cândido de Melo Carvalho, presidente da FBCN, em busca do mico-leão-da-cara-dourada. A ocorrência de L. chrysomelas nas florestas dos rios Ilhéus, Pardo e Belmonte, região caracterizada por várzeas e morros baixos, fora confirmada por diferentes viajantes naturalistas e cientistas, a começar por Maximiliano de Wied-Neuwied, que descobriu a espécie no início do século XIX, no lugar então conhecido como “cabeceiras do rio Ilhéus” (COIMBRA-FILHO, 1970COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Acerca da redescoberta de Leontideus chrysopygus e apontamentos sobre sua ecologia. Revista Brasileira de Biologia, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, p. 609-615, 1970b.a).

Um século e meio depois da passagem do príncipe renano pela região, Coimbra espantou-se com o grau de desmatamento daquelas florestas pluviais, já bastante alteradas pelas plantações de cacau, e concluiu que, das três espécies então conhecidas, o mico-leão-da-cara-dourada era a que corria o maior risco de extinção.

Em janeiro de 1969, percorrendo grande parte da região de ocorrência da espécie, tivemos a oportunidade de constatar a sua existência no Município de Una, ao sul de Ilhéus. Nessa região ocorrem ainda grandes matas, mas muitos de seus trechos já estão em adiantado processo de devastação. É a única parte que resta em território baiano de toda uma contínua floresta magnífica, criminosamente destruída, em poucos decênios. (COIMBRA-FILHO, 1970COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Acerca da redescoberta de Leontideus chrysopygus e apontamentos sobre sua ecologia. Revista Brasileira de Biologia, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, p. 609-615, 1970b.a, p. 258).

Em 1970, Coimbra-Filho publicou a revisão taxonômica, distribuição geográfica e dados sobre o habitat da espécie, e estabeleceu que esses micos, juntamente com os pretos, eram, de fato, micos-leões - uma dúvida que ainda pairava entre alguns autores da época. Em 1973, realizou um levantamento entre o rio Pardo e o rio das Contas com o intuito de escolher uma área para abrigar o mico-leão-da-cara-dourada. Após mais algumas visitas à região, ele definiu uma área de 15.000ha no Município de Una para ser adquirida pelo IBDF, que em 1976 comprou 5.342ha daqueles recomendados, devido a problemas de titularidade nos mais de 12.400ha restantes. Por esses e outros embaraços, a Reserva Biológica de Una foi efetivamente criada apenas em 1980 (COIMBRA-FILHO, 2004COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Os primórdios da Primatologia no Brasil. In: MENDES, S. L.; CHIARELLO, Adriano Garcia (org.). A Primatologia no Brasil. Vitória: IPEMA/SBPR, 2004. p. v. 8, p. 11-35.; RYLANDS, et al., 2008RYLANDS, Anthony B.; MALLINSON, Jeremy J. C.; KLEIMAN, Devra G.; COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MITTERMEIER, Russell A.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão; VALLADARES-PADUA, Claudio B.; BAMPI, Maria Iolita. A história e o status dos micos-leões. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B . (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 23-68.; INEA, 2015; REZENDE, 2013REZENDE, Gabriela Cabral. Sucessos em programas de conservação de espécies da fauna ameaçada: a história do programa de conservação do mico-leão-preto. Dissertação (Mestrado em Ecologia). Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Nazaré Paulista, São Paulo, 2013.).

Um ano depois de confirmar a presença de L. chrysomelas no sul da Bahia, Coimbra-Filho protagonizou um novo feito para a primatologia. Em 14 de maio de 1970, por volta das 16 horas, ele observou três micos-leões-pretos na Reserva Florestal do Morro do Diabo, extremo oeste do Estado de São Paulo, “redescobrindo”, assim, o raro Leontopithecus chrysopygus após um hiato de 65 anos desde a última informação publicada sobre o animal. O mico-leão-preto havia sido descoberto pelo naturalista austríaco Johann Natterer, em 1822, na Fazenda de Ipanema, região de Vargem Grande, próxima à Sorocaba. Ele ocorria originalmente nas florestas pluviais de tipo atlântico, ricas em espécies arbóreas de grande porte, que recobriam importantes trechos acidentados entre os rios Paranapanema e Tietê. A última notícia que se tinha do bicho datava de 1905, quando Olavo Hummel, chefe de uma das expedições científicas da Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo, coletou um indivíduo macho nas florestas de Bauru (COIMBRA-FILHO, 1970aCOIMBRA-FILHO, Adelmar F. Considerações gerais e situação atual dos micos-leões escuros, Leontideus chrysomelas e Leontideus chrysopygus. Revista Brasileira de Biologia, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2. p. 249-268, 1970a., 1970bCOIMBRA-FILHO, Adelmar F. Acerca da redescoberta de Leontideus chrysopygus e apontamentos sobre sua ecologia. Revista Brasileira de Biologia, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, p. 609-615, 1970b.; REZENDE, 2013REZENDE, Gabriela Cabral. Sucessos em programas de conservação de espécies da fauna ameaçada: a história do programa de conservação do mico-leão-preto. Dissertação (Mestrado em Ecologia). Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Nazaré Paulista, São Paulo, 2013.).17 17 Antes dele, Ernst Garbe, “um alemão colecionador de animais vivos para os zoológicos europeus”, havia coletado, em 1901, três indivíduos no Município de Botucatu, São Paulo, tendo-os doado ao Museu Paulista em 1902 (REZENDE, 2013, p. 7; COIMBRA-FILHO, 1970b).

A busca pelo animal começara depois de Adelmar ter sido informado por Álvaro Aguirre, zoólogo e naturalista capixaba que estudou o muriqui, acerca da existência de um casal empalhado de micos-leões-pretos em Presidente Wenceslau: “Soubemos que haviam sido abatidos em mata próxima à Floresta Estadual do Morro do Diabo, perto de Teodoro Sampaio, cidade situada a oeste de São Paulo. Posteriormente, exploramos a região e, na reserva estadual citada, reencontramos a espécie [...]” (COIMBRA-FILHO, 1970COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Acerca da redescoberta de Leontideus chrysopygus e apontamentos sobre sua ecologia. Revista Brasileira de Biologia, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, p. 609-615, 1970b.a, p. 267).

A Reserva Florestal Estadual do Morro do Diabo foi criada em 1941 pelo interventor do Estado de São Paulo, Fernando Costa, com 37.156,68 hectares, que foram sendo desmatados ao longo das décadas seguintes pela prática da grilagem, agricultura e construção de estrada de ferro. Nos anos 1980, houve intensa mobilização para que parte dessa reserva fosse preservada da ameaça representada pela construção da hidrelétrica de Rosana, a qual alagaria justamente a área onde Coimbra-Filho havia redescoberto o mico-leão-preto.

Em 1986, o Parque Estadual do Morro do Diabo foi criado para proteger a pequena população de micos remanescentes, graças à articulação liderada por Maria Tereza Jorge Pádua, então chefe do departamento de meio ambiente da Companhia de Energia de São Paulo (CESP), empresa responsável pelo projeto da barragem, e por Coimbra-Filho. Essa ação contou ainda com o envolvimento de Alceo Magnanini, Ibsen de Gusmão Câmara e Paulo Nogueira Neto, titular da Secretaria Especial de Meio Ambiente; dos pesquisadores Célio Valle, Carlos Alberto Machado, Claudio Valladares-Padua, Russell Mittermeier e Devra Kleiman; e com o apoio da FBCN, da WWF e do Instituto Florestal de São Paulo; além de políticos locais e da comunidade afetada (REZENDE, 2013REZENDE, Gabriela Cabral. Sucessos em programas de conservação de espécies da fauna ameaçada: a história do programa de conservação do mico-leão-preto. Dissertação (Mestrado em Ecologia). Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Nazaré Paulista, São Paulo, 2013.; INEA, 2015; LOSADA et al., 2016LOSADA, Janina Zito; CORNILS, Fernanda; FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto; BRAZ, Vivian da Silva. Da carnificina viajante à conservação da natureza no país dos macacos: a primatologia no Brasil, séculos XIX e XX. In: FRANCO, J. L. A.; DUTRA e SILVA, S.; DRUMMOND, J. A.; TAVARES, G. G. (org.). História Ambiental: territórios, fronteiras e biodiversidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. v. 2, p. 361-392.).

Além desse parque, há outra área estadual preservada para a salvaguarda do sauí-preto. Trata-se da Estação Ecológica de Caitetus, criada em 1987 no Município de Gália (SP), com 2.178ha, onde sobrevive população reduzida, de cerca de 25 indivíduos, mas de grande importância genética porque essa subpopulação é bastante afastada da do Morro do Diabo e de outros pequenos grupos remanescentes; fato de maior pragmatismo em trabalhos genéticos visando a quebra da consanguinidade, trabalho em curso desenvolvido por Claudio V. Padua. (COIMBRA-FILHO, 2004COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Os primórdios da Primatologia no Brasil. In: MENDES, S. L.; CHIARELLO, Adriano Garcia (org.). A Primatologia no Brasil. Vitória: IPEMA/SBPR, 2004. p. v. 8, p. 11-35., p. 26).

Claudio Valladares-Padua é um destacado biólogo da conservação, que iniciou a carreira na primatologia sendo supervisionado por Adelmar Coimbra-Filho. A partir de 1984, realizou estudos ecológicos, comportamentais e genéticos das populações de micos-leões-pretos do Pontal do Paranapanema e, em 1995, os resultados desses estudos se transformaram em um programa inovador de manejo metapopulacional, envolvendo translocações de grupos encontrados em fragmentos de matas empobrecidas para florestas mais saudáveis e promissoras, assim como a reintrodução na natureza de micos nascidos em cativeiro. Essa iniciativa, juntamente com ações de reflorestamento e com o programa de educação ambiental criado por Suzana Padua em 1988, foi fundamental para que o grau de conservação de L. chrysopygus progredisse de “criticamente ameaçado” para “ameaçado”, segundo a Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção de 2008 da IUCN (RYLANDS et al., 2008RYLANDS, Anthony B.; MALLINSON, Jeremy J. C.; KLEIMAN, Devra G.; COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MITTERMEIER, Russell A.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão; VALLADARES-PADUA, Claudio B.; BAMPI, Maria Iolita. A história e o status dos micos-leões. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B . (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 23-68.; REZENDE, 2013REZENDE, Gabriela Cabral. Sucessos em programas de conservação de espécies da fauna ameaçada: a história do programa de conservação do mico-leão-preto. Dissertação (Mestrado em Ecologia). Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Nazaré Paulista, São Paulo, 2013., p. 103-104).

Além dos trabalhos de campo, das articulações políticas para a criação de áreas protegidas, da participação em redes internacionais de pesquisa e da contribuição, direta ou indireta, para a formação ou aperfeiçoamento de recursos humanos, Coimbra-Filho protagonizou o processo de institucionalização da primatologia no Brasil ao idealizar e gerir instituições especializadas no estudo e conservação de símios neotropicais, conforme comentamos acima. A experiência mais importante nesse sentido foi a criação do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ), em 1979.

Embora o desejo de criar no Brasil um centro primatológico-conservacionista de referência datasse do início dos anos 1960, a ideia só atraiu o interesse do governo federal em 1974, quando o presidente do CNPq recebeu a carta do médico e microbiologista norte-americano Albert Sabin, perguntando sobre a possibilidade de se importar saguis amazônicos para fins de pesquisa sobre hepatite e certos tipos de câncer. Nesse mesmo ano, foram convocadas, às pressas, autoridades do Ministério da Saúde, INPA, ICN, WWF e National Intitute of Health para uma reunião no Rio de Janeiro. Nesse evento, Coimbra-Filho foi incumbido de preparar um esboço de programa para o desenvolvimento da primatologia no país, o qual “abarcava ampla gama de possibilidades, incluindo o aproveitamento em pesquisas pragmáticas de indivíduos nascidos ex situ, e iniciativas conservacionistas, tais como repovoamentos e reintroduções” (COIMBRA-FILHO, 2004COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Os primórdios da Primatologia no Brasil. In: MENDES, S. L.; CHIARELLO, Adriano Garcia (org.). A Primatologia no Brasil. Vitória: IPEMA/SBPR, 2004. p. v. 8, p. 11-35., p. 29). Ademais, foi sugerida a criação de três centros primatológico-conservacionistas: um na Amazônia, outro em Brasília e um terceiro no Rio de Janeiro.

Após muitas complicações políticas e financeiras, apenas um desses centros foi efetivamente criado, em 9 de novembro de 1979: o CPRJ. A “primeira instituição nacional voltada prioritariamente à preservação do patrimônio primatológico brasileiro” foi gerenciada por Coimbra-Filho de 1979 a 1993 e, depois disso, por seu principal parceiro nessa empreitada, o médico-veterinário Alcides Pissinatti (INEA, 2015, p. 36). Ainda hoje, essa instituição preserva a filosofia de integração entre pesquisa e conservação defendida por seu fundador desde os anos 1960 e que, naquela época, marcava um importante diferencial em relação aos Primate Centers mundo afora:

O trabalho do CPRJ está intimamente relacionado ao conceito de que a gestão para a conservação de primatas deve considerar, além dos próprios animais e sua criteriosa utilização, a biota como um todo. Por essa razão, os projetos desenvolvidos no espaço não se limitam à propagação de espécies. O Centro também promove estudos e ações de restauração ambiental. O objetivo, neste caso, é restabelecer as condições ecológicas favoráveis no campus e recuperar áreas degradadas por meio da reintrodução de espécies da flora e fauna nativas desaparecidas ou ameaçadas de desaparecimento. (INEA, 2015, p. 36).

Considerado “o coração e a alma da primatologia brasileira” (MITTERMEIER, 2015MITTERMEIER, Russell A. Prefácio. In: INEA - Instituto Estadual do Ambiente. CPRJ - Centro de Primatologia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: INEA , 2015. (Não paginado n.p.), n.p.), ou ainda “o verdadeiro marco físico da primatologia no Brasil”, segundo Milton Thiago de Mello, presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia (apud INEA, 2015, p. 219), o CPRJ serviu de base operacional para vários programas de pesquisa e conservação de primatas. O mais emblemático entre eles foi o acima mencionado Programa de Conservação do Mico-Leão-Dourado (GLTCP, na sigla em inglês), que objetivava a reprodução em cativeiro e viabilidade populacional da espécie para reintrodução na natureza. Esse programa foi inicialmente coordenado pela cientista norte-americana Devra Kleiman e contou com a estreita colaboração de Coimbra-Filho, que gozava de vasta experiência em reintrodução de animais.

No início da década de 1970, ele e Antonio Aldrighi, diretor do Museu da Fauna (IBDF), deram início a um projeto de reintrodução de mamíferos, aves e répteis no Parque Nacional da Tijuca. Naquela época, os tucanos-de-bico-preto (Ramphastos vitellinus ariel) eram considerados desaparecidos do Rio de Janeiro e, cerca de 30 anos depois, podiam ser vistos em toda a Floresta da Tijuca, graças à soltura de 47 indivíduos apreendidos pelo IBDF do comércio ilegal de animais silvestres no final dos anos 1960. Esse trabalho estendeu-se para outros 976 animais de várias espécies, reintroduzidos ao longo de uma década naquele mesmo parque e vizinhanças. Essa experiência acumulada foi fundamental para o sucesso da reintrodução dos micos-leões-dourados (COIMBRA-FILHO, 1984COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Situação da Fauna na Floresta Atlântica. Boletim da FBCN, Rio de Janeiro, v. 19, p. 89-110, 1984.; INEA, 2015).

Juntos, Kleiman e Coimbra-Filho coordenaram também o Comitê Internacional para Conservação e Manejo do Mico-Leão-Dourado, um órgão criado em 1981 e formado por representantes de zoológicos proprietários de L. rosalia, ONGs conservacionistas, gestores de unidades de conservação e cientistas da área, para tomar decisões conjuntas sobre protocolos de manejo a serem adotados internacionalmente, sobre projetos de pesquisa e conservação a serem financiados, entre outras atribuições (RYLANDS et al., 2008RYLANDS, Anthony B.; MALLINSON, Jeremy J. C.; KLEIMAN, Devra G.; COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MITTERMEIER, Russell A.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão; VALLADARES-PADUA, Claudio B.; BAMPI, Maria Iolita. A história e o status dos micos-leões. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B . (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 23-68.; BALLOU, et al. 2008BALLOU, Jonathan D. et al. A história, o manejo e o papel da conservação de populações de micos-leões em cativeiro. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA, 2008. p. 136-162.; SERRA; PALO JR. 2019SERRA, Cristina; PALO JR., Haroldo. Uma história de conservação: A Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2019.).

Entre 1984 e 2001, 146 animais nascidos em 43 zoológicos de 8 países e 3 continentes foram devolvidos à Mata Atlântica brasileira, que viu a população de micos-leões-dourados saltar dos 100 a 200 indivíduos estimados em 1975 para 1.000 exemplares no raiar do novo milênio, e depois para 3.200 animais em 2014, sendo um terço deles descendentes daqueles vindos do exterior. Grande parte desse sucesso se deve à experiência adquirida a partir das pesquisas de Coimbra-Filho e Kleiman em criação e manejo de L. rosalia (SERRA; PALO JR., 2019SERRA, Cristina; PALO JR., Haroldo. Uma história de conservação: A Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2019.; KIERULFF et al., 2008KIERULFF, Maria Cecília M.; OLIVEIRA, Paula Procópio; BECK, Benjamin B.; MARTINS, Andréia. Reintrodução e translocação como instrumentos de conservação para micos-leões-dourados. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 361-375.).

Essa experiência foi replicada no âmbito do Comitê Internacional de Recuperação e Manejo de L. chrysomelas, criado em 1984 por Coimbra-Filho e Jeremy Mallinson, do Jersey Wildlife Preservation Trust, inicialmente para repatriar os micos-leões-da-cara-dourada contrabandeados do Brasil para o Japão e a Bélgica. Da mesma forma, em 1987 foi criado o Comitê Internacional de Recuperação e Manejo de L. chrysopygus, presidido por Kleiman e Faiçal Simon, do Zoológico de São Paulo, com o propósito de abrigar os micos-leões-pretos resgatados na inundação da hidrelétrica de Rosana e de melhor coordenar os esforços de pesquisa e conservação da espécie (RAMBALDI et al., 2008RAMBALDI, Denise Marçal; KLEIMAN, Devra G.; MALLINSON, Jeremy J. C.; DIETZ, Lou Ann; PADUA, Suzana M. O papel das Organizações não-governamentais e do Comitê Internacional para a Conservação e Manejo de Leontophitecus na Conservação do Mico-Leão. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 105-135.; MITTERMEIER, 2015MITTERMEIER, Russell A. Prefácio. In: INEA - Instituto Estadual do Ambiente. CPRJ - Centro de Primatologia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: INEA , 2015. (Não paginado n.p.)).

Em 1992, o monitoramento e coordenação das atividades desenvolvidas no âmbito do GLTCP foram assumidos pela Associação do Mico-Leão-Dourado (AMLD), uma ONG criada para ser a “sucessora brasileira” daquele pool internacional de pesquisa e conservação e para expandir sua missão, a fim de integrar o manejo da espécie com as necessidades e expectativas das comunidades locais, envolvendo-as em programas de educação ambiental, ecoturismo, restauração de florestas, capacitação de professores da rede pública, formação de lideranças comunitárias etc. (RAMBALDI et al., 2008RAMBALDI, Denise Marçal; KLEIMAN, Devra G.; MALLINSON, Jeremy J. C.; DIETZ, Lou Ann; PADUA, Suzana M. O papel das Organizações não-governamentais e do Comitê Internacional para a Conservação e Manejo de Leontophitecus na Conservação do Mico-Leão. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 105-135., p. 123; SERRA, PALO JR., 2019SERRA, Cristina; PALO JR., Haroldo. Uma história de conservação: A Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2019.).

Trata-se de um exemplo sobre como o processo de institucionalização e consolidação de um campo científico pode deixar raízes em camadas mais profundas do tecido social: ao se desdobrar ciência em atividades de conservação da fauna e flora atlânticas, a AMLD conseguiu alcançar e envolver ativamente prefeituras, empresários, proprietários rurais, agricultores, estudantes, turistas... Mas, essa é uma outra história.

Conclusão

Coimbra-Filho teve um papel destacado na produção de conhecimento científico e na conservação da natureza no Brasil. Ao eleger o estudo dos primatas neotropicais como nicho prioritário de pesquisas, protagonizou o processo de desbravamento de uma nova fronteira do saber em ciências biológicas, ao mesmo tempo em que trabalhava pela criação e consolidação de centros de estudos em primatologia e proteção de espécies ameaçadas. Nesse processo, tornou-se um primatólogo conhecido mundialmente. Nas palavras de Alfred Rosenberger e John Fleagle, ele “personifica o cientista-conservacionista”, cuja metade da vida foi dedicada

[...] ao bem-estar e à compreensão dos macacos no Novo Mundo. Com enorme clarividência, direcionou a atenção dos conservacionistas e pesquisadores para o maior país-produtor de primatas do mundo, e, com Russ Mittermeier, começou o programa de conservação modelo que agora está se espalhando pelo mundo. (apud INEA, 2015, p. 244).

Entre os significados possíveis para a palavra clarividência, desconsideramos aqui o sentido místico associado à predição do vidente, para destacar as qualidades de inteligência e perspicácia atribuídas a esse substantivo. Com efeito, Coimbra conseguiu enxergar com clareza uma importante lacuna de conhecimento em relação a atributos naturais exclusivos do Brasil e, até então, pouco lembrados pelos brasileiros - os micos-leões endêmicos da Mata Atlântica. A partir dessa constatação, teve a perspicácia de compreender que para suprir tamanha lacuna seria necessário mobilizar todos os recursos financeiros e discursivos, os cargos, as instituições e as redes políticas e científicas que estivessem ao seu alcance e além, a fim de levar adiante um empreendimento de pesquisa e conservação que, antes dele, não estava presente no radar de interesse do governo ou da sociedade brasileira.

Nesse esforço, e embora fosse conhecido pelo seu temperamento forte, nem sempre fácil de lidar, contou com a intensa colaboração de outros cientistas e ativistas que se tornaram parceiros e amigos de Adelmar ao longo de sua carreira. Aqueles que não tiveram a oportunidade de conviver de maneira mais próxima, certamente foram ao menos inspirados ou provocados pelo trabalho de Coimbra. Entre os cientistas mais diretamente ligados à primatologia, vale destacar os nomes de Russell Mittermeier, Alcides Pissinatti, Devra Kleiman, Benjamin Beck, Andy Baker, James e Lou Ann Dietz, Claudio Valladares-Padua, Álvaro Aguirre, Karen Strier, Célio Valle, Sérgio Lucena Mendes, José Márcio Ayres e Maria Cecília Kierulff. O empenho desses cientistas redundou em projetos de pesquisa e programas de conservação já bastante longevos, como os Comitês Internacionais de Manejo e Pesquisa, repetidamente instalados a partir de 1981; a organização não governamental Associação Mico-Leão-Dourado, criada no Rio de Janeiro em 1992; o Programa de Conservação do Mico-Leão-Preto, organizado em São Paulo a partir de 1984; e o Projeto Muriqui, lançado em Caratinga, Minas Gerais, onde atua desde 1984 (LOSADA et al., 2016LOSADA, Janina Zito; CORNILS, Fernanda; FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto; BRAZ, Vivian da Silva. Da carnificina viajante à conservação da natureza no país dos macacos: a primatologia no Brasil, séculos XIX e XX. In: FRANCO, J. L. A.; DUTRA e SILVA, S.; DRUMMOND, J. A.; TAVARES, G. G. (org.). História Ambiental: territórios, fronteiras e biodiversidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. v. 2, p. 361-392.).

O êxito desses e de outros projetos deve-se, entre outros fatores, à habilidade de comunicação científica e de articulação política de seus idealizadores e colaboradores, no sentido de envolver instituições do Estado brasileiro e diferentes organismos internacionais no apoio e financiamento dessas iniciativas, tais como o IBDF (e mais tarde, o IBAMA e o ICMBio), a Internacional Union for Conservation of Nature (IUCN), o World Wide Fund for Nature (WWF), a Conservation International e a The Nature Conservancy (BENEVIDES et al., 2017BENEVIDES, Fernanda Cornils Monteiro; FRANCO, José Luiz de Andrade; BRAZ, Vivian da Silva. História dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil. História Revista, Goiânia, v. 22, n. 2, p. 83-106, 2017.).

O exemplo e as ações de Coimbra-Filho foram, portanto, cruciais para criar e consolidar uma importante tradição de pesquisa em primatologia e conservação da natureza no Brasil, com importantes conexões internacionais com cientistas, institutos de pesquisa e organismos de financiamento, e com experiências de sucesso a serem expandidas e multiplicadas. O que não é pouca coisa, considerando que exemplo é algo fundamental no processo de aprendizagem de primatas como nós.

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  • KIERULFF, Maria Cecília M.; OLIVEIRA, Paula Procópio; BECK, Benjamin B.; MARTINS, Andréia. Reintrodução e translocação como instrumentos de conservação para micos-leões-dourados. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B. (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 361-375.
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  • RYLANDS, Anthony B.; MALLINSON, Jeremy J. C.; KLEIMAN, Devra G.; COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MITTERMEIER, Russell A.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão; VALLADARES-PADUA, Claudio B.; BAMPI, Maria Iolita. A história e o status dos micos-leões. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B . (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 23-68.
  • SERRA, Cristina; PALO JR., Haroldo. Uma história de conservação: A Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2019.
  • URBAN, Teresa. Saudade do matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR; Fundação O Boticário de Proteção à Natureza; Fundação MacArthur,1998.
  • 1
    A publicação de Orang-Outang, sive Homo Sylvestris: or, the Anatomy of a Pygmie Compared with that of a Monkey, an Ape, and a Man (1698) rendeu a Edward Tyson o epíteto de “pai” da primatologia e da moderna anatomia comparada. A obra clássica abordava as semelhanças neurológicas entre chimpanzés e humanos e defendia que os pigmeus seriam o elo a conectar humanos e macacos (LOSADA et al., 2016LOSADA, Janina Zito; CORNILS, Fernanda; FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto; BRAZ, Vivian da Silva. Da carnificina viajante à conservação da natureza no país dos macacos: a primatologia no Brasil, séculos XIX e XX. In: FRANCO, J. L. A.; DUTRA e SILVA, S.; DRUMMOND, J. A.; TAVARES, G. G. (org.). História Ambiental: territórios, fronteiras e biodiversidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. v. 2, p. 361-392., p. 365).
  • 2
    Segundo Coimbra-Filho (2004, p. 15), as primeiras referências sobre macacos brasileiros foram registradas no século XVI pelo naturalista holandês George Marcgraf. A elas vieram se somar, quase 200 anos mais tarde, as observações do naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira, e os estudos prosperaram ainda mais com o interesse dos viajantes naturalistas do século XIX. De acordo com Benevides et al. (2017BENEVIDES, Fernanda Cornils Monteiro; FRANCO, José Luiz de Andrade; BRAZ, Vivian da Silva. História dos projetos de conservação de espécies da fauna no Brasil. História Revista, Goiânia, v. 22, n. 2, p. 83-106, 2017., p. 87), o primeiro relato especificamente sobre os micos-leões (Leontopithecus) na natureza - esses “lindos gatos próximos a micos e similares a leões” - foi do padre Antônio Pigafetta, em 1519.
  • 3
    Trata-se do Projeto de Capacitação Institucional “Arquivos históricos e produção científica sobre a Mata Atlântica e a Conservação da Natureza no Brasil: organização, análise e difusão da informação” (PCI nº 5 INMA/MCTI, 2019-2023), o qual vem se dedicando, entre outras tarefas, a captar arquivos pessoais produzidos e/ou mantidos por cientistas e militantes dedicados à Mata Atlântica e à conservação da natureza, a fim de organizá-los e disponibilizá-los como fonte de pesquisa para o público amplo.
  • 4
    A expressão “carnificina viajante” é de Losada et al. (2016LOSADA, Janina Zito; CORNILS, Fernanda; FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto; BRAZ, Vivian da Silva. Da carnificina viajante à conservação da natureza no país dos macacos: a primatologia no Brasil, séculos XIX e XX. In: FRANCO, J. L. A.; DUTRA e SILVA, S.; DRUMMOND, J. A.; TAVARES, G. G. (org.). História Ambiental: territórios, fronteiras e biodiversidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2016. v. 2, p. 361-392.). Os platirrinos são uma subordem de símios neotropicais, que representam espécies mais evoluídas da ordem dos primatas, e são caracterizados por narinas dirigidas lateralmente e septo nasal largo (COIMBRA-FILHO, 1982COIMBRA-FILHO, Adelmar F. Os primatas do Brasil, patrimônio a conservar. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, n. 2, p. 62-69, 1982., p. 63).
  • 5
    A primeira das palestras referidas foi proferida durante o 3º Congresso Brasileiro de Zoologia, ocorrido em julho de 1968 no Museu Nacional do Rio de Janeiro, o qual teve como símbolo justamente o mico-leão-dourado, por insistência de Coimbra-Filho (RYLANDS et al., 2008RYLANDS, Anthony B.; MALLINSON, Jeremy J. C.; KLEIMAN, Devra G.; COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MITTERMEIER, Russell A.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão; VALLADARES-PADUA, Claudio B.; BAMPI, Maria Iolita. A história e o status dos micos-leões. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B . (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 23-68., p. 33).
  • 6
    Comentando o relato de Fernando de Ávila-Pires acerca do recebimento de muitas cartas solicitando-lhe informações sobre o fornecimento regular do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), Coimbra-Filho (1969, p. 47) observou que “o imediatismo que preside o comportamento da maior parte dos laboratórios de pesquisas estrangeiros faz com que pouco se interessem pela preservação das espécies animais exóticas utilizadas, sendo sua preocupação o material regular e de fácil manutenção”.
  • 7
    Dados extraídos do curriculum vitae de Coimbra-Filho (sem data) e de Corrêa & Brito, 2006CORRÊA, Marcos Sá; BRITO, Manoel Francisco. Água mole em pedra dura: dez histórias de luta pelo meio ambiente. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2006..
  • 8
    A passagem de Adelmar pela botânica e pelos estudos florestais ficou marcada tanto por sua participação em associações civis - foi sócio fundador da Sociedade Botânica do Brasil (1950) e membro da International Society of Tropical Foresters (1953-1978) - como em representações oficiais do governo de seu Estado, como no I Congresso Florestal Brasileiro (Curitiba, 1953) e no Grupo de Trabalho para elaboração de um programa de reflorestamento das áreas devastadas (1962). Ver Coimbra-Filho (sem data).
  • 9
    Coimbra registrou em seu curriculum vitae cursos de curta duração em ecologia, pela Divisão de Botânica do MNRJ (1952) e pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1971), e de ecologia animal, pela FEEMA (1978). A disciplina também se fez presente em diversos cursos que ministrou como professor, como os de Ecologia Humana, no Departamento de Ecologia do Instituto de Biologia da UFRJ (1971), e de Ecologia e Poluição, na Faculdade de Veterinária da UFF (1972).
  • 10
    Para um histórico sobre esses debates, ver Castro, 2003CASTRO, Leonardo Costa de. Da biogeografia à biodiversidade: políticas e representações da Mata Atlântica. Tese (Doutorado em Antropologia Social). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, 2003..
  • 11
    O ICN deu origem à FEEMA quando da fusão entre os Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975. Na Fundação recém-criada, Coimbra-Filho foi nomeado diretor do Departamento de Conservação Ambiental - DECAM (REZENDE, 2013REZENDE, Gabriela Cabral. Sucessos em programas de conservação de espécies da fauna ameaçada: a história do programa de conservação do mico-leão-preto. Dissertação (Mestrado em Ecologia). Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Nazaré Paulista, São Paulo, 2013., p. 20).
  • 12
    O artigo em questão é a transcrição de uma conferência ministrada por Coimbra em Maceió-AL, no dia 10 de junho de 1975, a convite da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG). A crítica nele contida pode ser encarada, portanto, como uma mensagem bastante direta aos agentes civis e militares congregados naquela associação, a qual, historicamente, participou da construção da doutrina de Segurança Nacional e do desenvolvimentismo, contribuindo, sobretudo, para sua difusão por todo o Brasil. Sobre o papel da ESG e na ADESG na política nacional, ver Mundim, 2007MUNDIM, Luiz Felipe Cezar. Juarez Távora e Golbery do Couto e Silva: Escola Superior de Guerra e a organização do Estado brasileiro (1930-1960). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2007..
  • 13
    Segundo Rylands et al. (2008RYLANDS, Anthony B.; MALLINSON, Jeremy J. C.; KLEIMAN, Devra G.; COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MITTERMEIER, Russell A.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão; VALLADARES-PADUA, Claudio B.; BAMPI, Maria Iolita. A história e o status dos micos-leões. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B . (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 23-68., p. 25), estudos genéticos desenvolvidos nos anos 1980 concluíram que os micos-leões devem ser considerados apenas formas distintas ou subespécies de uma única espécie, Leontopithecus rosalia. Entretanto, muitos conservacionistas continuam classificando-os como espécies individuais, a fim de “assegurar a continuação de sua proteção”.
  • 14
    Embora Coimbra-Filho tenha considerado, na publicação de 1969, o Estado do Espírito Santo como área de ocorrência original do mico-leão-dourado, ele retificou essa informação posteriormente, em comunicação pessoal à primatóloga Maria Cecília Kierulff, por ter concluído não haver dados suficientes que comprovassem a presença daqueles micos nas florestas capixabas, conforme havia sido reportado por Hermann von Ihering, em 1940, e depois por Augusto Ruschi, em 1964 (RYLANDS et al., 2008RYLANDS, Anthony B.; MALLINSON, Jeremy J. C.; KLEIMAN, Devra G.; COIMBRA-FILHO, Adelmar F.; MITTERMEIER, Russell A.; CÂMARA, Ibsen de Gusmão; VALLADARES-PADUA, Claudio B.; BAMPI, Maria Iolita. A história e o status dos micos-leões. In: KLEIMAN, Devra G.; RYLANDS, Anthony B . (ed.). Micos Leões: biologia e conservação. Brasília: MMA , 2008. p. 23-68., p. 72).
  • 15
    A instalação de uma reserva natural em Marapendi havia sido sugerida, pela primeira vez, por Armando Magalhães Correa, em 1931, mas somente em 1951 foi solicitada a criação da Reserva Biológica de Jacarepaguá, “por uma Comissão designada para propor medidas de proteção à natureza carioca” (COIMBRA-FILHO; MAGNANINI, 1963, p. 3).
  • 16
    A reserva foi ampliada em 2017 para 7.756 hectares (INEA, 2015INEA - Instituto Estadual do Ambiente. Centro de Primatologia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: INEA, 2015.).
  • 17
    Antes dele, Ernst Garbe, “um alemão colecionador de animais vivos para os zoológicos europeus”, havia coletado, em 1901, três indivíduos no Município de Botucatu, São Paulo, tendo-os doado ao Museu Paulista em 1902 (REZENDE, 2013REZENDE, Gabriela Cabral. Sucessos em programas de conservação de espécies da fauna ameaçada: a história do programa de conservação do mico-leão-preto. Dissertação (Mestrado em Ecologia). Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, Instituto de Pesquisas Ecológicas, Nazaré Paulista, São Paulo, 2013., p. 7; COIMBRA-FILHO, 1970bCOIMBRA-FILHO, Adelmar F. Acerca da redescoberta de Leontideus chrysopygus e apontamentos sobre sua ecologia. Revista Brasileira de Biologia, Rio de Janeiro, v. 30, n. 4, p. 609-615, 1970b.).
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com o financiamento do Programa de Capacitação Institucional do CNPq/MCTI (Proc. 302391/2020-7).

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2021
  • Aceito
    12 Jul 2021
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