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O CINEMA INDÍGENA NO BRASIL E NO CANADÁ TECENDO CULTURAS: TOPAWA (2019) E WABAN-AKI: PEOPLE FROM WHERE THE SUN RISES (2007)

INDIGENOUS CINEMA IN BRAZIL AND CANADA WEAVING CULTURES: TOPAWA (2019) AND WABAN-AKI: PEOPLE FROM WHERE THE SUN RISES (2007)

Resumo

Partindo de uma breve exposição sobre o cinema indígena, este artigo aborda duas produções, uma brasileira e outra canadense. No documentário Topawa (2020), um coletivo de cineastas do povo Parakanã, da região amazônica no Brasil, apresenta o trabalho de produção artesanal de redes. No documentário Waban-aki: People from Where the Sun Rises (2007), a cineasta canadense Alanis Obomsawin constrói um retrato lírico de seu povo, os Abenaki, na luta contemporânea para manter vivas as práticas tradicionais de cestaria. Ainda que se considerem as diferenças de contexto de produção dos dois documentários, ambos exploram um tema em comum, o papel das atividades tradicionais no complexo processo de (re)construção de identidade cultural em virtude de adversidades históricas. As duas produções ilustram que o cinema indígena ultrapassa as fronteiras locais, incluindo-se em um movimento nas Américas e no mundo para a afirmação política e a renascença cultural indígena.

Palavras-chave
documentário; cinema indígena; Brasil; Canadá

Abstract

Based on a brief reflection on indigenous cinema, this article presents a comparative study between two productions, one Brazilian and the other Canadian. In the documentary Topawa (2020), a collective of Parakana filmmakers from the Amazon region in Brazil presents the process of production of traditional hammocks. In Waban-aki: People from Where the Sun Rises (2007), Canadian filmmaker Alanis Obomsawin presents a lyrical portrait of her people, the Abenaki, in the contemporary struggle to keep traditional basketry alive. Even considering the differences in the production context of the two documentaries, both explore a common theme, the role of traditional activities in the complex process of (re)construction of cultural identity in the face of historical adversities. The two productions also illustrate that indigenous cinema goes beyond local borders to encompass a wider movement in the Americas and the world for indigenous political affirmation and cultural renaissance.

Keywords
documentary; indigenous cinema; Brazil; Canada

Introdução

Com base em algumas reflexões gerais sobre o cinema indígena, este artigo faz uma leitura de dois documentários indígenas, um brasileiro e outro canadense. Com isso, sugere-se que, no amplo contexto de estudos sobre as relações entre as Américas, o cinema indígena é um potencial tema de aproximação. No documentário Topawa (2019)TOPAWA. Direção: Kamikia Kisedje & Simone Giovine. Produção: Associação Tato’a – Conselho Parakanã. Terra Indígena Apyterewa: 2019. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=mSA6R3OfQMQ>. Acesso em 20/11/2021.
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, um coletivo de cineastas Parakanã, da Terra Indígena Apyterewa, apresenta o trabalho de produção artesanal de redes. No documentário Waban-aki: People from Where the Sun Rises (2007)WABAN-AKI: People from where the sun rises. Direção: Alanis Obomsawin. Produção: National Film Board of Canada. Montreal: 2007. 1 DVD., a cineasta canadense Alanis Obomsawin constrói um retrato lírico do seu povo, os Abenaki, na luta contemporânea para manterem vivas práticas centenárias, entre elas as de cestaria1 1 De acordo com Waldman (2006), Waban-aki refere-se às tribos Algonquian que originalmente viviam às margens do Atlântico, tendo suas terras tradicionais onde hoje ficam terras do Canadá, bem como os estados do Maine, New Hampshire e Vermont nos Estados Unidos. Os Waban-aki compreendem diferentes povos, Penobscots, Micmac, Passamaquody e Abenaki. . Topawa e Waban-Aki ilustram a heterogeneidade do cinema indígena das Américas, que está obviamente relacionada às próprias definições do que é ser indígena2 2 Embora neste artigo seja adotado o termo ‘indígena’, reconhecem-se as controvérsias que essa e outras denominações (nativo, aborígene, Primeiras Nações, povos originários, entre outros termos) têm gerado ao serem utilizadas para se referir a habitantes originários dos territórios que sofreram o processo de colonização europeia, bem como aos seus descendentes. Dessa forma, a própria definição de cinema indígena se torna objeto de questionamentos. . Para conduzir a reflexão aqui proposta, a análise apoia-se em concepções teóricas que consideram a contínua transformação das sociedades em virtude das diversas interações entre os povos, incluindo as relações nos espaços de domínio colonial a que foram submetidos os povos originários e cujos reflexos ainda se fazem muito presentes na vida de seus descendentes.

Reconhece-se, também, que os dois documentários aqui examinados apresentam consideráveis diferenças, sendo, talvez, a mais óbvia delas o fato de seus produtores serem de países distintos entre si em termos geográficos e linguísticos. As duas produções também refletem as diferentes histórias de Brasil e Canadá, especialmente no que diz respeito às populações indígenas dos dois países. Infere-se, ainda, que há distinções entre os dois documentários em termos estéticos, levando-se em conta, inicialmente, suas extensões. Com pouco mais de 7 minutos de duração, Topawa é parte de uma trilogia, cujos demais documentários, Korawa (2019)KORAWA. Direção: Kamikia Kisedje & Simone Giovine. Produção: Associação Tato’a – Conselho Parakanã. Terra Indígena Apyterewa, 2019. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=ZmC5dV3t2TI> Acesso em 20/11/2021.
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e Moyra (2019)MOYRA. Direção: Kamikia Kisedje & Simone Giovine. Produção: Associação Tato’a – Conselho Parakanã. Terra Indígena Apyterewa, 2019. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=ZmC5dV3t2TI>. Acesso em 20/11/2021.
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, também são bastante curtos. Em Korawa, apresenta-se o trabalho com o cipó titica, bem como se aborda a relação entre o trabalho artesanal e as lutas pelo território ancestral. Moyra concentra-se no tema da apropriação de matéria-prima não indígena, as miçangas, para a produção artesanal Parakanã. Waban-Aki tem aproximadamente 104 minutos de duração em que Obomsawin e os participantes do documentário comentam sobre o difícil processo de identificação Abenaki na atualidade, ao mesmo tempo em que tecem suas histórias sobre produções artesanais, entre elas as cestarias. Assim, há que se considerar também que os conteúdos e estratégias discursivas dos dois documentários se distinguem entre si.

A despeito de suas diferenças, há um ponto significativo de aproximação entre essas produções. Ambas ilustram que o cinema indígena é um importante instrumento para rememorar práticas tradicionais que correm o risco de desaparecer. É também um meio de discussão sobre sentidos de pertencimento e identidade. Sobretudo, é uma expressão da resistência à longa história de representações indígenas por lentes não indígenas.

As lógicas de exclusão e apropriação

É sempre importante relembrar que as representações indígenas estão associadas a discursos e práticas que não dizem respeito somente ao campo estético, mas também apontam para interações com outras áreas de atividade. Examinando essas conexões com relação ao cinema, Ted Palys (2003)PALYS, Ted. Histories of convenience: images of Aboriginal Peoples in film, policyand research. In: NICHOLSON, Heather Norris (Ed.). Screening culture: Constructing image and identity. Lanham, Md., Lexington Books, 2003. propõe que, basicamente, duas são as lógicas a partir das quais os filmes mainstream têm construído imagens de povos indígenas. São elas as lógicas da exclusão e a da apropriação que refletem o intercâmbio entre os discursos fílmicos, científicos e políticos.

Enfocando a história de representação dos povos indígenas pelo cinema dominante, Palys (2003)PALYS, Ted. Histories of convenience: images of Aboriginal Peoples in film, policyand research. In: NICHOLSON, Heather Norris (Ed.). Screening culture: Constructing image and identity. Lanham, Md., Lexington Books, 2003. observa que pode ser dividida em quatro períodos distintos. O primeiro compreende o final do século XIX até em torno de 1925, em que ganham força as pressuposições de que indígenas tendiam ao desaparecimento em virtude de doenças e práticas de assimilação pelas sociedades dominantes. O período coincide com o crescimento da Antropologia como disciplina científica. Muitos antropólogos passam a ‘documentar’ em filme os mundos indígenas antes que eles viessem a ‘desaparecer’. Nessa época, Hollywood também constrói estereótipos que definirão o indígena por décadas, com ênfase nas populações das planícies americanas, especialmente os Sioux, vivendo em tendas e se ornamentando com cocares e roupas ‘tradicionais’. São também imagens de índios estoicos, a cavalo, confinados no período entre 1850-1890. O estereótipo mais relevante nesse período é o do selvagem nobre e suas representações em filmes como The Vanishing American, que consubstancia a mensagem de que “se acreditávamos que o desaparecimento dos povos indígenas era inevitável, então não havia razão em devotar energia para assegurar que isso não acontecesse, ou para incorporá-los em quaisquer planos futuros” (PALYS, 2003PALYS, Ted. Histories of convenience: images of Aboriginal Peoples in film, policyand research. In: NICHOLSON, Heather Norris (Ed.). Screening culture: Constructing image and identity. Lanham, Md., Lexington Books, 2003., p. 24, tradução minha3 3 “If we believed that the passage of the Indian was inevitable, then there was no reason to devote the energy to helping ensure they did not” (PALYS, 2003, p. 24). ).

No segundo período, em torno de 1920 a 1945, evidências demográficas desmentem o desaparecimento das populações indígenas que, apesar dos discursos e práticas de assimilação e extermínio, persistem. No entanto, como argumenta Palys, se a natureza não iria fazer o trabalho, o sistema se encarregaria disso, com políticas de criminalização de práticas culturais e a eliminação de direitos a terras. A indústria cinematográfica contribui para a articulação de uma perspectiva do colonizador, construindo diversos mitos, como o da homogeneidade cultural indígena; a bravura e a honra dos colonizadores; a noção de que todos os indígenas norte-americanos eram povos conquistados (PALYS, 2003PALYS, Ted. Histories of convenience: images of Aboriginal Peoples in film, policyand research. In: NICHOLSON, Heather Norris (Ed.). Screening culture: Constructing image and identity. Lanham, Md., Lexington Books, 2003., p. 25).

O terceiro período de representações indígenas pelo cinema dominante se estende de aproximadamente 1945 a 1970, quando ocorre alguma mudança de perspectiva, mas “raramente nas direções que os povos aborígenes prefeririam”. A situação econômica e social desfavorecida das populações indígenas gera algumas preocupações e o cinema parece lhes atribuir imagens um pouco mais simpáticas. Ainda assim, vestígios de discursos hegemônicos estavam muito presentes nesses filmes mais revisionistas, incluindo os estereótipos de ‘indigeneidade’ como uma ‘relíquia’ do passado (PALYS, 2003PALYS, Ted. Histories of convenience: images of Aboriginal Peoples in film, policyand research. In: NICHOLSON, Heather Norris (Ed.). Screening culture: Constructing image and identity. Lanham, Md., Lexington Books, 2003., p. 26).

O quarto período, que tem início por volta de 1965 e prossegue até o presente, testemunha um maior engajamento indígena no campo político, com representações em movimentos e organismos que transcendem esferas nacionais, tais como, as Nações Unidas. Dessa forma, com vistas a apresentar perspectivas ‘mais indígenas’, as representações fílmicas dominantes passam, nesse período, a incluir mais temas, autores e atores indígenas. É o período de filmes como Dances with Wolves (1990)DANCES with Wolves. Direção: Kevin Costner. Produção: Lee Loesch. EUA: Orion Pictures. 1990. 1DVD. que, embora introduzam algum avanço nas representações indígenas, ainda assim “não vão além do homem branco como estrela” (PALYS, 2003PALYS, Ted. Histories of convenience: images of Aboriginal Peoples in film, policyand research. In: NICHOLSON, Heather Norris (Ed.). Screening culture: Constructing image and identity. Lanham, Md., Lexington Books, 2003., p. 29, tradução minha 4 4 “Do not go beyond the white-man-as-star” (PALYS, 2003, p. 29). ).

Como se observa acima, a partir do final do século XIX instala-se uma lógica de exclusão, já que era tido como inevitável o desaparecimento das populações indígenas. Para Palys, essa lógica predomina ao longo da metade do século XX. Mas, a partir dos anos 1960, significativas mudanças nos campos político e cultural ocorrem em diversos locais do mundo, compreendendo questionamentos sobre identidade nacional e o papel das ‘minorias’, como as mulheres, e os imigrantes, a classe trabalhadora, os negros e indígenas no processo de formação dos estados nacionais. Para muitos, o estereótipo do indígena como um ser confinado na natureza e na espiritualidade torna-se um modelo perfeito para o escape do materialismo e das incertezas que emergem nesse período. É o padrão ideal para uma época que inclui eventos como a Guerra do Vietnam e os protestos contra ela, bem como os movimentos Hippie e New Age e as preocupações com a ecologia. Essa lógica de apropriação reflete-se em representações fílmicas, especialmente as produzidas por Hollywood a partir da década de 1960 até os anos 1990 (PALYS, 2003PALYS, Ted. Histories of convenience: images of Aboriginal Peoples in film, policyand research. In: NICHOLSON, Heather Norris (Ed.). Screening culture: Constructing image and identity. Lanham, Md., Lexington Books, 2003., p. 29).

Ao se refletir sobre as lógicas de exclusão e apropriação, observa-se que elas também enfatizam a não neutralidade do cinema no processo de circulação de discursos. Isso se amplia devido à indexicalidade das imagens fílmicas, que resulta, muitas vezes, na impressão de que filmes possibilitam o acesso à ‘realidade’ sem qualquer tipo de mediação. Nesse sentido, filmes criam “uma imagem da sociedade imediatamente legível para todas as classes” (RANCIÈRE, 1977, p. 26-31 apud BURGOYNE, 2002BURGOYNE, Robert. A nação do filme. Tradução de René Loncan. Brasília: Editora da UnB, 2002., p. 12). Por conseguinte, o importante não é se discutir a acurácia das representações indígenas, ou seja, a relevância não está em questionar se indígenas devem ou não ser representados com penas e cocares. O ponto chave é refletir sobre os desdobramentos dessas imagens conflitantes, extremamente prejudiciais aos indivíduos e populações indígenas. Sobre essa questão, Jean Paul Restoule, estudioso Anishinabe canadense, afirma:

Povos nativos vendo a si próprios sendo retratados como preguiçosos ou estúpidos podem se tornar ressentidos ou hostis contra os produtores dessas imagens. Alguns nativos perdem sua autoestima sabendo que há outros que acreditam que essas imagens são verdadeiras

(RESTOULE, 1997RESTOULE, Jean Paul. How Indians are ‘read’: the representations of aboriginality in films by Native and Non-Native directors. 1997. Master Thesis (Master of Arts) – Department of Communication Studies, University of Windsor, Windsor. 1997., p. 3, tradução minha5 5 “Native people seeing themselves depicted as lazy or stupid may become resentful or hostile toward the people of the culture producing such images. Some Native people lose self-esteem knowing that there are others who believe these images to be true” (RESTOULE, 1997, p. 3). ).

Neil Diamond, cineasta canadense de origem Cree, também problematiza as imagens construídas pelos cinemas dominantes. No documentário Reel Injun (2009)REEL Injun. Direção: Neil Diamond. Produção: Rezolution Pictures. Outremont: 2009. 1 DVD., ele empreende uma jornada de sua terra natal, no Norte do Canadá, até Hollywood. No caminho, visita locais significativos e entrevista diversas personalidades indígenas. O cineasta também dá um tom bastante pessoal ao documentário, como ilustram as cenas iniciais da produção, em que ele se recorda de sua infância na reserva indígena. Diamond é dramatizado por um ator mirim. Confinado com outras crianças no espaço escuro do cinema improvisado em uma igreja local, o pequeno Diamond contempla uma cena clássica de um filme de faroeste. Em seus cavalos, cowboys e índios batalham em um cenário típico do gênero, uma planície. Enquanto a cena se desenrola, o cineasta comenta em voz over.

Sendo um Cree do subártico, não podia acreditar o quão ingênuos eles (sulistas) eram, até que percebi que suas ideias sobre os nativos vinham principalmente dos filmes que assistiam de índios a cavalo, que viviam em tendas, nas planícies. Então entendi: pois houve um tempo, quando menino, em que eu pensava que era assim que meus ancestrais tinham vivido também

(REEL, 2009, tradução minha6 6 “Being a subarctic Cree, I couldn't believe how naive they (southerners) were, until I realized that their ideas about natives mostly came from the movies they watched of Indians on horseback, who lived in tents, on the plains. Then I understood: for there was a time, as a boy, when I thought this was how my ancestors had lived too” (REEL, 2009). ).

O filme de faroeste expõe a criança a um discurso de homogeneização cultural. Para ela, as imagens retratam a ‘realidade’ de seus ancestrais. Significativamente, é uma cena de batalha, sugestiva da lógica da exclusão, segundo a qual é preciso combater o selvagem, fazê-lo ‘desaparecer’. Atento ao embate que se desenrola à sua frente, o menino Diamond é levado a um posicionamento, do qual ele somente terá consciência a posteriori, conforme se observa nas afirmações do cineasta: “crescendo entre índios e cowboys, torcíamos pelos cowboys, sem se dar conta de que nós éramos os índios” (REEL, 2009, tradução minha7 7 “Raised between Indians and cowboys . . . we cheered for the cowboys never realizing ...we were the Indians” (REEL, 2009). ). Os ângulos e o posicionamento da câmera ressaltam a atenção e comoção da criança diante das representações fílmicas. Um plano muito aproximado nos olhos do menino corrobora a narração de Diamond. Seu documentário busca, então, traçar a história dessas representações, mas também demonstrar que a câmera pode ser um instrumento poderoso em mãos indígenas.

O renascimento cultural indígena e o cinema

Historicamente, povos indígenas em todo o mundo têm sido impedidos de exercer o direito de se desenvolverem de acordo com suas próprias necessidades, interesses e crenças, sendo sub-representados, deturpados ou absolutamente não representados pelas produções científicas e culturais dominantes. Porém, “não se deve seguir a mídia, detendo-se somente nas chamadas patologias sociais, mas sim lembrar-se das conquistas” (KULCHYSKI; MCCASKILL; NEWHOUSE, 1999KULCHYSKI, Peter; MCCASKILL, Don; NEWHOUSE, David. In the words of elders: Aboriginal cultures in transition. Toronto: University of Toronto Press, 1999., p. xxiv, tradução minha8 8 “Not to follow the media and dwell on so-called social pathologies, but to remind ourselves of the accomplishments” (KULCHYSKI; MCCASKILL; NEWHOUSE, 1999, p. xxiv). ). Nas últimas décadas, esses povos têm se organizado local, regional, nacional e transnacionalmente para a afirmação política. O movimento dos povos indígenas, denominado “indigenismo”, tem um alcance global e isto o leva a ser comparado aos movimentos nacionalistas que, ao longo de aproximadamente dois séculos, disseminaram-se pelo mundo (NIEZEN, 2000NIEZEN, Ronald. Recognizing Indigenism: Canadian Unity and the International Movement of Indigenous Peoples. Comparative Studies in Society and History, v. 42, n. 1, p. 119-148, 2000., p. 119, tradução minha9 9 “Indigenism” (NIEZEN, 2000, p. 119). ).

Compreende-se aqui que o nacionalismo é “um movimento ideológico para a obtenção e manutenção de autonomia, unidade e identidade em nome de uma população considerada por alguns de seus membros como uma nação ou ‘nação’ em potencial” (SMITH, 1991SMITH, Anthony D. National identity. Reno: University of Nevada Press, 1991., p. 73, ênfase do autor, tradução minha10 10 “(…) is an ideological movement for attaining and maintaining autonomy, unity and identity on behalf of a population deemed by some of its members to constitute an actual nation or potential ‘nation’” (SMITH, 1991, p. 73). ). Nesse sentido, o nacionalismo é também uma linguagem que evoca símbolos que se “relacionam a três principais referentes: território, história e comunidade” (SMITH, 1991SMITH, Anthony D. National identity. Reno: University of Nevada Press, 1991., p. 78, tradução minha11 11 “They relate to three main referents: territory, history and community” (SMITH, 1991, p. 78). ). Adicionalmente, a doutrina nacionalista pressupõe que para que sejam livres e conscientes de seu lugar no mundo, os indivíduos devem possuir uma identidade nacional, isto é, devem se identificar com uma nação. Ainda que o conceito de nação seja objeto de constantes debates, para os propósitos deste artigo ela se define como uma “comunidade politicamente imaginada” em que os indivíduos ‘supõem’ compartilhar diversos elementos, entre eles território, cultura, língua, história e tradições (ANDERSON, 1991ANDERSON, Benedict. Imagined communities: Reflections on the origin and spread of nationalism. Londres: Verso, 1991., p. 6, tradução minha.12 12 “(…) imagined political community (…)” (ANDERSON, 1991, p.6) ). Outro conceito que permeia as discussões sobre nação é o de estado que, conforme, propõe Smith “refere-se exclusivamente a instituições públicas, diferenciadas e autônomas de outras instituições sociais e que exercita um monopólio de coerção e extração em um dado território” (1991, p. 1413 13 “The latter refers exclusively to public institutions, differentiated from, and autonomous of, other social institutions and exercising a monopoly of coercion and extraction within a given territory” (SMITH, 1991, p.14) ).

Isto posto, observa-se que “as origens do indigenismo são muito mais claras do que o foi a coalescência do nacionalismo durante a expansão dos Estados europeus nos séculos XVIII e XIX, os efeitos contagiosos da decolonização” as disputas de etnonacionalismos rivais” (NIEZEN, 2000NIEZEN, Ronald. Recognizing Indigenism: Canadian Unity and the International Movement of Indigenous Peoples. Comparative Studies in Society and History, v. 42, n. 1, p. 119-148, 2000., p. 120, tradução minha14 14 “The origins of indigenism, however are much more clear than were the coalescing of nationalism in the eighteenth and nineteenth century expansion of European states, the contagion effects of decolonization, and the contests of rival ethnonationalisms” (NIEZEN, 2000, p. 120). ). Povos indígenas têm em comum as experiências de genocídios, assentamentos e realocações territoriais forçadas, marginalidade e diversas tentativas formais de destruição cultural. Sobretudo, na atualidade, muitas populações indígenas enfrentam os “impactos negativos da extração de recursos e da modernização econômica” perpetrados pelos estados nacionais (NIEZEN, 2000NIEZEN, Ronald. Recognizing Indigenism: Canadian Unity and the International Movement of Indigenous Peoples. Comparative Studies in Society and History, v. 42, n. 1, p. 119-148, 2000., p. 121, tradução minha15 15 “Negative impacts of resource extraction and economic modernization” (NIEZEN, 2000, p. 121). ). Dessa forma, os movimentos indígenas ressaltam a ausência de congruência entre nação e estado, os quais, por sua vez, pressupõem sentidos de estabilidade, unidade e centralidade. Essa incongruência é “uma das principais, senão a principal contradição histórica, filosófica e política para a consolidação ideológica e material da unidade identitária de um povo a ser confundido com o Estado-nação que o envolve” (NUNES; SILVA; SILVA, 2014NUNES, Karliane Macedo; SILVA, Renato Izidoro; SILVA, José de Oliveira dos Santos. Cinema indígena: de objeto a sujeito da produção cinematográfica no Brasil. Polis, v. 13, n. 38, p. 173-204, 2014. DOI: http://dx.doi.org/10.4067/S0718-65682014000200009.
https://doi.org/10.4067/S0718-6568201400...
, p. 38).

Conflitos certamente permeiam relações entre indígenas e estados-nações e maior atenção pública, geralmente, é concedida a insurreições que geram maior violência. No entanto, uma das estratégias do movimento indígena tem sido “levar reivindicações a fóruns internacionais, aspirando envolver-se o máximo possível na política internacional”(NIEZEN, 2000NIEZEN, Ronald. Recognizing Indigenism: Canadian Unity and the International Movement of Indigenous Peoples. Comparative Studies in Society and History, v. 42, n. 1, p. 119-148, 2000., p. 121, tradução minha16 16 “Indigenous representatives are taking complaints to international forums, striving to be involved at the highest level possible in international politics” (NIEZEN, 2000, p. 121). ). Como resultado da organização indígena no campo político, as Nações Unidas promulgaram em 2007 a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, estabelecida após mais de duas décadas de negociação entre representantes indígenas e estados-nações. A declaração é um instrumento que estabelece diretrizes para projetos de lei e políticas públicas voltadas às populações indígenas. É também um documento importante para conscientizar a sociedade civil sobre os povos indígenas e seus direitos, combatendo, assim, o racismo e a violência contra as populações originárias. Um dos pontos relevantes da declaração é o seu enfoque no tema da cultura, já que em dezessete de seus quarenta e seis artigos, ela se refere diretamente a esse aspecto fundamental das lutas indígenas.

Quando se observa o contexto de afirmação política, testemunham-se também os movimentos de renascença cultural indígena. Nesse processo, o cinema torna-se um campo muito fértil. Em todo o mundo, cineastas indígenas têm se engajado na produção de seus próprios audiovisuais como um potencial instrumento para asserção política e cultural. Considerando-se que os dois documentários analisados foram produzidos no contexto das Américas, corrobora-se aqui Yanet Viruez Aguilera, que propõe que “uma das lutas principais de toda a arte/cinema indígena sem exceção [é] criar imagens e narrativas contra hegemônicas, que se oponham ou desviem daquelas que buscavam a identificação nacional, tão nefasta para os povos ameríndios” (AGUILERA, 2019AGUILERA, Yanet Viruez. Como pensar o cinema indígena? A paisagem, uma categoria de pensamento. Arte & Ensaios. n. 38, p. 97-105, 2019. DOI: https://doi.org/10.37235/ae.n38.22322
https://doi.org/10.37235/ae.n38.22322...
, p. 98).

Sob essa perspectiva, o cinema indígena demarca seu território. Cineastas, atores, roteiristas, diretores de fotografia indígenas passam a narrar, sob suas perspectivas, as histórias indígenas. Na América do Norte emergem nomes como Alanis Obomsawin, Loretta Todd, Chris Eyre, Gil Cardinal, Zacharias Kunuk, entre outros. Nas Américas Central e do Sul despontam nomes como Ivan Molina Velasquez, originário da nação quéchua, Takumã Kuikuro da aldeia indígena Kuikuro, Alberto Alvares Tuparay, cineasta guarani, David Hernández Palmar, do povo Wayuu, da Venezuela, e Ingrid Eunice Fábian, Zapoteca, do México. Nota-se também que uma vasta produção ocorre por meio de coletivos indígenas. Dessa forma, destacam-se no Brasil as iniciativas do projeto Vídeo nas Aldeias, o qual será abordado mais adiante neste artigo. No contexto da América do Norte, um dos coletivos mais prolíficos é a Igloolik Isuma, uma plataforma multimídia para cineastas e organizações indígenas que, em 2000, produziu Atanarjuat: The fast runner.ATANARJUAT: the fast runner. Direção: Zacharias Kunuk. Produção: Igloolik Isuma Films. Canadá: 2000. 1DVD.

Adaptando para o cinema uma lenda milenar da tradição oral inuíte, Atanarjuat foi todo produzido em Inuktitut, língua oficial do território de Nunavut, no Ártico canadense. Quase toda a equipe do filme é formada por inuítes. Notadamente, a produção da Isuma é o primeiro longa-metragem canadense a obter uma Palma de Ouro em Cannes, ilustrando que, embora em geral filmes indígenas objetivem discutir questões de suas comunidades locais e para um público local, muitos deles têm ultrapassado fronteiras, articulando-se transnacionalmente e se inserindo em outros espaços indígenas e não indígenas. Os dois objetos de pesquisa deste artigo também exemplificam essa transposição de fronteiras. Topawa tem participado de eventos e premiações, com a Mostra Ecofalante e o Itaú Cultural. Em outubro de 2021, o curta-metragem indígena brasileiro foi exibido no Indigenous Film Festival em Londres. Waban-Aki integra a obra da renomada cineasta Alanis Obonsawin que, desde o final da década de 1960, atua na National Film Board no Canadá, onde foi um dos membros da diretoria do Studio One, direcionado para produções indígenas. A extensa produção fílmica de Obomsawin também tem tido notoriedade tanto em seu país quanto no exterior. Além das inúmeras participações em eventos como o Toronto Film Festival e o ImagineNATIVE, ambos no Canadá, o conjunto da obra da cineasta canadense já recebeu uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna de Nova York.

Considerando-se que as duas produções são do gênero documentário, com vistas à análise e à interpretação aqui proposta, entende-se que “a definição de ‘documentário’’ é sempre relativa ou comparativa” (NICHOLS, 2001NICHOLS, Bill. 2001. Introduction to Documentary. Bloomington: Indiana University Press, 2001. p. 20, ênfase do autor, tradução minha17 17 “The definition of ‘documentary’ is always relational or comparative” (NICHOLS, 2001, p. 21). ). Isto posto, observa-se que esse gênero é frequentemente relacionado à apresentação da ‘realidade objetiva’, em oposição, por exemplo, aos gêneros ficcionais. Nesse sentido, muitos associam o documentário às pressuposições de ‘autenticidade’ e ‘fidelidade’ ao mundo ‘real’. No entanto, refletir sobre o ‘real’ é compreendê-lo como algo construído e filtrado em processos de representação. Desse modo, corrobora-se a proposição de Nichols (2001)NICHOLS, Bill. 2001. Introduction to Documentary. Bloomington: Indiana University Press, 2001. de que se deve pensar o documentário a partir de diferentes perspectivas de instituições, profissionais, os próprios filmes e o público. Com base nessa visão teórica, também o cinema indígena é um processo de construção, sobre o qual são elucidativas as colocações de Alberto Álvares, cineasta brasileiro do povo Guarani:

O cinema Guarani é uma ferramenta importante para as comunidades contra a expulsão e exploração de terra, na luta pelo direito, reconhecimento e valorização do nosso modo de viver. A mídia, na maioria das vezes, nos projeta de forma estereotipada e romantizada. Porém, quando invertemos o ponto de vista da câmera e produzimos nosso próprio registro, transmitimos ao mundo nosso olhar. Deixamos de ser ‘caça’, e nos tornamos caçadores

(ÁLVARES, 2018ÁLVARES, Alberto. Da aldeia ao cinema: o encontro da imagem com a história. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Formação Intercultural para Educadores Indígenas, Licenciado com ênfase em Matemática) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2018., p. 7).

A metáfora proposta por Álvares (2018)ÁLVARES, Alberto. Da aldeia ao cinema: o encontro da imagem com a história. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Formação Intercultural para Educadores Indígenas, Licenciado com ênfase em Matemática) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2018. é sugestiva de que, nas mãos indígenas, a câmera torna-se uma arma poderosa. Com ela, são os olhares indígenas que constroem as interpretações sobre suas vidas e experiências. As palavras do cineasta Guarani corroboram as afirmações aqui propostas de que o cinema indígena expressa a confluência entre os discursos e as ações nos campos político e cultural. Desse modo, essas produções fílmicas são “formações discursivas” e “geralmente estão associadas à criação de argumentos para mudança social, criação de identidades coletivas, e registro das mudanças de identidade com base nas realidades contemporâneas” (LEUTHOLD, 2001LEUTHOLD, Steven. Rhetorical Dimensions of Native-American Documentary. Wicazo Sa Review, v. 16, n. 2, p. 55-73, 2001., p. 58, tradução minha18 18 “Often associated with the creation of arguments for social change; creation of collective identities; and recording of changes in identity based upon contemporary realities” (LEUTHOLD, 2001, p. 58). ). Assim, filmes indígenas são estratégicos, pois:

Simultaneamente alteram a paisagem visual das mídias dominantes, apresentando nas telas as faces, histórias e experiências indígenas e desenvolvem um papel social crucial fora das telas ao promoverem uma prática por meio da qual novas formas de solidariedade, identidade e comunidade indígena são criadas

(DOWELL, 2006DOWELL, Kristin. Indigenous Media Gone Global: Strengthening Indigenous Identity On- and Offscreen at the First Nations/First Features Film Showcase. American Anthropologist, v. 108, n. 02, p. 376-384, 2006., p. 376, tradução minha19 19 “Simultaneously alters the visual landscape of mainstream media by representing indigenous faces, histories, and experiences onscreen, while serving a crucial social role offscreen to provide a practice through which new forms of solidarity, identity and community are created” (DOWELL, 2006, p. 376). ).

Nesse sentido, as produções desse cinema também se constituem a partir de determinadas perspectivas e são, portanto, altamente mediadas. Como tal, devem ser pensados não como um acesso, mas como uma ‘interpretação’ da ‘realidade’ indígena. Porém, compreendendo-se a metáfora de Álvares (2018)ÁLVARES, Alberto. Da aldeia ao cinema: o encontro da imagem com a história. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Formação Intercultural para Educadores Indígenas, Licenciado com ênfase em Matemática) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2018. em sentido mais amplo, ela alude ao cinema indígena como um espaço de luta e resistência. Como ferramenta retórica, filmes são conscientemente utilizados, com o propósito de responder à longa história de participação restrita dos povos indígenas na produção e na circulação de suas próprias imagens. Desse modo, o cinema, como parte da renascença cultural indígena, é um importante instrumento de (re)significação de sentidos tanto para indígenas quanto para não indígenas.

Tecendo culturas 1: Topawa

O cinema indígena no Brasil remonta à década de 1980, com os Membengokre – Kayapo estando entre os indígenas pioneiros no mundo a tomarem a câmera e se autorrepresentarem. Destaca-se também nesse período o trabalho do antropólogo e indigenista Vincent Carelli que funda o projeto Vídeo nas Aldeias. Conquanto inicialmente focado na produção de filmes baseada nas demandas das comunidades indígenas, em 1997 o projeto torna-se uma escola de cineastas, organizando oficinas de realização e montagem em todo o Brasil. Atualmente, o cinema indígena no Brasil tem se ampliado de tal forma que há diversos grupos indígenas produzindo filmes (SILVA, 2020SILVA, Breno Neves. O corpo e câmera como forma de resistência na produção audiovisual indígena brasileira. Brazilian Journal of Development. Curitiba, v. 6, n.9, p. 68947- 68958, set. 2020.). Entre eles, está o coletivo de cineastas Parakanã da Terra Indígena Apyterewa20 20 De acordo com a página Povos Indígenas do Brasil, os Parakanã estão divididos em dois grupos, um deles que habita a Bacia do Tocantins e outro a Bacia do Xingu. Falam uma língua tupi-guarani. Os Parakanã habitantes do Xingu, que vivem na Terra Indígena Apyterewa têm uma história relativamente recente de contato com não indígenas, que ocorreu em meados da década de 1970. Conforme os créditos finais de Topawa, os seus produtores são da Terra Indígena Apyterewa (POVOS INDÍGENAS DO BRASIL, 2022). , produtores do documentário Topawa.

Topawa integra uma trilogia de documentários curtos, apoiados pela Tato’a Associação Parakanã; pela Tucum: Arte Indígena do Brasil e pela organização não governamental The Nature Conservancy. Com roteiro, direção e fotografia de Kamikia Kisedje e Simone Giovine, o documentário é parte de um projeto que registra e divulga os artesanatos Parakanã, entre eles a topawa, rede confeccionada a partir da fibra da palmeira tucum. Os atores sociais, indígenas Parakanã, apresentam o processo de tecelagem da rede ao mesmo tempo em que narram suas histórias sobre os primeiros contatos com não indígenas. Legendas em português e inglês são disponibilizadas, uma vez que o documentário é todo na língua dos Parakanã que pertence ao tronco linguístico das línguas tupi- guarani.

Para efeitos desta análise, divide-se a produção Parakanã em três partes. A primeira, a que se pode chamar de exposição, inicialmente enfoca um dos atores sociais que conduzirão a narrativa. Trata-se de uma anciã que introduz o tema da tecelagem da topawa. Outro dos atores sociais é um ancião que comenta sobre a rede tradicional. Na exposição, também tem início o relato sobre os primeiros encontros com o homem branco, tema que se amplia na segunda parte do documentário, em que se apresenta o processo de criação das redes, desde a obtenção da matéria-prima até a tecelagem propriamente dita. Como se observará no decorrer da análise, a terceira parte, muito breve, fecha o documentário de forma bastante sugestiva, possivelmente como uma perspectiva de continuidade dos povos Parakanã e da prática tradicional da tecelagem da topawa.

A primeira tomada do documentário apresenta um cenário externo. Tendo ao fundo uma habitação de madeira com telhado de palha, a tela exibe em primeiro plano a anciã que, sentada, enrola sobre suas coxas as fibras que se transformarão nos novelos de tucum. Ela explica que são necessários dois desses novelos para a confecção de uma rede. Após um corte, a câmera enquadra, de um plano médio, os demais elementos do cenário. Sentadas sob cascos de tartaruga, jovens mulheres, algumas com crianças de colo, observam a senhora que, enquanto lida com a matéria-prima para a rede, canta em língua indígena. Outras crianças brincam ao redor e as mulheres prestam atenção à história que começa a ser narrada e que é deste modo legendada: “- É assim que nós fazíamos nossas redes, antigamente não tinha a rede dos brancos”.

Instantes após, o cenário se alterna para o interior de uma habitação, onde outra mulher e alguns jovens estão sentados em redes. Ela tem nas mãos uma folha de palmeira. Todos estão atentos à fala de um ancião, que afirma: “Minha mulher é que faz redes para mim”. E ele prossegue: “Quando eu era jovem, eu só me deitava em rede de tucum”. Na continuidade, o ancião explica a seus ouvintes que, quando crescido, passou a “ir atrás das coisas dos brancos como as redes e outras coisas”. Enquanto ainda se ouve sua voz, um plano aéreo apresenta imagens da floresta, do rio que a entrecorta e de um pequeno barco a motor a navegar.

Em voz over, o ancião prossegue a narrativa, comentando que são as mulheres que saem em busca do tucum para tecer a rede. De um plano mais aproximado e em ângulo frontal, a câmera concentra-se em um grupo de jovens mulheres, sentadas na proa da embarcação. Novo corte e, enquanto a voz da anciã narra a história sobre o primeiro encontro de seu povo com o homem branco, a tela exibe as mulheres e as crianças que percorrem trilhas na floresta, na busca e colheita das folhas de tucum. Ainda se vê a imagem do grupo na floresta, quando a voz da anciã discorre sobre as incertezas do primeiro contato, que ocorreu durante uma colheita na floresta. Comenta sobre o ímpeto inicial de fugirem dos desconhecidos e fala sobre os facões e redes deles recebidos de presente. Também relata sobre a decisão de seguirem com os brancos, por acreditarem que eram de paz.

O barco motorizado retorna com as mulheres e crianças à aldeia. No casco da embarcação observa-se uma logomarca do Fundo Amazônia. Ainda se ouve a voz da anciã a ressaltar o difícil preparo do tucum, enquanto a tela exibe a imagem de uma adolescente, vista de um plano médio. A jovem estende as fibras da folha da palmeira em um varal para a secagem. Em outro plano, uma mulher, sentada em uma rede não indígena, produz os fios de tucum. Novo corte e, de um ângulo frontal, a câmera focaliza duas mulheres, mãe e filha, sentadas. Ao fundo há um grande tear. Elas se recordam de uma canção indígena antiga, para a qual não são disponibilizadas legendas. De um plano mais aproximado, a câmera enquadra a mãe que, enquanto canta, anda ao redor do tear, movimentando o novelo para tecer a primeira parte da rede, sua estrutura. A seguir, por um plano muito aproximado nas mãos da senhora, apresenta-se a outra parte do processo, a tecelagem propriamente dita.

Após um corte, o documentário se encaminha para seu fechamento. A sequência final apresenta uma adolescente, focalizada de um plano médio. Ela está deitada em uma rede de tucum e embala-se com um bebê em seu colo. Enquanto suas mãos acariciam a criança, a jovem olha em direção à câmera. Após essa cena, são apresentados os créditos finais do documentário, entre eles a FUNAI, o Fundo Amazônia, o BNDES e o Ministério do Meio Ambiente.

Da breve descrição acima, observam-se algumas escolhas significativas por parte dos cineastas, como, por exemplo, o uso de um formato de documentário em que não parece haver a interferência direta de um entrevistador. Uma das possíveis implicações dessa abordagem é que evidencia a voz dos atores sociais, os anciões que expõem as suas narrativas aparentemente de forma livre. Nesse sentido, seus papéis como contadores de história parecem se sobressair. Assim, a perspectiva do documentário é sugestiva das tradições de storytelling, ou seja, de um ato de narrar histórias oralmente, uma das características marcantes de muitas culturas indígenas, significativa especialmente como “um processo de recuperar as histórias, possuir a história, em vez de ser definido ou historicizado por outros. Colonizadores historicamente têm contado e moldado as histórias dos povos indígenas” (CHAN, 2021CHAN, Adrienne. Storytelling, culture, and indigenous methodology. In: BAINBRIDGE, Alan; FORMENTI, Laura; WEST, Linden (Eds.). Discourses, dialogue, and diversity in biographical research: An Ecology of Life and Learning. Leiden: BRILL, 2021. p. 170-185. DOI: https://doi.org/10.1163/9789004465916_012
https://doi.org/10.1163/9789004465916_01...
, p. 171, tradução minha21 21 “Process of reclaiming the story, to own the story, rather than be defined or storied by others. Colonisers have historically told and shaped the stories of Indigenous peoples” (CHAN, 2021, p. 171). ). Ao recuperar suas narrativas, os anciões Parakanã também articulam a interação entre as gerações.

Desde suas sequências iniciais, Topawa expõe enfaticamente essa interação. Crianças acompanham as mães que ouvem os mais velhos. Crianças estão presentes também quando as mulheres saem em busca do tucum. Mãe e filha relembram a canção tradicional e com ela a figura do avô que a cantava. Na cena final, a câmera apresenta uma carinhosa interação entre a mãe que afaga o filho. Assim, o documentário parece corroborar um sentido de pertencimento à comunidade fortemente baseado no cultivo das relações entre as diferentes gerações. Sob essa perspectiva, a tecelagem da rede de tucum é muito significativa, pois ela possibilita o fortalecimento de laços e a comunhão entre os indivíduos. Em torno dela se transmitem os conhecimentos sobre a prática da tecelagem. Desse modo, a produção de um filme sobre o processo de confecção da topawa potencialmente contribui para a sobrevivência do artesanato tradicional.

No entanto, ao mesmo tempo em que o documentário ressalta a sabedoria e o conhecimento ancestral, bem como a importância de se manter vivas as práticas tradicionais de narrar histórias e tecer redes, certos elementos visuais indicam que não se trata de uma visão centrada em um passado intocado. Alguns dos atores sociais estão em redes de tucum, enquanto outros, em redes não indígenas. As habitações mesclam aspectos indígenas e não indígenas. Na floresta, as mulheres utilizam facões de metal com o quais extraem as folhas da palmeira. O meio de transporte por elas utilizado é um barco motorizado que navega em alta velocidade pelo rio e assinala que a vida tradicional está em interação com os avanços tecnológicos.

Similarmente, o cinema indígena também está sujeito às questões que envolvem a realização e a distribuição de filmes, como os patrocínios e financiamentos que são sugeridos diegeticamente pela logomarca do Fundo Amazônia na embarcação e que se confirmam nos créditos finais do documentário. Observa-se ainda que Topawa é um trabalho colaborativo entre Kamikia, jovem cineasta do povo Kinsedje, formado pelo projeto Vídeo nas Aldeias, e Simone Giovini, que é um diretor e fotógrafo de origem italiana. Desse modo, a escolha por apresentar diversos elementos culturalmente híbridos ressalta a visão de que os povos indígenas não estão confinados em um tempo e espaço intocados, mas que suas culturas estão em constante transformação, na medida em que ocorrem os encontros e desencontros entre os povos. Nesse sentido, o documentário Parakanã propõe que a preservação das culturas ancestrais não prescinde das ferramentas não indígenas, incluindo o cinema.

Ao se pesquisar sobre as motivações para a produção do documentário Topawa, uma das constatações é de que ele é parte de um projeto maior desenvolvido pela Tucum que, entre seus objetivos visa a disseminar o conhecimento sobre as atividades tradicionais, bem como promover o artesanato indígena. Pode-se, então, considerar Topawa nos termos propostos por Leuthold (2001)LEUTHOLD, Steven. Rhetorical Dimensions of Native-American Documentary. Wicazo Sa Review, v. 16, n. 2, p. 55-73, 2001. como uma ferramenta discursiva e que se transforma numa ação prática, o que enfatiza não haver uma distinção entre o artístico e o político.

Ao assistir à produção Parakanã, é possível inferir que o sentido de pertencimento ao povo é um processo em construção, que, como as redes de tucum, está sempre em ‘tecitura’. Além disso, Topawa também é sugestivo de que o pertencimento implica em outros tipos de ‘tecitura’, como a própria relação com a terra, os rios, as florestas pelas quais circulam os atores sociais do documentário. Em tempos em que, no Brasil particularmente, as ameaças aos povos, terras e culturas indígenas são intensas, os produtores Parakanã buscam enaltecer o artesanato tradicional e, assim, por meio de sua produção audiovisual, (re)significam os sentidos dessas práticas para seu próprio povo e para não indígenas.

Considerando-se a função social de Topawa, é relevante observar seu contexto de produção, a Terra Indígena Apyterewa, considerada território tradicional dos Parakanã e que está localizada em área de influência da Usina Hidrelétrica de Belo Monte na Bacia do Xingu. De acordo com o Instituto Socioambiental, a TI Apyterewa está no topo das listas de áreas mais desmatadas na Amazônia Legal, tanto por estar localizada em uma fronteira agrícola e pecuária, quanto por ser alvo da mineração ilegal.

A TI Apyterewa (PA), campeã de destruição, teve mais de 6,7 mil hectares desmatados, 7% a mais que em 2020. Um dos motores desse desmatamento é o forte esquema de grilagem instalado na região, onde os invasores ganham espaço na TI em lotes vendidos, leiloados, ou até mesmo doados de forma irregular por redes criminosas

(INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2021INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Disponível em: https://www.socioambiental.org/. Acesso em 16 maio 2022.
https://www.socioambiental.org/...
).

Portanto, como ferramenta retórica, a prática do documentário condiz com as perspectivas de seus produtores, para os quais o centro das preocupações são a terra e seus recursos naturais. Em 2018, em um depoimento no evento Mekukradjá - círculo de saberes (2018)MEKUKRADJÁ - círculo de saberes. Produção: Ana Paula Fiorotto, Letícia Santos e Vitória Mantovani. Entrevistado: Kamikia Kisedje. Gravação de Raquel Vieira. [S. l.]: ITAÚ CULTURAL, 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qD01uGlXqAw>. Acesso em: 15 jan. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=qD01uGlX...
, o cineasta Kamikia Kisedje ressaltou que a sua prática cinematográfica é um meio de registrar tanto o seu povo, quanto outros povos indígenas e, assim, “auxiliá-los também na reconquista de suas terras”. Na fala de Kisedje observa-se que sua prática de filme visa apresentar as populações indígenas como social e politicamente significativas. O cinema é, dessa forma, não somente uma prática criativa, mas um instrumento político na luta contra os sistemas de opressão, entre os quais estão o estado e o poder econômico.

Tecendo culturas 2: Waban-Aki: People from Where the Sun Rises

Desde os anos 1970, Alanis Obomsawin tem enfatizado o poder de filmes de apresentar as comunidades indígenas como política e culturalmente relevantes. Waban-Aki: People from Where the Sun Rises é um de seus documentários mais pessoais. Nele, a cineasta oferece uma perspectiva sobre a história do seu povo, os Abenaki, que originalmente habitavam a região nordeste dos Estados Unidos e o sudeste do Canadá. Membros das comunidades narram histórias de vida e testemunham sobre os desafios à sua sobrevivência cultural. Um dos problemas que os atores sociais apontam é o complexo processo de construção de identidade, considerando-se as rupturas ocorridas em face das práticas do colonialismo. Filmagens e fotografias antigas são interpoladas aos depoimentos dos entrevistados que apresentam atividades tradicionais, como a cestaria, que estão em risco de desaparecer.

Waban-aki: People from Where the Sun Rises é um longa-metragem e, dessa forma, este artigo reflete sobre apenas uma das sequências do documentário, sem, no entanto, perder o contexto da produção como um todo. Essa abordagem visa, assim, a evitar generalizações e simplificações analíticas. Com o objetivo de contextualizar a análise, a seguir são apresentados os principais pontos sobre a sequência selecionada, a qual se desenvolve a partir do início do documentário.

Uma filmagem antiga em preto e branco introduz, em plano aproximado, as imagens de tambores tradicionais indígenas, cujo rufar é audível. Após um corte rápido, imagens de água corrente e árvores preenchem o espaço da tela, que, em seguida exibe uma filmagem de arquivo de Obomsawin em sua juventude. Enquanto ela canta, a tela apresenta imagens coloridas de gansos que sobrevoam um rio de tom muito azul. O canto é substituído por sons instrumentais e são apresentados os créditos iniciais do documentário, seguidos de um plano no qual, à frente, dois homens lenham um tronco de árvore. Há um soundmatch, uma vez que os sons da batida dos machados replicam os sons dos tambores do início da sequência. Após um plano aéreo, ouve-se a voz de Obomsawin que apresenta o cenário, a vila de Odanak, localizada ao sul do Quebec, às margens do Rio Saint-Francis.

Gradativamente, o colorido das imagens é substituído pelo preto e branco, enquanto ao fundo se ouve um ator social, Joe Benedick, apresentar-se e rememorar, em língua inglesa, os tempos em que todos trabalhavam na atividade tradicional de cestaria. Fotografias antigas interpolam a narrativa de Benedick, enquanto ele comenta sobre a vida em comunidade, os desfiles e as festas. Outro ator social, agora em francês, recorda-se dos trajes indígenas. Outro, também em francês, relembra-se das danças, jogos de carta e dos tempos em que ouviam histórias e cantavam. Recordam-se também dos tempos em que meninos caçavam coelhos. Uma voz feminina fala sobre a comunhão entre as pessoas. Outras se recordam de ouvir a língua Abenaki e de como as pessoas pareciam mais felizes ao falá-la. Os participantes, ainda em voz over e com as fotografias sendo exibidas na tela, passam a falar sobre a arte da cestaria e como ela também era um meio rentável de vida. Por fim, um plano médio, a cores, focaliza uma senhora, Barbara Watso, que confecciona uma cesta. Sua fala é intercalada por fotografias de família. Ângulo e posicionamento da câmera ressaltam que a personagem dirige o olhar para a cineasta, cuja voz provém do espaço offscreen. Obomsawim pergunta a Watso sobre a matéria prima das cestas:

“Você está usando sweetgrass agora?”. 22 22 Manteve-se no texto o nome em inglês, uma vez que a sweetgrass, de acordo com a The Canadian Encyclopedia, é uma planta característica da América do Norte e de algumas regiões de Europa. A entrevistada responde: “Sim, sweetgrass trançado”. “Eles não vendem mais trançado. Você tem que trançá-las”. O diálogo prossegue com Obomsawim perguntando a Watso se já havia colhido sweetgrass. Watso responde que não. A cineasta comenta já tê-lo feito. Uma filmagem antiga confirma a fala de Obomsawim, vista na tela em sua juventude em um campo de sweetgrass. Enquanto a cineasta se recorda de sua experiência, a tela apresenta imagens em preto e branco de Watso, que estende em um varal algumas talas da matéria prima das cestas. Ouve-se Obomsawim falar das cores e dos aromas do material sendo preparado. Ao final da sequência, deitado na grama sob o varal, um menino brinca sorridente com as talas coloridas.

Ainda que se refira a apenas uma das sequências de Waban-Aki, o resumo acima apresentado possibilita muitas inferências. Uma delas se refere à relação do documentário com a prática do storytelling, que é uma característica muito marcante das culturas indígenas. Conforme coloca Judy Iseke, “nas culturas indígenas, histórias são uma prática que sustenta comunidades, confirma experiências e epistemologia, expressa experiências dos povos indígenas, nutre relacionamentos e o compartilhamento de conhecimentos. (ISEKE, 2013ISEKE, Judy. Indigenous Storytelling as Research. International Review of Qualitative Research v. 6, n. 4, p. 559-577, 2013. DOI: https://doi.org/10.1525/irqr.2013.6.4.559
https://doi.org/10.1525/irqr.2013.6.4.55...
, p. 559, tradução minha23 23 “Story is a practice in Indigenous cultures that sustains communities, validate experiences and epistemologies, expresses experiences of Indigenous peoples, and nurtures relationships and the sharing of knowledge” (ISEKE, 2013, p. 559). ). A transposição do storytelling oral para o meio fílmico tem, obviamente, gerado debates, particularmente com relação aos ganhos e perdas do processo. No entanto, considerando a relevância da tradição oral e que a própria Obomsawin também é contadora de histórias, não se pode perder de vista sua habilidade de, por meio de uma envolvente manipulação de imagens e sons, apresentar aspectos das narrativas orais em seus documentários.

A cineasta ‘tece’ narrativas sobre seu povo, ao integrar em Waban-Aki diversos elementos audiovisuais, desafiando assim noções de linearidade temporal e espacial. Filmagens e fotografias antigas estão em diálogo com as narrativas e depoimentos apresentados no tempo presente do documentário. A confluência de elementos de diferentes temporalidades pode ser vista como uma estratégia de trazer o passado ao presente não como uma simples recordação, mas como uma construção que deve ser significativa no presente. Adicionalmente, a interação entre fotografias, filmagens antigas e os depoimentos no presente corrobora haver múltiplos contadores de história no documentário. Cada um deles “tece” memórias que buscam dar forma às narrativas de comunidade. Referindo-se à essas interações com relação a outros documentários de Obomsawin, Maria Lúcia Milleo Martins comenta que a cineasta também se utiliza de imagens, gestos, trilha sonora e silêncios [que são] habilidosamente articulados, tornando-se elementos cruciais na polifonia do discurso fílmico” (MARTINS, 2009MARTINS, Maria Lúcia Milléo. Dionne Brand and Alanis Obomsawin: Polyphony in the poetics of resistance. Ilha do Desterro, n. 56, p. 151-164, 2009. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8026.2009n56p151.
https://doi.org/10.5007/2175-8026.2009n5...
, p. 151, tradução minha24 24 “Besides actual voices, the use of images, gestures, soundtrack and silences in both documentaries is ingeniously articulated, turning these devices into crucial elements in the polyphony of filmic discourse” (MARTINS, 2009, p. 151). ). Essa polifonia traz à luz muitos elementos simbólicos, entre eles a própria prática das cestarias.

A arte de confeccionar cestas não consiste somente em tecer a matéria-prima. Os cesteiros precisam interagir com a terra e seus recursos. Conforme Obomsawin propõe nessa e em outras sequências do documentário, essas relações são alteradas significativamente em virtude das interferências do estado e do capital. Assim, a prática da cestaria também reflete as interações entre indígenas e não indígenas. Nesse contexto de contínua transformação, a arte de tecer cestas, de acordo com o que se infere de Waban-Aki, pode ser um importante instrumento para que sejam ‘tecidas’ as histórias da comunidade, antes que elas se esvaneçam. O documentário também enfatiza que o sentido de pertencimento à comunidade se constrói por meio das conexões entre as gerações, o que se pode deduzir das falas dos entrevistados que comentam sobre as relações de família no processo de confecção de cestas. Watso, por exemplo, afirma ter aprendido a arte com a avó. Outra entrevistada declara que todos estavam envolvidos na produção de cestas. Fotografias de família em que se destaca a cestaria corroboram essas falas. A perspectiva de que se deve fortalecer os laços entre as gerações por meio das histórias e das práticas tradicionais ganha ênfase ao final da sequência, com a imagem do menino que brinca com as talas coloridas que secam no varal. Isto posto, é possível se considerar a abordagem das atividades tradicionais como uma metáfora associada ao próprio processo de (re)construção de identidade. Manter vivas as práticas de cestaria é uma forma das novas e antigas gerações reativarem memórias, (re)construírem sentidos de pertencimento e tecerem laços entre os membros das comunidades Abenaki.

O que o documentário sugere é que Obomsawin não apresenta um desejo nostálgico e purista de volta ao passado que contradiga a experiência indígena na atualidade. Sua prática de filme demonstra a interação entre o conhecimento tradicional e as novas tecnologias. Não por acaso, em algumas das fotografias selecionadas destacam-se elementos como, por exemplo, automóveis ou trens. Outro ponto fundamental é a transformação da atividade de cestarias em atividade lucrativa. Mas é, sobretudo, um processo de inventividade. Tal processo é enfatizado ao longo do documentário, como, por exemplo, quando um dos atores sociais comenta que até mesmo um cocar feito de papel-cartão era utilizado com orgulho pelo avô em antigos desfiles na comunidade.

Inventividade inclui também usar os aparatos e discursos fílmicos como instrumentos de (re)construção de identidade e sentidos de pertencimento. Desse modo, é muito significativo lembrar o local de fala de Obomsawin. Desde o final dos anos 1960, a cineasta tem trabalhado na National Film Board, cujo fundador, John Grierson, é internacionalmente conhecido como o pai do gênero documentário e do cinema não comercial (MELNYK, 2005MELNYK, George. One hundred years of Canadian cinema. Toronto: University of Toronto Press, 2005.)25 25 Citado por Melnyk, Grierson afirma, “Suponho que cunhei a palavra [documentário], dizendo ser uma palavra feia que ninguém roubaria, e essa foi sempre nossa defesa contra o comercialismo” (MELNYK, 2005, p. 58, tradução minha). No original, Grierson afirma: “I suppose I coined the word [ documentary], saying it was an ugly word that nobody would steal, and it always was one of our defences against commercialism” (MELNYK, 2005, p. 58). . Sob a gerência de Grierson, a National Film Board passou a produzir documentários cuja missão era prover um sentido de nação, com base na convicção de que eles deveriam ilustrar “o que os canadenses precisam saber e pensar, a fim de realizarem o melhor pelo Canadá e por si próprios” (GRIERSON apud WHITE, 2002WHITE, Jerry. Alanis Obomsawin, documentary form, and the Canadian nation(s). In: BEARD, William; WHITE, Jerry (Eds.). North of Everything: English-Canadian Cinema Since 1980. Edmonton: University of Alberta, 2002. p. 364-375. , p. 372, tradução minha26 26 “What Canadians need to know and think about They are going to do best by Canada and by themselves” (GRIERSON apud WHITE, 2002, p. 372). ).

Assim, “cinematicamente, Obomsawin é filha da revolução [Griersoniana]”, conforme propõe Jerry White (2002WHITE, Jerry. Alanis Obomsawin, documentary form, and the Canadian nation(s). In: BEARD, William; WHITE, Jerry (Eds.). North of Everything: English-Canadian Cinema Since 1980. Edmonton: University of Alberta, 2002. p. 364-375., p. 365, tradução minha27 27 “Cinematically, Obomsawin is a child of [Griersonian] revolution” (WHITE, 2002, p. 365). ). Tal como seu mentor, ela enfatiza o cinema não comercial e “parece razoável afirmar que Obomsawin produz filmes sobre a vida da nação” (WHITE, 2002WHITE, Jerry. Alanis Obomsawin, documentary form, and the Canadian nation(s). In: BEARD, William; WHITE, Jerry (Eds.). North of Everything: English-Canadian Cinema Since 1980. Edmonton: University of Alberta, 2002. p. 364-375., p. 372, tradução minha28 28 “It seems reasonable to say that Obomsawin makes films about the life of the nation” (WHITE, 2002, p. 372). ). No entanto, prossegue o autor, um aspecto em que o trabalho dela se diferencia do de Grierson é que “ela tem uma ideia diferente do que é o Canadá” (WHITE, 2002WHITE, Jerry. Alanis Obomsawin, documentary form, and the Canadian nation(s). In: BEARD, William; WHITE, Jerry (Eds.). North of Everything: English-Canadian Cinema Since 1980. Edmonton: University of Alberta, 2002. p. 364-375., p. 372, tradução minha29 29 “She just has a different idea of what Canada is” (WHITE, 2002, p. 372). ). Conquanto o fundador da National Film Board desejava construir imagens de coesão nacional, as produções da cineasta Abenaki têm exposto as lacunas e as incoerências da nação, especialmente no que diz respeito às populações indígenas. Assim, são elucidativas as seguintes palavras de Obomsawin, em entrevista oral concedida a esta autora em Toronto por ocasião do imagineNATIVE Film Festival:

O documentário é muito importante porque é a voz ‘direta’ das pessoas. E o nosso povo teve sua história negada por muito tempo, então... E cada nação tem que ter sua história, para que as crianças, os jovens possam aprender sobre ela... saber quem eles são, qual é sua nação, sua cultura, qual é a sua tradição, a sua história. Isso é como o ABC para sentir a certeza de quem somos. Isso é para todas as nações. Por isso o documentário é tão importante

(OBOMSAWIN, 2009OBOMSAWIN, Alanis. Depoimento [novembro de 2009]. Entrevistadora: Neide Garcia Pinheiro. Toronto: ImagineNATIVE Film Festival, 2009. Arquivo sonoro pessoal da entrevistadora., tradução minha30 30 “Documentary is very important because it is the ‘direct’ voice to of the people. And our people have been denied their history for a very long time, so… And each nation has to (sic) have their history there, so that children, young people can learn about it… know who they are, what is their nation, their culture, what is their tradition, their history. This is like the ABC to feel right about who we are. That is for all nations. That is why documentary is so important” (OBOMSAWIN, 2009). ).

Considerações Finais

Ao se pensar em possíveis relações entre as Américas, o cinema indígena certamente é um campo prolífico. Seu estudo é significativo por possibilitar a reflexão sobre a riqueza e a diversidade das histórias e das experiências dos povos indígenas, como ilustram os documentários aqui abordados. No entanto, ainda que sejam consideradas essas diferentes histórias e agendas, observam-se pontos de convergência, entre os quais estão as preocupações com a afirmação política e de identidade e a renascença cultural. Dessa forma, as duas produções também possibilitam a reflexão sobre outro ponto fundamental do cinema indígena que é a não dissociação entre arte, cultura e política.

Nesse sentido, o cinema indígena, de um modo geral, está imbuído também de uma função social. Ao terem como tema a tecelagem de redes e a confecção de cestos, respectivamente, tanto Topawa quanto Waban-Aki constituem-se em importantes estratégias para divulgar as práticas tradicionais e (re)significá-las especialmente para as novas gerações. Ao discorrerem sobre essas atividades, os documentários enfatizam-nas não como meros produtos artesanais. Tecelagens e cestarias tornam-se metáforas com que os cineastas das duas produções comentam sobre a importância de se ‘tecerem’ e fortalecerem laços entre os membros das comunidades indígenas.

As duas produções parecem propor uma prática de filme que possibilita aos atores sociais, particularmente os anciões que narram suas histórias, expressarem-se livremente e apresentarem suas visões de mundo. Assim, tanto Kisedje quanto Obomsawin articulam seus documentários como atos de storytelling, sugerindo que o cinema indígena é uma das possibilidades no processo de ‘tecer’ e narrar histórias. É uma ferramenta com que os cineastas indígenas podem mediar fronteiras temporais, espaciais e linguísticas e, assim, discutirem as rupturas sociais produzidas historicamente. Dessa forma, o cinema indígena é instrumento para a (re)construção de identidades e de narrativas que conectam passado, presente e futuro e, como tal, um meio de apresentar visões contra-hegemônicas sobre a vida e as experiências indígenas.

Notas

  • 1
    De acordo com Waldman (2006)WALDMAN, Carl. Encyclopedia of Native American Tribes. 3.ed. Nova York: CheckMark Books, 2006., Waban-aki refere-se às tribos Algonquian que originalmente viviam às margens do Atlântico, tendo suas terras tradicionais onde hoje ficam terras do Canadá, bem como os estados do Maine, New Hampshire e Vermont nos Estados Unidos. Os Waban-aki compreendem diferentes povos, Penobscots, Micmac, Passamaquody e Abenaki.
  • 2
    Embora neste artigo seja adotado o termo ‘indígena’, reconhecem-se as controvérsias que essa e outras denominações (nativo, aborígene, Primeiras Nações, povos originários, entre outros termos) têm gerado ao serem utilizadas para se referir a habitantes originários dos territórios que sofreram o processo de colonização europeia, bem como aos seus descendentes. Dessa forma, a própria definição de cinema indígena se torna objeto de questionamentos.
  • 3
    If we believed that the passage of the Indian was inevitable, then there was no reason to devote the energy to helping ensure they did not” (PALYS, 2003PALYS, Ted. Histories of convenience: images of Aboriginal Peoples in film, policyand research. In: NICHOLSON, Heather Norris (Ed.). Screening culture: Constructing image and identity. Lanham, Md., Lexington Books, 2003., p. 24).
  • 4
    Do not go beyond the white-man-as-star” (PALYS, 2003PALYS, Ted. Histories of convenience: images of Aboriginal Peoples in film, policyand research. In: NICHOLSON, Heather Norris (Ed.). Screening culture: Constructing image and identity. Lanham, Md., Lexington Books, 2003., p. 29).
  • 5
    Native people seeing themselves depicted as lazy or stupid may become resentful or hostile toward the people of the culture producing such images. Some Native people lose self-esteem knowing that there are others who believe these images to be true” (RESTOULE, 1997RESTOULE, Jean Paul. How Indians are ‘read’: the representations of aboriginality in films by Native and Non-Native directors. 1997. Master Thesis (Master of Arts) – Department of Communication Studies, University of Windsor, Windsor. 1997., p. 3).
  • 6
    Being a subarctic Cree, I couldn't believe how naive they (southerners) were, until I realized that their ideas about natives mostly came from the movies they watched of Indians on horseback, who lived in tents, on the plains. Then I understood: for there was a time, as a boy, when I thought this was how my ancestors had lived too” (REEL, 2009).
  • 7
    Raised between Indians and cowboys . . . we cheered for the cowboys never realizing ...we were the Indians” (REEL, 2009).
  • 8
    Not to follow the media and dwell on so-called social pathologies, but to remind ourselves of the accomplishments” (KULCHYSKI; MCCASKILL; NEWHOUSE, 1999KULCHYSKI, Peter; MCCASKILL, Don; NEWHOUSE, David. In the words of elders: Aboriginal cultures in transition. Toronto: University of Toronto Press, 1999., p. xxiv).
  • 9
    Indigenism” (NIEZEN, 2000NIEZEN, Ronald. Recognizing Indigenism: Canadian Unity and the International Movement of Indigenous Peoples. Comparative Studies in Society and History, v. 42, n. 1, p. 119-148, 2000., p. 119).
  • 10
    “(…) is an ideological movement for attaining and maintaining autonomy, unity and identity on behalf of a population deemed by some of its members to constitute an actual nation or potential ‘nation’” (SMITH, 1991SMITH, Anthony D. National identity. Reno: University of Nevada Press, 1991., p. 73).
  • 11
    They relate to three main referents: territory, history and community” (SMITH, 1991SMITH, Anthony D. National identity. Reno: University of Nevada Press, 1991., p. 78).
  • 12
    “(…) imagined political community (…)” (ANDERSON, 1991ANDERSON, Benedict. Imagined communities: Reflections on the origin and spread of nationalism. Londres: Verso, 1991., p.6)
  • 13
    The latter refers exclusively to public institutions, differentiated from, and autonomous of, other social institutions and exercising a monopoly of coercion and extraction within a given territory” (SMITH, 1991SMITH, Anthony D. National identity. Reno: University of Nevada Press, 1991., p.14)
  • 14
    The origins of indigenism, however are much more clear than were the coalescing of nationalism in the eighteenth and nineteenth century expansion of European states, the contagion effects of decolonization, and the contests of rival ethnonationalisms” (NIEZEN, 2000NIEZEN, Ronald. Recognizing Indigenism: Canadian Unity and the International Movement of Indigenous Peoples. Comparative Studies in Society and History, v. 42, n. 1, p. 119-148, 2000., p. 120).
  • 15
    Negative impacts of resource extraction and economic modernization” (NIEZEN, 2000NIEZEN, Ronald. Recognizing Indigenism: Canadian Unity and the International Movement of Indigenous Peoples. Comparative Studies in Society and History, v. 42, n. 1, p. 119-148, 2000., p. 121).
  • 16
    Indigenous representatives are taking complaints to international forums, striving to be involved at the highest level possible in international politics” (NIEZEN, 2000NIEZEN, Ronald. Recognizing Indigenism: Canadian Unity and the International Movement of Indigenous Peoples. Comparative Studies in Society and History, v. 42, n. 1, p. 119-148, 2000., p. 121).
  • 17
    “The definition of ‘documentary’ is always relational or comparative” (NICHOLS, 2001NICHOLS, Bill. 2001. Introduction to Documentary. Bloomington: Indiana University Press, 2001., p. 21).
  • 18
    Often associated with the creation of arguments for social change; creation of collective identities; and recording of changes in identity based upon contemporary realities” (LEUTHOLD, 2001LEUTHOLD, Steven. Rhetorical Dimensions of Native-American Documentary. Wicazo Sa Review, v. 16, n. 2, p. 55-73, 2001., p. 58).
  • 19
    Simultaneously alters the visual landscape of mainstream media by representing indigenous faces, histories, and experiences onscreen, while serving a crucial social role offscreen to provide a practice through which new forms of solidarity, identity and community are created” (DOWELL, 2006DOWELL, Kristin. Indigenous Media Gone Global: Strengthening Indigenous Identity On- and Offscreen at the First Nations/First Features Film Showcase. American Anthropologist, v. 108, n. 02, p. 376-384, 2006., p. 376).
  • 20
    De acordo com a página Povos Indígenas do Brasil, os Parakanã estão divididos em dois grupos, um deles que habita a Bacia do Tocantins e outro a Bacia do Xingu. Falam uma língua tupi-guarani. Os Parakanã habitantes do Xingu, que vivem na Terra Indígena Apyterewa têm uma história relativamente recente de contato com não indígenas, que ocorreu em meados da década de 1970. Conforme os créditos finais de Topawa, os seus produtores são da Terra Indígena Apyterewa (POVOS INDÍGENAS DO BRASIL, 2022POVOS INDÍGENAS DO BRASIL. 2022. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal. Acesso em 15 jan. 2022.
    https://pib.socioambiental.org/pt/P%C3%A...
    ).
  • 21
    Process of reclaiming the story, to own the story, rather than be defined or storied by others. Colonisers have historically told and shaped the stories of Indigenous peoples” (CHAN, 2021CHAN, Adrienne. Storytelling, culture, and indigenous methodology. In: BAINBRIDGE, Alan; FORMENTI, Laura; WEST, Linden (Eds.). Discourses, dialogue, and diversity in biographical research: An Ecology of Life and Learning. Leiden: BRILL, 2021. p. 170-185. DOI: https://doi.org/10.1163/9789004465916_012
    https://doi.org/10.1163/9789004465916_01...
    , p. 171).
  • 22
    Manteve-se no texto o nome em inglês, uma vez que a sweetgrass, de acordo com a The Canadian Encyclopedia, é uma planta característica da América do Norte e de algumas regiões de Europa.
  • 23
    Story is a practice in Indigenous cultures that sustains communities, validate experiences and epistemologies, expresses experiences of Indigenous peoples, and nurtures relationships and the sharing of knowledge” (ISEKE, 2013ISEKE, Judy. Indigenous Storytelling as Research. International Review of Qualitative Research v. 6, n. 4, p. 559-577, 2013. DOI: https://doi.org/10.1525/irqr.2013.6.4.559
    https://doi.org/10.1525/irqr.2013.6.4.55...
    , p. 559).
  • 24
    Besides actual voices, the use of images, gestures, soundtrack and silences in both documentaries is ingeniously articulated, turning these devices into crucial elements in the polyphony of filmic discourse” (MARTINS, 2009MARTINS, Maria Lúcia Milléo. Dionne Brand and Alanis Obomsawin: Polyphony in the poetics of resistance. Ilha do Desterro, n. 56, p. 151-164, 2009. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8026.2009n56p151.
    https://doi.org/10.5007/2175-8026.2009n5...
    , p. 151).
  • 25
    Citado por Melnyk, Grierson afirma, “Suponho que cunhei a palavra [documentário], dizendo ser uma palavra feia que ninguém roubaria, e essa foi sempre nossa defesa contra o comercialismo” (MELNYK, 2005MELNYK, George. One hundred years of Canadian cinema. Toronto: University of Toronto Press, 2005., p. 58, tradução minha). No original, Grierson afirma: “I suppose I coined the word [ documentary], saying it was an ugly word that nobody would steal, and it always was one of our defences against commercialism” (MELNYK, 2005MELNYK, George. One hundred years of Canadian cinema. Toronto: University of Toronto Press, 2005., p. 58).
  • 26
    What Canadians need to know and think about They are going to do best by Canada and by themselves” (GRIERSON apud WHITE, 2002WHITE, Jerry. Alanis Obomsawin, documentary form, and the Canadian nation(s). In: BEARD, William; WHITE, Jerry (Eds.). North of Everything: English-Canadian Cinema Since 1980. Edmonton: University of Alberta, 2002. p. 364-375., p. 372).
  • 27
    Cinematically, Obomsawin is a child of [Griersonian] revolution” (WHITE, 2002WHITE, Jerry. Alanis Obomsawin, documentary form, and the Canadian nation(s). In: BEARD, William; WHITE, Jerry (Eds.). North of Everything: English-Canadian Cinema Since 1980. Edmonton: University of Alberta, 2002. p. 364-375., p. 365).
  • 28
    It seems reasonable to say that Obomsawin makes films about the life of the nation” (WHITE, 2002WHITE, Jerry. Alanis Obomsawin, documentary form, and the Canadian nation(s). In: BEARD, William; WHITE, Jerry (Eds.). North of Everything: English-Canadian Cinema Since 1980. Edmonton: University of Alberta, 2002. p. 364-375., p. 372).
  • 29
    She just has a different idea of what Canada is” (WHITE, 2002WHITE, Jerry. Alanis Obomsawin, documentary form, and the Canadian nation(s). In: BEARD, William; WHITE, Jerry (Eds.). North of Everything: English-Canadian Cinema Since 1980. Edmonton: University of Alberta, 2002. p. 364-375., p. 372).
  • 30
    Documentary is very important because it is the ‘direct’ voice to of the people. And our people have been denied their history for a very long time, so… And each nation has to (sic) have their history there, so that children, young people can learn about it… know who they are, what is their nation, their culture, what is their tradition, their history. This is like the ABC to feel right about who we are. That is for all nations. That is why documentary is so important” (OBOMSAWIN, 2009OBOMSAWIN, Alanis. Depoimento [novembro de 2009]. Entrevistadora: Neide Garcia Pinheiro. Toronto: ImagineNATIVE Film Festival, 2009. Arquivo sonoro pessoal da entrevistadora.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Fev 2022
  • Aceito
    07 Abr 2022
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