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A insaciável filosofia

RESENHAS

A insaciável filosofia

Ana Maio

Jornalista da Embrapa Pantanal (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo – SP, Brasil. E-mail: anamaio@uol.com.br

BARROS FILHO, Clóvis; POMPEU, Júlio. A filosofia explica as grandes questões da humanidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra; São Paulo: Casa do Saber, 2013. 196p.

Sabor vem do latim sapore, segundo o Aurélio. Significa "impressão que as substâncias sápidas produzem na língua". Difícil encontrar palavra mais apropriada para descrever sensação semelhante que a leitura de "A filosofia explica as grandes questões da humanidade" reproduz no cérebro. Clóvis Barros Filho, professor de ética da ECA1 1 Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. , fez a divulgação do livro no finalzinho de sua entrevista em uma edição qualquer de outubro de 2013 no Programa do Jô. Quem não vê TV teve a sorte de trombar com parte do vídeo nas redes sociais, pois rapidinho ela migrou para o Youtube e, de lá, para o Facebook.

A entrevista e a introdução do livro têm algo em comum: o toque de humor sagaz que o autor coloca, na medida certa – sem exagero, nem economia – para tratar de assuntos pesados. Na TV, a performance do professor aproximou-se da de um showman, foi quase um stand up2 2 A entrevista está disponível em http://www.youtube.com/watch?v=YkTDjMwNIOo. Acesso em: 24 nov. 2013. . Foi aplaudido de pé. Jô Soares que se cuide! Na introdução, Clóvis é não menos brilhante ao apresentar como iniciou sua relação com as editoras Casa da Palavra e Casa do Saber, responsáveis pela publicação. Quem já ouviu falar em Peruíbe dificilmente vai conseguir conter o riso.

Fica a expectativa da leitura. Primeira surpresa: a obra tem um coautor! E a pergunta que não quer calar antes de começar a leitura: quem é Júlio Pompeu? Afinal, este não esteve no Jô! Na orelha rosa-choque (acompanhada de um simpático marcador de página destacável), ao final do livro, o minicurrículo: mestre em direito pela PUC-Rio e doutorando em psicologia na Universidade Federal do Espírito Santo, onde atua como professor de ética do Departamento de Direito. Interessante. Mas seria Pompeu tão despojado quanto Clóvis? A segunda metade do livro responde.

A filosofia explica as grandes questões da humanidade é daqueles textos que você lê em uma sentada. Devido à leveza e graça do texto. E, obviamente, à perspicácia dos autores. Clóvis escreve os quatro primeiros capítulos, que tratam sobre ética, moral, liberdade e identidade. Pompeu prossegue explicando poder, dominação, a justiça e a lei, a virtude. Oito temas filosóficos, profundos, complexos, que colocam nossos neurônios para trabalhar mesmo!

Para deleite dos leitores, Clóvis adota agora um tom totalmente diferente daquele autor mais academicista que, nos idos de 1995, lançava a primeira edição de Ética na Comunicação. Nada contra a obra anterior, que, aliás, está em sua sexta edição, e muito contribui para o entendimento das mudanças que acompanham o conceito de ética e, especialmente, sua aplicação no Jornalismo. Pompeu também não é estreante, já havia publicado Somos maquiavélicos.

Nesta produção conjunta, os dois passeiam pelos pensamentos de Platão, Aristóteles, Nietzsche, Maquiavel, Kant, Focault, Sartre e outros como quem vai à feira e brinca com as bananas, pimentões e abobrinhas. Conseguem traduzir, com muita sutileza, conceitos um tanto complicados para que qualquer mortal compreenda. Entre eles, a genealogia do poder, a moral reativa, a metafísica dos costumes, a vida eudaimônica, a assimetria entre o bem e o mal moral, o universalismo, o existencialismo, a transcendência e a imanência. O tão manjado mito da caverna, de Platão, ganha nesta obra uma narrativa singular. Não cabe aqui reproduzi-la, até para não comprometer o efeito surpresa, mas o leitor "vai gostar" (seria essa indicação uma tentativa de dominação?).

Pompeu e Clóvis desmistificam não apenas a filosofia, mas o ensino da própria. O livro lembra uma aula. Uma não, oito. Ou mais, porque o conteúdo é bastante abrangente, mas eles o sintetizam com suavidade. É deveras difícil selecionar o capítulo mais interessante. E apesar da separação por temas, há uma harmoniosa sequência entre eles. Poder e dominação, por exemplo, são assuntos contíguos, assim como ética e moral. Impossível abordar um sem tocar no outro.

Procurar falhas ou defeitos nesta produção não é tarefa simples. Ok, o livro tem lá seus quatro ou cinco erros de digitação que uma boa revisão poderia ter evitado. Em relação ao conteúdo, impecável para o que se propõe. O uso e abuso das frases curtas, das analogias, dos exemplos e das inocentes estórias de infância contadas por Pompeu enchem as páginas de graça e estilo. Leitura recomendada para adolescentes, vestibulandos, graduandos, pós-graduandos, idosos e curiosos em geral.

Como tudo o que é saboroso, provoca a sensação de insaciedade. O leitor quer mais. Triste chegar ao fim. Ou será que o livro nos desperta a gula?

  • 1
    Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
  • 2
    A entrevista está disponível em
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014
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