Open-access Cuidado em saúde mental, risco e território: transversalidades no contexto da sociedade de segurança

Cuidado de la salud mental, riesgo y territorio: transversalidades en el contexto de la sociedad de la seguridad

Resumos

O objetivo deste estudo é discutir as transversalidades discursivas entre as noções de cuidado em saúde mental, risco e território nos relatórios das Conferências Nacionais de Saúde Mental (CNSM), situando-os no contexto da sociedade de segurança. Trata-se de estudo descritivo, exploratório, de análise qualitativa, documental e retrospectiva, na perspectiva da arqueologia do saber, de Michel Foucault. Desde a II até a IV CNSM, observa-se que o glossário relativo ao risco como probabilidade, ao cuidado e ao território apresentou-se com relevância progressiva, evidenciando a centralidade desses conceitos para a consolidação do novo modelo de atenção à saúde mental no Brasil. À medida que o modelo asilar entrou em declínio, no processo de constituição de uma rede de cuidados em saúde mental territorializada e comunitária, emergiram as discursividades sobre os riscos, que constituem elementos centrais do dispositivo de segurança.

Cuidado; Saúde mental; Território; Sociedade de segurança


El objetivo del estudio es analizar las transversalidades discursivas entre las nociones de cuidado en salud mental, riesgo y territorio en lo que hace a los informes de las Conferencias Nacionales de Salud Mental (CNSM), en el contexto de una sociedad de seguridad. Se trata de un estudio descriptivo, exploratorio, del análisis cualitativo, documental y retrospectivo, tomando como referencia la arqueología del saber de Michel Foucault. Desde la II a la IV CNSM, se observa que el glosario del riesgo-probabilidad, cuidado y territorio una progresiva centralidad para la consolidación del nuevo modelo de cuidado en salud mental brasileño. En la medida en que el modelo manicomial entró en declive debido al proceso de formación de una red de atención en salud mental territorializada y comunitaria, surgieron los discursos acerca de los riesgos, que son elementos fundamentales del dispositivo de seguridad.

Cuidado; Salud mental; Territorio; Sociedad de seguridad


The aim of this study is to discuss the crosscutting discursive issues among the notions of mental health care, risk and territory in the National Conferences of Mental Health (NCMH) reports, placing them in the context of safety society. It is a descriptive, exploratory study of qualitative, documentary and retrospective analysis, under the framework relevance, emphasizing the centrality of these concepts for the consolidation of a new mental health care model in Brazil. As the asylum model went into decline, in the process of the archaeology of knowledge, by Michel Foucault. From the 2nd to 4th NCMH, it is observed that the glossary on the risk as probability, care and territory, presented progressive of building up a mental health care network territorialized and community-based, the discourses about the risks emerged, being core elements of the safety device.

Care; Mental health; Territory; Safety Society


Introdução

O movimento de reforma psiquiátrica brasileiro trouxe-nos o desafio de rever os paradigmas que, até então, deram base às práticas assistenciais no campo da Psiquiatria. Introduziu o modo de atenção psicossocial, que pressupõe: uma nova forma de conceituar seu objeto de intervenção, novas configurações da organização institucional, da composição das equipes multiprofissionais e da relação com os usuários dos serviços de saúde mental1.

A necessidade de propor formas diferenciadas de enfrentamento das questões relativas ao sofrimento psíquico resultou na construção de novos saberes, conhecimentos e possibilidades de ação técnica e política, vinculadas à construção de valores e sentidos sobre o existir e o sofrer. Nesse sentido, cada campo científico das ciências da saúde e sociais precisou investir esforços de modo a incorporar as concepções introduzidas pela política de saúde mental2.

A constituição de uma rede de serviços de atenção à saúde mental e a busca das rupturas teórico-conceitual e técnico-assistencial, no tocante aos pressupostos do modelo asilar, possibilitaram a construção de novos instrumentos teóricos e técnicos promotores de mudanças no campo da saúde mental3.

Yasui3 destaca cinco conceitos ferramentas que permitiram ressituar o campo da saúde mental, em suas dimensões epistemológica, técnico-assistencial, jurídico-política e sociocultural, a saber: território, responsabilização, acolhimento, rede, cuidado e diversidade de estratégias.

Uma visão ampliada sobre a dimensão técnico-assistencial do processo de reforma psiquiátrica revela-nos que a transformação da oferta de serviços de atenção em saúde mental implicou o estabelecimento de estratégias de cuidados que envolvessem o reconhecimento do território e de seus recursos, assim como a assunção da responsabilidade sobre a demanda desse território. Essa transformação implicou estabelecer formas de acolhimento ao sofrer mediante a criação de projetos e estratégias de cuidado diversificadas, articuladas em rede a esse território3,4.

Esse princípio estruturante da rede de atenção psicossocial encontra-se descrito na portaria do Ministério da Saúde (MS) nº 336/20025, quando define que os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em todas as suas modalidades, devem “responsabilizar-se, sob a coordenação do gestor local, pela organização da demanda e da rede de cuidados em saúde mental no âmbito do seu território” (p. 1).

A questão da escolha do território como lócus do cuidado em saúde mental, destacada, sobretudo, no relatório da III Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM), precisa ser analisada, considerando que o atributo eminentemente relacional do cuidado pressupõe que exista um lugar para ser concretizado3.

Nesse sentido, o objetivo deste estudo é discutir as transversalidades discursivas entre as noções de cuidado em saúde mental, risco e território no texto das CNSM, e suas repercussões para a atual política de saúde mental brasileira, situando-os no contexto da sociedade de segurança.

Iniciaremos delimitando o percurso metodológico da pesquisa. Prosseguiremos apresentando um referencial teórico que nos permita ancorar nossas análises sobre o cuidado em saúde mental, risco e território nos estudos de Michel Foucault sobre a sociedade disciplinar e a sociedade de segurança. Apresentaremos, então, nossas análises sobre as CNSM e os documentos históricos correlatos.

Percurso metodológico

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de análise qualitativa, desenvolvido mediante análise documental retrospectiva dos relatórios das CNSM, na perspectiva da arqueologia do saber, de Michel Foucault6. O campo documental abrangeu os relatórios finais das I, II, III e IV CNSM, uma vez que essas conferências foram, ao longo do processo de reforma psiquiátrica brasileiro, os fóruns privilegiados de sistematização dos avanços técnicos e políticos alcançados no campo da saúde mental no Brasil, agregando uma diversidade de atores comprometidos com a luta antimanicomial. Foram também incluídos: o caderno informativo da III CNSM (2001) e o relatório sobre a saúde no mundo, da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001), destinada à saúde mental, denominada “Saúde Mental: Nova concepção, Nova esperança”7,8.

Os documentos foram examinados segundo a análise textual discursiva proposta por Moraes et al.9. A primeira etapa compreende o processo de desmontagem dos textos ou processo de unitarização. Exige o exame dos textos em seus detalhes, fragmentando-os no sentido de identificar suas unidades constituintes e os respectivos enunciados referentes aos fenômenos estudados. A segunda etapa compreende o processo de categorização, que envolve construir relações entre as unidades de base, combinando-as e classificando-as, reunindo os elementos unitários em conjuntos, resultando em sistemas de categorias. Os dois processos descritos anteriormente possibilitaram a emergência de uma nova compreensão sobre o todo, como também sua crítica e validação, resultando na construção de um metatexto que explicita, argumentativamente, a nova compreensão alcançada9.

A análise dos documentos foi operacionalizada mediante a utilização do software ATLAS.ti, composto por um conjunto de ferramentas de análises qualitativas apropriadas para grandes conjuntos de dados textuais sob a licença nº 72BB1-ECAA3-57A7F-ROEN1-0039Y.

No processo de codificação do corpus textual, foi possível elaborar 21 códigos que expressam diferentes discursividades sobre o cuidado. Como exemplo, podemos mencionar: ‘atos de cuidar’, ‘cuidado no território’, ‘cuidado integral’, ‘cuidados em saúde mental’, ‘cuidados primários de saúde mental’, ‘direito ao cuidado’, ‘dispositivos de cuidado’, ‘modelo de cuidado’, ‘novas formas de cuidado’, ‘redes de cuidados’, ‘tratar x cuidar’, ‘família x cuidados’. A frequência significativa com que as discursividades sobre o cuidado em saúde mental emergiram na análise textual discursiva permitiu-nos considerá-lo uma categoria analítica.

Outros códigos que compuseram a rede de sentidos, estabelecendo relevantes relações discursivas com o cuidado em saúde mental, foram: ‘construção social do processo saúde-doença mental’, ‘desmedicalização’, ‘medicalização’, ‘psiquiatria preventiva’, ‘reformulação do modelo assistencial em saúde mental’, ‘risco como perigo’, ‘risco epidemiológico (sinônimo de risco como probabilidade)’, ‘relações de poder’.

Procedemos à construção do metatexto, buscando, por meio da seleção de citações textuais relevantes, realçar as relações discursivas identificadas, enriquecendo e ampliando o alcance das análises.

O lócus do cuidado: transição do cuidado institucional para o cuidado territorial

O lugar das práticas psiquiátricas sempre se revestiu de especial importância, aspecto que merece uma análise mais específica3.

Desde o século XIV, há registros do acolhimento dos loucos nos hospitais medievais10. No século XV, por sua vez, desenvolveu-se a prática do enclausuramento dos insensatos em embarcações, notabilizando-se a nave dos loucos10,11. A partir do século XVII, surgiram casas de internamento responsáveis pelo confinamento dos desviantes, entre os quais, os alienados10. No século XVIII, o manicômio passou a ser o lócus para o isolamento terapêutico dos loucos, sendo substituído, a partir do século XIX, pelos hospitais psiquiátricos12.

As práticas de confinamento dos loucos, próprias de cada um dos períodos acima descritos, são representativas da racionalidade que se desenvolveu, marcadamente, a partir do século XVII, denominada sociedade disciplinar. As instituições disciplinares, como é o caso do manicômio e dos hospitais, tinham como função a neutralização dos perigos mediante a fixação das populações inúteis ou agitadas e, ao mesmo tempo, o papel de aumentar sua utilidade, de fabricar indivíduos dóceis e úteis13.

A multiplicação desses estabelecimentos possibilitou a ramificação dos mecanismos disciplinares de forma que às suas funções internas específicas foi acrescido um papel de vigilância externa, criando uma margem de controles laterais. No caso dos hospitais, por exemplo, tornaram-se cada vez mais ponto de apoio para a vigilância médica da população externa, difundindo-se procedimentos disciplinares a partir de focos de controle disseminados na sociedade13.

A ‘disciplina’ não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho; ela é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos. Ela é uma física ou uma anatomia do poder, uma tecnologia13.

Nesse sentido, o panoptismo de Bentham, representado por seu sistema arquitetural e ótico, configurou-se como uma tecnologia política que permitiu destrancar as disciplinas e fazê-las funcionar de maneira difusa, múltipla, polivalente no corpo social inteiro, invadindo a vida cotidiana13.

A partir do século XVIII, as sociedades ocidentais modernas passaram a levar em conta o fato biológico fundamental de que o ser humano constitui uma espécie, fundando-se uma nova forma de governamentalidade, vinculada aos conceitos de biopoder e biopolítica14.

Enquanto as tecnologias disciplinares estiveram essencialmente centradas nos corpos individuais, a partir da metade do século XVII, a biopolítica passou a se dirigir ao corpo espécie, ao conjunto da população afetada pelos fenômenos da vida. As técnicas disciplinares não se extinguiram, ao contrário, passaram a compor as novas tecnologias da vida. Uma vez que a biopolítica tinha como foco os fenômenos relacionados à natalidade e à morbidade, às endemias e às epidemias, tornou-se possível a formatação de uma medicina que teria por função a higiene e a saúde públicas15.

A Psiquiatria de Setor francesa é um exemplo categórico desse novo sistema de ‘governo dos homens’14. Desde o fim da década de 1950, propôs a divisão do país em unidades territoriais compostas por setenta mil habitantes, aproximadamente, assumindo sua função como estratégia biopolítica. Cada setor deveria ser atendido por uma equipe psiquiátrica vinculada a um centro de saúde mental, que constituiria um serviço intermediário em relação à internação hospitalar. Sobre essa política de setor, Castel16 propõe a questão: “preconizar uma ‘psiquiatria de extensão’ não é fazer do próprio social um grande corpo doente do qual todas as disfunções dependeriam de soluções médicas?” ( p. 41).

Outro exemplo pode ser encontrado entre as décadas de 1920 e 1930, no Brasil, momento em que os ideais eugênicos da Liga Brasileira de Higiene Mental permitiram que as fronteiras da Psiquiatria se ampliassem, abrangendo o terreno social17. Da mesma forma, na década de 1960, nos Estados Unidos da América, a Psiquiatria Preventiva americana introduz a noção de risco e propõe estratégias para prevenção e detecção precoce dos transtornos mentais que abrangem toda a sociedade3,18.

Como podemos perceber, houve um deslocamento do lugar do cuidado na Psiquiatria: deixou-se o lugar do isolamento, da exclusão e da disciplinarização, representado pelas instituições totais asilares e pelo hospital moderno, para assumir-se um novo lugar para o cuidado, representado pelo tecido social3,17.

Não se trata, no entanto, de uma simples mudança de lugar. Castel16 lança-nos a compreensão de como o saber médico-psicológico tornou-se instrumento de uma gestão diferencial das populações, com o apoio da sofisticação das tecnologias de informática e mediante a prevenção sistemática dos riscos.

Atribuem-se os perfis de risco “à presença de um ou de uma associação de critérios”16 (p. 114), seja de ordem médica, seja social. Os cálculos de risco epidemiológico pressupõem a identificação de grupos populacionais expostos a determinados riscos supostamente suscetíveis à prevenção, reduzindo-se as variações individuais a médias. Nesse sentido, risco significa a probabilidade de perigo, geralmente, com ameaça física para o ser humano e/ou para o meio ambiente19.

Essa racionalidade vinculada ao controle sistemático dos riscos é própria do que Foucault14 convencionou chamar de dispositivo de segurança, ao definir algumas proposições fundamentais à compreensão dos seus estudos sobre o poder.

Para o autor, desde a antiguidade clássica, desenvolveram-se três modalidades de ‘governo dos homens’: primeiro, o mecanismo legal, que consistiu na criação de leis que estabeleceram uma divisão binária entre o que é permitido e o que é proibido, e cujo descumprimento implica uma punição; segundo, o mecanismo disciplinar, que se somou ao mecanismo legal, de forma que, “além do ato legislativo, que cria a lei, e do ato judicial, que pune o culpado, aparecerá toda uma série de técnicas adjacentes, policiais, médicas, psicológicas, [...] do domínio, da vigilância, do diagnóstico”14(p. 8), da sujeição dos indivíduos; terceiro, o dispositivo de segurança, que considera os fenômenos numa série de acontecimentos prováveis, de forma que esses fenômenos interessarão ao poder na medida em que impliquem um cálculo de custos, fixando-se uma média considerada ótima, que passará a ser a referência do normal/anormal, aceitável/inaceitável14,20.

A sociedade de segurança fundamenta-se na sobreposição de estratégias disciplinares e biopolíticas, de forma que os três mecanismos acima descritos não ocorrem isoladamente, tampouco sucessivamente14.

Não há uma série na qual os mecanismos jurídico-legal, disciplinar e de segurança vão se suceder de forma que um apareça e faça seus predecessores desaparecerem. “Não há a era do legal, a era do disciplinar, a era da segurança”14(p. 11). Há, ao contrário, um sistema de correlação entre os três mecanismos, de forma que o corpus disciplinar é amplamente ativado e fecundado pelo estabelecimento de mecanismos de segurança, e que, por sua vez, haja uma verdadeira inflação do código jurídico-legal para fazer o sistema de segurança funcionar14.

A título de exemplo, se, no mecanismo disciplinar, procura-se corrigir um doente mental por meio de reclusão e disciplinamento no aparato manicomial, em função de seu risco de recidiva e reincidência, representado na noção de periculosidade, pode-se dizer que os mecanismos de segurança são igualmente antiquíssimos, tais quais os mecanismos jurídico-legais e disciplinares. Nesse exemplo, a noção de risco já se encontrava implícita. O que muda para Foucault é a ‘dominante’, ou seja, “o sistema de correlação entre os mecanismos jurídico-legais, disciplinares e de segurança”14(p. 11). Em resumo, se, numa sociedade, instala-se uma tecnologia de segurança, ela fará funcionar, mediante uma tática própria, elementos jurídicos, disciplinares e de segurança14.

A partir dos fundamentos sócio-históricos e políticos acima apresentados, podemos, então, retornar à indagação de Yasui3 sobre quanto “devemos estar atentos para as relações entre a produção de cuidados e o território” (p. 125), a fim de que não cometamos a imprecisão de reproduzir, nessa relação, outras lógicas de sujeição e dominação.

Nesse sentido, interessa-nos compreender quais transversalidades configuram-se entre a noção de cuidado em saúde mental e os conceitos de risco e território, no contexto da sociedade de segurança, de forma a instrumentalizar os mecanismos de “gestão diferencial das populações”16 (p. 101), da mesma maneira como ocorreu com os saberes médico-psicológicos no processo de avanço do liberalismo16.

Relações entre o cuidado em saúde mental, risco e território no contexto da sociedade de segurança

A compreensão de território como “delimitação geográfica sobre a qual um determinado serviço se torna responsável pelo atendimento das pessoas adscritas àquele local”3 (p. 127) evoca uma concepção administrativa e burocrática, imprecisa, reducionista e equivocada, que precisa ser superada.

É possível lançar mão de referências teóricas que ampliem essa perspectiva sobre o território, como o faz Yasui3 quando define essa categoria conceitual central no processo de reforma psiquiátrica brasileiro como

[...] relação entre o natural e o social, como produção de subjetividades aprisionadas, mas também como potencialidade de disrupção, de criação de novos territórios existenciais, de espaços de afirmação de singularidades autônomas. O que significa encontrar e ativar os recursos de singularização locais existentes. Por exemplo, estabelecer alianças com grupos e movimentos de arte ou com cooperativas de trabalho para potencializar as ações de afirmação das singularidades e de inclusão social [...] criar outros recursos, inventar e produzir espaços, ocupar o território da cidade com a loucura.3(p. 128-9)

Essa compreensão ampliada sobre o território é essencial para que se produzam atos de cuidado para além dos serviços de saúde, constituindo outra lógica assistencial em saúde mental, que produzirá novos lugares sociais para a loucura3. Antes e acima de tudo, compreendemos que, para desenvolver ações integrais de cuidado em saúde mental no território, é necessário investir em ‘novas formas de cuidado’, conforme lemos nos relatórios das CNSM.

Marcadamente, a partir da III CNSM, observa-se uma intensificação dos debates sobre a implementação de redes substitutivas de saúde mental na lógica do território, integrando-se aos demais serviços de saúde, fortalecendo e ampliando as ações da Estratégia Saúde da Família, equipes de saúde mental na atenção básica e Núcleos de Apoio à Saúde da Família4.

A análise do texto da I CNSM, realizada em 1987, evidenciou a inexistência de qualquer abordagem direta sobre o cuidado em saúde mental ou sobre território, de forma que o debate em torno da reformulação do modelo assistencial foi construído sem que esses conceitos estivessem presentes em quaisquer teorizações.

De fato, ao longo de mais de dois séculos, a racionalidade que sustentou e legitimou as práticas terapêuticas da Psiquiatria nos hospitais especializados de características asilares foi marcada por atos produtores de relações de dominação e violência3. Desse modo, os conceitos de cuidado e território não compunham o arcabouço linguístico do momento inicial do movimento de reforma psiquiátrica brasileiro, denominado, por Amarante18, como trajetória alternativa.

Em contrário, a temática do risco epidemiológico esteve sempre engendrada nos debates em torno das políticas de saúde mental no Brasil, desde a I CNSM. Essa tradição do risco como probabilidade vincula-se à perspectiva histórica dos discursos sobre o risco relacionados à governamentalidade em Michel Foucault21,22.

Como anexo ao relatório da I CNSM, encontra-se a proposta de ‘Política de Saúde Mental da Nova República’, publicada pelo MS, por meio da Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde (DINSAM), em julho de 1985, ano que antecedeu a realização da I CNSM. Nesse documento, podemos encontrar argumentos em favor da inserção dos pressupostos da Psiquiatria Preventiva no novo modelo de atenção em saúde mental que viria, a partir de então, a ser construído no Brasil23.

Essa proposta inicia apresentando o panorama geral da deterioração da situação de vida e de saúde da população brasileira em face do êxodo rural, da concentração de renda, dos altos índices de desemprego; e, em contrapartida, do impacto significativo do número de internamentos psiquiátricos sobre os custos com internações hospitalares no Brasil23.

Na continuidade da proposta, passa-se a apresentar a complexa situação da saúde mental enquanto questão de saúde pública, baseando-se em dados de estudos epidemiológicos sobre as doenças mentais em grupos populacionais brasileiros, sobretudo, nas populações pobres e marginalizadas, que mostravam “taxas de prevalência em torno de 20 por cento”23(p. 36).

Essa proposta incluiu, também, uma discussão sobre a necessidade de delimitação do campo de ação da saúde mental, indicando duas dimensões dessa ação: uma dirigida à ‘totalidade da população’, competindo, aos agentes desse campo, a comunicação de conhecimentos sobre os fatores ambientais, sociais, familiares, individuais e genéticos que poderiam atuar no sentido do favorecimento à saúde mental, ou, inversamente, ao adoecimento mental. Quanto a essa primeira dimensão, afirma-se que o campo de ação “estende-se a 100 por cento da população”, e que a ação em saúde mental deveria ser essencialmente pedagógica em seus objetivos. A outra dimensão proposta refere-se ao campo restrito “à faixa da população doente ou com alto risco de adoecimento”23 (p. 38). Uma vez mais, caracteriza-se a adoção de elementos discursivos correlatos à Psiquiatria Preventiva e ao conceito de risco epidemiológico.

Embora o conceito de risco epidemiológico já estivesse consolidado no campo da saúde coletiva, sofreu recontextualizações, de modo que pudesse operar, no campo da saúde mental, vinculado ao conceito de cuidado.

A partir da análise do relatório da II CNSM, evidenciam-se possibilidades de formalização dos conceitos de ‘cuidado’ e ‘território’ no âmbito das novas formações discursivas do campo da saúde mental, a partir da década de 1990, no Brasil.

Ao contrário da I CNSM, em que não circulava a noção de cuidado, percebe-se, no relatório da II CNSM, um movimento de tentar diferenciá-la da noção de tratamento, assim como tentativas de defini-la, delimitá-la, situando-a no alicerce da nova política de saúde mental, bem como das novas estratégias e dos recursos assistenciais que passarão a compor a rede de atenção psicossocial brasileira.

Segundo as evidências documentais discutidas anteriormente, observa-se a emergência de análises sobre a territorialidade das novas formas de cuidado no âmbito do novo modelo de atenção à saúde mental: teríamos, portanto, uma rede de serviços preferencialmente externos, comunitários, discriminados no território, e uma retaguarda hospitalar pequena, restrita a situações onde a permanência na vida em sociedade possa ser considerada contraproducente, quer em momentos de crise (por curta duração), quer em situações de profunda dependência física e/ou mental24.

No relatório da III CNSM, a noção de cuidado encontra-se imbuída de sentidos diversificados, entre os quais, merece destaque o cuidado como integrante de uma rede de atenção psicossocial territorializada e descentralizada, a fim de que haja a continuidade entre o cuidado institucional público e o cuidado familiar privado. Admitia-se que pensar a organização da rede de atenção psicossocial seria uma das mais importantes tarefas desta conferência, a fim de garantir a implantação de serviços comunitários de saúde mental, integrados aos programas de atenção básica e à rede geral de serviços, utilizando-se das estratégias mais adequadas a cada região/território, no intuito de superar o modelo tradicional7.

Nessa mesma direção, o relatório da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial (IV CNSM-I) recomendou que a atenção psicossocial fosse a ordenadora da rede intersetorial, com o estabelecimento de planejamento e gestão centrados em módulos territoriais intersetoriais compostos por um conjunto de serviços e/ou dispositivos com perfis diferenciados e complementares, considerando-se as realidades socioculturais, econômica e política locais4.

A IV CNSM-I avança no sentido de apresentar-nos uma perspectiva de território como “processo, como relação, rompendo com a noção de esquadrinhamento da sociedade”3 (p. 130), distanciando-se da delimitação de áreas de abrangência pautadas unicamente no mapa da cidade, de forma que, para cada CAPS, haverá tantos territórios conforme as singularidades de seus usuários e dos grupos sociais aos quais pertencem3.

Diante disso, é fundamental perceber, no âmbito de nossa pesquisa, que, no Brasil, à medida que as práticas disciplinares asilares entraram em declínio, no processo de constituição de uma rede de cuidados em saúde mental territorializada e comunitária, emergiram as discursividades sobre os riscos, que constituem elementos centrais do dispositivo de segurança.

O glossário relativo ao risco como probabilidade, assim como ao cuidado, apresenta-se com relevância progressiva nos relatórios das II, III e IV CNSM, respectivamente. De fato, ambos os conceitos são centrais e recorrentes nos debates em torno da consolidação de um novo modelo de atenção à saúde mental, evidenciando o processo de autonomização desse campo no Brasil.

Nessa nova racionalidade interessará saber, por exemplo: quantas pessoas numa dada população sofrem de transtornos mentais? Qual risco se corre em manter essas pessoas no seu território se abandonarem o tratamento medicamentoso, podendo tornar-se violentas e perigosas? Que indicadores epidemiológicos serão adotados para o planejamento dos investimentos em intervenções no campo da saúde mental?

Uma das características essenciais do dispositivo de segurança, para Foucault14, é que a gestão das populações se faz pela estimativa de probabilidades. Justifica-se, portanto, a presença abrangente das discursividades em torno do conceito de risco epidemiológico nos relatórios das CNSM e sua complementaridade com relação aos conceitos de cuidado e território, pelo fato de que o novo modelo de cuidados opera como um elemento do dispositivo de segurança.

Que outras evidências obtidas mediante a análise do corpus documental desta pesquisa levam-nos a estabelecer essa teorização?

A partir da III CNSM, passou-se a atribuir uma ênfase na constituição de ‘redes substitutivas de cuidados’ ou, ainda, ‘redes de cuidados em saúde mental’. A IV CNSM-I apresenta-nos, ainda, a proposição de ‘redes locais de cuidados em saúde mental’. A questão das redes está intimamente relacionada à questão do território no dispositivo de segurança.

Estudos de historiadores sobre cidades dos séculos XVII e XVIII indicam diferentes tratamentos do espaço relacionados aos mecanismos legal, disciplinar e ao dispositivo de segurança. No entanto, apesar dessas diferenças que descreveremos a seguir, permanece em comum a questão das multiplicidades e da circulação14.

Para o autor, o problema central para a soberania é a disposição hierárquica da sede do governo no território; para a disciplina, o espaço da cidade deve ser arquitetado de forma a manter uma distribuição hierárquica e funcional dos elementos; a segurança, por sua vez, procurará criar um ambiente que maximize os elementos positivos, de forma que se possa circular da melhor maneira possível e que, ao mesmo tempo, minimizem-se os riscos, como os roubos, as doenças, sabendo-se que não poderão ser simplesmente suprimidos. Trata-se, então, de inscrever no espaço uma série de acontecimentos possíveis e aleatórios14.

O modelo de território da sociedade de segurança foi apropriado pelo Estado moderno neoliberal, para o qual a noção de rede é central. Conforme discute Pelbart25(p. 21), o capitalismo neoliberal “depende da circulação de [...] fluxos de capital, de informação, de imagens, de bens, [...] e, sobretudo, de pessoas”, apesar de que nem todos extrairão dessa circulação os mesmos benefícios.

O capitalismo em rede é afeito às conexões, à fluidez, à capacidade de mover-se no território e alimentar os fluxos produtivos do mercado de consumo. Produz, portanto, novas formas de exploração e de exclusão. Ser excluído, nesse novo contexto, é não ter o direito de estar em rede, não apenas em redes informatizadas, mas em ‘redes de vida’ num sentido mais amplo25.

Se, antes, a pertinência às redes de sentido e de existência, aos modos de vida e aos territórios subjetivos dependia de critérios intrínsecos – tais como tradições, direitos de passagem, relações de comunidade e trabalho, religião, sexo –, cada vez mais esse acesso é mediado por pedágios comerciais, impagáveis para uma grande maioria.25(p. 21)

Nesse sentido, as recomendações da IV CNSM-I ressaltam o resgate das dimensões processual e relacional do território, valorizando as suas singularidades sociais, culturais, econômicas e políticas, que poderão criar ‘vias de circulação’ aos sujeitos em sofrimento psíquico que não sejam mediatizadas pelas relações de mercado3,25. No entanto, caso essa compreensão não seja alcançada, poder-se-á incorrer em novos processos de exclusão, retroalimentados pela impossibilidade de circulação dos sujeitos no território.

Nessa nova racionalidade da sociedade de segurança, os riscos relacionados à circulação das pessoas em sofrimento psíquico são minimizados por uma nova estratégia disciplinar: a docilização dos corpos, não mais pelo encerramento físico, mas pelo encerramento químico14. A utilização dos psicofármacos controla hábitos e condutas, domina os pensamentos e os delírios, minimiza o risco da violência, mas a um custo psíquico (e social) bastante elevado26.

A questão da circulação da pessoa em sofrimento psíquico, afinal, continua tendo sua importância e centralidade, de forma que garantir a segurança de que circulará sem causar danos ou transtornos à sociedade é uma das pautas centrais dos programas terapêuticos. Essa garantia é atribuída tanto à possibilidade de controle dos comportamentos indesejáveis pelos psicofármacos como ao papel de controle outorgado à família.

Na sociedade de segurança, é permitido, ao indivíduo, algum grau de autonomia, exigindo-se uma postura mais ativa sobre o seu autocuidado. Mesmo que o indivíduo seja considerado doente e frágil, é possível responsabilizá-lo pela gestão de seus riscos20. Para Foucault14, é necessário liberdade para que o dispositivo de segurança funcione.

Na França, o que permitiu à saúde mental se reorganizar e funcionar no interior do dispositivo de segurança foi a noção de ‘percursos de cuidados’20; no Brasil, a análise dos relatórios das CNSM revelou que essa possibilidade é atribuída à noção correlata de ‘redes de cuidados’ ou à expressão homônima ‘linhas de cuidados’.

Justamente na encruzilhada do que faz viver e do que deixa morrer situa-se o cuidado, que deixa de ser uma estratégia por meio da qual as pessoas deverão ser enquadradas em regulamentações e normas as mais diversas que focalizavam o indivíduo e suas condutas de forma contínua, função que o cuidado exerceu na sociedade disciplinar, passando a operar como um componente do dispositivo de segurança12,20.

Segundo as recomendações das CNSM, o cuidado deverá continuar ocupando-se da integralidade do sujeito, devendo alcançar todas as dimensões da vida humana, capturando-a em sua totalidade. Deverá, ainda, se organizar em redes ampliadas, formadas por componentes institucionais, como os CAPS e as unidades básicas de saúde, entre outros, abrangendo, também, outras instâncias comunitárias situadas no território, entre as quais: a família, as redes locais, representadas pela associação de moradores, pela igreja e, mais ainda, componentes intersetoriais, como a escola, os serviços de assistência social etc.

Na sociedade de segurança, mediante o cuidado, os agentes do campo da saúde mental poderão alcançar todo o território de circulação da pessoa em sofrimento psíquico, numa nova relação de horizontalidade e transversalidade, em detrimento da verticalidade que o caracterizou na sociedade disciplinar. Doron20 nos diz de um ‘território aberto’ que proporciona a livre circulação dos sujeitos, antecipando e reduzindo ao máximo os riscos implicados nessa circulação, a fim de maximizar a relação entre liberdade e segurança.

O cuidado poderá, então, contribuir para as novas funções da Psiquiatria, de gerenciamento dos fluxos populacionais, de alternância entre etapas de cuidado em regime hospitalar e regime comunitário, comprometendo-se com práticas preventivas e intersetoriais, negociando-se as fronteiras entre os “isolados disciplinares”20(p. 10).

Para Castel16(p. 125), “a prevenção moderna é, antes de tudo, rastreadora de riscos”. Os riscos, no contexto da sociedade de segurança, não são consequências de um perigo real, mas da delimitação de fatores de risco que indiquem a possibilidade do surgimento de comportamentos indesejáveis. Nesse sentido, “prevenir é [...] vigiar, [...] se colocar em posição de antecipar a emergência de acontecimentos indesejáveis (doenças, anomalias, comportamentos desviantes, [...] etc.) no seio de populações estatísticas, [...] portadoras de riscos”16(p. 125-6).

Essa caracterização das práticas preventivas, no contexto da sociedade de segurança, permite-nos compreender as recomendações das CNSM de que as estratégias e práticas inscritas nas redes de cuidado deverão ser prioritariamente planejadas segundo critérios e indicadores obtidos mediante estudos epidemiológicos, possibilitando a racionalização de custos e investimentos no campo da saúde mental.

Primeiro, o fato de que as estratégias e práticas de cuidado comunitário sejam concebidas como tecnologias leves e, portanto, impliquem menores custos e uma melhor relação custo/benefício, comparando-se aos custos da assistência hospitalar, torna os cuidados comunitários de saúde mental facilmente ajustáveis aos objetivos econômicos no âmbito da gestão da saúde, no contexto das sociedades neoliberais.

De fato, os relatórios das CNSM trazem a recomendação de que os custos com os investimentos na assistência psiquiátrica hospitalar sejam efetivamente realocados na implantação dos serviços substitutivos, destacando-se várias regiões brasileiras com verdadeiros vazios assistenciais diante da grande dificuldade na implantação da rede de atenção psicossocial.

Revela-se, nesse debate, outra característica do dispositivo de segurança, discutida por Doron20(p. 11): “a maximização da relação custo-eficácia” por meio da “inscrição das intervenções num cálculo econômico”. Na normalização disciplinar, uma norma, elaborada a partir de determinados saberes, delimita, a priori, o critério do que é normal/anormal, do que é aceitável/não aceitável. Na normalização da segurança, é preciso que se estabeleça um cálculo de frequência, que determinará se o fenômeno é significativo e se exige uma intervenção do Estado. A relação entre o anormal e o normal é de continuidade e contiguidade. Essa nova lógica implica a delimitação de um critério de eficácia aos serviços oferecidos pelo Estado14,20.

É possível, na sociedade de segurança, aceitar como normal certa frequência de ocorrências dos fenômenos no nível da população. As singularidades dos sujeitos são reduzidas a médias, a um conjunto de dados epidemiológicos, o que significa que o indivíduo será pensado a partir da população. Assim, a epidemiologia e a estatística são saberes fundamentais14,16,20.

Em síntese, no contexto da sociedade de segurança, o conceito de cuidado tende a operar como um conceito fluido, flexível, que assume determinadas configurações conforme precise se aproximar, se distanciar ou, ainda, reconciliar vertentes políticas e teóricas, em princípio, antagônicas. Doron20 considera mesmo o cuidado como um conceito turvo que, sendo mal definido, poderá ser mal compreendido e vinculado a correntes de pensamento e práticas de cunho ideológico.

Considerações finais

O período representado pela I CNSM reuniu as condições para uma crítica ao modelo asilar hospitalocêntrico, abrindo espaço para a emergência de novas epistemologias e novos conceitos no campo da saúde mental. Entretanto, paralelamente, observaram-se discursividades em defesa dos pressupostos da Psiquiatria Preventiva caplaniana, vertente na qual investiu a Psiquiatria brasileira desde o século XIX.

Desde a II até a IV CNSM, observa-se que o glossário relativo ao risco como probabilidade, assim como ao cuidado e ao território, apresentou-se com relevância progressiva, apontando para a centralidade desses conceitos nos debates em torno da consolidação de um novo modelo de atenção à saúde mental no Brasil.

A noção de cuidado exerce a função de anunciar a renovação das práticas técnico-assistenciais na direção apontada pelo movimento de luta antimanicomial, de restituição à pessoa em sofrimento psíquico de seu estatuto de sujeito jurídico-político. A política de saúde mental, por sua vez, avançou na estruturação de uma rede de cuidados substitutiva aos hospitais psiquiátricos, deslocando o cuidado das instituições de características asilares para as redes comunitárias de abrangência territorial e intersetorial, pressupondo práticas que se distanciem da medicalização dos sofrimentos cotidianos.

No entanto, a partir de nossa pesquisa documental, é possível situar os conceitos de risco epidemiológico, cuidado e território em transversalidade aos elementos constitutivos do dispositivo de segurança, evidenciando sua operacionalidade no campo da saúde mental contemporâneo. Tal fato pode ser considerado como aspecto limitante ao desenvolvimento de uma clínica ampliada, que contribua para uma nova compreensão do processo saúde-sofrimento-adoecimento psíquico, bem como para a invenção de práticas de cuidado, consoantes às proposições da política nacional de saúde mental e de acordo com as singularidades de cada território na rede de atenção psicossocial.

Nesse sentido, é preciso investir em estudos sobre a operacionalidade do conceito de cuidado e conceitos correlatos, como o de território, a fim de esclarecer de que forma poderão reforçar os mecanismos de medicalização e despolitização da vida, como integrantes das estratégias disciplinares, biopolíticas e de gestão dos riscos que compõem o dispositivo de segurança. Ou, ainda, em contrário, como poderão se opor ao processo de medicalização da saúde mental e dos sofrimentos psíquicos cotidianos, desde que se constituam enquanto uma prática social que permita o resgate da subjetividade humana e da potência da vida sequestrada pelas modalidades contemporâneas de biopoder.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2015
  • Aceito
    13 Nov 2015
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