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Capacidade preditiva de diferentes equipamentos de bioimpedância elétrica, com e sem preparo prévio, na avaliação de adolescentes

Resumos

OBJETIVO: determinar a capacidade preditiva de quatro equipamentos distintos de bioimpedância elétrica (BIA) na avaliação de adolescentes, com e sem a realização de protocolo. MÉTODOS: estudo transversal realizado com 215 adolescentes de 10 a 14 anos, de ambos os sexos, avaliados através da antropometria e da composição corporal pelo DEXA e por quatro equipamentos distintos de BIA, com e sem protocolo. Foram utilizados os testes estatísticos: Kolmogorov-Smirnov, do Qui-quadrado, t-Student ou Mann-Whitney, Kruskal-Wallis, Wilcoxon e Índice Kappa. Foram construídas curvas ROC e calculados os valores de sensibilidade, especificidade e preditivos positivo e negativo. RESULTADOS: dos adolescentes, 44,2% apresentaram excesso de gordura corporal. A BIA tetrapolar, equipada com oito eletrodos táteis, demonstrou-se mais sensível e com resultados mais próximos ao DEXA (AUC = 0,964 com protocolo e AUC = 0,973 sem protocolo, p < 0,001), apresentando, também, maior concordância (k = 0,67 com protocolo, e k = 0,63 sem protocolo, p < 0,001). A avaliação sem protocolo foi semelhante ao DEXA na maioria das situações investigadas (p > 0,05). CONCLUSÃO: a BIA é um instrumento capaz de predizer distrofias relacionadas à gordura corporal de adolescentes. Na impossibilidade de realização do protocolo, seus resultados podem ser úteis em estudos populacionais.

Saúde do adolescente; Composição corporal; Impedância elétrica; Obesidade


OBJECTIVE: this study was performed to determine the predictive capacity of four different bioelectrical impedance analysis (BIA) devices in the assessment of adolescents, with and without a protocol. METHODS: a cross-sectional study was performed with 215 adolescents aged 10 to 14 years, of both genders, evaluated through anthropometry and body composition by dual energy X-ray absorptiometry (DXA) and by four different BIA devices, with and without a protocol. The following tests were used: Kolmogorov-Smirnov's, chi-squared, Student's t or Mann-Whitney's, Kruskal-Wallis's, Wilcoxon's, and kappa index. The ROC curves were constructed and the sensitivity, specificity, and positive and negative predictive values were calculated. RESULTS: of the 215 adolescents, 44.2% had excessive body fat. The tetrapolar BIA device equipped with eight tactile electrodes showed more sensitivity and results that were closer to those obtained by DXA (area under the ROC curve [AUC] = 0.964 with protocol and AUC = 0.973 without protocol, p < 0.001), as well as greater agreement (k = 0.67 with protocol and k = 0.63 without protocol, p < 0.001). The evaluation without protocol was similar to that by DXA in most investigated situations (p > 0.05). CONCLUSION: BIA is capable of predicting alterations in adolescents' body composition. When it is impossible to perform the assessment with a protocol, its results may be useful in population studies.

Adolescents health; Body composition; Electric impedance; Obesity


ARTIGO ORIGINAL

Capacidade preditiva de diferentes equipamentos de bioimpedância elétrica, com e sem preparo prévio, na avaliação de adolescentes

Vivian Siqueira Santos GonçalvesI,* * Autor para correspondência. E-mail: vivian.goncalves@ufv.br (V.S.S. Gonçalves). ; Eliane Rodrigues de FariaII; Sylvia do Carmo Castro FranceschiniI; Silvia Eloiza PrioreI

IDepartamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, Brasil

IIUniversidade Federal do Espírito Santo, Alegre, ES, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: determinar a capacidade preditiva de quatro equipamentos distintos de bioimpedância elétrica (BIA) na avaliação de adolescentes, com e sem a realização de protocolo.

MÉTODOS: estudo transversal realizado com 215 adolescentes de 10 a 14 anos, de ambos os sexos, avaliados através da antropometria e da composição corporal pelo DEXA e por quatro equipamentos distintos de BIA, com e sem protocolo. Foram utilizados os testes estatísticos: Kolmogorov-Smirnov, do Qui-quadrado, t-Student ou Mann-Whitney, Kruskal-Wallis, Wilcoxon e Índice Kappa. Foram construídas curvas ROC e calculados os valores de sensibilidade, especificidade e preditivos positivo e negativo.

RESULTADOS: dos adolescentes, 44,2% apresentaram excesso de gordura corporal. A BIA tetrapolar, equipada com oito eletrodos táteis, demonstrou-se mais sensível e com resultados mais próximos ao DEXA (AUC = 0,964 com protocolo e AUC = 0,973 sem protocolo, p < 0,001), apresentando, também, maior concordância (k = 0,67 com protocolo, e k = 0,63 sem protocolo, p < 0,001). A avaliação sem protocolo foi semelhante ao DEXA na maioria das situações investigadas (p > 0,05).

CONCLUSÃO: a BIA é um instrumento capaz de predizer distrofias relacionadas à gordura corporal de adolescentes. Na impossibilidade de realização do protocolo, seus resultados podem ser úteis em estudos populacionais.

Palavras-chave: Saúde do adolescente; Composição corporal; Impedância elétrica;Obesidade

Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a adolescência como o período dos 10 aos 19 anos, caracterizado por intensas mudanças físicas, psicológicas e sociais. O crescimento rápido e a vulnerabilidade nutricional também marcam essa fase, onde há consolidação de hábitos alimentares que, sendo adequados, podem se tornar um fator protetor para a obesidade, doenças cardiovasculares e distúrbios metabólicos na idade adulta.1

De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos anos 2008 e 2009, o excesso de peso corporal foi identificado em cerca de 20% da população adolescente das áreas metropolitanas do Brasil.2

Quando o peso se eleva pelo excesso de gordura corporal, pode conduzir o adolescente à obesidade, que tem sido considerada preditora de risco para doenças cardiovasculares, diabetes mellitus, dislipidemias e hipertensão arterial. Portanto, considera-se de grande relevância a estimativa adequada da composição corporal na adolescência, por se tratar de um período de grandes mudanças em decorrência, principalmente, da puberdade.3-6

Enfatiza-se, no entanto, a necessidade de métodos para determinação da composição corporal que sejam práticos, rápidos e de fácil manuseio, tendo a possibilidade de serem aplicados em diversas condições de trabalho, inclusive em estudos populacionais em campo. Dentre esses métodos, destaca-se a bioimpedância elétrica (BIA), por reunir tais características e ainda ter relativo baixo custo, ser portátil e não invasiva.4,5,7-9

A adoção de preparo prévio (protocolo) para padronização de variáveis que interferem na hidratação corporal é uma recomendação para realização da BIA.9-11 Entretanto, seu uso pode ser restrito pela falta da aderência ou dificuldade do adolescente em seguir tais exigências.

Diante da importância de se obter dados precisos da composição corporal e da grande utilização de BIA, objetivou-se determinar a capacidade preditiva de quatro equipamentos distintos na avaliação de adolescentes, com e sem a realização de protocolo.

Metodologia

Casuística

Estudo epidemiológico, de corte transversal, sendo a população constituída por 215 adolescentes de ambos os sexos, de 10 a 14 anos e 11 meses, selecionados por meio de amostragem aleatória simples em todas as escolas públicas e privadas na faixa etária de interesse, localizadas nas zonas urbana e rural do município de Viçosa-MG, Brasil. Como critérios de inclusão, foram utilizados: interesse em participar do estudo; não utilização de próteses e/ou marca-passos; ausência de doenças crônicas ou uso contínuo de medicamentos que pudessem interferir na hidratação corporal; e aderência ao protocolo recomendado para realização da BIA.

A seleção da amostra foi baseada no total de adolescentes do município na faixa etária de interesse, em 2010.12 A amostra foi calculada por meio do programa EpiInfo, versão 6.04 para estudos transversais, considerando-se população total de 5.754 indivíduos, frequência esperada de excesso de gordura corporal de 17,5%13 e variabilidade de 5%, totalizando 214 indivíduos, com nível de confiança de 95%.

O sorteio foi realizado entre todos os que atenderam os critérios de inclusão e devolveram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado, respeitando-se a proporcionalidade do número de alunos que cada escola possuía em cada faixa etária. Quando o adolescente não quis mais participar ou abandonou o estudo, nova seleção foi realizada para substituição.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal (Of. Ref. Nº 0140/2010), e os adolescentes e seus responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, elaborado de acordo com as normas estabelecidas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Avaliação antropométrica

O peso foi obtido em balança digital, eletrônica, com capacidade máxima de 150 kg e sensibilidade de 50 g, e para aferir a estatura utilizou-se estadiômetro portátil com extensão de 2,13 m e resolução de 0,1 cm, sendo a medida feita em duplicata, permitindo trabalhar com o valor médio entre as duas aferições. Nos casos em que a diferença superou 0,5 cm, realizaram-se novas medidas. Foram calculados os índices IMC/idade e Estatura/Idade para caracterizar a população, adotando os pontos de corte, em escore-z, da OMS, como referência.14

Composição corporal

O percentual de gordura corporal (%GC) foi mensurado pelo equipamento DEXA (Lunar Prodigy Advance DXA System - analysis version: 13,31, GE Healthcare) e estimado pelas BIA: tetrapolar horizontal marca Biodynamics®, modelo 450 (BIA 1), tetrapolar vertical marca Tanita®, modelo BC-558 (BIA 2), tetrapolar vertical equipada com oito eletrodos táteis marca Biospace®, modelo InBody® 230 (BIA 3) e bipolar vertical marca Tanita®, modelo 2220 (BIA 4), sendo analisado segundo a classificação proposta por Lohman,15 considerando excesso de gordura corporal valores iguais ou acima de 20% para o sexo masculino e de 25% para o sexo feminino, e baixo percentual de gordura corporal valores inferiores a 10% para o sexo masculino e 15% para o sexo feminino. A avaliação pelas BIA foi realizada em dois momentos, seguindo o protocolo proposto por Barbosa16 e, posteriormente, num prazo médio de 9 ± 4 dias, sem a adoção do mesmo.

O protocolo tratou-se do preparo prévio, objetivando padronizar o estado de hidratação para realização da BIA, e constou dos seguintes itens: estar há pelo menos sete dias depois da última menstruação e sete dias antes da próxima; realizar jejum absoluto nas últimas 12 horas; não realizar exercícios físicos nas últimas 12 horas; não ingerir álcool nas últimas 48 horas; não fazer uso de diuréticos pelo menos sete dias antes; urinar 30 minutos antes da realização do exame. Solicitou-se, ainda, que fossem retirados objetos metálicos como brincos, anéis, relógios e outros, que poderiam interferir na passagem da corrente elétrica.

Análises estatísticas

Realizou-se o teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov para conhecer a distribuição das variáveis (paramétrica ou não) e, assim, escolher o teste estatístico mais adequado para avaliá-la. Os parâmetros que apresentaram distribuição normal foram demonstrados em média com seu desvio-padrão, e aqueles que não a apresentaram, em mediana com sua amplitude.

Para comparar prevalências utilizou-se o teste do Qui-quadrado. No caso de variáveis contínuas, foram realizados os testes t-Student ou Mann-Whitney para comparar duas, Kruskal-Wallis para três ou mais, e Wilcoxon quando duas avaliações foram realizadas pelos mesmos indivíduos e mesmo equipamento (com e sem protocolo).

Utilizou-se o Índice Kappa para determinar a concordância entre as avaliações realizadas pelas BIA e o DEXA, classificando-o pelo critério de Landis e Koch,17 sendo as concordâncias 0-0,19: pobre; 0,2-0,39: fraca; 0,4-0,59: moderada; 0,6-0,79: forte; 0,8-1,0: quase perfeita.

Construíram-se curvas ROC para verificar a capacidade das BIA em predizer o excesso de gordura corporal, em relação ao DEXA. Foram calculadas as áreas abaixo das curvas (AUC) e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. A hipótese de nulidade seria aceita caso o valor da AUC fosse menor ou igual a 0,50. Foram calculados para cada equipamento, com e sem protocolo, os valores de sensibilidade (probabilidade de um teste ser positivo, dado que existe a alteração), especificidade (probabilidade de um teste ser negativo, dado que não existe a alteração) e os valores preditivos positivo (proporção de verdadeiros positivos entre todos os indivíduos com teste positivo) e negativo (proporção de verdadeiros negativos entre todos os indivíduos com teste negativo), sendo que o excesso de gordura corporal foi considerado como a variável alterada.18

O banco de dados foi duplamente digitado no Microsoft Office Excel 2007 e as análises estatísticas realizadas nos softwaresSIGMA STAT 3.2 e MED CALC Statistical Software 12.2.1.0. Adotou-se nível de significância de p < 0,05.

Resultados

Características dos sujeitos

Participaram do estudo 215 adolescentes (53,5%, n = 115, do sexo feminino), que apresentaram os seguintes valores medianos para idade, peso e IMC: 11,9 (amplitude: 10,1-14,9) anos, 42,2 (amplitude: 25,1-92,8) kg e 18,0 (amplitude: 12,5-33,8) kg/m2. A estatura média foi 151,6 ± 10,0 centímetros. Não houve diferença desses parâmetros entres os sexos (p > 0,05).

Em relação ao estado nutricional, considerou-se 2,8% (n = 6) e 3,3% (n = 7) com baixa estatura e baixo IMC para a idade, respectivamente, 16,7% (n = 36) possuíam sobrepeso e 8,4% (n = 18) obesidade.

A avaliação pelo DEXA apontou a prevalência de 44,2% (n = 95) de excesso e 13,5% (n = 29) de baixo %GC.

Comparação das avaliações com e sem protocolo

A tabela 1 apresenta a prevalência de baixo %GC, eutrofia e elevado %GC mensurada pelo DEXA e estimada pelas BIA, com e sem protocolo. Notou-se que a avaliação por todas as BIA com protocolo identificou mais adolescentes com elevado %GC do que a sem protocolo. Para a elevação do %GC, a BIA 4 foi o único equipamento que subestimou a prevalência (p < 0,05), os demais foram semelhantes ao DEXA, em ambas as avaliações (p > 0,05). Salienta-se que a BIA 3 foi o equipamento que apresentou prevalências mais semelhantes ao DEXA em todas as situações (p > 0,05), exceto para a eutrofia sem protocolo, superestimando-a (p < 0,05).

Quando comparadas, todas as BIAs tiveram valores semelhantes para a gordura corporal em quilogramas (GC) em relação ao DEXA, tanto na avaliação com, quanto na sem protocolo (p > 0,05), considerando a população total. Para a estratificação por sexo, somente o masculino, avaliado pela BIA 2, apresentou-se maior que o DEXA (p = 0,011 - com protocolo e p = 0,017 - sem protocolo). A comparação entre as BIAs, por sexo, é apresentada na tabela 2.

Notou-se que, para o sexo feminino, o protocolo não exerceu influência em qualquer avaliação e, para o masculino, as BIAs 2 e 3 também apresentaram valores semelhantes em ambas as situações (p > 0,5). Ressalta-se, porém, que a BIA 3 não diferiu do DEXA, situação contrária à BIA 2, que superestimou a gordura corporal nos dois momentos (p < 0,05).

Concordância entre a avaliação pelas bioimpedâncias elétricas e pelo dual energy X-ray absorptiometry

Quando analisada a concordância entre a avaliação realizada pelo DEXA e por cada uma das BIAs (tabela 3), notou-se significância entre todas elas (p < 0,001). A BIA 3, no entanto, novamente apresentou melhores resultados, com concordância forte para as duas avaliações em ambos os sexos.

As demais BIAs também apresentaram concordância forte para o sexo masculino. Para a população total e gênero feminino, a concordância foi considerada moderada.

Ressalta-se que a BIA 2 apresentou os piores resultados, sendo o sexo feminino, com protocolo, considerado o mais fraco entre todos os analisados.

Capacidade preditiva das bioimpedâncias elétricas, com e sem protocolo

A tabela 4 apresenta as áreas sob as curvas, a sensibilidade, a especificidade e os valores preditivos positivo e negativo para cada equipamento e sexo, nas avaliações com e sem protocolo, obtidos após a construção de curvas ROC, considerando-se o excesso de gordura corporal.

Observou-se que a BIA 3, sem protocolo, obteve as áreas mais elevadas para a população total e para ambos os sexos, depois de estratificado.

Foram comparadas, também, as áreas sob as curvas para as avaliações com e sem protocolo realizadas para cada sexo e por cada equipamento, não sendo observadas diferenças (p > 0,05).

Discussão

O estado nutricional dos adolescentes avaliados seguiu a tendência apontada pela POF, com frequência exígua de desnutrição e prevalências mais altas de excesso de peso. Aproximadamente 25% dos adolescentes do município encontravam-se acima do peso, frequência maior que a nacional (20,5%) e da encontrada em outro estudo com adolescentes de Minas Gerais (20,1%), mas dentro da faixa encontrada na região Sudeste2,19 (20 a 27%). Ao comparar as prevalências de alterações no %GC (43%) e no IMC/Idade (25%), percebe-se que o índice deixou de identificar muitos adolescentes que já as apresentavam, confirmando a importância de métodos capazes de predizer o excesso de GC até mesmo naqueles que se encontram com o peso normal.

Ressalta-se que o IMC não deve ser usado isoladamente. Adolescentes com esse índice adequado podem apresentar %GC elevado e vir a apresentar riscos de morbimortalidade semelhantes aos com IMC elevado, principalmente no sexo feminino,20-24 reforçando a necessidade da avaliação do %GC como forma de identificar possíveis fatores de risco à saúde.

O excesso de gordura corporal pode estar relacionado a componentes genéticos, metabólicos, fisiológicos e de estilo de vida do adolescente, como inatividade física e hábitos alimentares inadequados. Ele se relaciona com a resistência insulínica, dislipidemias e a síndrome metabólica, alguns dos fatores de risco para doenças cardiovasculares que já têm sido identificados em adolescentes na faixa etária deste estudo, corroborando a importância de acompanhamento desses jovens.20,21,23,25,26

As BIAs foram capazes de predizer elevações no %GC, mas apresentaram características distintas quando analisada a influência do protocolo. De modo geral, em comparação ao DEXA, percebeu-se que ambas as avaliações comportaram-se de maneira semelhante em relação à prevalência de excesso de GC, e somente a BIA 4 apresentou-se diferente (p < 0,05). A BIA 3 demonstrou ser o equipamento mais estável, diferindo do DEXA somente em uma situação (eutrofia sem protocolo), mas sendo capaz de asseme- lhar-se a ele na prevalência do excesso ou do baixo %GC, com e sem adoção de protocolo. Portanto, para um estudo de prevalência, a BIA 3 sinaliza ser o equipamento mais indicado, e a BIA 4 o menos recomendado.

As BIAs 1, 3 e 4 se assemelharam ao DEXA na comparação da GC em quilogramas para ambos os sexos nas duas avaliações, indicando ponto positivo para sua utilização. A BIA 2, para a avaliar o sexo feminino, também poderia ser considerada útil. Esses equipamentos são portáteis, fáceis de serem utilizados e transportados e, apesar da variação de preços entre eles, são muito mais acessíveis que o DEXA. Para o sexo masculino, entretanto, a BIA 2 não demonstrou ser uma opção eficiente.

Os resultados evidenciam que o protocolo não exerceu influência para as adolescentes, o que, associado à semelhança ao DEXA, demonstra que a avaliação sem protocolo poderia ser utilizada para esse sexo por qualquer um dos equipamentos. Para o sexo masculino, apesar de os equipamentos 1 e 4 apresentarem-se influenciáveis pelo protocolo, ambas as avaliações foram semelhantes ao DEXA. Sugere-se, então, que, ao utilizar esses equipamentos, seja padronizada uma das duas maneiras de se avaliar.

O protocolo utilizado visou padronizar fatores que podem influenciar a eficiência da avaliação pela BIA, relacionados, principalmente, ao estado de hidratação, como consumo de bebidas, período menstrual e prática de atividade física. Foram observadas, também, orientações relacionadas aos aspectos técnicos dos equipamentos fornecidas pelos próprios fabricantes.16

A BIA baseia-se na passagem de uma corrente elétrica de baixa intensidade pelo corpo do indivíduo, sendo determinados os valores de impedância, resistência, reatância e o ângulo de fase, através dos quais estima-se a composição corporal. Esses valores estão altamente relacionados à hidratação corporal, uma vez que a água é uma boa condutora de eletricidade, enquanto a gordura é fonte de oposição. Se os tecidos estiverem em condições atípicas de hidratação, a acurácia do método fica comprometida.10,27

O protocolo, no entanto, pode comprometer a aderência do adolescente a estudos populacionais, uma vez que demanda esforço e interesse em se adequar às exigências estabelecidas. Percebeu-se, no entanto, que alguns equipamentos analisados, em especial a BIA 3, apresentaram bons resultados mesmo sem a padronização proposta, sugerindo uma alternativa quando não for possível realizar o protocolo.

Não foram encontrados na literatura estudos que verificassem a influência do protocolo na utilização da BIA em adolescentes. Entretanto, alguns trabalhos investigaram diferença entre as avaliações após o consumo de alimentos, um dos itens que compõem o protocolo adotado neste.

Vilaça et al.28 avaliando 41 idosos brasileiros do sexo masculino, utilizaram dados obtidos pela BIA tetrapolar, comparados ao DEXA, em jejum e após a ingestão de uma refeição. Não foram observadas diferenças entre as medidas (p > 0,05). Esses resultados corroboram os encontrados, reafirmando a utilidade da avaliação sem protocolo.

Por outro lado, Gallagher et al.11 quando estudaram a influência de refeições com diferentes composições sobre os resultados estimados pela BIA em 28 adultos australianos de ambos os sexos, relataram que houve variação significante na impedância e, consequentemente, na estimativa da gordura corporal após o consumo das refeições. Resultado semelhante foi apresentado por Slinde & Rossander-Hulthen10 quando avaliaram adultos saudáveis pelo método tetrapolar de BIA, antes e após o consumo de três refeições padronizadas, ao longo de 24h. Os autores concluíram que, em uma medição realizada aproximadamente 2 a 4 horas após uma refeição, a impedância diminuía (p < 0,05), provocando variação de até 8,8% (mulheres) e 9,9% (homens) no percentual de gordura corporal, subestimando-o.

Os dois estudos apresentam resultados contrários aos encontrados, mostrando a influência do protocolo nas avaliações, mas por não terem sido confrontados com o DEXA, tornou-se impossível saber se a avaliação após o consumo de refeições também seria útil.

Em relação à concordância das avaliações de BIA com o DEXA, notou-se a BIA 3 com melhores resultados, e, apesar de nenhum equipamento ter apresentado o Índice Kappa maior que 0,817 (concordância quase perfeita), quando analisados em conjunto com os demais resultados, percebeu-se que os índices apresentados confirmam a possibilidade de utilização da avaliação sem protocolo.

A análise das curvas ROC demonstrou, mais uma vez, a utilidade da BIA na ausência de protocolo. Não houve diferença entre as áreas com e sem o mesmo, para qualquer um dos equipamentos, apontando a capacidade dessa avaliação em predizer a elevação do %GC, uma vez que todas as curvas construídas foram significantes (p < 0,001).

A BIA 3 apresentou as áreas mais elevadas para a população geral e estratificada. Salienta-se que a população geral e o sexo feminino obtiveram maiores valores de sensibilidade ao adotar o protocolo, o que evidencia sua capacidade em detectar maior número de adolescentes com excesso de GC. Já para o masculino, a maior sensibilidade foi apresentada pela avaliação sem protocolo, o que ressalta novamente a sua utilidade.

Esse equipamento possui sistema tetrapolar, que difere dos demais por possuir oito eletrodos táteis e ser multifrequencial. A associação desses fatores parece garantir a ele maior sensibilidade ao estimar a composição corporal dos adolescentes, sendo que o protocolo não influenciou os resultados fornecidos em qualquer uma das situações analisada.

As demais BIAs, por serem equipamentos de mais baixo custo e mais disponíveis nos serviços de saúde, e também por apresentarem valores de sensibilidade, especificidade e preditivos positivos e negativos moderados, também podem ser utilizadas com cautela em nível populacional, na ausência de métodos mais sensíveis.

A avaliação da composição corporal de qualquer adolescente realizada por métodos que não sejam considerados "padrão ouro" deve ser feita considerando os possíveis erros, e não anula a importância e a necessidade de atividades de prevenção e/ou controle do excesso de gordura corporal, sejam quais forem os resultados.

Conclusão

A partir dos resultados, concluiu-se que a bioimpedância elétrica possui boa capacidade preditiva para excesso de gordura corporal de adolescentes e que, na impossibilidade de realização do protocolo, os resultados também se assemelham ao DEXA, sendo possível utilizá-los em estudos populacionais.

O equipamento tetrapolar com oito eletrodos táteis foi o que apresentou maior sensibilidade, sendo os me-lhores resultados obtidos para a população geral e para o sexo feminino, com protocolo, e para o masculino, sem o mesmo.

Encontrou-se, ainda, grande prevalência de adolescentes com elevado percentual de gordura corporal, o que sugere a importância de programas específicos de atenção à saúde dessa população, visando a correção de distrofias e prevenção de doenças cardiovasculares e distúrbios metabólicos na vida adulta.

Devido à grande utilização de bioimpedâncias elétricas, estudos com outras faixas etárias, na presença e ausência do protocolo, são necessários para corroborar sua importância e indicar a confiabilidade dos resultados fornecidos para toda a população.

Financiamento

Agências financiadoras do projeto: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) / Processo nº APQ-01618-10, e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) / Processo nº 485986/2011-6.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Recebido em 22 de outubro de 2012; aceito em 13 de março de 2013

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    Autor para correspondência.
    E-mail:
    vivian.goncalves@ufv.br (V.S.S. Gonçalves).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      22 Out 2012
    • Aceito
      13 Mar 2013
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