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Condorcet e Kant: a esperança como horizonte do projeto político

Resumos

Este trabalho analisa o conceito de esperança nas obras de Condorcet e Kant. Defende-se que o conceito de esperança no progresso da humanidade é de fundamental importância para a compreensão da filosofia política de ambos os autores. Por um lado, esperança oferece um horizonte de sentido que protege suas propostas políticas de visões de mundo antagônicas; por outro, ela se incorpora no próprio projeto político tendo ao mesmo tempo a função de motivação e de criação de instituições políticas com caráter pedagógico.

Esperança; Condorcet; Kant; Filosofia política


This paper analyses the concept of hope in the works of Condorcet and Kant. It will be advocated that the concept of hope in the progress of humanity is of great importance for the comprehension of the political philosophy of both authors. On the one hand, hope gives a horizon of meaning to political philosophy that protects it against antagonistic world views. On the other hand, hope is incorporated into the political philosophy itself having, at once, a motivational function and creation of political institutions with a pedagogical character, as well.

Hope; Condorcet; Kant; Political philosophy


ARTIGOS

Condorcet e Kant: a esperança como horizonte do projeto político

Cristina Foroni ConsaniI; Joel Thiago KleinII

IPós-doutoranda em Direito (UFRN/PNPD/CAPES), crisforoni@yahoo.com.br

IIDoutor em Filosofia e Professor da UFRN, jthklein@yahoo.com.br

RESUMO

Este trabalho analisa o conceito de esperança nas obras de Condorcet e Kant. Defende-se que o conceito de esperança no progresso da humanidade é de fundamental importância para a compreensão da filosofia política de ambos os autores. Por um lado, esperança oferece um horizonte de sentido que protege suas propostas políticas de visões de mundo antagônicas; por outro, ela se incorpora no próprio projeto político tendo ao mesmo tempo a função de motivação e de criação de instituições políticas com caráter pedagógico.

Palavras-chaveEsperança, Condorcet, Kant, Filosofia política.

ABSTRACT

This paper analyses the concept of hope in the works of Condorcet and Kant. It will be advocated that the concept of hope in the progress of humanity is of great importance for the comprehension of the political philosophy of both authors. On the one hand, hope gives a horizon of meaning to political philosophy that protects it against antagonistic world views. On the other hand, hope is incorporated into the political philosophy itself having, at once, a motivational function and creation of political institutions with a pedagogical character, as well.

KeywordsHope, Condorcet, Kant, Political philosophy.

Reconhecer o caráter peculiar da esperança é fundamental para se entender o significado das filosofias Iluministas que defenderam a esperança de um progresso político e moral da humanidade. Na filosofia moderna, pode-se dividir as teorias da esperança em pelo menos dois grupos. De um lado, encontram-se aqueles que a compreenderam como uma emoção ou como uma paixão. De outro, estão aqueles que a entenderam como um assentimento ou aceitação a partir de fundamentos racionais, ainda que objetivamente insuficientes. Ao primeiro grupo pertencem filósofos como Hobbes, Descartes, Espinoza, Locke e Hume,1 1 Cf. Hobbes, 1979, p. 34 (Parte 1, cap. VI). Descartes, 1979, p. 243 (Art. 58). Espinoza, 1979, pp. 216; 189; 255. (Cf. Parte III, Definições das afecções XII; Parte III, Prop. 18, escólio 2; Parte IV, Prop. 47). Locke, 1999, p. 302. (Livro 2, cap. 20). Hume, 2001, pp. 475ss. (Livro 2, Parte 3, Seção 9). ao segundo, Condorcet e Kant.

O que unifica a posição dos filósofos que consideram a esperança como uma paixão ou uma emoção é que, ainda que ela se assente sob uma racionalidade instrumental de considerações de probabilidade para se alcançar um determinado objeto, a esperança mesma permanece como um sentimento involuntário que pode ou não surgir em relação a qualquer objeto considerado aprazível. Esperança é simplesmente algo que se sente em relação a qualquer objeto do desejo após se realizar um cálculo instrumental sobre as chances e o grau de incerteza. Portanto, ainda que um certo tipo de racionalidade instrumental esteja envolvida, a ênfase é no aspecto irracional da paixão ou da emoção.2 2 Cf. Mittleman, 2009, pp. 24ss. Também Mittleman apresenta as filosofias de Condorcet e Kant como atribuindo à noção de esperança o status de uma categoria filosófica.

Neste texto explora-se o significado da tese de Condorcet e de Kant a respeito do caráter racional da esperança e de como ela se relaciona com suas teorias políticas.

1 Condorcet

i) O caráter da esperança

A esperança é um tema que permeia grande parte dos escritos filosóficos e políticos de Condorcet. Contudo, ele torna-se central em um de seus últimos textos, "Esquisse d'um tableau historique des progrés de l'esprit humain".3 3 Cf. Condorcet, 1847, Livro VI, p. 1-278. Nesse texto, Condorcet conduz sua análise dos progressos do espírito humano dividindo a história em dez épocas, sendo que até a nona época ele narra os progressos da humanidade até a Revolução Francesa, reservando a décima época para algumas projeções a respeito das "destinações futuras da espécie humana."4 4 Condorcet, 1993, p. 28. Mas qual o fundamento dessas projeções futuras? Para ele, "se existe uma ciência para prever os progressos da espécie humana, para dirigi-los, para acelerá-los, a história dos progressos que a humanidade já fez deve ser sua base primeira."5 5 Ibidem, p. 27. Em outras palavras, a indicação dos progressos já realizados se torna fundamento para "predições".

Mas a questão que se coloca então é a seguinte: o que garante que a história humana não seja sempre uma eterna sucessão de avanços e quedas, sendo a soma final uma perpétua estagnação? Tendo em mente o quadro da história humana, Condorcet acredita que os resultados apresentados "conduzirão aos meios de assegurar e de acelerar os novos progressos que sua natureza ainda lhe permite esperar",6 6 Ibidem, p. 20. O verbo "esperar" ( espérer) nesse caso não pode ser entendido como sinônimo de aguardar ( attendre). Ele é utilizado aqui para indicar a capacidade de ter esperança em algo, ou ainda, para indicar que se deve considerar (o progresso) como provável, com base nos indícios trazidos pela história. pois

a natureza não indicou nenhum termo ao aperfeiçoamento das faculdades humanas; que a perfectibilidade do homem é realmente indefinida: que os progressos desta perfectibilidade, doravante independentes da vontade daqueles que desejariam detê-los, não têm outros termos senão a duração do globo onde a natureza nos lançou.7 7 Ibidem, p. 20.

A doutrina da perfectibilidade indefinida está estreitamente conectada com a confiança na razão. Condorcet pensa a razão por meio de sua aplicação aos objetos e, deste modo, ela nunca existe apenas na realidade dos atos de conhecimento. Dito de outro modo, a razão não aparece como um absoluto, mas como um instrumento por meio do qual é possível conhecer a verdade.8 8 Ibidem, p. 143. A respeito do conceito de razão em Condorcet, cf. Kintzler, pp. 35-54. Isso significa que a faculdade da razão pode se desenvolver por meio dos conhecimentos que ela alcança e que não tem limites pré-definidos. Na base dessa consideração está uma concepção teleológica da razão e da natureza, de forma que uma vez estando a razão liberta dos grilhões da superstição (algo que Condorcet acredita ter mostrado que aconteceu na nona época), ela tende a continuar se aperfeiçoando e se esclarecendo gradativamente e indefinidamente.

Mas ainda que o progresso seja indefinido, qual é exatamente a direção que ele assume? Condorcet é bastante claro quanto àquilo que se pode esperar. Diz ele: "nossas esperanças sobre os destinos futuros da espécie humana podem se reduzir a três questões: a destruição da desigualdade entre as nações; os progressos da igualdade em um mesmo povo; enfim, o aperfeiçoamento real do homem."9 9 Condorcet, 1993, p. 176.

No campo das relações exteriores, o único modo das nações manterem sua independência e segurança é por meio da formação de confederações perpétuas, nas quais o direito de fazer a guerra seria renunciado em nome da manutenção da liberdade.10 10 Ibidem, p. 196. Dentro de uma mesma nação, a desigualdade possui causas econômicas e sociais, a saber, a diferença de riqueza, a diferença quanto aos meios de subsistência e a diferença de instrução.11 11 Ibidem, p. 182. Condorcet acredita ser possível criar meios não de erradicar, mas de diminuir essas diferenças. As duas primeiras devem ser objeto de uma distribuição mais equitativa da renda e do crédito, tanto por meio da criação de um seguro social para aqueles que precisam, como evitando que o crédito seja um privilégio ligado às grandes fortunas e ainda, fazendo com que as atividades do comércio e da indústria tornem-se independentes dos grandes capitalistas.12 12 Ibidem, pp. 183-184. Quanto à igualdade de instrução,13 13 A instrução funciona como a ponte entre o desenvolvimento das ciências e o desenvolvimento dos costumes. Ela visa especificamente ao desenvolvimento das faculdades intelectuais e das aptidões técnicas; ela se propõe à aquisição de conhecimento e ao exercício da razão. Assim entendida, a instrução não pode ser confundida com a educação, pois esta designa um conjunto de medidas destinadas a formar a moralidade e a dar aos futuros cidadãos o sentimento de pertencer a uma comunidade fraternal, não se vinculando necessariamente aos conhecimentos e pode eventualmente se apoiar apenas sobre os sentimentos. De modo geral, a educação é associada ao domínio privado, ao passo que a instrução cabe ao domínio público. É a instrução e não a educação que é considerada por Condorcet a correia transmissora dos conhecimentos necessários ao aperfeiçoamento. Cf. Kintzler, pp. 229-230. o que se busca alcançar é a exclusão de "toda dependência, ou forçada ou voluntária."14 14 Condorcet, 1993, p. 184. Essa meta poderia ser alcançada por meio de escolha adequada tanto dos conhecimentos quanto dos métodos de ensiná-los e, desse modo, instruir-se-ia os cidadãos com os conhecimentos básicos necessários para o exercício de suas atividades profissionais e políticas.15 15 Condorcet, 1993, pp. 184-185.

Uma vez alcançadas as metas de redução das diferenças econômicas e de instrução, as sociedades podem ser conduzidas a uma igualdade real.16 16 Ibidem, p. 185. Desse modo, a esperança em Condorcet refere-se, em última instância, ao desenvolvimento político e moral da sociedade, o qual não pode se realizar antes de ser enfrentado o problema da desigualdade.

Toda a narrativa de um progresso humano na história, que parte de um passado remoto e que se projeta para um futuro indefinido, possui para Condorcet o status teórico de uma esperança quase certa.17 17 Condorcet afirma, por exemplo, que, "as vantagens reais que devem resultar dos progressos dos quais se acaba de mostrar uma esperança [quase] certa só podem ter por termo o aperfeiçoamento da espécie humana [...]" ( Ibidem, p. 186). Tradução modificada. Foi inserida a palavra "quase", conforme no texto original em francês. Cf. Condorcet, 1847, Livro VI, p. 251. Ou ainda, "a analogia, a análise do desenvolvimento das faculdades humanas e até mesmo alguns fatos parecem provar a realidade dessas conjecturas, que recuariam ainda os limites de nossas esperanças" (Condorcet, 1993, p. 203). Observa-se na última linha desta frase que o termo "recuar" ( reculer) pode dar margem a uma interpretação equivocada desta passagem, haja vista reportar-se a encolhimento ou a retrocesso. Contudo, deve-se notar que se trata do encolhimento dos limites e não da própria esperança. Cf. Œvres, 1847, Livro VI, p. 275. Isso significa que, por um lado, essa esperança não possui o mesmo status teórico outorgado às inferências das ciências naturais e exatas, mas, por outro lado, também não possui o status de uma mera projeção volitiva. Trata-se de uma segurança sobre a existência do progresso gerada por uma reflexão racional. Nesse sentido lê-se:

Se o homem pode predizer com uma segurança quase integral os fenômenos dos quais conhece as leis; se, mesmo quando estas lhe são desconhecidas, ele pode, a partir da experiência do passado, prever com uma grande probabilidade os acontecimentos do futuro; por que ver-se-ia como um empreendimento quimérico aquele de traçar, com alguma verossimilhança, o quadro dos destinos futuros da espécie humana, a partir dos resultados de sua história?18 18 Condorcet, 1993, p. 176.

Note-se que, por um lado, Condorcet se apoia na pressuposição de uma certa equivalência entre as ciências naturais e exatas e o campo da história humana, mas, por outro lado, ele tem o cuidado de acentuar que aquela pressuposição não pode ser tratada como uma quimera, ainda que a história possa contar apenas com uma verossimilhança, ou seja, não se trata nem de uma simples inferência e, muito menos, da equivalência entre ambos os campos de conhecimento

já que as opiniões formadas a partir da experiência do passado, sobre objetos da mesma ordem, são a única regra da conduta dos homens mais sábios, por que proibir-se-ia ao filósofo apoiar suas conjecturas nesta mesma base, desde que ele não lhes atribua uma certeza superior àquela que pode nascer do número, da constância, da exatidão das observações?19 19 Condorcet, 1993, p. 176. Tradução modificada. Suprimiu-se o superlativo de superioridade "os" da frase "os homens os mais sábios" porque tal estrutura não é usual na língua portuguesa.

Portanto, para Condorcet, esperança não é mera hipótese, mas também não chega a ser uma certeza, tal como aquela que está presente nas ciências naturais e exatas. Contudo, ela não é um mero sentimento ou emoção, pois possui uma estrutura racional semelhante àquela que a moral e o direito utilizam a respeito da avaliação "da conduta dos homens mais sábios". A esperança se sustenta na legitimidade de uma reflexão sobre passado e na pressuposição do caráter unitário e teleológico da natureza e da razão humana.

ii) A esperança e o projeto político

Nenhum dos textos de Condorcet mostra melhor o quanto a esperança no progresso exerceu influência sobre sua proposta política quanto o "Plan de Constitution". Esta obra, escrita em 1793, foi um dos últimos textos políticos de Condorcet e abriga praticamente todos os conceitos relevantes que o autor desenvolveu ao longo de sua trajetória como filósofo e como político. Nesse texto, redigido a pedido da Convenção Nacional para ser a primeira constituição republicana da França, Condorcet demonstra como a estrutura política de uma determinada sociedade pode incorporar, promover e proteger os aspectos mais difundidos do iluminismo: a razão, a igualdade e a liberdade. A avaliação desse texto à luz da esperança no progresso será feita a partir dos próprios princípios acima nominados.

O "Plan de Constitution", composto por uma Exposição de Princípios e Motivos, por um Projeto de Declaração de Direitos e por um Projeto de Constituição, está baseado na profunda crença de Condorcet nos ideais iluministas e racionalistas. Logo nos primeiros parágrafos o autor adverte que uma constituição deve ser "fundada unicamente sobre os princípios da razão e da justiça."20 20 Condorcet, 1847, Livro XII, p. 335. Tradução própria. A razão é o fundamento dos direitos naturais que, por conseguinte, servem de base à Declaração de Direitos e à Constituição. Diz ele, "os direitos dos homens resultam unicamente de que eles são seres sensíveis, suscetíveis de adquirir ideias morais e de raciocinar sobre essas ideias."21 21 Condorcet, 1847, Livro X, p. 122. Tradução própria.

É por confiar na capacidade de esclarecimento dos indivíduos que ele cria

uma constituição verdadeiramente democrática, na qual o povo conserva seu poder de deliberar e decidir, ainda que delegue atribuições aos representantes eleitos. Para a realização desse projeto os conceitos de igualdade e de liberda-

de são determinantes.

De todos os direitos naturais, a igualdade é aquele que assume maior relevância na obra de Condorcet, pois é ele que fundamenta todos os demais direitos.22 22 Condorcet apresenta a igualdade como um direito do qual derivam todos os outros em seu texto "De l'influence de la Révolution d'Amérique sur l'Europe". Cf. Condorcet, 1847, Livro VIII. Sobre este tema ver também Willians, 2004, pp. 45-68, e Montfort, 1915, pp. 30-33. É por serem iguais em sua capacidade racional que os seres humanos devem ser considerados iguais em seus direitos. O conceito de igualdade defendido pelo filósofo iluminista é, contudo, o da igualdade de direitos e não de fato. Ele admite a "desigualdade pessoal, a desigualdade de fortuna e aquela de opinião"23 23 Condorcet, 1847, IX, p. 227. , mas sustenta veementemente que deve ser excluída "toda desigualdade que não é uma consequência necessária da natureza do homem e das coisas e que, consequentemente, seria a obra arbitrária das instituições sociais."24 24 Ibidem, Livro IX, p. 166. Por essa razão, a lei positiva não pode instituir nenhuma desigualdade, como Condorcet deixa claro nos artigos do Projeto de Declaração de Direitos de 1793 consagrados à igualdade natural, civil e política de todos os homens.

De modo geral, "a igualdade consiste em que cada um possa gozar dos mesmos direitos."25 25 Ibidem, Livro XII, p. 418. Disso deriva a igualdade civil, segundo a qual "a lei deve ser igual para todos, seja aquela que recompense ou aquela que puna, seja aquela que proteja ou aquela que reprima",26 26 Ibidem, Livro XII, p. 418. e também a igualdade política, por meio da qual os direitos políticos são estendidos a todos os cidadãos, homens ou mulheres, independentemente de sua condição socioeconômica, raça ou nacionalidade, desde que tenham completado vinte e um anos de idade, participem da vida política em uma assembleia primária e residam no território francês durante um ano sem interrupção. Todo cidadão torna-se elegível a partir dos vinte e cinco anos de idade. A única causa de exclusão de um indivíduo dos seus direitos de cidadania seria a comprovação de algum tipo de dependência que o impedisse de obedecer apenas à sua própria von-

tade (como no caso das crianças ou de pessoas com deficiência intelectual).

O que mais se pode esperar da igualdade na teoria política de Condorcet? Será que ela abriga também um ideal de igualdade material? A igualdade à que se refere o filósofo iluminista é, como se mostrou acima, aquela referente aos direitos. Contudo, nos escritos condorcetianos a concretização de determinados direitos e a implementação de medidas político-institucionais têm o condão de levar à redução de certos tipos de desigualdades, a saber, as desigualdades econômicas, de riqueza e de instrução.27 27 Nesse sentido cf. Alengry, 1904, p. 405; Lukes e Urbinati, 2012, p. xxiii. As desigualdades econômicas e de riqueza, em seu entendimento, tendem a reduzir progressivamente caso a lei positiva não favoreça desigualdades tais como a primogenitura ou a hereditariedade de status social e do exercício de cargos públicos. A desigualdade de instrução pode ser combatida com a instituição da instrução pública elementar, universal e gratuita.28 28 Condorcet trata especificamente do tema da instrução pública em dois grandes ensaios: "Sur l'instruction publique" (1791-1792) e "Rapport et projet de décret sur l'organization géneral de l'instruction publique" (1792). Nesses textos, ele defende a laicidade e a neutralidade religiosa da instrução pública, rejeita toda e qualquer doutrina de Estado ou de "religião civil", sugere programas e métodos de ensino e acaba por conferir à instrução uma destinação e um objeto político, a saber, a formação do cidadão, a promoção de sua autonomia intelectual de modo a liberá-lo de toda e qualquer sujeição intelectual. Cf. Condorcet, 1847, VII, pp. 167-448 e 449-573. A respeito do conceito de autonomia intelectual ver Kintzler, 1984, pp. 178-185. A redução das desigualdades sociais, não daquelas consideradas naturais, é uma meta que deve ser alcançada por meio do direito e das instituições republicanas. É por essa razão que a instrução pública e a seguridade social são direitos consagrados no Projeto de Declaração de Direitos de 1793.29 29 Condorcet, 1847, Livro XII, pp. 420-421.

Ao lado da igualdade, a liberdade é um conceito central na teoria política de Condorcet, fundamental para seu constitucionalismo democrático, assim como para o modo como ele compreende a possibilidade de emancipação do homem. Esse conceito assume quatro sentidos distintos: natural, social, político e pessoal.30 30 Essas definições de liberdade são dadas em um texto de 1793/1794, cuja única versão impressa foi editada em 1914 por Léon Cahen. Cf. Cahen, 1914, pp. 581-594. A liberdade natural é definida pelo autor como uma faculdade, não absoluta, mas relativa, que deriva da natureza e do homem e que todos possuem. Ela pode ser ampliada com o aprimoramento do uso da razão, da sensibilidade e com a instrução dos indivíduos.31 31 Cf. Cahen, 1914, p. 588. É da liberdade natural que derivam todas as demais. A liberdade social é aquela que surge quando o indivíduo consente livremente em associar-se com outros e submeter-se às regras comuns. Essas regras comuns são estabelecidas por participantes em bases iguais e por decisão majoritária. Contudo, os direitos das minorias devem ser assegurados.32 32 Ibidem, p. 589. A exigência de igualdade, já presente na liberdade social, será o critério constitutivo da liberdade política, que é definida como "o poder de concorrer com uma inteira igualdade à formação das regras comuns que obrigam com igualdade segundo a vontade da maioria."33 33 Cahen, 1914, p. 589. Tradução própria. A liberdade política é tomada como um ramo da liberdade do indivíduo, pois se ele não contribuísse de nenhum modo para a criação da vontade expressa na lei, ou se contribuísse de forma desigual, estaria submetido a uma vontade externa.34 34 Cf. Cahen, 1914, p. 590. Por fim, a liberdade pessoal é aquela que garante os direitos civis e refere-se aos aspectos da liberdade que são separados da liberdade política. Condorcet equipara a liberdade pessoal à independência. Segundo ele, "o homem é tanto mais independente quanto menos as leis, as regras comuns a todos, se estendem às suas ações."35 35 Ibidem, p. 593. Tradução própria.

Esses conceitos foram abrigados pelo "Plan de Constitution" de 1793, tanto no Projeto de Declaração de Direitos quanto no Projeto de Constituição. Os conceitos de liberdade natural e de liberdade social permeiam toda a obra, mas sua definição não se encontra em artigos específicos. A liberdade pessoal é afirmada no Projeto de Declaração de Direitos e é definida como o direito de "fazer tudo o que não é contrário aos direitos de outrem", ou ainda, ao se estabelecer que "tudo o que não for proibido pela lei não pode ser impedido, e ninguém pode ser coagido a fazer o que ela não ordena". Ela se configura também pela proteção à manifestação do pensamento e das opiniões, ao exercício de culto e da imprensa livre."36 36 Condorcet, 1847, Livro XII, pp. 417-418. Tradução própria. ("Projet de declaration des droits naturels, civils et politiques des hommes" - cf. artigos 02 a 06).

Já a liberdade política37 37 Condorcet aborda a relação entre liberdade pessoal e política em um texto de 1792, "De la nature des pouvoirs politique dans une nation libre". Sobre a submissão do indivíduo às normas coletivas ele diz o seguinte: "A razão, de acordo com a natureza, coloca apenas um limite à independência individual, acrescenta apenas uma obrigação social àquelas da moral particular: é a necessidade e obrigação de obedecer às ações que devem seguir uma regra comum, não à sua própria razão, mas à razão coletiva do maior número; eu digo à sua razão e não à sua vontade, pois o poder da maioria sobre a minoria não deve ser arbitrário [...]." Tradução própria. Cf. Condorcet, 1847, Livro X, pp. 589-590. Ver também Williams, 2004, p. 51. consiste no exercício dos direitos políticos e na participação na soberania nacional. Ela é delineada dentro do Projeto de Constituição como um conjunto de possibilidades criadas para que o cidadão possa participar do processo de elaboração da lei de modo que sua vontade esteja inserida na legislação que o rege. Condorcet não idealizou a participação direta dos cidadãos nos moldes das antigas democracias, ele a introduziu juntamente com um conjunto de instituições e regras aptas a estabelecerem os limites da ação dos cidadãos no espaço público a fim de preservar o interesse geral. Sua meta foi "prevenir a participação 'imprudente' pelos cidadãos ou por seus representantes, expostos à ignorância, a interesses sectários e à intemperança das paixões."38 38 Urbinati, 2006, p. 183. A fim de evitar esse tipo de problema, o autor propôs em seu Projeto de Constituição a multiplicação dos locais de debate e um complexo sistema de aumento do tempo para a tomada de decisões, criando assim um meio de formação indireta da vontade diferente daquele que havia sido proposto na França por Sieyès39 39 A proposta democrática elaborada por Condorcet prevê a participação dos cidadãos na política, mas concilia participação e representação de modo a evitar a polarização, presente no texto de Sieyès, entre o poder constituinte extraconstitucional e o poder constituído derivado, na qual a função política dos cidadãos é essencialmente eleger uma classe de representantes que serão os cidadãos politicamente ativos. Cf. Sieyès, 1986. e nos Estados Unidos por Madison.40 40 No Federalista nº 10 Madison faz a distinção entre democracia e república, definindo esta como um governo no qual está presente o esquema da representação e aquela como um governo no qual é possível se dar a participação direta dos cidadãos na política. Cf. Hamilton, Jay, Madison, 1987, p. 126.

A proposta era de que o território fosse dividido de forma a proporcionar

a maior participação possível dos cidadãos em pequenas instâncias deliberati-

vas. A nação distribuiria seu poder político decisório em departamentos, comunas, seções municipais e estas seriam subdivididas em assembleias pri-

márias. As assembleias primárias eram lugares físicos onde qualquer cidadão poderia consultar boletins sobre a atividade legislativa da assembleia na-

cional, apresentar sua proposta de emenda a uma lei existente e submetê-la à discussão e ao voto, votar em propostas vindas de outras assembleias ou simplesmente selecionar candidatos e eleger representantes, assim como solicitar a perda do cargo de um representante eleito.41 41 As instituições jurídico-políticas da República deveriam adequar-se a esta divisão territorial. Estas instituições são as seguintes: o Corpo Legislativo (atribuições legislativas), o Conselho Executivo da República, a Tesouraria Nacional, os Corpos Administrativos dos Departamentos e das Comunas (estes três com atribuições administrativas), a Administração da Justiça (atribuições judiciais com poderes bastante limitados à resolução de questões particulares dos cidadãos) e por fim, as Assembleias Primárias. Condorcet vislumbrou na institucionalização desses canais de diálogo com os cidadãos uma forma de evitar revoltas, facções e manifestações desordenadas. Nesse aspecto, sua teoria política deixa como legado a possibilidade de conciliação do sistema representativo com a participação popular.42 42 A respeito da conciliação da democracia participativa e representativa em Condorcet, ver Urbinati, 2006.

A liberdade pessoal (os direitos individuais) podem existir com ou sem liberdade política (participação igual na elaboração da lei), mas nesse caso ela não será uma liberdade completa. Isso é possível no esquema delineado por Condorcet haja vista ele admitir a existência de graus de liberdade. Ele visualiza na história a existência de casos de semiliberdade (como por exemplo, em sociedades em que apenas alguns participam da elaboração da lei e todos devem obedecer, ou onde a participação de todos ocorre, mas de forma desigual).43 43 Cf. Cahen, 1914, p. 592. Diz ele: "um homem livre é aquele que goza da liberdade social. Um povo livre é aquele em que todos os membros alcançaram a idade da razão, gozando dessa liberdade."44 44 Ibidem, p. 590. Tradução própria. Assim sendo, a concepção de liberdade do autor tem uma dupla finalidade; por um lado, ela é um ideal para o qual indivíduos e sociedades devem caminhar, por outro lado, ela é um parâmetro de avaliação do aperfeiçoamento pessoal, social e político.

Os conceitos de igualdade e de liberdade mostram como a filosofia política de Condorcet é alimentada por sua filosofia da história, na qual a esperança fundada na razão ocupa o status de uma "quase certeza" a respeito do progresso e da capacidade de aperfeiçoamento, tanto dos indivíduos quanto das sociedades.45 45 Condorcet afirma, por exemplo, que, "as vantagens reais que devem resultar dos progressos dos quais se acaba de mostrar uma esperança [quase] certa só podem ter por termo o aperfeiçoamento da espécie humana [...].". Condorcet, 1993, p. 186. Tradução modificada. Foi inserida a palavra "quase", conforme no texto original em francês. Cf. Condorcet, 1847, Livro VI, p. 251. Isso lhe permite elaborar uma proposta política que aposta

no potencial do indivíduo como cidadão virtuoso, capaz de participar ativamente na política e no processo de tomada de decisões em prol do inte-

resse comum. Democracia e esclarecimento andam pari passu. A opção repu-

blicana democrática não é possível sem a existência de um povo instruído; todavia, ela é parte do próprio processo de aperfeiçoamento individual e social.

2 Kant

i) O caráter da esperança

A questão sobre o "o que me é permitido esperar?"46 46 Kant, KrV, B 833. Aqui é importante ressaltar uma dificuldade de tradução. Na língua alemã existem dois verbos diferentes que podem ser traduzidos da mesma forma para a língua portuguesa. São os verbos " hoffen", que se refere à atitude de se ter esperança, e o verbo "erwarten", no sentido de aguardar. Quando Kant formula a pergunta acima, ele utiliza o verbo hoffen e isso possui grandes implicações. O verbo erwarten se refere à atitude da razão que se dá no campo técnico-pragmático, isto é, dadas certas condições e por um cálculo de probabilidade o indivíduo pode esperar ( aguardar) que ele atingirá seu objetivo ou alcançará o objeto de seu desejo. Já o verbo hoffen passa a indicar uma categoria filosófica particular que se refere a um interesse da razão e não a um interesse qualquer do indivíduo. Além disso, ele não se legitima com base num cálculo de probabilidades, mas se funda no campo prático da razão, especificamente sob o conceito de dever. traz a esperança para dentro do sistema da razão pura. Ela se torna uma categoria filosófica que se refere a um determinado objeto, ao qual a razão tende por sua própria natureza. Por um lado, a esperança não pode ser ordenada, pois pressupõe sempre um ato de liberdade e de escolha, mas por outro lado, a esperança se refere a algo que a razão representa que deveria acontecer na medida em que o dever é cumprido. Nesse sentido, a questão da esperança posta pela razão "é concomitantemente prática e teórica, e de um modo tal que o prático serve unicamente como fio condutor para se responder à questão teórica e, no caso desta elevar-se, à questão especulativa."47 47 Kant, KrV, B 833.

Na filosofia kantiana, a legitimidade dessa esperança é alcançada a partir de três fundamentos distintos. O primeiro deles é a garantia transcendental de que nenhuma teoria sobre o fim da história humana pode ser teoricamente comprovada, seja a priori, seja a posteriori.48 48 Cf. Kant, TP, AA 08: 308-309. Segundo, existe um mandamento moral da razão que exige que o ser humano obedeça à lei moral; por conseguinte, que ele também possa ser capaz de obedecê-la. Terceiro, existem fundamentos racionais teóricos e práticos para assumir a validade de uma concepção teleológica da natureza e, por conseguinte, também da história humana.49 49 Esse ponto é desenvolvido na "Crítica da faculdade do juízo", especificamente na segunda parte da obra, chamada "Crítica da faculdade do juízo teleológica".

Essa legitimidade, sustentada especialmente sobre esse terceiro funda-

mento atribui um caráter especial para essa esperança, vinculando-a ao conceito de crença. De um lado, ela não possui o mesmo caráter de um conhecimento ou mesmo de um possível conhecimento. A crença não é uma opinião, a qual possui valor de verdade e pode tornar-se um conhecimento na medida em que o que é afirmado se torne comprovado. Em outras palavras, apesar da esperança se referir a um objeto possível, a sua formulação judicativa não possui valor de verdade, possui apenas um valor de crença, a qual pode ser avaliada como uma convicção bem fundada racionalmente ou não, mas não como verdadeira ou falsa. Por outro lado, a crença não é um conhecimento prático stricto sensu, pois não possui a forma de um mandamento que pudesse ser vinculado diretamente à lei moral, não podendo ser ordenada e não podendo ser testada pelo imperativo categórico, enquanto uma máxima moral ou imoral. Na terminologia técnica kantiana, a esperança na sua forma de crença se constitui enquanto um assentimento objetivamente insuficiente, mas subjetivamente suficiente, isto é, "não devo dizer que é moralmente certo que existe um Deus etc., mas sim que eu estou moralmente certo etc."50 50 Kant, KrV, B 857. Da mesma forma, não se pode dizer que é moralmente certo que a história humana está num contínuo progresso moral, mas apenas que se

está moralmente certo disso.

ii) A Esperança e o projeto político

A relação da esperança em um progresso da humanidade e o projeto político tem pelo menos duas facetas distintas. De um lado, a esperança protege a teoria política, de outro, ela permite que o próprio projeto político incorpore uma estrutura prospectiva e pedagógica que possibilita administrar a tensão existente entre o que deve ser e o que é, além de dar conta do aspecto político motivacional.

Uma teoria histórica que legitime a esperança no progresso da humani-

dade protege a teoria política dos ataques de teorias dogmáticas como a do fatalismo político. Para Kant, a política é a "teoria do direito aplicada", isto é, ela deve se orientar por princípios morais fundados no conceito de dever, os quais foram expostos na "Doutrina do direito". Mas, se fosse possível demonstrar que não é possível cumprir o dever, então a regra de prudência que orienta a não visar ao inexequível teria precedência diante do mandamento moral de agir sobre a descendência no intuito de torná-la sempre melhor.51 51 Cf. Kant, TP, AA 08: 309. Nesse caso aconteceria um "colapso da razão", pois haveria uma contradição nos seus usos teórico e prático. Mas como é impossível demonstrar que não é possível cumprir o dever, segue-se que o mandamento moral tem precedência e aquela regra de prudência não se aplica. Existe, contudo, uma distância entre o dever de atuar no progresso da humanidade e uma teoria histórica que fundamente a esperança em tal progresso. Como já foi apontado por comentadores kantianos: do dever segue-se o poder, não o existir.52 52 Cf. Allison, 1995, p. 46; Kleingeld, 1995, p. 55. Em outras palavras, do dever segue-se a possibilidade do progresso, não a existência dele. Nesse caso, uma teoria da história não se justifica imediata e suficientemente a partir do próprio conceito de dever. Então, por que Kant simplesmente não se restringe à tese de que o progresso da humanidade é possível, mas vai além, afirmando que se pode acreditar que tal progresso de fato está ocorrendo? Existem dois motivos para isso, um estritamente racional e outro político.

Ofundamentoracional é o de que a razão pura precisa apresentar uma resposta satisfatória para a questão sobre o que lhe é permitido esperar, pois se trata de uma questão que tem sua origem na própria razão. Ora, trata-se de um pressuposto da filosofia transcendental que a razão tem o dever e também as condições de responder às questões que têm origem nela própria.53 53 Kant, KrV, B 791. A mera possibilidade lógica do progresso, isto é, probabilística, não é uma resposta satisfatória, pois significaria dizer simplesmente que não é contraditório esperar o progresso. Entretanto, para uma possibilidade real, é necessário mais do que isso, trata-se de construir uma teoria que dê suporte para a crença na possibilidade do progresso e isso, por sua vez, só pode ser feito com base numa ampla teoria teleológica da natureza. Dito de outra forma, garantir a possibilidade real do progresso significa dar conta de mostrar que faz sentido acreditar que o progresso de fato já vem ocorrendo, pois uma teoria teleológica da natureza não pode simplesmente começar a operar num determinado momento histórico, deixando todo o passado num completo limbo de irracionalidade. Portanto, garantir a possibilidade real do progresso da humanidade na história já implica a construção de uma teoria que garanta a racionalidade da afirmação de que o progresso já vem ocorrendo.

Ofundamentopolítico se refere a um enfrentamento da faculdade superior de conhecimento, o Direito, com a suposta faculdade inferior, a Filosofia. No ensaio "O conflito das faculdades" (1798), Kant retoma esse tema que já esteve presente nos textos "Teoria e prática" (1793) e "À paz perpétua" (1795), qual seja, de que a Filosofia apresentaria uma teoria que não serve para prática. Os juristas e os políticos recusam a teoria filosófica construída no conceito de dever com base na premissa de que a Filosofia apresenta uma teoria que parte do pressuposto de como os homens deveriam ser, enquanto que o Direito e os Políticos afirmam que a prática precisa de uma teoria que surja da própria prática, isto é, de uma teoria que se oriente segundo o que os homens são. Nesse sentido, Kant dispara uma crítica fulminante:

Os nossos políticos, no âmbito da sua influência, fazem outro tanto e são igualmente felizes no seu presságio. - Importa, dizem eles, tomar os homens como são, e não como pedantes ignaros do mundo ou como benévolos fantasistas sonhando que deviam ser. Mas o como são deveria significar: o que deles fizemos por um injusto constrangimento, por desígnios traiçoeiros sugeridos ao governo, i.e., obstinados e inclinados a sublevação; e então, sem dúvida, quando ele larga um pouco as rédeas, tristes consequências se produzem que justificam a profecia dos homens de Estado pretensamente sábios.54 54 Kant, SF, AA 07: 80, grifos do original.

Ora, não é sem motivo que a disputa entre a Filosofia e o Direito retoma no "Conflito das faculdades" a "questão renovada: estará o gênero humano em constante progresso para o melhor?" A legitimidade da crença no progresso da humanidade está diretamente vinculada à aplicabilidade da doutrina kantiana do direito, isto é, a política no seu sentido verdadeiro. A impossibilidade dessa crença, isto é, as concepções abderitista, terrorista ou eudemonista ingênua da história estariam em franca contradição com a teoria política kantiana.55 55 Cf. Kant, SF, AA 07: 81-82. Portanto, para que a teoria política mantenha sua coerência dentro do sistema da razão e para que ela consiga realizar um enfrentamento político no âmbito da prática, ela precisa pressupor uma filosofia da história que construa os contornos teóricos para a esperança no progresso da humanidade. A filosofia kantiana da história mina as considerações dogmáticas da faculdade de Direito e da Política aplicada, segundo as quais elas supostamente saberiam como os homens são. A filosofia kantiana da história defende uma concepção crítica sobre o que os homens são na realidade: o que eles fizeram de si próprios no decorrer da história, mas também o que eles poderiam ter feito e ainda podem fazer de si no futuro, segundo as suas faculdades.56 56 Para Kant existe uma relação intrínseca entre a Filosofia da história e a Antropologia. Cf. "Portanto, para indicar a classe do ser humano no sistema da natureza viva e assim o caracterizar, nada mais nos resta a não ser afirmar que ele tem um caráter que ele mesmo cria para si enquanto é capaz de se aperfeiçoar segundo os fins que ele mesmo assume; por meio disso, ele, como animal dotado da faculdade da razão ( animal rationabile), pode fazer de si um animal racional ( animal rationale)" (Kant, Anth, AA 07: 321).

Agora, passa-se ao segundo aspecto da relação entre esperança e teoria política, qual seja, como a própria teoria política incorpora a esperança no intuito de solucionar uma tensão inerente ao projeto e a realidade fenomênica. Essa integração ocorre de duas formas, de um lado, lidando com a contin-

gência fenomênica, de outro, funcionando também como elemento moti-

vacional. A teoria política de Kant é conhecida por se orientar segundo o conceito de dever e na direção da realização do ideal de uma república perfeita e de uma federação das nações que constitui um estado de paz perpétua entre as nações. Mas como conciliar essa orientação moral com o mundo da política tal como ela é feita e que se encontra retorcido por jogos de poder e mentiras, onde o que em geral prevalece são a astúcia e a força em detrimento da boa vontade e do direito? Como vincular o que se deve ser com o que se é? A solução de Kant pode ser traduzida pelo seguinte mote: "seja prudente como a serpente, mas sem falsidade como a pomba".57 57 "A política diz: ' sede prudentes como a serpente'; a moral acrescenta (como condição limitativa): ' e sem falsidade como as pombas'" (Kant, ZeF, AA 08: 370). Nesse sentido, no âmbito da política interna, um estado pode se governar como uma república ainda que sob um poder soberano despótico, até que os cidadãos aprendam a agir segundo a pura influência da lei, ou no âmbito da política externa, que os Estados mantenham a constituição despótica quando estão ameaçados de serem engolidos por inimigos externos perigosos.58 58 Kant, ZeF, AA 08: 372f.

Ora, o que permite Kant pressupor que haverá um momento em que o povo se torne capaz de legislar a si próprio ou que haverá momentos em que o Estado terá uma melhor oportunidade para renunciar à sua constituição despótica? Trata-se da esperança de que, com o passar do tempo, surgirão novas oportunidades para que a ideia de direito se concretize e, mais do que isso, da esperança que os governantes e os políticos sejam além de prudentes, também sem falsidade, a ponto de perceberem essa oportunidade e não a desperdiçarem em favor do seu amor-próprio. A esperança cumpre assim um papel importante na adequação da teoria política à realidade contingente. Ela permite realizar concessões temporárias, sem que a própria teoria seja comprometida. Mas, e se os governantes e políticos legislarem apenas em favor próprio e não forem "sem falsidade como as pombas"? Novamente aqui entra a esperança, mas agora sob a forma de uma confiança na Providência ou na Natureza: "confio também (in subsidium) na natureza das coisas, que obriga a ir para onde de bom grado se não se deseja (o destino guia o dócil arrasta quem lhe resiste)."59 59 Kant, TP, AA 08: 313. Em outras palavras, onde os políticos relutam em realizar as reformas, terão que lidar em algum momento com as revoluções que a natureza humana mesma suscita.60 60 Cf. Kant, ZeF, AA 08: 373, n.

Finalmente, a respeito do aspecto político motivacional que a própria esperança exerce sobre o ânimo de todos os cidadãos, pode-se retomar o debate travado entre Kant e Mendelssohn, o qual era da seguinte opinião: "vemos, diz ele, o gênero humano no seu conjunto fazer pequenas oscilações, e nunca dá alguns passos em frente sem logo a seguir retroceder duas vezes mais depressa para seu estado anterior",61 61 Kant, TP, AA 08: 307. tal como no rochedo de Sísifo. Kant responde:

A esperança de melhores tempos, sem a qual um desejo sério de fazer algo de útil ao bem geral jamais teria aquecido o coração humano, sempre teve influência na atividade dos que retamente pensam; e o afável Mendelssohn teve também de ter isso em conta, ao esforçar-se com tanto zelo em prol da ilustração e da prosperidade da nação a que pertencia. Pois, não podia racionalmente esperar [hoffen] que ele próprio e por sua conta apenas trabalhasse, se outros após ele não enveredassem pela mesma senda.62 62 Kant, TP, AA 08: 309.

Ora, a esperança de que o esforço individual do trabalho em prol de um bem maior que não pode ser alcançado individualmente seja complementado por outros é fundamental para que a própria atividade seja plena de sentido. Enfim, a esperança no progresso estabelece um horizonte de sentido para o agir político, o qual o conceito de dever por si mesmo não alcança de modo suficiente. Isso não significa que o dever cesse sem a esperança, mas que, para permanecermos na senda aberta pelo dever, também precisamos ter um horizonte de sentido que somente pode ser criado pela esperança em um progresso contínuo.63 63 Cf. Kant, KU, AA 05: 452-453.

3 Considerações finais

No intuito de evitar equívocos é importante apontar para alguns outros aspectos que distanciam e também aproximam ambos os filósofos.

Inicia-se com as diferenças. As mais importantes são as que seguem: 1. Kant não escreve uma História universal, apenas lança o fundamento filosófico de tal empresa, deixando-a para uma mente que seja mais versada historicamente.64 64 Kant, IaG, AA 08:18. Além disso, ele apresenta o progresso de uma forma muito mais indeterminada e com um percurso mais indefinido. 2. Para Condorcet o conceito fundamental é o de igualdade,65 65 Condorcet, 1993, p. 176. enquanto para Kant é o de liberdade. 3. Embora ambos tenham em mente a necessidade de uma educação emancipatória, Condorcet acredita que o progresso da moralidade se dará também com o aumento de uma sensibilidade moral,66 66 Cf. Ibidem, pp. 193-194. enquanto que para Kant o aumento de uma sensibilidade moral não está em questão.67 67 Cf. Kant, SF, AA 07: 157. 4. Finalmente, apesar de ambos serem entusiastas da Revolução Francesa, eles a vivenciaram de formas bem distintas. O fato de Kant tê-la acompanhado de longe e por mais tempo, fez com que ele tivesse uma valoração mais comedida a respeito do seu legado histórico,68 68 Cf. Soromenho-Marques, 1998, pp. 457-492. qual seja, trazer à tona a ideia do direito dos povos e de uma forma tão marcante, que ela jamais seria esquecida,69 69 Cf. Kant, SF, AA 07: 143ss. mas não que a própria Revolução Francesa fosse o marco de fundação de uma república governada segundo os princípios universais do direito, como acreditava Condorcet.

Quanto às similaridades, pode-se destacar as seguintes: 1. O primeiro grande ponto em comum entre eles foi Rousseau.70 70 Para Rousseau, quanto mais as artes e as ciências estiverem presentes na cultura de um povo, tanto menos virtuoso ele será. A ciência e as artes se tornaram um mal necessário, isto é, não podem ser varridas da sociedade, porém elas devem ser cultivadas apenas pelos fortes de espírito (Cf. Rousseau, 1973, p. 388). Além disso, a polidez, fruto das ciências e das artes, é vista como hipocrisia e um embuste à virtude (Cf. Rousseau, 1973, pp. 344ss; 395) Kant e Condorcet, cada um de sua forma, procuraram responder às críticas de que as ciências e as artes contribuem necessariamente para a corrupção dos costumes.71 71 Cf. Condorcet, 1993, pp. 20-21; Kant, IaG, AA 08: 26; KU, AA 05: 432 -434. 2. O progresso implica a saída de um estado de superstição para Condorcet, ou de um estado de menoridade para Kant. Ambos veem a dominação religiosa como o pior dos grilhões da humanidade. 3. Otimismo em relação a um projeto pedagógico e também ao aspecto pedagógico das próprias instituições políticas republicanas. 4. O progresso da humanidade culminará com o fim das guerras entre as nações e a formação de uma federação para a promoção da paz. 5. Para ambos a esperança no progresso se sustenta sob a crença na capacidade libertadora da razão. 6. Para ambos o progresso é contínuo, mas não linear, isto é, pode haver momentos de estagnação e inclusive regresso, mas não de completo retrocesso.

Dois aspectos da relação entre política e esperança merecem ser um pouco mais destacados. Primeiro, o caráter racional atribuído à esperança possibilita a abertura de um horizonte de sentido à política que ultrapassa a mera instrumentalidade e permite pensar em meios institucionais que, a longo prazo, possam incorporar gradativamente os ideais de democracia e de esclarecimento, os quais, por sua vez, são fundamentos de sua própria possibilidade. Em outras palavras, para os autores uma visão pessimista da história humana conduziria a um desenho muito distinto das instituições políticas, o que seria, por sua vez, a principal causa do próprio fracasso da realização dos ideais democráticos e iluministas.

O segundo aspecto se refere à diferença entre a convicção da esperança e a certeza atribuída às ciências naturais e exatas. O fato de a esperança ser distinta da certeza teórica também protege a política do conformismo e do fatalismo. Se o progresso moral da humanidade fosse algo teoricamente certo, então qual seria o motivo de nos empenharmos em sua realização? Tal como quando se aguarda a chegada de uma nova estação do ano, esperar-se-ia comodamente a chegada do progresso. Por outro lado, a certeza da impossibilidade do progresso também minaria os esforços orientados para ele. Portanto, para que o progresso possa ocorrer, precisa-se ter a esperança de que ele já vem ocorrendo e de que continuará a ocorrer se os seres humanos se empenharem nessa direção, pois só assim se pode continuar trabalhando intencionalmente em sua promoção. É somente trabalhando na promoção do progresso que se pode alcançar o direito de se ter esperança de que os próprios esforços contribuam de alguma forma para a constante melhora do gênero humano. Essa mútua dependência entre esperança e progresso somente é possível pelo fato de a esperança ser entendida como um assentimento racional distinto da certeza teórica.

Por fim, pode-se dizer que tanto Condorcet quanto Kant procuraram ne-

gar com a sua teoria da esperança que a condição humana na história fosse vista como o Inferno descrito por Dante, em cujo pórtico se lia: "Abandonai toda a esperança, ó vós que aqui entrais!"72 72 Alighieri, 2002, 17 - Canto III.

Referências

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Artigo recebido em 21/09/2012 e aprovado em 10/03/2013

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  • 1
    Cf. Hobbes, 1979, p. 34 (Parte 1, cap. VI). Descartes, 1979, p. 243 (Art. 58). Espinoza, 1979, pp. 216; 189; 255. (Cf. Parte III,
    Definições
    das
    afecções XII; Parte III, Prop. 18, escólio 2; Parte IV, Prop. 47). Locke, 1999, p. 302. (Livro 2, cap. 20). Hume, 2001, pp. 475ss. (Livro 2, Parte 3, Seção 9).
  • 2
    Cf. Mittleman, 2009, pp. 24ss. Também Mittleman apresenta as filosofias de Condorcet e Kant como atribuindo à noção de esperança o
    status de uma categoria filosófica.
  • 3
    Cf. Condorcet, 1847, Livro VI, p. 1-278.
  • 4
    Condorcet, 1993, p. 28.
  • 5
    Ibidem, p. 27.
  • 6
    Ibidem, p. 20. O verbo "esperar" (
    espérer) nesse caso não pode ser entendido como sinônimo de aguardar (
    attendre). Ele é utilizado aqui para indicar a capacidade de ter esperança em algo, ou ainda, para indicar que se deve considerar (o progresso) como provável, com base nos indícios trazidos pela história.
  • 7
    Ibidem, p. 20.
  • 8
    Ibidem, p. 143. A respeito do conceito de razão em Condorcet, cf. Kintzler, pp. 35-54.
  • 9
    Condorcet, 1993, p. 176.
  • 10
    Ibidem, p. 196.
  • 11
    Ibidem, p. 182.
  • 12
    Ibidem, pp. 183-184.
  • 13
    A instrução funciona como a ponte entre o desenvolvimento das ciências e o desenvolvimento dos costumes. Ela visa especificamente ao desenvolvimento das faculdades intelectuais e das aptidões técnicas; ela se propõe à aquisição de conhecimento e ao exercício da razão. Assim entendida, a instrução não pode ser confundida com a educação, pois esta designa um conjunto de medidas destinadas a formar a moralidade e a dar aos futuros cidadãos o sentimento de pertencer a uma comunidade fraternal, não se vinculando necessariamente aos conhecimentos e pode eventualmente se apoiar apenas sobre os sentimentos. De modo geral, a educação é associada ao domínio privado, ao passo que a instrução cabe ao domínio público. É a instrução e não a educação que é considerada por Condorcet a correia transmissora dos conhecimentos necessários ao aperfeiçoamento. Cf. Kintzler, pp. 229-230.
  • 14
    Condorcet, 1993, p. 184.
  • 15
    Condorcet, 1993, pp. 184-185.
  • 16
    Ibidem, p. 185.
  • 17
    Condorcet afirma, por exemplo, que, "as vantagens reais que devem resultar dos progressos dos quais se acaba de mostrar uma esperança [quase] certa só podem ter por termo o aperfeiçoamento da espécie humana [...]" (
    Ibidem, p. 186). Tradução modificada. Foi inserida a palavra "quase", conforme no texto original em francês. Cf. Condorcet, 1847, Livro VI, p. 251. Ou ainda, "a analogia, a análise do desenvolvimento das faculdades humanas e até mesmo alguns fatos parecem provar a realidade dessas conjecturas, que recuariam ainda os limites de nossas esperanças" (Condorcet, 1993, p. 203). Observa-se na última linha desta frase que o termo "recuar" (
    reculer) pode dar margem a uma interpretação equivocada desta passagem, haja vista reportar-se a encolhimento ou a retrocesso. Contudo, deve-se notar que se trata do encolhimento dos limites e não da própria esperança. Cf.
    Œvres, 1847, Livro VI, p. 275.
  • 18
    Condorcet, 1993, p. 176.
  • 19
    Condorcet, 1993, p. 176. Tradução modificada. Suprimiu-se o superlativo de superioridade "os" da frase "os homens
    os mais sábios" porque tal estrutura não é usual na língua portuguesa.
  • 20
    Condorcet, 1847, Livro XII, p. 335. Tradução própria.
  • 21
    Condorcet, 1847, Livro X, p. 122. Tradução própria.
  • 22
    Condorcet apresenta a igualdade como um direito do qual derivam todos os outros em seu texto "De l'influence de la Révolution d'Amérique sur l'Europe". Cf. Condorcet, 1847, Livro VIII. Sobre este tema ver também Willians, 2004, pp. 45-68, e Montfort, 1915, pp. 30-33.
  • 23
    Condorcet, 1847, IX, p. 227.
  • 24
    Ibidem, Livro IX, p. 166.
  • 25
    Ibidem, Livro XII, p. 418.
  • 26
    Ibidem, Livro XII, p. 418.
  • 27
    Nesse sentido cf. Alengry, 1904, p. 405; Lukes e Urbinati, 2012, p. xxiii.
  • 28
    Condorcet trata especificamente do tema da instrução pública em dois grandes ensaios: "Sur l'instruction publique" (1791-1792) e "Rapport et projet de décret sur l'organization géneral de l'instruction publique" (1792). Nesses textos, ele defende a laicidade e a neutralidade religiosa da instrução pública, rejeita toda e qualquer doutrina de Estado ou de "religião civil", sugere programas e métodos de ensino e acaba por conferir à instrução uma destinação e um objeto político, a saber, a formação do cidadão, a promoção de sua
    autonomia
    intelectual de modo a liberá-lo de toda e qualquer sujeição intelectual. Cf. Condorcet, 1847, VII, pp. 167-448 e 449-573. A respeito do conceito de
    autonomia
    intelectual ver Kintzler, 1984, pp. 178-185.
  • 29
    Condorcet, 1847, Livro XII, pp. 420-421.
  • 30
    Essas definições de liberdade são dadas em um texto de 1793/1794, cuja única versão impressa foi editada em 1914 por Léon Cahen. Cf. Cahen, 1914, pp. 581-594.
  • 31
    Cf. Cahen, 1914, p. 588.
  • 32
    Ibidem, p. 589.
  • 33
    Cahen, 1914, p. 589. Tradução própria.
  • 34
    Cf. Cahen, 1914, p. 590.
  • 35
    Ibidem, p. 593. Tradução própria.
  • 36
    Condorcet, 1847, Livro XII, pp. 417-418. Tradução própria. ("Projet de declaration des droits naturels, civils et politiques des hommes" - cf. artigos 02 a 06).
  • 37
    Condorcet aborda a relação entre liberdade pessoal e política em um texto de 1792, "De la nature des pouvoirs politique dans une nation libre". Sobre a submissão do indivíduo às normas coletivas ele diz o seguinte: "A razão, de acordo com a natureza, coloca apenas um limite à independência individual, acrescenta apenas uma obrigação social àquelas da moral particular: é a necessidade e obrigação de obedecer às ações que devem seguir uma regra comum, não à sua própria razão, mas à razão coletiva do maior número; eu digo à sua razão e não à sua vontade, pois o poder da maioria sobre a minoria não deve ser arbitrário [...]." Tradução própria. Cf. Condorcet, 1847, Livro X, pp. 589-590. Ver também Williams, 2004, p. 51.
  • 38
    Urbinati, 2006, p. 183.
  • 39
    A proposta democrática elaborada por Condorcet prevê a participação dos cidadãos na política, mas concilia participação e representação de modo a evitar a polarização, presente no texto de Sieyès, entre o poder constituinte extraconstitucional e o poder constituído derivado, na qual a função política dos cidadãos é essencialmente eleger uma classe de representantes que serão os cidadãos politicamente ativos. Cf. Sieyès, 1986.
  • 40
    No Federalista nº 10 Madison faz a distinção entre democracia e república, definindo esta como um governo no qual está presente o esquema da representação e aquela como um governo no qual é possível se dar a participação direta dos cidadãos na política. Cf. Hamilton, Jay, Madison, 1987, p. 126.
  • 41
    As instituições jurídico-políticas da República deveriam adequar-se a esta divisão territorial. Estas instituições são as seguintes: o Corpo Legislativo (atribuições legislativas), o Conselho Executivo da República, a Tesouraria Nacional, os Corpos Administrativos dos Departamentos e das Comunas (estes três com atribuições administrativas), a Administração da Justiça (atribuições judiciais com poderes bastante limitados à resolução de questões particulares dos cidadãos) e por fim, as Assembleias Primárias.
  • 42
    A respeito da conciliação da democracia participativa e representativa em Condorcet, ver Urbinati, 2006.
  • 43
    Cf. Cahen, 1914, p. 592.
  • 44
    Ibidem, p. 590. Tradução própria.
  • 45
    Condorcet afirma, por exemplo, que, "as vantagens reais que devem resultar dos progressos dos quais se acaba de mostrar uma esperança [quase] certa só podem ter por termo o aperfeiçoamento da espécie humana [...].". Condorcet, 1993, p. 186. Tradução modificada. Foi inserida a palavra "quase", conforme no texto original em francês. Cf. Condorcet, 1847, Livro VI, p. 251.
  • 46
    Kant,
    KrV, B 833. Aqui é importante ressaltar uma dificuldade de tradução. Na língua alemã existem dois verbos diferentes que podem ser traduzidos da mesma forma para a língua portuguesa. São os verbos "
    hoffen", que se refere à atitude de se ter esperança, e o verbo
    "erwarten", no sentido de aguardar. Quando Kant formula a pergunta acima, ele utiliza o verbo
    hoffen e isso possui grandes implicações. O verbo
    erwarten se refere à atitude da razão que se dá no campo técnico-pragmático, isto é, dadas certas condições e por um cálculo de probabilidade o indivíduo pode esperar (
    aguardar) que ele atingirá seu objetivo ou alcançará o objeto de seu desejo. Já o verbo
    hoffen passa a indicar uma categoria filosófica particular que se refere a um interesse da razão e não a um interesse qualquer do indivíduo. Além disso, ele não se legitima com base num cálculo de probabilidades, mas se funda no campo prático da razão, especificamente sob o conceito de dever.
  • 47
    Kant,
    KrV, B 833.
  • 48
    Cf. Kant,
    TP, AA 08: 308-309.
  • 49
    Esse ponto é desenvolvido na "Crítica da faculdade do juízo", especificamente na segunda parte da obra, chamada "Crítica da faculdade do juízo teleológica".
  • 50
    Kant,
    KrV, B 857.
  • 51
    Cf. Kant,
    TP, AA 08: 309.
  • 52
    Cf. Allison, 1995, p. 46; Kleingeld, 1995, p. 55.
  • 53
    Kant,
    KrV, B 791.
  • 54
    Kant,
    SF, AA 07: 80, grifos do original.
  • 55
    Cf. Kant,
    SF, AA 07: 81-82.
  • 56
    Para Kant existe uma relação intrínseca entre a Filosofia da história e a Antropologia. Cf. "Portanto, para indicar a classe do ser humano no sistema da natureza viva e assim o caracterizar, nada mais nos resta a não ser afirmar que ele tem um caráter que ele mesmo cria para si enquanto é capaz de se aperfeiçoar segundo os fins que ele mesmo assume; por meio disso, ele, como animal dotado da
    faculdade
    da
    razão (
    animal
    rationabile), pode fazer de si um animal
    racional (
    animal
    rationale)" (Kant,
    Anth, AA 07: 321).
  • 57
    "A política diz: '
    sede
    prudentes
    como
    a
    serpente'; a moral acrescenta (como condição limitativa): '
    e
    sem
    falsidade
    como
    as
    pombas'" (Kant,
    ZeF, AA 08: 370).
  • 58
    Kant,
    ZeF, AA 08: 372f.
  • 59
    Kant,
    TP, AA 08: 313.
  • 60
    Cf. Kant,
    ZeF, AA 08: 373, n.
  • 61
    Kant,
    TP, AA 08: 307.
  • 62
    Kant,
    TP, AA 08: 309.
  • 63
    Cf. Kant,
    KU, AA 05: 452-453.
  • 64
    Kant,
    IaG, AA 08:18.
  • 65
    Condorcet, 1993, p. 176.
  • 66
    Cf.
    Ibidem, pp. 193-194.
  • 67
    Cf. Kant,
    SF, AA 07: 157.
  • 68
    Cf. Soromenho-Marques, 1998, pp. 457-492.
  • 69
    Cf. Kant,
    SF, AA 07: 143ss.
  • 70
    Para Rousseau, quanto mais as artes e as ciências estiverem presentes na cultura de um povo, tanto menos virtuoso ele será. A ciência e as artes se tornaram um mal necessário, isto é, não podem ser varridas da sociedade, porém elas devem ser cultivadas apenas pelos fortes de espírito (Cf. Rousseau, 1973, p. 388). Além disso, a polidez, fruto das ciências e das artes, é vista como hipocrisia e um embuste à virtude (Cf. Rousseau, 1973, pp. 344ss; 395)
  • 71
    Cf. Condorcet, 1993, pp. 20-21; Kant,
    IaG, AA 08: 26;
    KU, AA 05: 432 -434.
  • 72
    Alighieri, 2002, 17 - Canto III.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Recebido
      21 Set 2012
    • Aceito
      10 Mar 2013
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