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Os caminhos da reforma na Argentina e no Brasil

The roads of reform in Argentina and Brazil

Resumos

As dinâmicas políticas das reformas orientadas para o mercado, no Brasil e na Argentina, são caracterizadas por um dilema, evidenciado em ambos os países pelas emendas de reeleição, entre manter a estabilidade das regras institucionais (e colocar em risco a coalizão reformista) e manter a estabilidade da coalizão reformista (e fragilizar as regras institucionais).


The political dynamics of market oriented reforms in Brazil and Argentina are characterized by a dilemma which is put into evidence by the reelection amends in both countries, between maintaining the stability of constitutional rules (and risking the reformist coalition) and maintaining the stability of the reformist coalition (with risks to the institutional rules).


Os caminhos da reforma na Argentina e no Brasil

The roads of reform in Argentina and Brazil

Vicente Palermo

Pesquisador do CONICET no Instituto Torcuato di Tella e foi pesquisador-visitante no IUPERJ. É autor de Política y Poder en el Gobierno Menem (Buenos Aires, 1996) e acaba de publicar Los Camiños de la Centro-Esquierda

RESUMO

As dinâmicas políticas das reformas orientadas para o mercado, no Brasil e na Argentina, são caracterizadas por um dilema, evidenciado em ambos os países pelas emendas de reeleição, entre manter a estabilidade das regras institucionais (e colocar em risco a coalizão reformista) e manter a estabilidade da coalizão reformista (e fragilizar as regras institucionais).

ABSTRACT

The political dynamics of market oriented reforms in Brazil and Argentina are characterized by a dilemma which is put into evidence by the reelection amends in both countries, between maintaining the stability of constitutional rules (and risking the reformist coalition) and maintaining the stability of the reformist coalition (with risks to the institutional rules).

Os processos de reformas estruturais orientados para o mercado atualmente em curso na Argentina e no Brasil estão recebendo crescente atenção por parte dos analistas políticos. Já é abundante a literatura que para um ou outro país procura desentranhar as lógicas políticas desses processos de mudança econômica e estatal, assim como as influências recíprocas que se estabelecem entre a dinâmica das reformas e o desenvolvimento das instituções políticas1 1 Somente a título ilustrativo podemos mencionar aqui, para a Argentina, Acuña (1995a), Gerchunoff e Torre (1996), Palermo e Novaro (1996), Palermo (1997); para o Brasil, Diniz (1997), Loureiro (1996), Sola (1993 e 1996), Tavares de Almeida (1996). . Porém, os estudos que abordam ambos casos de um ponto de vista comparativo são por enquanto quase inexistentes2 2 Entre as exceções podem contar-se os trabalhos de Smith e outros (1994), Iazzetta (1996) e Torre (1997). . O propósito deste artigo é discutir alguns aspectos das dinâmicas de reforma argentina e brasileira, como parte de uma tarefa de pesquisa em perspectiva comparada que estou realizando.

Uma das dimensões que é preciso encarar em uma pesquisa comparativa sobre as dinâmicas de reforma é a das coalizões de governo, entendendo-as aqui como a estruturação governamental de uma coalizão e uma agenda — por contraste a coalizões eleitorais que não conseguem tornar-se coalizões de governo, ou coalizões governamentais cujas tensões as impedem de implementar políticas econômicas efetivas, e também por contraste à formulação e implementação de políticas econômicas que não são sustentadas em coalizões governamentais. Parte importante da literatura teórica que discute a configuração de coalizões de reforma econômica e estatal desenvolve essa discussão de um modo um tanto linear, já que pressupõe que os governos reformistas procederiam de acordo a um plano de reformas preestablecido (hoje em dia, um plano market oriented) e, com a propósito de levá-lo a cabo, estruturariam coalizões agrupando os setores econômicos e os grupos sociais cujos interesses, em teoria, seriam convergentes com o conjunto de incentivos codificador do plano de reformas. Este enfoque padece de vários problemas, entre eles o de atribuir um papel quase residual, ou pelo menos de variável puramente dependente, à política. Em contraste com esta perspectiva, sustentarei aqui uma que enfatiza o valor explicativo das dimensões especificamente políticas na dinâmica geral dos processos de reforma e na configuração de seus resultados. Neste marco, a política de coalizão — a tarefa de organizar e manter coalizões — não aparece meramente como uma função que conecta um plano a determinados intereses, mas também tem em si mesma uma capacidade de estruturar os interesses e o perfil que vai adquirindo o processo reformista e seus resultados. é este um dos aspectos que, no meu entender, deve-se por em relevo nas pesquisas comparativas de reforma econômica e estatal no Brasil e na Argentina.

Disso decorre a divisão em duas partes deste artigo. Na primeira, argumentarei que os anos 90 trouxeram em matéria de política de coalizão, tanto para a Argentina como para o Brasil, uma mudança significativa e tratarei de explicar esta mudança e algumas de suas razões. Na segunda, me concentrarei em um aspecto mais delimitado em sua natureza, qual seja o das reformas constitucionais ad usum dos presidentes em exercício e seus efeitos políticos e institucionais ambivalentes3 3 A redação deste artigo foi terminada em abril de 1997. .

A POLÍTICA, ENTRE O PASSADO E O FUTURO

Quando Mirabeau, figura impulsiva e turbulenta na França revolucionária, concebe e propõe à Assembléia Nacional a monarquia constitucional, o faz convencido de que esse arranjo é "a única âncora de salvação que pode preservar a França do naufrágio". Refletindo sobre isto, Ortega y Gasset inclui o deputado entre os grandes políticos dotados do que denomina "intuição histórica", e sustenta: "A política de Mirabeau, como toda autêntica política, postula a unidade dos contrários. Requer-se, ao mesmo tempo, um impulso e um freio, uma força de aceleração, de mudança social, e uma força de contenção que impeça o vertiginoso" (Ortega y Gasset, 1983). Os contrários cuja unidade Mirabeau procura, nos explica Ortega, são, por um lado, a nova e pujante burguesia armada de seu credo racionalista e, por outro, as forças sociais identificadas com o passado da França, simbolizado na autoridade real. A monarquia constitucional era, para o francês, o expediente político imprescindível para "salvar a subitaneidade do trânsito". Na borda do abismo revolucionário que separava o passado e o futuro, pode-se agregar aqui, no fracasso da proposta de Mirabeau não é difícil ver as raízes da catástrofe política sobrevinda sob as formas primeiro do Terror e logo do Império. é que as revoluções são ambientes pouco propícios para a decolagem da política. Entretanto, o gênio de Mirabeau e a reflexão de Ortega nos introduzem à questão de que, de algum modo, os problemas de controlar os perigos inerentes a um trânsito e as respostas que a política lhes pode dar por meio de expedientes endereçados à "unidade dos contrários", estão virtualmente presentes em qualquer processo de transformação. é desde este ponto de vista que pode-se contemplar a tarefa política de constituição de coalizões no Brasil e na Argentina.

Para esta análise considero conveniente começar centrando a atenção nos primeiros governos da reimplantação democrática em ambos países. Esses primeiros anos são de descobrimento das novas e fortes restrições imperantes na formulação de política econômica; estas se referem não unicamente à possibilidade de levar a cabo políticas e alianças de corte keynesiano, mas também se descobre a importância das restrições para fazer política econômica tout court, tomando em conta o forte poder de veto de distintos atores, internos e externos, a diferentes opções de gestão macroeconômica.

Os governos descobrem, de fato, um paradoxo: formular política econômica é uma necessidade imperiosa, e devem, no entanto, fazê-lo em ausência das condições favoráveis para levar a cabo uma política coalizional que a sustente. A índole "decisionista" e "tecnocrática" dos planos que melhor identificam esta etapa — o Austral na Argentina e o Cruzado no Brasil — expressa este problema (se se quiser, um decisionismo que carece de recursos para organizar as condições favoráveis a uma cooperação). E a força persuasiva da heterodoxia econômica deriva de que proporciona uma elaboração técnica sutil para contornar a impossibilidade de que uma política econômica esteja articulada a uma coalizão (ou em outras palavras para organizar uma efetiva cooperação entre os diferentes atores potencialmente envolvidos).

Em suma, e estilizando muito a análise, tanto Alfonsín quanto Sarney se orientaram conforme um diagnóstico que os conduziu a adiar tentativas político-coalizionais incertas, que percebiam como orientadas para quebras traumáticas e desestabilizações, e suas equipes formularam a política econômica dentro das estreitas margens definidas por este diagnóstico4 4 Para o caso argentino, pode-se consultar Palermo e Novaro (1996) e grande parte da bibliografia ali citada, que discute a gestão presidencial de Alfonsín; para o caso brasileiro, ver Bresser Pereira (1994). .

Com o passar do tempo a situação muda. Esta mudança pode ser interpretada de muitas formas. Uma delas, que empregarei aqui, é a seguinte: em ambos países, por razões em parte comuns e em parte muito diferentes,se criam condições para se associar política econômica e política de coalizões. Isto é parte do que se modificou no marco das novas democracias e é o ponto que discutiremos com algum detalhe aqui.

Para fazê-lo damos agora um salto ao presente, aos governos de Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem. Começarei trazendo para a análise uma distinção clássica na literatura que estuda processos de reforma (política, econômica ou estatal). A distinção que defende que os líderes reformadores se enfrentam forçosamente com o problema de optar entre uma estratégia de blitzkrieg e outra gradualista. é esta uma distinção que pode encontrar-se em três vertentes bastantes diferentes da literatura sobre política de reformas; em autores tão distintos como Huntington, Oksenberg e Dickson, e Przeworski. Dela extrairei uma das diferenças mais patentes entre ambos casos, já que o caso argentino com Menem pode ser entendido como a adoção de (ou a opção por) uma estratégia de blitzkrieg, enquanto o brasileiro pode ser identificado como a adoção de (ou a opção por) uma estratégia gradual. No Brasil, a agenda de reformas teve e tem uma administração muito diferente da argentina, gradual, comparativamente lenta, enquanto que na Argentina, em meados de 1989, o governo fez seu o programa de reformas pró-mercado e executou-o desde então a toque de caixa.5 5 Para uma descrição da formulação e implementação das reformas em matéria de abertura comercial, financeira e de desregulação do mercado de capitais, que permite observar este contraste nestes campos, pode-se consultar Moguillanski (1996). Para uma comparação dos processos de privatizações em ambos países, que apresenta evidências no mesmo sentido, ver Iazzetta(1996).

Para seguir explorando o caminho comparativo recorramos agora ao auxílio de outra distinção consagrada na literatura sobre reforma: a que postula que alguns desses processos de transformação de instituições, regras e relações entre atores sociais, são executados sob a invocação de um blueprint, um plano, um projeto que supostamente os organiza, enquanto que outros não.6 6 Dizemos "supostamente" porque da existência de um blueprint não segue forçosamente nada em relação ao conteúdo "material" das reformas; no entanto, sua presença pode ter uma importância política decisiva em certos casos. Um blueprint pode ser como os Lugares Sagrados no caso das Cruzadas (de fato, não é raro encontrar "cruzados" dentro dos governos que abraçam um blueprint!): nem todos os Cruzados sentiam por eles a mesma devoção, nem tinham a sua recuperação como objetivo fundamental e as Cruzadas fracassaram em seu intento de recuperá-los; mas eles tiveram uma importância central no desenvolvimento das próprias Cruzadas. Olhando as coisas desse ponto de vista surge outra diferença, no meu entender também manifesta, que é a existência clara de um blueprint no caso argentino em contraste com sua inexistência no Brasil. Somente para dar-lhe um nome e simplificar as coisas, digamos que este blueprint na Argentina é o Consenso de Washington. Falando mais estritamente, o desencadear das reformas na Argentina pode ser descrito como a adoção do Consenso de Washington como paradigma de política (no sentido de Hall, 1993); paradigma este que a meu critério não foi, não está sendo, nem tem sinais que será no futuro, dominante no Brasil.7 7 "Neoliberais" até existem, mas não ocupam a posição preponderante que adquiriram na Argentina; no Brasil não seria exagerado dizer que o único "neoliberal" autêntico é Roberto Campos. Nem tampouco parece factível que Brasil organize seu processo de mudanças pró-mercado em andamento com algum blueprint alternativo.8 8 Tal blueprint como paradigma de política alternativo (definido en termos de suas condições de emergência, seguindo a Hall) não existe de momento no mundo, embora existam motivos para identificar — quiçá pecando de otimismo — sinais sobre uma gestação atualmente em curso. Entretanto, os países que por um motivo ou outro têm a fortuna de poder rechaçar o paradigma neoliberal, se vêem obrigados à improvisação pragmática, seja qual seja a etiqueta com a qual a cobrem.

Pode ser que a atenção sobre estes dois contrastes nos ajude, por seu turno, a identificar o contraste mais importante, que é o que se estabelece nas dinâmicas políticas globais dos processos de reforma econômico-estatal em ambos países; em poucas palavras, a dinâmica política da reforma argentina é a da fuga para frente (Palermo e Novaro, 1996), enquanto que a do Brasil é a da preservação de interesses. Expressando este ponto de modo mais conciso, posso dizer que enquanto a Argentina foge de um passado para o qual teme voltar, o Brasil avança para um futuro no qual teme ingressar. A Argentina queimou as pontes e se internou com a maior determinação em um novo território de organização econômica e estatal; no Brasil, por sua vez, o avanço é a contragosto, presidido pela cautela de quem se interna em regiões desconhecidas.

Tratarei agora de explicar com algum detalhe estes aspectos. Em primeiro lugar, no que diz respeito ao paradigma de política pública, é preciso dar conta de sua presença no caso argentino e de sua ausência no Brasil. Em 1989 o Consenso de Washington, como paradigma de política pública, estava disponível, digamos, à mão, do novo presidente argentino. Sua existência tem uma explicação básica na hegemonia que o setor financeiro — em uma sociedade na qual até o cidadão comum havia-se convertido, no cotidiano, em "operador financeiro" — havia alcançado dentro do campo empresarial como seu organizador, articulador e orientador. é desnecessária aqui uma explicação da conjunção dos fatores externos e internos que produziu esta hegemonia na Argentina, hegemonia esta que cresce rapidamente durante a década de 80.9 9 Trata-se de um processo, a esta altura, bastante conhecido; uma análise do mesmo pode-se encontrar em Palermo e Novaro (1996), capítulo II. Finalmente, o catalizador definitivo da capacidade do setor financeiro de galvanizar o campo empresarial em torno de um conjunto consistente de idéias em matéria de "o que se tem que fazer", é o epílogo do Plano Primavera. Este derradeiro intento estabilizador do governo de Alfonsín faz patente que o esquema de especulação garantida (e bancada) pelo Estado havia colapsado irremediavelmente. Sua derrubada final expressava o aniquilamento da capacidade do setor público não apenas de financiar o desenvolvimento, mas de financiar a si próprio; as instituições de financiamento público, neste marco tinham perdido todo o seu peso político estatal frente aos grupos financeiros privados para disputar a orientação de longo prazo da reorganização econômica.

Para trabalhar assim sobre os contrastes, assinalarei que o terreno fértil para a emergência de um blueprint e adoção de um paradigma de política pública na Argentina já se vinha preparando, para dizê-lo de algum modo, em um processo com antecedentes de longa data: é o fracasso, a percepção generalizada de que as idéias e os instrumentos de ação, assim como as formas de ação e organização vigentes, haviam levado a uma situação de decomposição na qual insistir nos mesmos, ou tentar mudanças ou melhoras apenas parciais, não levaria senão a agravar as coisas.

Em oposição às "vantagens" oferecidas pela simplicidade do fracasso, o Brasil conhece as complexidades do êxito. Embora seja um êxito relativo — o que em poucas décadas havia colocado a economia do país como a sétima economia mundial —, no que se refere ao que estamos discutindo, o êxito "complica" as coisas. Em contraste com o fracasso do desempenho de longo prazo argentino, o êxito relativo no Brasil torna mais complexo interpretar — no sentido denso — a situação e definir a direção da mudança. É com estas diferenças contextuais de longo prazo como tela de fundo que se entendem contrastes que parecem mais conjunturais, como a propensão a confiar em (por parte dos empresários) e a adotar (por parte das elites políticas) um paradigma de política de reformas.

Neste sentido, poderia-se dizer que existe uma relação inversa entre a existência de idéias e a adoção de algum blueprint: quanto mais idéias, menor será a propensão à adoção de um blueprint. Na Argentina, as idéias até então vigentes se consomem rapidamente na década de 80. Sobre o tema, o antecedente da derrota do radicalismo em 1989 é a derrota dos renovadores peronistas e a confrontação interna do Partido Justicialista de 1988. Os renovadores, como os radicais alfonsinistas, se aproximavam em certa medida ao que no Brasil são os tucanos: pássaros com idéias — inclusive com muitas e diferentes idéias —, que encarnam controvérsias interpretativas, que estão abertos e conectados às correntes internacionais de discussão e pensamento sobre bases mais conceituais e, portanto, que são forçosamente mais reticentes a abraçar algum esquema.

Ao contrário, o pragmatismo radical de Menem não supõe obstáculo algum quando se trata de escolher, por razões eminentemente político-coalizicionais, um paradigma de política e convertê-lo no blueprint da ação reformista. No caso brasileiro, o êxito da etapa desenvolvimentista se projeta não somente na vigência das idéias das eites político-partidárias mas também na persistência de orientações não-neoliberais nos organismo estratégicos de financiamiento do setor público, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que faz um contrapeso às orientações dos setores financeiros privados.10 10 Sublinhando a importância das idéias no processo de reformas brasileiro, Maria Herminia Tavares de Almeida (1996) denomina "abordagem pragmática" a postura conceituai dos intelectuais, tecnocratas e políticos que chegaram ao governo com Fernando Henrique Cardoso, e assinala que ela "está longe de ser uma sólida teoria econômica, a exemplo da substituição de importações ou do monetarismo; nem ao menos pode ser considerada uma ideologia econômica, como sem dúvida é o neoliberalismo. Assemelha-se, antes, a uma intuição sobre as relações Estado-mercado, suficientemente vaga a ponto de acomodar-se a diferentes tipos de obstáculos estruturais e institucionais e a estratégias realistas de reforma econômica".

As idéias e as instituições importam, mas também importam os interesses. Nesse sentido, a situação que ambos países experimentam desde o final dos anos 80 e a reorganização de seus modelos estatais e econômicos não poderia ser mais contrastante. A diferença que convem destacar aqui é a que corresponde à estrutura de interesses com que a Argentina e o Brasil atingem o momento (1989-90 e 1994-95 respectivamente) em que se põem em movimento as coalizões reformistas. Essas diferenças, embora certamente tenham raízes de longo plazo, vinculam-se muito diretamente às características que adquiriu em cada país o processo de reestruturação econômica forçada desencadeado pela crise de origem externa que cancelou definivamente o padrão de substituição de importações.

Em essência, as diferenças consistem em que durante os 15 anos que antecederam a 1989 e 1994 respectivamente, na Argentina teve lugar um processo de regressão econômica, enquanto que o Brasil viveu um processo de conservação. Como consequência, enquanto a Argentina chega a 1989 com uma estrutura econômica que deixou atrás grande parte da complexidade e diversificação alcançada durante o ciclo substitutivo, o Brasil chega havendo preservado muito mais do que havia conseguido estruturar em termos de complexidade e diversificação de sua composição setorial produtiva durante o ciclo.

Em um trabalho no qual comparam Argentina, Brasil, Chile e México, Bielschowsky e Stumpo (1995) descrevem esse processo de reestruturação forçada desde o final do modelo de crecimento por substituição de importações.11 11 Embora o estudo se concentre no papel das empresas transnacionais, os próprios autores chamam a atenção que suas conclusões têm um alcance mais geral, dado o peso relativo das ET's nas respectivas estruturas econômicas nacionais e sobretudo nos setores mais dinâmicos das últimas. Ali observam que, enquanto para a Argentina, "a profundidade da crise macroeconômica dos anos 80 deu continuidade ao processo de desindustrialização iniciado nos 70 em que se conjugaram recessão, abertura e apreciação, para o caso brasileiro, em contraste... o processo de reestruturação adquiriu um estilo defensivo marcado pela tendência a preservar a estrutura produtiva herdada da industrialização substitutiva".

Cabe assinalar que os autores atribuem estas diferenças a um complexo conjunto de fatores codeterminantes — estruturais, macroeconômicos e institucionais. Por seu vez, em um trabalho comparativo dedicado a Brasil e México orientado a estabelecer os fatores determinantes de suas diferentes modalidades de abertura da economia, Faucher e Heredia (1995) estabelecem distinções úteis para a comprensão do ponto que aqui discutimos, qual seja a emergência de um paradigma de reforma ideologicamente hegemônico no caso argentino em contraposição com sua ausência no caso brasileiro.

Faucher e Heredia destacam, como um fator explicativo crucial para o fato de o Brasil haver podido reter (como observam Bielschowsky e Stumpo) a diversificada estrutura produtiva anteriormente criada, a "relação privilegiada entre as agências públicas desenvolvimentistas de financiamento e o setor industrial".12 12 Explicam que "Throughout the economic crisis public subsidies were used to mantain the fully diversified industrial base that emerged as a result of import substitution". E agregam que "resulta conveniente caracterizar a situação brasileira como uma situação em que existe uma débil aliança financeira; aquelas instituições estatais geralmente favoráveis à ortodoxia, e suas bases de apoio social potenciais, como os banqueiros, são relativamente débeis enquanto que outras coalizões entre o Estado e atores sociais são fortes".

Efetivamente, a perduração de orientações opostas à ortodoxia neoliberal (ou ao menos diferentes, já que tendem à manutenção de políticas industriais), no interior dos organismos de financiamento do setor público brasileiro, encontrou na diversificada estrutura econômica nacional um campo mais apropriado para seu desenvolvimento que o correspondente no caso argentino. Isto permite entender, como já havia observado Schneider (1991), que tenha sido no bojo das burocracias públicas onde primeiro surgiu a idéia de um pragmatismo privatizador, como resposta à perda de capacidade de financiar o desenvolvimento. Algo bem diferente ocorreu no caso argentino, onde a política de privatizações é lançada em 1989 sob o impacto de uma necessidade peremptória de financiamento do próprio setor público. O pragmatismo privatizador brasileiro, pode-se agregar aqui, não consiste meramente (como foi o caso argentino a partir de 1991) em transferir para o setor privado a responsabilidade pelo investimento em setores cuja imperiosa modernização o estado já não está em condições de sustentar, senão, e sobretudo, em uma recuperação da capacidade de financiamento por parte do próprio setor público13 13 Isto pode-se ver claramente na orientação que, não sem controvérsias no seio do governo entre a área de Planejamento e a área de gestão macroeconômica, está-se imprimindo à política privatizadora, no que se refere ao destino dos fundos que são liberados da mesma. O exemplo mais importante até agora é, desde logo, a privatização da empresa Vale do Rio Doce. . é, em suma, a diversidade de interesses o que converge com as idéias e as instituições, tornando difícil a emergência de um paradigma de política dominante.

No que se refere à blitzkrieg argentina, em contraposição ao gradualismo brasileiro, outra vez a literatura especializada ajuda a compreender estas opções. Para tanto é indispensável considerar dois aspectos: a situação de emergência (econômica e político-estatal), por um lado, e, por outro, as resistências previsivelmente associadas à implementação de reformas.

Em matéria de resistências, parte da literatura — e no meu entender a que analisa mais cabalmente o problema, desde Hirschman (1965), passando por Huntington (1972), e até Oksenberg e Dickson (1994) — observou que a opção por uma implementação rápida e massiva de um programa de reformas é adequada somente quando se pode prever que com ele serão superadas as resistências. Este cálculo pode se fundar em diferentes razões: seja porque os atores que encarnarão essas resistências estão enfraquecidos; seja porque estão fragmentados e se supõe que não se reagruparão; seja porque existem formas confiáveis de neutralizar ou "conquistar para a causa" alguns deles; ou mesmo por todas elas juntas. Se, pelo contrário, é previsível que esta estratégia suscite um aglutinação dos setores que se consideram afetados, é melhor a alternativa de um processo gradual, ou bem mais oblíquo, da agenda reformista. Vistas as coisas do ângulo do reformador, pode-se afirmar que é quando se tem que proporcionar proteção e garantias a interesses estabelecidos que se torna prudente adotar uma estratégia gradualista. Se, ao contrário, pode-se dar por suposto o acompanhamento e o respaldo de uma massa crítica de atores mesmo quando não lhes sejam proporcionadas essas garantias, bem quando a oferta de proteção está vinculada não mais à conservação do que se tem mas sim a deter um processo de perdas vertiginoso, então a estratégia de blitzkrieg é uma alternativa válida.

É verdade que, atualmente, na literatura que estuda a política de reforma econômica orientada para o mercado, está em voga uma noção diferente, centrada na idéia, oposta à aqui formulada, de que a opção por uma estratégia radical se baseia na intenção de "não dar tempo" a que os interesses afetados se aglutinem e apresentem uma resistência unificada.14 14 Esta noção, que se converteu em tempos recentes numa sorte de verdade de manual, pode encontrar raízes clássicas em Maquiavel que, como se sabe, recomendava ao Príncipe que em caso de decidir-se por fazer um mal, que o fizesse todo de uma vez e não gradualmente. Sem entrar em cheio nesta discussão neste momento, direi apenas que não considero este ponto de vista o mais adequado para entender o problema. Isso por várias razões, das quais enunciarei aqui somente duas.

A primeira é de índole empírica. A observação dos processos de reforma parece sugerir que é a presença de outras variáveis que determina que, em caso de uma estratégia gradual, prolongada no tempo, irão "aglutinar-se os interesses" a ponto de bloquear as mudanças; tanto na região latino-americana quanto em outras partes do mundo abundam exemplos de processos bastante prolongados e graduais nos quais essa aglutinação não ocorreu.

A segunda é de índole lógica: a perspectiva que postula a conveniência de uma política de larga escala e radical de reformas é inconsistente com o que pode se considerar um elemento chave no manejo das coalizões governamentais. Como enfatizou Waterbury (1989), é crucial para o bom desepenho de uma coalizão de governo não antagonizar muitos grupos ou setores ao mesmo tempo. Se é assim, fica difícil aceitar a preferência por uma opção de blitzkrieg, com o argumento de "não dar tempo", como uma norma de validade geral. Em outras palavbras, o cerne da questão parece estribar precisamente no que é conveniente para suscitar apoios, manter uma coalizão coesa e neutralizar oposições, e é isto o que se deve levar em conta no momento de escolher entre uma alternativa "radical" ou "gradual".

Pois bem, no caso argentino o panorama para 1989 era eloqüente: atores sociais desarticulados, golpeados pela trajetória econômica e social convulsiva da década, e uma oposição política — a da União Cívica Radical — que abandonava precipitadamente o governo, desprestigiada frente à opinião pública. Esta situação vinha se configurando desde anos atrás, mas, é óbvio dizê-lo, se potencializava pelos efeitos de uma experiência inédita: a hiperinflação que acompanha a transição presidencial. A hiperinflação proporciona um dos fatores mais recorrentemente assinalados pela literatura dentre aqueles que geram espaço político para a ação reformista: a percepção coletiva de uma crise, que autoriza as lideranças a emprender uma ação discrecional e de grande envergadura.

No Brasil, é matéria de controvérsia entre economistas se existiram ou não hiperinflações autênticas (as referências que se poderia dar, a favor e contra, são muitas); mas o relevante aqui é que se tecnicamente elas existiram, estas careceram dos efeitos políticos — da interpretação coletiva — que tiveram na Argentina. A razão foi que os mecanismos de indexação funcionaram de um modo diferente do caso argentino; se aperfeiçoaram de uma forma que neutralizou em grande medida as oscilações distributivas mais abruptas dos picos hiperinflacionários. Adicionalmente, no Brasil, durante a década de 80 a inflação teve certamente efeitos regressivos, e um poder demolidor sobre o quadro fiscal, mas os empresários não sofreram os estragos equivalentes aos que ela infringiu no caso argentino. Durante períodos consideráveis a política econômica esteve pautada, no Brasil, pela manutenção de um certo equilíbrio em um contexto de regime inflacionário, através do sistema de indexações. Quando isso, já avançados os anos 80, deixou de ser possível — o Estado perdeu capacidade de financiamento e de controle sobre o sistema de indexações — o Brasil beirou reiteradamente a hiperinflação sem chegar a experimentar as situações coletivamente percebidas de do traumatismo que os picos hiper-inflacionários alcançaram no caso argentino.

O êxito alcançado em termos de crescimento dentro do modelo substitutivo-desenvolvimentista, em conjunção com a capacidade estatal para manter sob relativo controle o processo inflacionário até os 80, permitem explicar que exista no Brasil uma memória coletiva diferente da argentina sobre a relação entre inflação e crescimento. Perdurou muito mais o que poderíamos chamar de "percepção desenvolvimentista da inflação": e foi possível utilizá-la para evitar que os conflitos (tanto políticos quanto econômicos) bloqueassem os impulsos de crescimento. Ou seja: a inflação não é boa mas o preço (político e econômico) a pagar para resolvê-la é muito alto. Melhor não comprar essa briga e crescer (esperando que no longo prazo, por efeito do próprio crescimento, o problema da inflação termine resolvendo-se). No início da gestão de Itamar Franco, estas noções ainda não pareciam muito afetadas pelas circunstâncias.

A este respeito, para dar um exemplo, é ilustrativo o que nos dizem — em uma análise na qual estão eloqüentemente implícitas as marcas de diversos processos de longo prazo — Lamounier e Bacha (1993): "When the hyperinflation was fought with heterodox means (price and wages freezes), the only consequence was substancial economic disorganization; when fought by orthodox means (monetary and fiscal control), the only consequence was deepening recession. This legacy of economic failures — starting with the heterodox Delfim Netto of 1979 and ending with the orthodox Moreira of 1992 — at least temporarily weakened the disposition of politicians, economic elites, and the public at large to view monetary stability as the top priority. President Itamar Franco's initial stress on growth and poverty alleviation — which clearly struck the chord Brazilians most wanted to hear — must be understood against this background".

Esquematicamente, em suma, no caso argentino a disponibilidade de um paradigma de política pública — em relação ao campo empresarial — e a situação de emergência gerada pela hiperinflação — em relação ao campo popular — removem os obstáculos até então existentes para a composição política de uma coalizão e um programa de transformações. A opção por uma estratégia de blitzkrieg nos sugere, por seu turno, que na Argentina o problema do impasse para a ação reformista se resolve quando se desgasta a capacidade de veto ou a disposição de tentar bloqueios, por parte de diferentes atores; e um "partido de base popular" (Gerchunoff e Torre, 1996) chega ao governo numa situação de emergência que o autoriza a imprimir uma virada profunda sem de temor de deixar de ser acompanhado por suas bases de imediato.

Certamente o que vemos no Brasil é um panorama bastante distinto. No Brasil governa no momento uma elite paulista, aliada a um staff político tradicional. O PSDB não é muito mais, mas tampouco menos, que isso: uma elite modernizadora.15 15 É ilustrativo recordar que o atual presidente do PSDB, no ato em que assume o cargo, se jacta de ser "o primeiro presidente do partido que não fala francês". Seu aliado, o PFL, conta com votos e alguma densidade organizativa partidária; sua força eleitoral e partidária deriva, em parte, do fato de se beneficiar da sobre-representação que lhe proporciona uma legislação eleitoral generosa com os estados demograficamente menores, mas sobretudo da experiência adquirida em uma dilatada tradição clientelística.

Esta aliança de uma elite político-intelectual com o fisiologismo é, ao mesmo tempo, relativamente confiável para o núcleo duro do empresariado brasileiro. é principalmente pela razão de que aquela elite modernizadora participa em profundidade da mesma ambigüidade com que o empresariado brasileiro contempla a direção pró-mercado da nova etapa do longo caminho que marca os países latino-americanos: uma mistura de certeza e temor. Certeza de que a redefinição das pautas de ação estatal e a integração mais plena a uma economia mundial em globalização são inevitáveis e, posto que são, pior que buscar acomodar-se ativamente seria resistir teimosamente a esse processo. E, ao mesmo tempo, temor pelos perigos que esta transformação traz em seu bojo e suas eventuais consequências negativas, em grande medida difíceis de se perceber com antecipação.16 16 Na hora de medir as disposições do empresariado em relação ao governo, em termos de uma identificação partilhada dos problemas inerentes à globalização, certamente contam as credenciais do grupo tucano, em especial as do presidente — embora não apenas as suas (José Serra, Mário Covas, etc. são figuras significativas). De uma perspectiva diferente a de este trabalho, Amaral (1995) registra a importância política destas credenciais: "Se Jânio (Quadros) e Collor eram alternativas com as quais teve de trabalhar o 'sistema', impostas da sociedade para dentro, Fernando Henrique seria a alternativa construída por dentro do establishment. Jânio e Collor... jamais foram quadros próprios da elite... Correram sempre por fora da raia. Fernando Henrique chega ao Planalto com o aval da elite ampliado... Distinguindo-se de seus antecessores de 1960 e 1989, o Presidente é um dos mais preparados quadros da política brasileira... Passado que Maluf nenhum pode oferecer... vida que nenhum Collor poder oferecer... Homem de partido, organizador, ágil, com livre trânsito e trânsito livre em Washington e São Paulo, na FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e no FMI...".

Talvez isto ajude a entender por que a remoção dos obstáculos que impediam, no Brasil, a gestação de uma coalizão governamental reformista, tenha se realizado através do aproveitamento singular de uma conjuntura, sobre a base de muito poucos recursos políticos iniciais, que foram utilizados porém otimamente. A saída de Collor e sua substituição por um presidente bonzinho originam uma sorte de "vazio" de governo que é preenchido com boa fortuna, já que proporciona a Fernando Henrique Cardoso uma oportunidade que provavelmente não teria podido alcançar em eleições estando na oposição ou fora do governo: dar, a partir do ministério da Economia, os primeiros passos de geração de uma base popular de larga escala. O primeiro passo é concretizado desde logo através do efeito estabilizador do Plano Real. Em seguida, dá um segundo passo, procurando proporcionar a este consenso uma consistência organizativa e eleitoral bem mais estável, através da aliança com o PFL. Para o PFL, claro, o sentido da oportunidade é bem diferente: subir na crista da onda da gestão estabilizadora de Fernando Henrique para chegar ao governo.17 17 Resulta analiticamente pertinente recordar que o PFL não integrava o contingente de forças partidárias que respaldava ao presidente Itamar Franco; é a gestão de Fernando Henrique no Ministério da Economia a que cria as condições para a conformação dessa aliança.

Deste modo se resolve em princípio o impasse histórico aberto após o governo de Juscelino Kubitschek (impasse este que apresenta traços em parte comuns, mas sobretudo diferentes ao correspondente no caso argentino); primeiro a emergência de um populismo de índole mais radical com Jango, e em seguida a reação autoritária de índole excludente, haviam tornado impossível até os dias de hoje a confluência (ainda precária) de uma elite modernizante, de máquinas políticas clientelísticas e um respaldo popular estável.18 18 Não é ocioso recordar aqui que a coalizão desenvolvimentista de Kubitschek também integrava esses componentes.

Em suma, os obstáculos para a configuração de uma coalizão e um programa foram removidos 'com um pano de fundo distinto e sob circunstâncias conjunturais diferentes no Brasil e na Argentina; e é isto o que ajuda a entender, em minha opinião, as diferenças centrais entre as respectivas dinâmicas político-coalizicionais das reformas.

Na Argentina, articulado o mundo dos negócios em torno a um paradigma de política, e geradas as condições para um consentimento popular sobre a base da hiperinflação e da chegada ao governo dos peronistas (quer dizer, de um staff político "confiável" para os setores populares), é possível estruturar a política coalizional em uma dinâmica de fuga acelerada da hiperinflação mediante reformas no sentido do mercado. Isto inclui, certamente, uma tarefa especificamente política (isto é, nada "tecnocrática") que é a de estabelecer vínculos de sentido entre a estabilidade e o programa de reformas. E é, ao mesmo tempo, possível administrar/seqüenciar a agenda política com grande discricionariedade e deixando "para o futuro" — como (supostamente) resultantes por acréscimo do próprio processo de mudança — demandas sociais até então de reparação imediata e demandas "produtivistas" dos empresários.

No Brasil esse esquema (relativamente) simples de coalizão de fuga antiinflacionária através do mercado não é viável. Isto complica as coisas no curto prazo, embora possa, com o tempo, ser uma benção. No lugar de uma coalizão antiinflacionária de fuga para a frente, o principal problema coalizicional de Fernando Henrique Cardoso é o de proporcionar certeza aos interesses estabelecidos, e a dinâmica da reforma é a de um processo de reestruturação defensiva. Isto é assim porque, se a diversidade de interesses dificultou a emergência de um paradigma de política dominante, a presença desses interesses, e a magnitude de sua incerteza frente aos riscos da globalização, por seu vez torna necessária a existência de políticas cuja efetividade depende de que se ofereçam àqueles garantias confiáveis de proteção. Na Argentina torna-se possível o difuso respaldo empresarial a políticas de reforma radicais sobre a base de que garantem uma maior distância em relação à inflação, porque "se acredita" na promessa contida naquele paradigma; mas no Brasil isto não é tão simples.

Essa percepção ambígua do processo de reforma no sentido do mercado e de uma maior integração à economia internacional que governa a dinâmica político-coalizional brasileira está presente nos formuladores de política e deixa as marcas dos interesses que são protegidos no perfil que adquire a formulação e a implementação das reformas. Dessa forma, isso permite compreender porque a colocação em funcionamento de uma coalizão reformista de governo no Brasil não é um resultado de uma forte coesão das elites políticas e econômicas, nem se desenvolve acompanhada de uma completa coesão no interior do quadros governamentais. Pelo contrário, as diferenças internas se registram constantemente no plano das políticas de reforma, embora isso até agora não tenha significado um bloqueio das mesmas.

Não é difícil, por exemplo, encontrar em figuras muito representativas da elite, na hora de analisar o que Brasil deve fazer, aquele diagnóstico de reestruturação defensiva, onde se reconhece a "globalização" como um processo inevitável do qual seria mortal ficar de fora, ao mesmo tempo que se temem seus efeitos de vulnerabilidade e fragilização da estrutura produtiva e das relações sociais. Meramente a título ilustrativo, o diplomata Ronaldo Sardenberg, que desempenha atualmente o cargo de secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, declara que "...a globalização é como a chuva, como o vento... e temos que nos proteger da chuva e do vento". é óbvio que de nada serve queixar-se do regime de chuvas nem pretender modificar a vontade e direção do vento, tem-se que se adaptar às novas circunstâncias. Essa é uma disposição muito diferente da que adotou expressamente o governo argentino que, longe de ter que evidenciar, ante um empresariado relutante, uma boa dose de prudência na formulação e execução de reformas, dispõe-se a demonstrar seu compromisso com o programa pró-mercado com a paixão do convertido.

Essas diferenças se fazem patentes no plano regional, onde, embora a retórica integracionista seja semelhante, e ambos países aproximem suas trajetórias na constituição de um mercado comum, Argentina e Brasil tiveram e continuam tendo políticas de abertura comercial e de integração que implicam coisas bastante diferentes. Sucintamente, o Mercosul significa para o caso argentino um cenário de exposição à concorrência e de "disciplinamento" dos agentes econômicos, enquanto que no caso brasileiro, trata-se mais da proteção e da preparação para competir no futuro globalizado. No Brasil, como foi assinalado por um analista que assesora a formulação de políticas, "a principal justificativa prática para o Mercosul é mais de ordem política do que econômica (...). é no terreno das políticas que se pode sustentar uma 'internalização' restrita da economia brasileira, conformando-se assim uma última reserva de mercado, em escala regional, antes do enfrentamento inevitável com as atuais feras do comércio mundial (...) A missão histórica do Mercosul (...) é a de permitir ao Brasil realizar um aprendizado de geo-economia antes de passar a exercer os dotes adquiridos na inevitável geo-estratégica em que parece ter se convertido a nova ordem econômica mundial. Nenhuma outra alternativa, seja o multilateralismo irrestrito e incondicional, seja uma adesão prematura (...) ao Nafta, poderia dar ao Brasil a margem de liberdade política e o quantum de disciplina econômica de que ele necessita, conjuntamente, para adaptar-se com sucesso às novas exigências da economia mundial" (Almeida, 1994).19 19 Em direção semelhante, Faucher e Heredia (1995) evidenciam o caráter "defensivo" da reestruturação brasileira pelo estudo da abertura comercial — antes e depois da gestão Collor — comparada com México: "The defensive trade liberalization and the limited regional integration adopted by Brazil, is the option that, given the alternatives, best reflects the dominant interests of its manufacturers combined with the developmental strategy of state agencies. The Brazilian productive structure is, with few exceptions, oriented towards the local market. Brazil has not shifted its policy towards an export oriented model to the extend that Mexico did... Regional integration through Mercosur, as an intermediate policy, allows multinationals and some large national enterprises, mostly active in the durable consumer goods industries, to profit from economies of scale while continuing to give priority to the local market protected by high tariff walls".

Tentando retornar agora a urna perspectiva geral de ambos casos levando em conta os anos transcorridos desde a reimplantação democrática, o ritmo e a abrangência das reformas como resultado de dinâmicas político-coalizionais diferentes, apresenta-se assim o notável contraste entre as mudanças abruptas do caso argentino e a maior uniformidade, gradualidade e continuidade do brasileiro. Em ambos casos, as primeiras etapas (Sarney e Alfonsín) se apresentam como uma sucessão de tentativas muito limitadas e frustradas, ou como ensaios parciais, à margem, desprovidos da densidade política que costuma acompanhar a formulação e implementação de iniciativas de reforma. Tratava-se, em geral, de avanços executados com um viés tecnocrático ou a partir de capacidades decisórias administrativas dos executivos. Embora com interessantes diferenças de matizes que não discutiremos aqui, este é um traço comum aos dois casos durante o que poderíamos chamar a primeira gestão democrática.

Logo após, porém, surgem as diferenças. Menem é um ponto forte de inflexão, de ruptura com a etapa anterior: o "bloqueio" prévio dá lugar a um agendamento de reformas e a uma execução de índole aluvial. Com Fernando Henrique a novidade da existência de capacidades para configurar uma política coalizional reformista se expressa em um aprofundamento e alargamento do arco de reformas, porém dentro de um processo muito mais marcado pela continuidade e o gradualismo.

A diferença entre uma dinâmica de fuga e uma dinâmica de preservação de interesses permite, por sua vez, tornar explícita uma das muitas abordagens analíticas possíveis sobre componentes centrais da gestão macroeconômica. Referimos-nos a algunas diferenças salientes nas respectivas pedras angulares da gestão governamental, os planos de estabilização conhecidos como Plano de Conversibilidade e Plano Real. Os traços de rigidez que apresenta o Plano de Conversibilidade de 1991 frente à flexibilidade do Plano Real de 1994 são notórios. Estamos pensando principal, mas não unicamente, nos instrumentos institucionais postos em jogo em cada caso em torno da âncora de preços comum, ou âncora cambial. Na Argentina, a fixação do tipo de câmbio por lei expressa certamente uma racionalidade política e é, em termos monetários, o non plus ultra da fuga para a frente.20 20 Nogueira Batista Jr. (1993) evoca os debates europeus das primeiras décadas deste século para descrever corretamente o que pode ser entendido como uma regressão a formas mais primitivas de organização monetária, sobre a base de uma relíquia bárbara, com o dólar em lugar do ouro cumprindo esse papel.

No Brasil, o tipo de controle do tipo de câmbio é completamente diferente e o governo conserva os graus habituais de liberdade sobre o tema. Mas no caso argentino, uma vez que se paga tão alto preço para elevar muros menos franqueáveis pela inflação, e recuperar assim a credibilidade na capacidade do Estado para sustentar uma moeda doméstica, a fuga conduz a terrenos pouco conhecidos, onde não se sabe quem poderá manter-se a longo prazo. A flexibilidade brasileira não é menos racional: o governo necessita do respaldo de empresários que produzem e competem e deve proporcionar-lhes certa certeza de que não serão sacrificados na luta pela estabilidade de preços que beneficiou o poder de compra dos setores populares.21 21 Avaliações bastante diferentes entre si em relação à medida a qual o "atraso cambial" (consequência do uso do dólar como âncora dos preços) submeteria os empresários a uma situação mais rigorosa de exposição à concorrência internacional, pode-se encontrar em Barros de Castro (1996) e Abranches (1996).

Certamente qualquer leitor se perguntará por Collor. Acaso não é a adoção de um neoliberalismo radical e um agenciamento "menemista" de reformas? De fato foi, mas precisamente sua fugacidade e o epílogo político dessa gestão, no meu entender, confirmam as diferenças marcadas, fazendo da experiência de Collor um interregno muito sugestivo.

Na verdade, a gestão Collor não se estruturou de nenhum modo sobre uma coalizão "pró" (mercado ou qualquer outra coisa) mas sim "anti": anti-Lula.22 22 Como explica muito bem Lourdes Sola (1993), que distingue, acreditamos que com acerto, o caráter da coalizão que acompanhou Collor — "anti"— da que acompanhou Fernando Henrique — "pró". O desprestígio da classe política e da própria política adquiriu características distintas em distintos países latino-americanos. No caso argentino, Menem, liderando firmemente o Partido Justicialista, adotou um discurso populista contra a política e os partidos e triunfou numa eleição em que os partidos continuaram sendo os autênticos canais das opções do eleitorado. Em contraposição, no Brasil, a proverbial fragilidade de seus partidos se aprofundou nesse contexto, e as opções da direita passaram por fora dos mesmos (mesmo quando dentro das instituições). Mas esta coalizão "anti" também criou oportunidades para a ação, só que para uma ação desatinada, por parte de um presidente que "entende mal" as coisas.23 23 O que, de passagem, mostra os perigos de não se confiar em um político de ofício; melhor dito, para os setores e grupos sociais em geral é melhor aceitar (e vigiar devidamente) um político profissional que um improvisado. Ao "plebiscitar" Collor nas urnas, essa coalização "anti" proporcionou ao novo presidente, embora de modo temporário, uma margem de liberdade de ação suficiente para fazer suas próprias opções de política, e adotar decisões de política macroeconômica e de reforma estrutural que serão percebidas pelos atores envolvidos como saltos no vazio que seria imprudente acompanhar. Ao contrário, no caso de Fernando Henrique, é possível perceber o aproveitamento de uma oportunidade para a escolha de um curso de ação que apresenta uma maior sintonia com atores e grupos forçosamente destinados a serem centrais no processo de mudança.

Em síntese, uma das coisas que mudaram em ambos países — embora certamente não se trate da única — é a seguinte: foi possível a composição de coalizões reformistas, depois de muito tempo (e não é insignificante que isso tenha sido possível sob democracia); e que essas coalizões sejam heterogêneas não tem nada de estranho — (por definição as coalizões o são24 24 De qualquer modo é certo que, em ambos casos, estas coalizões constituem experiências que põem em questão elementos do standard lore da teoria das coalizões, como a maior probabilidade de coligar-se por parte de agrupamentos contíguos (ver sobre a questão Almond e outros, 1992). ); que sejam frágeis também não pode ser surpreendente. Mas em ambos casos foram, ou estão sendo, o veículo de um conjunto de transformações que está resultando em países bastante distintos do que eram até recentemente. Estes veículos foram, por sua vez, diferentes entre si: o impulso do movimento e sua velocidade — a dinâmica política das mudanças — também o foram. Em ambos casos, ademais, a sustentabilidade futura de coalizões e programas de reforma é problemática e, particularmente no caso argentino, o desafio que comporta a tarefa política de uma necessária recomposição parece sumamente exigente.

Estes traços comuns e diferentes nos permitem agora regressar por um momento à nossa menção inicial a Mirabeau e Ortega. A heterogeneidade das coalizões evoca, em ambos casos, a noção de um processo de mudança presidido por uma política de "unidade dos contrários", como uma forma de introduzir um controle deste processo, endereçado a atenuar os perigos que a ele são inerentes. Os fortes contrastes da dinâmica política coalizicional que se apresentam, no entanto, nos sugerem as formas distintas que esse tipo de proteção ou contenção adquire em cada caso. Na Argentina, é a fuga, para a frente, de um passado cujo ponto de referência emblemático é a experiência hiperinflacionária. No Brasil, é a preservação dos interesses que floresceram no ao calor do ciclo substitutivo, no contexto de uma inevitável redefinição das formas de inserção doméstica na economia global.

TEMOR E TREMOR

O patriarca Abraão (Gênesis, 22) foi posto por Deus perante a opção entre desobecê-lo ou matar seu filho. Ao que parece Abraão não temeu o castigo de Deus, mas sim que a desobediência o afastasse para sempre da sua fé — a fé, paradoxalmente, no amor de Deus. De modo que Abraão deveria sacrificar algum de seus bens mais prezados: a sua fé ou Isaac, o filho da promessa. Embora finalmente Deus liberasse a Abraão da execução de uma das opções, não o eximiu do fato terrível da escolha (Abraão estendeu a mão, e tomou o cutelo para imolar seu filho). O que faz deste episódio o dilema mítico / histórico por excelência.

Para Kierkegaard (1979) não se tratava de dilema nenhum. Melhor dito, Deus coloca Abraão num dilema, do qual o libera sua própria fé (antes que Deus mesmo), que lhe permite viver sua situação como não-dilemática: "Abraão acreditou sem jamais duvidar (...) Ao empunhar a faca não relanceou o olhar angustiado à direita e à esqueda, não importunou o céu com súplicas (...) Durante todo esse tempo conservou a fé, acreditou que Deus não queria lhe exigir Isaac (...) Acreditou no absurdo, porque isso não faz parte do cálculo humano. O absurdo consiste em que Deus, pedindo-lhe o sacrifício, devia revogar sua exigência no instante seguinte. Subiu a montanha e, no momento em que a faca faiscava, acreditou que Deus não lhe exigiria Isaac".

Para Kierkegaard, então, a fé permite superar o dilema25 25 Porém, numa das versões do episódio imaginadas por Kierkegaard, a Abraão lhe treme a mão. Isaac percebe-o e isso faz com que perca definitivamente sua fé. . Os dilemas são próprios dos homems sem fé. Mas a fé, politicamente falando, é um luxo que os bons políticos não devem dar-se. é a ingenuidade infantil magistralmente descrita por Weber (1982): "Também os cristãos primitivos sabiam exatamente que o mundo está dominado pelos demônios e que quem se mete em política, vale dizer, quem aceita a utilizar como meios o poder e a violência, assinou um pacto com o diabo, de tal modo que já não é certo que em sua atividade o bom só produza o bem e o mau o mal, mas que freqüentemente sucede o contrário. Quem não vê isto é uma criança, politicamente falando". A fé é para os que se preocupam em salvar sua alma e os políticos, como ensinou Maquiavel, não estão onde escolheram estar parar salvar sua alma mas sim para velar pela saúde da República.

Os políticos de nossos dias, deixadas atrás as utopias redentoristas que dissolviam os dilemas e que duraram o curto período de dois séculos (mesmo que ainda restem "crianças", tanto no campo da direita neoliberal como no da esquerda)26 26 Isso é discutido com maestria por Escalante Gonzalbo (1994). , estão condenados à experiência clássica de sofrê-los. Se o profeta foi finalmente isentado de executar uma das atrozes opções, no reino deste mundo, desafortunadamente, não existe deus algum que, apiedado dos políticos, tire-os das encruzilhadas a que a sua condição os condena.

Sendo a ação política quase sempre dilemática, uma das ingratas tarefas dos intelectuais é a de chamar seguidamente a atenção para este ponto, que habitualmente passa despercebido por quem não tem a política como campo principal de ação ou reflexão. Com este talante, que alguns leitores considerarão sem dúvida excessivamente complacente, proponho-me a discutir o problema das reeleições presidenciais sob uma faceta diferente — ao menos no sentido de que não a encontrei formulada nem no atual debate brasileiro nem naquele que, em sua ocasião, manteve-se na República Argentina.

É uma figura consagrada na literatura acadêmica que se ocupa dos processos políticos na Europa Meridional, América Latina e Europa do leste, a noção de transição dual (veja-se por exemplo Bermeo, 1994). Por tal entende-se o duplo movimento de mudanças de regime político e das regras que organizam a atividade econômica e estatal. Embora as transições duais não sejam necessariamente simultâneas, a dualidade supõe decisiva influência recíproca: os problemas próprios de uma transição afetam a outra.

A consolidação democrática pode ser pensada, convencionalmente, como a culminação de um processo de mudança de regime a partir de um autoritarismo de cunho militar. Pode, contudo, ser também concebida como um processo mais amplo e profundo, que suporia uma ruptura definitiva com padrões de interação política presentes há muitas décadas em nossos países, independentemente da vigência ou não das instituções representativas.

Um desses padrões é: a lei está a serviço do poder, ao invés do poder estar sujeito à lei. A tradição latino-americana no que diz respeito a isso é antiga, e fala-nos de países onde a lei raramente governa, mas é sistematicamente posta — e alterada — ao serviço de diferentes atores — lideranças, grupos, partidos, clientelas, burocracias, etc. — em função de seus interesses. Esta tradição introduz um elemento de instabilidade e incerteza legal e institucional que faz muito pouco pela consolidação de um regime democrático. A democracia é, por definição, um regime de incerteza (Lechner, 1986; Przeworski, 1991); portanto, é essencial à sua consolidação que sejam as regras que confiram alguma certeza à interação. Obviamente, as regras podem ser mudadas, mas os umbrais de consenso exigidos para isto devem ser sustancialmente elevados27 27 Vários autores ocupam-se destas questões, entre eles Elster (1978). . Mais ainda quando se trata das regras que definem a forma do regime político, isto é, suas constituições, fundamentais em suas garantias e para regular o acesso e a distribução do poder político e institucional.

Ao mesmo tempo, a reforma econômico-estatal também pode ser pensada, convencionalmente, como um processo que conduz de um modelo econômico fechado e de elevado grau de intervenção estatal para um modelo aberto e de mercado competitivo. Embora essa concepção também não seja incorreta, quase nada nos diz do que realmente são os convulsivos processos de transformação que experimentam nossos países. Esses processos foram desencadeados por crises estatais agudas, geradas num contexto no qual as vulnerabilidades dos modelos de desenvolvimento ensaiados desde o pós-guerra puseram-se massivamente em evidência a partir dos choques externos de endividamento e de deterioração dos termos de intercâmbio do início dos anos 80. No seio dessas crises, os processos de reforma orientada para o mercado são um componente, central mas não exclusivo, de vastos intentos de reconstituição estatal.

De forma análoga à democratização, a reforma econômica e estatal também joga seu êxito ou seu fracasso na estabilidade das novas regras. Apesar de seu caráter recente, as regras que estão começando a presidir as interações econômicas e estatais devem ser percebidas como estáveis pelos agentes econômicos e os atores sociais envolvidos. Se uns e outros são céticos em quanto à sua permanêencia, dificilmente as novas regras cumprirão sua promessa de estabilidade de preços, solvência fiscal e crescimento econômico. Tudo isso é de manual: as expectativas dos atores podem acabar gerando profecias que se realizam a si próprias.

Brasil e Argentina encontram-se sem dúvida no grupo de países que embarcaram nesses processos duais de mudança. Suas instituições, e os atores políticos e sociais que agem dentro das mesmas, defrontam-se rapidamente com a dupla agenda de tarefas que supõe a consolidação democrática e a recomposição estatal e econômica. Mas a relação entre tarefas e instituições é forçosamente complexa, porque a índole das tarefas políticas afeta necessariamente, e nem sempre de modo convergente, as instituições. No contexto destes problemas pretendo considerar a questão da reeleição presidencial.

Já lembramos o leitor de que a tarefa de consolidação democrática contém uma dimensão de estabilização de regras. Pois bem, sabemos que a competição democrática é, em parte, um jogo de entradas e saídas do governo em rodadas sucessivas. Por conseguinte, uma das modalidades mais perniciosas que conspiram contra aquela tarefa de estabilização é o aproveitamento, por parte de um dos atores em jogo, de vantagens circunstanciais para produzir uma alteração das regras — inclusive constitutivas — no curso de uma rodada da competição com o propósito de melhorar seus resultados na mesma (e como conseqüência suas perspectivas para o futuro). Esta prática, equivalente à pretensão do time de futebol que ganha um jogo de que se suspenda a revanche anticipadamente combinada, é a que no Brasil recebe o nome de casuísmo. Nela, incorreram sem dúvida os peronistas em 1994 na Argentina e o governo brasileiro hoje. As constituições são reformadas incorporando cláusulas ad hoc que permitem a reeleição dos presidentes em exercício, sendo que as regras sob as quais Menem e Fernando Henrique foram eleitos pelos cidadãos não contemplavam essa possibilidade.

Vistas as coisas deste ponto de vista, a conclusão é inescapável: esse componente do exercício reformista contribui pouco ou nada à tarefa de consolidação democrática. Os atores "aprendem" a utilizar as instituições casuisticamente, e, em princípio, os perdedores de hoje encontrarão o caminho mais despejado para ressarcir-se amanhã apelando aos mesmos recursos. As novas democracias, embora possam ser mais firmes qua regime político que as fracas democracias dos anos 50 e 60, apresentam assim um ingrediente da velha ordem pseudodemocrática, e portanto a ruptura com o passado está longe de se completar.

Proponho agora observar a questão de o outro ângulo, talvez tão importante como o primeiro: o da tarefa de estabilização das novas regulações econômicas e estatais. Em países como Argentina ou Brasil a confiança dos agentes econômicos é extremamente volátil. Os precários equilíbrios macroeconômicos e fiscais são notavelmente vulneráveis aos movimentos dos investidores que, como se pode constatar por ocasião da crise mexicana de finais de 94, reconhecem uma causalidade com freqüência bastante arbitrária. No que concerne aos atores e grupos sociais em geral, o problema é semelhante. Também eles se interrogam pela estabilidade das mudanças: devem se adaptar a elas ou simplesmente esperar?

Isto é bem conhecido. Podemos acrescentar, seguindo Fiori (1992), que a credibilidade depende do poder que os agentes econômicos e os grupos sociais atribuem aos governos de sustentar as novas regras (do mercado e outras), mais que do fato de que essas regras tenham sido instituídas. A experiência sugere que, onde se logra infundir uma maior credibilidade às novas regras, este incremento escora-se sobre uma base de poder fundada preponderantemente em atores muito mais que em instituições. Este elevado componente de discricionariedade como pilar paradoxal da perduração das regras pode tender a diluir-se com o desenvolvimento de uma rotina de interações no marco daquelas, e com os avanços no processo de recomposição estatal, mas é de crucial relevância nos primeiros passos da reforma.

Todavia, é preciso frisar aqui o seguinte: esse poder tem um núcleo que é, em essência, a política de coalizões. é a capacidade dos atores governamentais de estruturar coalizões reformistas estáveis que fornece (ao menos nesses primeiros passos) os sinais de poder que conferem credibilidade às novas regras. Isto faz muito sentido se não perdemos de vista que, em nossos países, e como já foi dito na primeira parte desde artigo28 28 Entendemos aqui por "coalizões reformistas" agrupações que apresentam taxativamente três elementos caraterísticos: são coalizões de governo, são capazes de implementar um programa de reformas, e agem no seio de regimes democráticos. , as coalizões reformistas bem sucedidas são flores raras: tanto a Argentina como o Brasil registram uma escassez muito visível de tais experiências políticas.

Ora, uma das novidades de mais destaque que trouxe a década dos 90 em ambos países é o funcionamento de coalizões reformistas. Na Argentina desde 1989 com o novo governo peronista, e no Brasil a começar de 1994 com o lançamento do Plano Real, estruturam-se coalizões que denotam, pelo menos, uma moderada capacidade de suster sua coesão, seu programa de reforma e seu suporte social e eleitoral. Na medida mesma em que tenham tornado patente essa incomum viabilidade política essas coalizões são o principal fator de credibilidade que escora a confiança dos agentes econômicos na sustentação da orientação geral que preside a mudança de regras econômicas e estatais.

Contudo estas coalizões são frágeis. Em verdade as coalizões quase sempre o são, e as nossas não constituem exceções. Também não se distinguem da imensa maioria das coalizões reformistas em outro de seus traços: sua estruturação com centro em lideranças pessoais. Com efeito, ambas coalizões são muito heterogêneas e foram montadas às pressas e ambos os fatores — heterogeneidade e precipitação — são daqueles que tendem a fazer com que as coalizões tenham por pivô quase único uma figura política pessoal29 29 Isto não significa que as coalizões que sustêm os governos argentino e brasileiro sejan idênticas — por exemplo, a natureza da heterogeneidade é diferente em cada caso, e as arenas principais do jogo de coalizões também o são. Razões de espaço impedem que estas diferenças sejam discutidas aqui. . Por isso, ademais, são essas lideranças, também de forma quase exclusiva, as titulares da confiança dos agentes econômicos e sociais na sustentabilidade das novas regras. Este último problema — a credibilidade identificada com a figura da liderança — talvez seja menos sério no Brasil que na Argentina; mas o primeiro — a estruturação fortemente personalista das coalizões — se fez presente com a mesma intensidade em ambos os países.

É portanto fácil de entender que a continuidade das coalizões descansa na continuidade das lideranças. Contemplada a questão das reformas constitucionais com reeleição do presidente em exercício desse ponto de vista, é bem visível que o expediente é a forma mais segura de tomar conta da relevante questão da estabilidade das coalizões.

Por isso — e este é o ponto central do artigo — é que tanto Argentina como Brasil são países que encaram um dilema entre atender à estabilidade das regras (pondo em perigo as coalizões) e atender à estabilidade das coalizões (colocando em risco as regras).

Não adianta negar o caráter dilemático da questão, seja iludindo-se a respeito da consistência das forças políticas domésticas, seja argumentando que a emenda da reeleição não é casuísmo porque foi feita por quem tem potestade constitucional para emendar, ou que é casuísmo mas não põe em perigo as regras porque é democrático outorgar aos eleitores a oportunidade de votar de novo em um presidente cuja gestão está sendo aprovada pela maioria.

Tanto na Argentina quanto no Brasil, é óbvio, os governantes optaram sem vacilações por um dos termos do dilema30 30 O fato de que na Argentina em 1994 e no Brasil em 1996 possam identificar-se situações objetivas análogas não significa de jeito nenhum que seja análogo o temperamento pessoal das lideranças aprisionadas nas mesmas. Contudo, se duas personagens muito diferentes entre si agiram de um modo muito semelhante numa situação objetiva parecida, o fato de que o tenham feito impulsionadas por motivações provavelmente distintas não parece analiticamente relevante (embora possa sê-lo politicamente). As preferências pessoais podem ajudar a explicar as escolhas dos protagonistas. Porém, quando, como em nossos casos, a opção é uma constante, reduz-se o arco de aspectos delas dedutíveis. Não é um grande passo a frente dizer que, enquanto um presidente escolhe a contragosto e ciente de comprometer as regras, o outro o faz -indiferente à disjuntiva entre regras e coalizões — porque encontra na necessidade de manter unida a coalizão um magnífico álibi para seguir o rumo afim a seu temperamento. . E com certeza o efeito dessa opção apresenta, no que diz respeito às dimensões institucionais da democratização, componentes negativos. A decisão pela estabilidade das coalizões afetou as regras e o sistema de representação. Mesmo assim, existem razões para se pensar que não devemos dramatizar as coisas. Veja-se como a questão aparece em cada caso.

Na Argentina, após a vitória do governo nas eleições parlamentares de 1993, o presidente Menem decidiu dedicar-se de corpo e alma para conseguir do Congresso a imprescindível convocação de eleições para a formação de uma Convenção Constituinte. O principal empecilho formal para isso era o bloco parlamentar da Unión Cívica Radical, cujo número era suficiente para impedir ao oficialismo atingir a maioria qualificada de dois terços necessária na Assembléia Legislativa formada por ambas as câmaras — o corpo legislativo com prerrogativas exclusivas para convocar eleições constituintes. A Unión Cívica Radical, principal partido opositor, teimava em não conceder ao Partido Justicialista a oportunidade de uma reforma.

Deste modo, no seio do jogo estrito das instituições representativas a reforma constitucional estava tecnicamente obstruída. A posição radical era conforme à lei e fundada na razão, e o governo peronista devia esquecer a reforma e começar a dar tratos à bola para construir um dispositivo coalizicional para as eleições presidenciais de 1995. Porém, o caminho seguido pelo presidente foi outro. Lançando mão de uma retórica populista familiar aos ouvidos de muitos argentinos, demostrou sua determinação de organizar um plebiscito sobre a necessidade da reforma, fixando até mesmo sua data. Embora esse plebiscito não fosse vinculativo, a decisão presidencial colocou os radicais entre a espada e a parede. Primeiro, porque era óbvio que se expunham a uma quinta derrota eleitoral consecutiva (desde 1987) que podia empurrar o velho partido até o abismo de sua desagregação — os estudos de opinião eram gritantes quanto à popularidade da proposta de reforma constitucional. E segundo, porque o plebiscito representava o perigo do regresso de velhos demônios da política argentina contemporânea: uma polarização entre a "vontade" das massas e a "afeição às formalidades" das minorias podia impelir outra vez à democracia argentina numa espiral autodestrutiva. Menem jogava assim o "jogo da galinha" (Acuña, 1995) e transferia para a oposição a responsabilidade pelo cuidado das instituições republicanas.

Diante desta intimidação o ex-presidente da República, e ainda presidente do partido radical, Raúl Alfonsín, mudou de atitude. Julgando a negociação uma saída para livrar a UCR e o país desses perigos e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para recuperar sua liderança, cada vez mais questionada dentro do próprio partido (Smulovitz, 1995), assinou com o presidente Menem um pacto acordando não só a convocação de eleições constituintes mas também os conteúdos básicos da reforma que Peronistas e Radicais se comprometeriam a votar em um pacote indivisível. Dessa maneira, a força de um exercício de perfil plebiscitário, que ameaçou expor a uma profunda crise as instituições representativas, acabou arrancando justamente de quem nelas se amparava concessões que não estava de antemão inclinado a outorgar.

Embora no Brasil a dinâmica política da reeleição apresente traços muito diferentes, são alguns dos traços comuns que interessa lembrar aqui. Como é bem conhecido, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) foi um grande perdedor nas mudanças de coalizões geradas a partir de 1994 por Fernando Henrique Cardoso. Após uma péssima eleição presidencial em 1995, o PMDB chegava ao novo ciclo político carente de uma liderança unificadora. Nem o fato de ter a bancada parlamentar mais numerosa na Câmara, nem o de incorporar-se (tardiamente) à coalizão governamental, salvaram o imenso mas disforme partido das dificuldades decorrentes de sua grave falta de coesão. Ficou logo visível o perigo de o partido ver seriamente reduzida sua participação nos espaços de poder institucional. Nessas condições um numeroso setor do PMDB acreditou ter chegado a oportunidade de recobrar forças explorando a necessidade do presidente da República de atingir uma maioria de 3/5 em ambas câmaras. Num congresso partidário muito conturbado, o PMDB elevou substancialmente suas condições para contribuir com sua bancada na formação daquela maioria. De fato, elevou-as com excesso, considerando que a pretensão das presidências da Câmara e do Senado supunha colocar em xeque o núcleo da coalizão governamental, a aliança entre o PSDB e o PFL.

Num contexto de grande incerteza, e em corrida contra o tempo, multiplicaram-se nas elites dos partidos aliados as propostas para neutralizar a manobra do PMDB. Após duas semanas febris, acabou predominando uma disposição à escalada do confronto — se fosse necesário: manter aberta a porta da negociação e deslanchar a convocação de um plebiscito para apoiar a aspiração governista no voto popular. Nos dias de maior ceticismo sobre a conduta do PMDB, foi o próprio presidente quem ameaçou mobilizar a população para obter a resposta esperada dos legisladores. Com efeito, Fernando Henrique declarou "ter a certeza de que o Congresso estará sempre sintonizado com o país e que ouve a voz rouca das ruas" (Jornal do Brasil, 14, 15 e 16 de janeiro de 1997). Esta interpretação em registro populista do papel do Congresso — que nada tem a ver com o que sabemos que o presidente sabe quanto à função de uma institução representativa — definiu o sentido da forte pressão exercida sobre o PMDB, pela qual seus deputados finalmente votaram a emenda da reeleição.

Em ambos os casos, em conseqüência, embora com perfil apenas esboçado no caso brasileiro, ocorreu um arranjo de compromisso entre a república e os votos. Dizíamos contudo que há motivos para não se rasgarem as vestes. é assim porque em ambos países, embora as forças que criaram obstáculos à reforma tivessem amedrontadas, isto não acabou em becos sem saída. Longe disso, tem que admitir-se que, no caso em que o processo de reforma-com-reeleição foi consumado, um de seus resultados é a primeira Constituição do século que pode considerar-se produto do consenso e não da imposição de uma das partes sobre a outra (Smulovitz, 1995). é que uma vez que os radicais consentiram em satisfazer a obsessão menemista, teve andamento um processo que esteve mais próximo de uma autêntica negociação política que de uma barganha. O governo aceitou pagar um alto preço por seu objetivo, e os radicais fixaram-no sobretudo em conteúdos institucionais que tornaram possível aquele consenso31 31 Para uma discussão sobre este ponto veja-se também Palermo e Novaro (1996). , realizado no marco de um processo de reforma constitucional muito amplo que, de fato (além do casuísmo da reeleição), era percebido como necessário pela maioria dos atores políticos. No Brasil, em nosso entender, foram outras as contingências que atenuaram a gravidade da prática casuística: a peculiaridade da Constituinte de 1988 culminar numa Carta nascida com a marca de revisões ulteriores inevitáveis — aliás, a contrapelo do aconselhável conforme a experiência e o pensamento políticos.

Fica ainda um assunto pendente. Que nos garante que o casuísmo, como "escape" do dilema, não tenda a reproduzir-se ad infinitum? Nada, com certeza. Para o cúmulo, seja com boas razões, seja sem elas, as lideranças políticas jamais serão imunes à tentação de julgar as situações em que se encontram em concordância com suas inclinações e preferências32 32 De fato, o perigo de uma nova revisão constitucional casuística se configura hoje na Argentina, onde os menemistas incondicionais, embora suscitando uma oposição aberta entre os restantes peronistas, são cada vez menos ambíguos no que diz respeito a suas intenções para 1999. Muito recentemente o senador Jorge Yoma apresentou na Câmara um projeto de lei de consulta popular com o propósito de impulsionar uma nova reforma (La Nación, 14 de febrero de 1997). .

Existem todavia fatores que podem jogar a favor de uma solução definitiva da questão. Por um lado, é do interesse de uma das partes que negociam elevar o limiar dos requisitos institucionais necessários para uma nova mudança casuística das regras. Isso é possível, porque essa parte pode traduzir sua debilidade relativa (de não poder impedir a mudança de regras que permita a reeleição) em força, por estar em condições de fixar um preço considerável em bens institucionais33 33 Na reforma constitucional de 1994 na Argentina não se avançou muito neste ponto, já que somente se redigiu uma cláusula transitória. Recorrer a procedimentos de auto-atamento institucional mais genéricos seria muito mais efetivo -tais como o de. estabelecer a inconstitucionalidade do recurso a consultas populares para pronunciar-se sobre casos concretos em lugar de disposições gerais. Cabe acrescentar, por outra parte, que a nova constitução argentina faz possível o exercício de uma terceira presidência após um período governamental de alternância (no que diz respeito a este ponto, veja-se Cheresky, 1996). . Por outro lado, a natureza dilemática da situação tende forçosamente a diluir-se com a passagem do tempo. Ao invés do dilema, a médio prazo, deve ter lugar uma afinidade entre as tarefas encaminhadas à consolidação democrática e as encaminhadas à consolidação das novas regras econômicas e estatais. Isto é assim porque não há indicador mais importante do sucesso de uma reforma do que o fato de que as novidades que ela traz consigo deixem de depender da vontade das coalizões governamentais e dos homens que a implementaram. Se a confiança dos agentes econômicos nas novas regras há de afiançar-se, estas regras devem superar o teste de mudanças de coalizão e de liderança na esfera governamental, que demonstre que já não se sustentam exclusivamente nos protagonistas políticos das reformas34 34 Isto é analisado por muitos autores; veja-se por exemplo a discussão de Haggard e Kauffman (1993). .

Enquanto isso, no meio do percurso da transformação, põem-se em evidência velhas verdades políticas: conseguir que as instituições desprendam-se efetivamente dos homens é muito laborioso; e quase nunca as tarefas que é necessário levar a cabo harmonizam umas com outras. Assim sendo as coisas, não é surpreendente que (independendo de suas inclinações) as lideranças vejam-se compelidas a agir em direções opostas entre si, incitadas pelo temor de quebrar as coalizões e pelo tremor de ferir as regras institucionais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • TAVARES DE ALMEIDA, Maria Herminia (1996) "Pragmatismo por necessidade: os rumos da reforma econômica no Brasil". Dados, vol. 39, Rio de Janeiro.
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  • WATERBURY, John (1989) "The Political Management of Economic Adjustment and Reform", in Joan Nelson (ed.) Fragile Coalitions: The Politics of Economics Adjustment. Transaction Books.
  • 1
    Somente a título ilustrativo podemos mencionar aqui, para a Argentina, Acuña (1995a), Gerchunoff e Torre (1996), Palermo e Novaro (1996), Palermo (1997); para o Brasil, Diniz (1997), Loureiro (1996), Sola (1993 e 1996), Tavares de Almeida (1996).
  • 2
    Entre as exceções podem contar-se os trabalhos de Smith e outros (1994), Iazzetta (1996) e Torre (1997).
  • 3
    A redação deste artigo foi terminada em abril de 1997.
  • 4
    Para o caso argentino, pode-se consultar Palermo e Novaro (1996) e grande parte da bibliografia ali citada, que discute a gestão presidencial de Alfonsín; para o caso brasileiro, ver Bresser Pereira (1994).
  • 5
    Para uma descrição da formulação e implementação das reformas em matéria de abertura comercial, financeira e de desregulação do mercado de capitais, que permite observar este contraste nestes campos, pode-se consultar Moguillanski (1996). Para uma comparação dos processos de privatizações em ambos países, que apresenta evidências no mesmo sentido, ver Iazzetta(1996).
  • 6
    Dizemos "supostamente" porque da existência de um
    blueprint não segue forçosamente nada em relação ao conteúdo "material" das reformas; no entanto, sua presença pode ter uma importância política decisiva em certos casos. Um
    blueprint pode ser como os Lugares Sagrados no caso das Cruzadas (de fato, não é raro encontrar "cruzados" dentro dos governos que abraçam um
    blueprint!): nem todos os Cruzados sentiam por eles a mesma devoção, nem tinham a sua recuperação como objetivo fundamental e as Cruzadas fracassaram em seu intento de recuperá-los; mas eles tiveram uma importância central no desenvolvimento das próprias Cruzadas.
  • 7
    "Neoliberais" até existem, mas não ocupam a posição preponderante que adquiriram na Argentina; no Brasil não seria exagerado dizer que o único "neoliberal" autêntico é Roberto Campos.
  • 8
    Tal
    blueprint como paradigma de política alternativo (definido en termos de suas condições de emergência, seguindo a Hall) não existe de momento no mundo, embora existam motivos para identificar — quiçá pecando de otimismo — sinais sobre uma gestação atualmente em curso. Entretanto, os países que por um motivo ou outro têm a fortuna de poder rechaçar o paradigma neoliberal, se vêem obrigados à improvisação pragmática, seja qual seja a etiqueta com a qual a cobrem.
  • 9
    Trata-se de um processo, a esta altura, bastante conhecido; uma análise do mesmo pode-se encontrar em Palermo e Novaro (1996), capítulo II.
  • 10
    Sublinhando a importância das idéias no processo de reformas brasileiro, Maria Herminia Tavares de Almeida (1996) denomina "abordagem pragmática" a postura conceituai dos intelectuais, tecnocratas e políticos que chegaram ao governo com Fernando Henrique Cardoso, e assinala que ela "está longe de ser uma sólida teoria econômica, a exemplo da substituição de importações ou do monetarismo; nem ao menos pode ser considerada uma ideologia econômica, como sem dúvida é o neoliberalismo. Assemelha-se, antes, a uma intuição sobre as relações Estado-mercado, suficientemente vaga a ponto de acomodar-se a diferentes tipos de obstáculos estruturais e institucionais e a estratégias realistas de reforma econômica".
  • 11
    Embora o estudo se concentre no papel das empresas transnacionais, os próprios autores chamam a atenção que suas conclusões têm um alcance mais geral, dado o peso relativo das ET's nas respectivas estruturas econômicas nacionais e sobretudo nos setores mais dinâmicos das últimas.
  • 12
    Explicam que "Throughout the economic crisis public subsidies were used to mantain the fully diversified industrial base that emerged as a result of import substitution".
  • 13
    Isto pode-se ver claramente na orientação que, não sem controvérsias no seio do governo entre a área de Planejamento e a área de gestão macroeconômica, está-se imprimindo à política privatizadora, no que se refere ao destino dos fundos que são liberados da mesma. O exemplo mais importante até agora é, desde logo, a privatização da empresa Vale do Rio Doce.
  • 14
    Esta noção, que se converteu em tempos recentes numa sorte de verdade de manual, pode encontrar raízes clássicas em Maquiavel que, como se sabe, recomendava ao Príncipe que em caso de decidir-se por fazer um mal, que o fizesse todo de uma vez e não gradualmente.
  • 15
    É ilustrativo recordar que o atual presidente do PSDB, no ato em que assume o cargo, se jacta de ser "o
    primeiro presidente do partido que não fala francês".
  • 16
    Na hora de medir as disposições do empresariado em relação ao governo, em termos de uma identificação partilhada dos problemas inerentes à globalização, certamente contam as credenciais do grupo tucano, em especial as do presidente — embora não apenas as suas (José Serra, Mário Covas, etc. são figuras significativas). De uma perspectiva diferente a de este trabalho, Amaral (1995) registra a importância política destas credenciais: "Se Jânio (Quadros) e Collor eram alternativas com as quais teve de trabalhar o 'sistema', impostas da sociedade para dentro, Fernando Henrique seria a alternativa construída por dentro do
    establishment. Jânio e Collor... jamais foram quadros próprios da elite... Correram sempre por fora da raia. Fernando Henrique chega ao Planalto com o aval da elite ampliado... Distinguindo-se de seus antecessores de 1960 e 1989, o Presidente é um dos mais preparados quadros da política brasileira... Passado que Maluf nenhum pode oferecer... vida que nenhum Collor poder oferecer... Homem de partido, organizador, ágil, com livre trânsito e trânsito livre em Washington e São Paulo, na FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e no FMI...".
  • 17
    Resulta analiticamente pertinente recordar que o PFL não integrava o contingente de forças partidárias que respaldava ao presidente Itamar Franco; é a gestão de Fernando Henrique no Ministério da Economia a que cria as condições para a conformação dessa aliança.
  • 18
    Não é ocioso recordar aqui que a coalizão desenvolvimentista de Kubitschek também integrava esses componentes.
  • 19
    Em direção semelhante, Faucher e Heredia (1995) evidenciam o caráter "defensivo" da reestruturação brasileira pelo estudo da abertura comercial — antes e depois da gestão Collor — comparada com México: "The defensive trade liberalization and the limited regional integration adopted by Brazil, is the option that, given the alternatives, best reflects the dominant interests of its manufacturers combined with the developmental strategy of state agencies. The Brazilian productive structure is, with few exceptions, oriented towards the local market. Brazil has not shifted its policy towards an export oriented model to the extend that Mexico did... Regional integration through Mercosur, as an intermediate policy, allows multinationals and some large national enterprises, mostly active in the durable consumer goods industries, to profit from economies of scale while continuing to give priority to the local market protected by high tariff walls".
  • 20
    Nogueira Batista Jr. (1993) evoca os debates europeus das primeiras décadas deste século para descrever corretamente o que pode ser entendido como uma regressão a formas mais primitivas de organização monetária, sobre a base de uma
    relíquia bárbara, com o dólar em lugar do ouro cumprindo esse papel.
  • 21
    Avaliações bastante diferentes entre si em relação à medida a qual o "atraso cambial" (consequência do uso do dólar como âncora dos preços) submeteria os empresários a uma situação mais rigorosa de exposição à concorrência internacional, pode-se encontrar em Barros de Castro (1996) e Abranches (1996).
  • 22
    Como explica muito bem Lourdes Sola (1993), que distingue, acreditamos que com acerto, o caráter da coalizão que acompanhou Collor — "anti"— da que acompanhou Fernando Henrique — "pró".
  • 23
    O que, de passagem, mostra os perigos de não se confiar em um político de ofício; melhor dito, para os setores e grupos sociais em geral é melhor aceitar (e vigiar devidamente) um político profissional que um improvisado.
  • 24
    De qualquer modo é certo que, em ambos casos, estas coalizões constituem experiências que põem em questão elementos do
    standard lore da teoria das coalizões, como a maior probabilidade de coligar-se por parte de agrupamentos contíguos (ver sobre a questão Almond e outros, 1992).
  • 25
    Porém, numa das versões do episódio imaginadas por Kierkegaard, a Abraão lhe treme a mão. Isaac percebe-o e isso faz com que perca definitivamente sua fé.
  • 26
    Isso é discutido com maestria por Escalante Gonzalbo (1994).
  • 27
    Vários autores ocupam-se destas questões, entre eles Elster (1978).
  • 28
    Entendemos aqui por "coalizões reformistas" agrupações que apresentam taxativamente três elementos caraterísticos: são coalizões
    de governo, são capazes de implementar um programa de reformas, e agem no seio de regimes democráticos.
  • 29
    Isto não significa que as coalizões que sustêm os governos argentino e brasileiro sejan idênticas — por exemplo, a natureza da heterogeneidade é diferente em cada caso, e as arenas principais do jogo de coalizões também o são. Razões de espaço impedem que estas diferenças sejam discutidas aqui.
  • 30
    O fato de que na Argentina em 1994 e no Brasil em 1996 possam identificar-se situações objetivas análogas não significa de jeito nenhum que seja análogo o temperamento pessoal das lideranças aprisionadas nas mesmas. Contudo, se duas personagens muito diferentes entre si agiram de um modo muito semelhante numa situação objetiva parecida, o fato de que o tenham feito impulsionadas por motivações provavelmente distintas não parece
    analiticamente relevante (embora possa sê-lo
    politicamente). As preferências pessoais podem ajudar a explicar as escolhas dos protagonistas. Porém, quando, como em nossos casos, a opção é uma constante, reduz-se o arco de aspectos delas dedutíveis. Não é um grande passo a frente dizer que, enquanto um presidente escolhe a contragosto e ciente de comprometer as regras, o outro o faz -indiferente à disjuntiva entre regras e coalizões — porque encontra na necessidade de manter unida a coalizão um magnífico álibi para seguir o rumo afim a seu temperamento.
  • 31
    Para uma discussão sobre este ponto veja-se também Palermo e Novaro (1996).
  • 32
    De fato, o perigo de uma nova revisão constitucional casuística se configura hoje na Argentina, onde os menemistas incondicionais, embora suscitando uma oposição aberta entre os restantes peronistas, são cada vez menos ambíguos no que diz respeito a suas intenções para 1999. Muito recentemente o senador Jorge Yoma apresentou na Câmara um projeto de lei de consulta popular com o propósito de impulsionar uma nova reforma (La Nación, 14 de febrero de 1997).
  • 33
    Na reforma constitucional de 1994 na Argentina não se avançou muito neste ponto, já que somente se redigiu uma cláusula transitória. Recorrer a procedimentos de auto-atamento institucional mais genéricos seria muito mais efetivo -tais como o de. estabelecer a inconstitucionalidade do recurso a consultas populares para pronunciar-se sobre casos concretos em lugar de disposições gerais. Cabe acrescentar, por outra parte, que a nova constitução argentina faz possível o exercício de uma terceira presidência após um período governamental de alternância (no que diz respeito a este ponto, veja-se Cheresky, 1996).
  • 34
    Isto é analisado por muitos autores; veja-se por exemplo a discussão de Haggard e Kauffman (1993).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      1998
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