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Constituição, soberania e ditadura em Carl Schmitt

Constitution, sovereignty and dictatorship in Carl Schmitt

Resumos

A partir de uma reconstrução do decisionismo schmittiano e da análise de como ele deixa sua marca em termos básicos da sua concepção como os de democracia, soberania e ditadura, examina-se o pensamento de Schmitt à luz de suas intervenções teóricas e práticas nas questões constitucionais na Alemanha de Weimar e do nacional-socialismo. Examina-se especialmente como para Schmitt a unidade e hierarquia dos poderes políticos e do direito requerem um Estado forte e um comando centralizado, no lugar de um equilíbrio pluralista.


On the basis of a reconstruction of Schmitt's decisionism and of the analysis of its effects on key terms of his conception like democracy, sovereignty and dictatorship, Schmitts thought is examined regarding his theoretical and practical positions on the constitutional issues of Weimar's Germany and of National-socialism. Special attention is given to how for him the unity and the hierarchy of the political powers and of the law demand a strong State and a centralized command instead of a pluralistic balance.


CONSTITUIÇÃO

Constituição, soberania e ditadura em Carl Schmitt

Constitution, sovereignty and dictatorship in Carl Schmitt

Ronaldo Porot Macedo Júnior

Promotor de justiça em São Paulo. Foi visiting scholar na Harvard Law School (1994-1996), e é mestre em Filosofia pela Universidade de São Paulo

RESUMO

A partir de uma reconstrução do decisionismo schmittiano e da análise de como ele deixa sua marca em termos básicos da sua concepção como os de democracia, soberania e ditadura, examina-se o pensamento de Schmitt à luz de suas intervenções teóricas e práticas nas questões constitucionais na Alemanha de Weimar e do nacional-socialismo. Examina-se especialmente como para Schmitt a unidade e hierarquia dos poderes políticos e do direito requerem um Estado forte e um comando centralizado, no lugar de um equilíbrio pluralista.

ABSTRACT

On the basis of a reconstruction of Schmitt's decisionism and of the analysis of its effects on key terms of his conception like democracy, sovereignty and dictatorship, Schmitts thought is examined regarding his theoretical and practical positions on the constitutional issues of Weimar's Germany and of National-socialism. Special attention is given to how for him the unity and the hierarchy of the political powers and of the law demand a strong State and a centralized command instead of a pluralistic balance.

"Soberano é quem decide no estado de exceção" (Teologia Política - 1922).

"A essência da Constituição não está contida em uma lei ou em uma norma. No fundo de toda normação reside uma decisão política do titular do poder constituinte, isto é, do Povo na democracia e do Monarca na monarquia autêntica" (Teoria da Constituição - 19221 1 Teoria de la Constitución, Alianza Editorial, Madrid, 1982, pág. 47. .

Para Carl Schmitt, o decisionismo jurídico se define pelo reconhecimento da pressuposição da existência de uma decisão soberana fundadora de uma ordem jurídica: "Para o jurista de tipo decisionista, a fonte de todo o "direito", isto é de todas as normas e os ordenamentos sucessivos, não é o comando enquanto comando, mas a autoridade ou soberania de uma decisão final, que vem tomada junto com o comando"2 2 Über die drei Arlen des Rechtswissenschaftlichen Denkens (Sobre as Três Formas do Pensamento Jurídico), Hanseatische Verlaganstalt, Hamburg, 1934. Tradução italiana de Gianfranco Miglio e Pierangelo Schiera , I tre tipi dipensiero giuridico, in Le categorie del "político", Società Editrice II Mulino, Bologna, 1972, pág. 261, doravante citado como I tre tipi. .

É possível retraçar duas genealogias para a concepção schmittiana do decisionismo. Uma primeira e óbvia influência advém do pensamento de Bodin3 3 Segundo Schmitt, "Bodin não apenas tem o mérito de ter fundamentado o conceito de soberania do direito político moderno, como também revelou a sua conexão com a ditadura e deu uma definição que ainda hoje deve-se reconhecer como fundamental", in La Dictadura. Desde los comienzos del pensamiento moderno de la soberania hasta la lucha de classes proletaria, Alianza Editorial, Madrid, 1985, pág. 57. e de Hobbes, que deram a configuração clássica ao conceito de soberania no qual se apoia o pensamento político moderno. Uma segunda matriz genealógica reporta-se ao pensamento político romântico e ao conceito de ocasionalismo. As duas matrizes não são contraditórias e antes se complementam, fornecendo os elementos para a concepção política decisionista totalitária de Carl Schmitt.

Na definição acima citada, para o jurista de tipo decisionista, a fonte de todo o "direito", isto é de todas as normas e os ordenamentos sucessivos, não é o comando enquanto comando, mas a autoridade ou soberania de uma "decisão" final, que vem tomada juntamente com o comando4 4 I tre tipi, op. cit. pág. 261. . O que interessa na definição não é a tomada de qualquer decisão, mas sim a decisão soberana.

O pensamento decisionista, tal como aparece na história do direito, está vinculado a uma idéia de ordem que é pressuposta à decisão soberana5 5 I tre tipi, op. cit. pág. 262 e também La Dictadura, op. cit. . Assim, por exemplo, o dogma cristão da infalibilidade papal contém evidentes elementos decisionistas, mas está assentado em pressupõe uma instituição, a Igreja, e uma ordem estabelecida por Deus. A decisão papal apresenta-se sempre como uma decisão que se adequa a uma ordem pressuposta e não é uma pura decisão advinda de uma vontade. Também no pensamento de Bodin a soberania é ainda situada no âmbito tradicional da ordem, na qual subsistem a família, a casta e outros ordenamentos e instituições. Nesta ordem o soberano é apenas uma instância legítima, vale dizer, o monarca legítimo6 6 I tre tipi, op. cit. pág. 263. .

Hobbes foi o primeiro a apresentar um exemplo puro de pensamento decisionista clássico no século XVII, usualmente caracterizada pelo lema auctoritas, non veritas facit legem. Segundo Schmitt, para Hobbes "a decisão soberana não pode ser explicada, portanto, do ponto de vista jurídico, nem com base numa norma, nem com base num ordenamento concreto; nem pode ser inserida no âmbito de um ordenamento concreto. Para o decisionista, ao contrário, é somente a decisão que funda tanto a norma como o ordenamento. A decisão soberana é o princípio absoluto. E o princípio (no sentido de arché) não é outra coisa senão decisão soberana"7 7 I tre tipi, op. cit. pág. 264. . A decisão nasce de um nada normativo e de uma desordem concreta. Deste modo, a estrutura lógica do decisionismo adquire os seus traços mais claros em Hobbes, pois o decisionismo puro pressupõe uma "desordem" que vem mudada em "ordem" somente pelo fato de que é tomada uma decisão8 8 I tre tipi, op. cit. pág. 264. . Para Hobbes, o representante do tipo decisionista de pensamento jurídico é o "ditador" que acaba com a desordem da bellum omnium contra omnes do Estado de Natureza e funda as leis e o ordenamento.

DECISIONISMO E OCASIONALISMO ROMÂNTICO

No ocasionalismo romântico reside a segunda matriz conceitual do decisionismo. Em sua análise geral do mundo moderno, Carl Schmitt identifica a existência de uma tendência geral à despolitização e neutralização, uma marcha em direção ao terreno "neutro" da economia e da técnica. Tal neutralização da vida política passa a evidenciar-se de maneira mais clara a partir da emancipação política da burguesia e ganha seu caráter mais forte na moderna democracia industrial de massas. A partir de então, ocorre o processo inverso, caminhando-se para uma total politização da sociedade e de todos os setores da vida. Dentro desta nova tendência, surgem os Estados totalitários da União Soviética, da Itália fascista e da Alemanha nazista, os quais representaram uma grande novidade para a teoria política. Nestes Estados até mesmo esferas da vida privada passam a se politizar, como é o caso, por exemplo, da legislação racista que regula atos como casamento, reuniões, etc.

Num texto do início da década de 1930, A Era das Neutralizações e Despolitizações, Schmitt reconhece como pressuposto negativo desta politização total da vida o "nada espiritual" que dominava o ambiente intelectual do final da época da neutralização:

"A geração alemã que nos precedeu foi tomada por um senso de decadência de uma civilização e ela exprimiu este estado de espírito desde antes da Primeira Guerra Mundial, sem esperar o desmantelamento de 1918 e Spengler com seu Declínio do Ocidente. Encontramos numerosos testemunhos em Ernst Troeltsch, Max Weber e Walter Rathenau. Sucedendo a este século europeu que se reclama da maladie du siècle e que espera o reino de Caliban ou After us the Savage God, segue uma geração alemã que se lamenta de urna era da técnica sem alma, na qual a alma depende apenas de si mesma e é impotente. Esta angustia era justificada porque se nutria de um sentimento obscuro da lógica do processo de neutralização que agora encontra-se em seu último estágio. Com a técnica, a neutralidade se unia ao nada espiritual. Após ter feito abstração da religião e da teologia e depois da metafísica e do Estado, parecia que agora se abstraia de toda cultura e se alcançava a neutralidade da morte cultural. Enquanto uma vulgar religião de massa esperava o paraíso na terra da aparente neutralidade da técnica, os grandes sociólogos sentiam, entretanto, que a tendência que tinha dominado todos os graus do moderno espírito europeu ameaçava a própria civilização. A isto se acrescentava o medo das novas classes e massas que se formavam pela tabula rasa, criada pela tecnicização total. Sempre novas massas estranhas ou muito hostis à cultura tradicional eram atiradas para fora do abismo do nada cultural e social. Mas esta angústia se reduzia no final à dúvida sobre a própria força de servir-se do grandioso conjunto de instrumentos da nova técnica que atendia apenas a estes aspectos"9 9 "L'ere des neutralisations et des dépolitisations", in La Notion de Politique (tradução francesa de Begriff des Politischen), Calmann-Lévy, s\d, págs. 149/150. Begriff des Politischen, Hanseatische Verlaganstalt, Hamburg, 1933 pág. 78. .

Este estado mórbido do século XX poderia ser provisório. O sentido definitivo da nossa época evidencia-se somente "quando se vê qual o tipo de política é suficientemente forte para apoderar-se da nova técnica e quais são os verdadeiros agrupamentos de (hostes) e (amigos) que surgem sobre o novo terreno"10 10 La Notion de Politique, op. cit. pág. 80. Tal apreciação é mencionada no Préface de Julien Freund à tradução francesa de Begriff des Politischen, op. cit., pág. 15. Pode-se dizer também que as análises de Schmitt sobre a origem do romantismo e sua relação com o protestantismo são claramente tributárias das análises weberianas sobre ética protestante e o espírito do capitalismo. Neste sentido, Romanticismo Politico, Ed. Giuffrè, Milano, 1981, págs. 32/33 e 36. Sobre a questão relativismo valorativo em Weber ver de Eugène Fleischmann, Weber e Nietzsche, in Sociologia: Para ler os clássicos, org. Gabriel Cohn, Livros Técnicos e Científicos Editora S/A, Rio de Janeiro, 1977, págs. 136-185, de Gabriel Cohn, Crítica e Resignação. Fundamentos da Sociologia de Max Weber, T.A. Queiroz Editor, São Paulo, 1979, especialmente págs. 51-65 e 101-113 e de Julien Freund, A Sociologia de Max Weber, Ed. Forense-Universitária, Rio de Janeiro, 1980. . Em razão de tal diagnóstico do mundo moderno, muito próximo do "desencantamento do mundo" analisado por Weber e das afinidades de ambos com um certo niilismo de matriz nietzschiana, Schmitt será considerado por Habermas como "o verdadeiro filho espiritual de Weber".

Conforme bem acentua Karl Löwith, a nova posição que a política assume no seio da vida européia não significa que esta passe a ser uma realidade particular e central. Schmitt jamais afirma qual seria a realidade central de sua época, muito embora reconheça que nos últimos quatro séculos o centro espiritual da existência humana tenha mudado quatro vezes, vale dizer, da teologia para a metafísica desta para a moral humanitária e posteriormente para a economia11 11 Karl Löwith (utilizando o pseudônimo de Ugo Fiala), II "concetto della politica di Carlo Schmitt" e il problema della decisione, in Nuovi Studi di diritto Economia e Politica, VIII, pág. 60. .

Para Schmitt, o romantismo é um elemento central para a compreensão destas mudanças do núcleo espiritual de sua época. Nele se encontram as tensões entre a transição do predomínio da moral humanitária do século XVIII para a economia técnica do século XIX: "Na realidade o romantismo do século XIX significa somente o grau estético, intermediário entre o moralismo do século XVIII e o economismo do século XIX; significa somente uma transposição realizada mediante a redução à estética de todas as regiões do espírito a também sem nenhum desgaste e com muito sucesso. Pois que a via da metafísica da moral para a economia passa pela estética"12 12 Begriff des Politischen, op. cit. pág. 70. Ver também Romanticismo Politico, op. cit. pág. 4-26 e Löwith, op. cit. 61. .

Esta estetização da vida é uma espécie de prelúdio para a neutralização radical que irá se operar por intermédio da técnica e da economia. A posição do romantismo tem como correlato sociológico a ascensão da burguesia e a industrialização: "O movimento romântico foi guiado pela nova burguesia. O seu período começa no século XVIII; triunfou em 1789 com violência revolucionária sobre a monarquia, nobreza e igreja; em junho de 1948 a burguesia já estava do outro lado da barricada, numa posição de defesa contra o proletariado revolucionário"13 13 Politische Romantik, Duncker & Humblot, München, 1919, págs. 16 e 141. . O decisionismo schmittiano dos anos 1930 é em grande medida uma resposta ao processo de fragmentação política e despolitização gerado pela ascensão da burguesia e das idéias liberais.

Karl Löwith corretamente chama atenção para o fato de que o pensamento de Carl Schmitt, ao menos seus trabalhos produzidos durante os anos 20, tem grande afinidade com o pensamento romântico, em particular com um de seus mais notáveis representantes, Adam Müller, o criador da teoria do Estado Total.

Para Schmitt, o caráter essencial dos românticos é o fato de que para estes "qualquer coisa pode tornar-se o centro da vida espiritual, e isto porque eles não tem por si mesmos nenhum centro. Para o verdadeiro romântico é central somente o seu Eu espirituoso e irônico, mas ao mesmo tempo flutuante"14 14 Löwith, op. cit. 61. . Deste modo, "o indivíduo singular isolado e emancipado se torna, neste mundo liberal e burguês, o centro de tudo, a última instância, o absoluto"15 15 Romanticismo Politico, op. cit. pág. 141. . Importa notar, todavia, que tal absoluto carece de uma substância, de um parâmetro racional: "Somente em uma sociedade dissolvida pelo individualismo, o sujeito, criador num sentido estético, poderia deslocar para si mesmo o centro espiritual: somente num mundo burguês que isola o indivíduo no terreno do espírito, o indivíduo abandonado a si mesmo põe sob suas costas todo o peso que outrora, num ordenamento social, era repartido hierarquicamente entre diferentes funções. Nesta sociedade é confiada ao indivíduo privado a função de ser o próprio sacerdote. No sacerdócio privado está a última raiz do romantismo e do fenômeno romântico"16 16 Romanticismo Politico, op. cit. pág. 26. .

Para que o romântico mantenha sua essência todo o mundo torna-se para ele pura contingência, uma pura occasio, veículo, "incitamento" e "ponto elástico" para o seu Eu irônico. O conceito de occasio nega qualquer vínculo com uma norma. Para Schmitt: "A abordagem romântica pode ser qualificada de modo mais claro através do conceito particular e específico de occasio;lá se poderá descrever como pretexto, ocasião, ou ainda como caso, mas o seu significado mais próprio é fornecido por uma contraposição: occasio é o contrário do conceito de causa, isto é, toda causalidade necessária é claramente calculável como também mantém uma sólida ligação com uma norma fixa. É enfim, um conceito altamente dissolvedor, pois que tudo aquilo que pode fornecer uma ordem conseqüente à vida e aos fatos históricos — seja uma causalidade mecânica calculável, seja uma relação finalística e normativa — é absolutamente incompatível com a representação da mera ocasionalidade: quem eleva princípio o ocasional ou o casual encontra-se em grande superioridade com respeito à normalidade e a todos os seus limites...". Esta dimensão ocasionalista da consciência romântica constitui o seu traço distintivo essencial. A partir dela, Schmitt definirá o próprio conceito de romantismo: "Eu proponho então a seguinte definição: o romantismo é o ocasionalismo subjetivado; o sujeito romântico considera o mundo como ocasião e pretexto para sua produtividade romântica". Note-se, portanto, que para o Romantismo qualquer valor como o Estado, o Povo ou o Sujeito podem tomar o lugar de Deus como centro decisivo ou instância suprema17 17 Romanticismo Politico, op. cit. pág. 21. Neste mesmo texto Schmitt continua: "Nos sistemas metafísicos que vêm sozinhos definidos como ocasionalísticos, pois que têm como momento decisivo esta relação com a ocasionalidade, como por exemplo na filosofia de Malebranche, é o Deus que constitui a instância última e absoluta, enquanto o mundo e tudo aquilo que nele ocorre é simples ocasião para o seu exclusivo operar. Esta imagem do universo é realmente grandiosa e na transcendência divina é alçada a vértice fantástica e incomensurável. Ora, esta abordagem ocasionalista pode fechar-se neste ponto, mas pode também colocar no posto de Deus, como instância suprema, forte e fator decisivo, outra coisa como o Estado, o povo ou ainda o simples sujeito. Este último é propriamente o caso do romantismo". Vale notar, todavia, que se por um lado Malebranche é um dos precursores do ocasionalismo, o seu sistema ocasionalista difere do ocasionalismo propriamente romântico. Tal distinção não escapa aos olhos de Schmitt, que esclarece que: "O romantismo é ocasionalismo subjetivizado; lhe é, com efeito, essencial a relação com o mundo. Entretanto, no lugar de Deus, é o próprio sujeito romântico que ocupa a posição central; partindo desta, então, se transforma o mundo, com tudo aquilo que lhe ocorre, em mero pretexto. Exatamente este deslocamento da instância suprema de Deus para o sujeito genial muda inteiramente a perspectiva e põe à luz o ocasionalismo em sua pureza. Nos velhos filósofos do ocasionalismo, como Malebranche, já estava presente o conceito dissolvedor de occasio, mas a lei e a ordem eram reencontradas em Deus, o Absoluto objetivo; numa tal abordagem ocasionalista é ainda possível manter uma certa objetividade de relação mesmo se Deus é substituído por outra instância, conquanto que objetiva, como por exemplo o Estado. De maneira bem diversa ocorre quando, ao realizar a sua atividade ocasionalista, o indivíduo é isolado e emancipado. Agora o ocasionalismo deduz realmente todas as conseqüências da sua rejeição de qualquer conseqüencialidade; agora é realmente possível que tudo se torne pretexto para tudo, que tudo se torne conseqüência de todo possível antecedente, nas maneiras mais bizarras", Romanticismo Politico, op. cit., pág. 22/23. . Tal aspecto do romantismo encontrará afinidade direta com o decisionismo schmittiano dos anos 1920 que apresentado de maneira formal admite qualquer conteúdo ou motivação para a decisão soberana.

É esta adaptabilidade do ocasionalismo a diversos conteúdos que explica a sua presença tanto em autores revolucionários como em autores contra-revolucionários no decorrer do século XIX. Dessa forma, o romantismo ocasionalista está sempre dependendo de outra coisa, outro valor que lhe é estranho18 18 Romanticismo Politico, op. cit. pág. 228. . Toda forma de romantismo ocasionalista pode ser acompanhada de conteúdos variáveis e até estranhos à forma dominante do romantismo. Este é o traço comum entre o romantismo ocasionalista e o decisionismo tomado em sua caracterização mais formal ou pura.

Para o decisionismo schmittiano não há um fundamento metafísico, teológico ou baseado numa moral humanitária, tal como ocorreu nos séculos XVI, XVII e XVIII. No pensamento schmittiano dos anos 1920, não há fundamento para a decisão moral. Neste sentido, pode-se dizer que, nesta fase, Schmitt assume uma posição muito próxima de um relativismo moral de inspiração nietzschiana ou mesmo de um ceticismo moral de molde hobbesiano19 19 A despeito da aproximação possível entre o ceticismo de Hobbes e o niilismo de Schmitt, aproximação feita pelo próprio jurista alemão (in Der Begriff des Politischen, op. cit. pág. 46 ss., tradução brasileira, O Conceito do Político, Ed. Vozes, 1992, São Paulo, pág. 75) é necessário salientar que o pensamento hobbesiano era ainda marcado por uma espécie de fé no progresso, em direção a uma possível limitação do estado de natureza. O niilismo moderno é essencialmente nietzschiano. O espírito do niilismo alemão contemporâneo de Schmitt era voltado para a ação. Este niilismo ativo encontra sua melhor expressão no pensamento de um autor muito próximo de Schmitt, qual seja Ernst Jünger. No diário de Jünger (Das abenteuer Herz, "O coração aventureiro", Berlin, 1929) lê-se o seguinte: "não se poderá talvez jamais saber o fim de nossa existência, todos os assim ditos fins da vida podem ser apenas pretextos do destino; mas o que importa é o fato, puro e simples, que estamos aqui, com sangue, músculos e coração, com nervos e cérebro. Estar sempre sobre quem vive, isto importa, estar sempre pronto para seguir a voz que chama - e é certo que esta voz não se calará... Por isto a época presente exige sobretudo uma só virtude: a decisão. O que importa é ser capaz de querer e crer, sem considerar os conteúdos que este querer e esta fé guardam", citado em Löwith, op. cit., pág. 68. . Cabe salientar, contudo, que posteriormente, especialmente a partir do início da década de 1930, Schmitt admitirá que as instituições sociais atuam como um "fundamento" ou ao menos como parâmetro para as decisões morais. Ao admiti-lo Schmitt explicita os fundamentos cristãos e conservadores de seu pensamento, afastando-se da caracterização do decisionismo puro dos anos 192020 20 Especialmente da formulação apresentada em Teoria de la Constitución, op. cit. . Ocorre, todavia, que a sociedade como ponto de referência da decisão moral não atenderá todos os requisitos de um fundamento metafísico imutável. Será ela sempre uma referência cambiante e que se repensa a cada instante21 21 Desenvolvi este tema no artigo "O decisionismo Jurídico de Carl Schmitt", publicado em Lua Nova, número 32, 1994 e também dissertação de mestrado em filosofia apresentada junto à FFCL da USP em 1993, Carl Schmitt e a Fundamentação do Direito. A formação do decisionismo institucionalista schmittiano entre os anos 1920 e 1940, especialmente nos capítulos III e IV. .

Tal como para Hobbes, para o decisionismo schmittiano não há um fundamento para a autoridade que decide e cria direito. "Auctoritas non ventas facit legem" é o lema hobbesiano sempre enfatizado por Schmitt22 22 Der Leviathan in der Staatslehre des Thomas Hobbes: Sinn und Fehlschlag eines politischen Symbols. Koln, Hohenheim Verlag, 1982, tradução italiana, Scritti su Thomas Hobbes, Ed. Giuffrè, Milano, 1986 . Para o jurista alemão nem a moral nem o direito têm um fundamento metafísico claro e transparente.

ROMANTISMO E CATOLICISMO CONSERVADOR

Até aqui foi salientado o caráter romântico-ocasionalista do decisionismo. Importa, todavia, analisar as diferenças entre ocasionalismo e decisionismo. Para Schmitt o pensamento político romântico é caracterizado pelo "eterno diálogo", pelo debate sem fim que bloqueia a decisão, típico do pensamento liberal burguês. Segundo ele* "Os românticos alemães têm uma característica peculiar: o diálogo eterno; Novalis e Adam Müller nele se movem como na realização mais verdadeira do espírito. Os filósofos do Estado católico, que na Alemanha foram chamados românticos porque eram conservadores e reacionários e idealizavam as condições da Idade Média, De Maistre, Bonald e Donoso Cortès, teriam certamente considerado o diálogo eterno como um produto fantástico de horrível comicidade. Com efeito, aquilo que caracteriza a sua filosofia contra-revolucionária do Estado é a consciência de que o tempo requer uma decisão e, com uma energia que atinge o seu ápice entre as duas revoluções de 1789 e de 1848, o conceito de decisão vem ocupar o ponto central de seus pensamentos. Onde quer que a filosofia católica do século XIX tenha se manifestado com vivida atualidade, ela expressou, de uma forma ou de outra, a idéia de que se impusesse, enfim, uma grande alternativa que não consentia mediações. "Não existe alternativa" disse Newman, "entre catolicismo e ateísmo". Todos formulam uma alternativa radical, cujo rigor tende mais em direção à ditadura e do que a um diálogo eterno"23 23 Teologia Política, tradução italiana, in Le Categorie del "político ", op.cit., pág. 75. . Neste sentido, a decisão ditatorial defendida pelos pensadores católicos conservadores é o antípoda perfeito do diálogo romântico e da discussão parlamentar.

Carl Schmitt, na introdução do seu estudo sobre o parlamentarismo, revela um pressentimento pessimista no sentido de que "uma discussão objetiva dos conceitos políticos possa encontrar pouco interesse e pouca compreensão"24 24 The Crisis of Parliamentary Democracy, Ed. MIT Press, Massachusetts, 1985, pág. 5. . Neste texto de 1923 o jurista alemão já pressente os riscos de uma ditadura decisionista que estaria por vir no âmbito da Alemanha dos anos 1930. Não é menos certo que Schmitt posteriormente assumirá plena e conscientemente estes riscos25 25 Tratei do assunto no capítulo I da tese de mestrado citada na nota 21. Sobre o tema ver também de Joseph W. Berndersky, Carl Schmitt. Theorist for the Reich, Princeton University Press, New Jersey, 1983 e Schmitt in the Summer of 1932, in Miroir de Carl Schmitt, Revue Européenne des Sciences Sociales, Tome, XVI, 1978, nº 44, Librairie Droz, Genève, págs. 39-54 e de George Schwab, Carl Schmitt. La sfida dell'eccezione, Ed. Laterza, Roma, 1986. .

A despeito da forte influência que exerce o pensamento de Donoso Cortès em Schmitt, ambos apresentam diferenças marcantes. A principal delas é provavelmente o fato de que o decisionismo de Cortês era de matriz cristã e estava apoiado na crença católica da infalibilidade divina. Para ele, somente Deus poderia criar uma decisão do nada. Tal decisão, por sua própria origem, teria que ser justa. Já para o decisionismo pagão de Schmitt a decisão nasce de um nada e não se reporta a qualquer entidade transcendental ou natural. Schmitt admira em Cortès a sua crítica à "classe discutidora", a burguesia, e a sua incapacidade de tomar decisões que evitassem o caos provocado pela desagregação da época dos reis. O decisionismo de Cortês foi até às últimas conseqüências ao defender aberta e radicalmente uma ditadura política como remédio para a indecisão liberal e anarquista de Proudhon e, mais tarde, de Bakunin.

O DECISIONISMO MITIGADO

Para Karl Löwith, "a decisão política de Schmitt não é como uma decisão religiosa, metafísica, moral, uma decisão para um determinado setor da realidade que possa dar uma orientação; não é senão uma decisão pela decisão — qualquer que seja o fim — porque esta consiste já na essência da politicidade"26 26 Löwith, op. cit. 69. . Tal afirmação parece-me exagerada e certamente torna-se bastante mais questionável quando se pensa no decisionismo durante a década de 1930, uma vez que para Schmitt a decisão é fundamental para a instauração de uma normalidade, para a fixação de um primeiro ponto de referência que até poderá ser posteriormente negado27 27 cf. nota 21. . Para o jurista alemão, a decisão soberana acaba com o caos e instaura uma normalidade que poderá se transformar conforme a dinâmica de suas instituições (o "pensamento ordenador concreto" konkretes Ordnungsdenken). Neste sentido, a vida social da ordem concreta influenciaria diretamente a decisão soberana que, deste modo, não mais seria fruto de um puro e simples nada. De qualquer forma, tais idéias sobre o decisionismo institucionalista ou "pensamento da ordem concreta", somente ficarão claras e explícitas nos principais textos dos anos 1930, em particular "Sobre as três formas do pensamento" jurídico, de 1934, e "Estado movimento e povo de 1934

O "decisionismo mitigado"28 28 Utilizo esta expressão por razões exclusivamente didáticas. O decisionismo institucionalista de Schmitt define um tipo próprio de decisionismo que vai se explicitando com maior rigor e riqueza com a publicação des suas obras durante os anos 1930 e 1940. Neste sentido, utilizo a expressão "decisionismo mitigado" de maneira análoga ao procedimento empregado por Hume ao referir-se ao "ceticismo mitigado" na descrição de seu ceticismo naturalista. Sobre tal questão ver Enquiry Concerning Human Understanding, Selby-Bigge Edition, Claredom Press Oxford, especialmente a section XII. de Schmitt a partir de 1930 se caracteriza basicamente pela reelaboração do ocasionalismo dos anos 1920. que agora encontra um fundamento social (ordem concreta) e político (organização dos Estados e instituições, segundo o critério de distinção entre o amigo e o inimigo político). Em razão desta nova influência, a relação de Schmitt com o ocasionalismo romântico é ao mesmo tempo de paralelismo e afinidade. O romantismo ocasionalista apresenta de maneira nua e crua os limites do próprio pensamento schmittiano, na medida em que a forma política romântica pode assumir os mais variados conteúdos, sem que haja qualquer critério ou medida superiores. O lema da "arte pela arte" dos românticos traduz-se, muitas vezes, no interior do pensamento schmittiano no lema da "política pela política", da decisão política sem medidas. O institucionalismo schmittiano será uma tentativa de determinar os critérios de formação de conteúdos na esfera política e jurídica a partir da dinâmica social.

Por fim, importa notar que numa teoria do Estado radicalmente decisionista (como a apresenta Schmitt nos anos 20), para a qual o Estado é o "status" político de um povo (Verfassunglehre) surge o problema de saber qual é a relação entre o Führer, que decide soberanamente, e o povo.

Há fortes motivos para crer que Schmitt não foi o grande teórico do direito nazista, apesar de ter sido o grande jurista alemão a aderir ao nazismo, o que lhe valeu o reconhecimento como o jurista emérito, Kronjurist do III Reich. Por outro lado, é certo que a insistência de Schmitt sobre a necessidade de uma homogeneidade entre o povo para a existência de uma identidade entre o Führer o povo abre espaço para uma interpretação racista e até mesmo anti-semita de sua teoria do direito29 29 Sobre este ponto ver Teoria de la Constitución, The Crisis of Parliamentary Democracy e O conceito do Político, já citados. Ver também Löwith, op. cit. pág. 79. Sobre tal questão tem razão Carlo Galli ao afirmar que "há um acordo entre os críticos em considerar a adesão de Schmitt ao nazismo como conseqüência do método decisionista e não da homogeneidade de conteúdo entre o pensamento de Schmitt e a experiência nazista" (Presentazione a Romanticismo Politico, op. cit., pág. XXIX) .

Por fim, é certo também que Schmitt foi um dos grandes críticos da democracia liberal e defensor da ditadura como forma de sua superação da indecisão política, o que marcou sua proximidade com o pensamento nazista.

A DEMOCRACIA DITATORIAL DECISIONISTA

"Em questões constitucionais é um erro querer distinguir entre o jurídico e o político" (1934)30 30 Compagine statole e crollo del secando impero tedesco, in Carl Schmitt, Principii politici dei nazionalsocialismo. Scritti Scelti da D. Cantimori, Editore Sansoni, Firenze, 1935, pág. 141. .

Para compreender a organicidade do pensamento jurídico e político do jurista de Plettemberg é importante analisar as conseqüências do decisionismo no âmbito da teoria política. Para tanto, central é o conceito de ditadura elevado à condição de antídoto contra o processo de fragmentação política do Estado contemporâneo levado a cabo pelo pluralismo, pela policracia e pelo federalismo. Em seguida é importante analisar como o pluralismo institucionalista será compatibilizado com o monismo político da teoria da ditadura.

Historicamente a teoria das formas de governo dos pensadores políticos iluministas do século XVIII fundou-se em dois princípios básicos, os quais articulavam uma forma de legitimação da relação entre governantes e governados. Estes dois princípios são a identidade e a representação, a partir dos quais Carl Schmitt desenvolve sua teoria da monarquia e da democracia e, neste sentido, retoma uma antiga tradição da teoria das formas de governo.

Para o jurista alemão "Estado é um determinado status de um povo e o status da unidade política. Neste sentido, ele se define por ser a situação de um povo31 31 Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 205. . A unidade de um povo pode ser mantida pelo princípio da identidade ou pelo princípio da representação.

O princípio da identidade define-se pela presença imediata do povo como governante, é aquele "do povo presente consigo mesmo como unidade política quando, em virtude de consciência política própria e vontade nacional, tem aptidão para distinguir entre o amigo e o inimigo"32 32 Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 213. .

O princípio contraposto, isto é, a representação, "parte da idéia de que a unidade política do povo como tal nunca pode se fazer presente em identidade real, e por isto tem que estar sempre representada pessoalmente por homens33 33 Teoria de la Constitución, op. cit.,, pág. 205. : "A monarquia absoluta é, em realidade, a representação absoluta e se baseia no pensamento de que a unidade política só pode ser realizada mediante a representação. A frase: "L'État c'est moi", Significa: eu sozinho represento a unidade política da nação"34 34 Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 205. . Entretanto, na realidade da vida política não existe Estado que possa renunciar a todos os elementos estruturais do princípio da identidade, como também da representação, para manter a unidade política de um povo.

Para Schmitt, a democracia "é uma forma política que corresponde ao princípio da identidade, quer dizer, identidade do povo em sua existência concreta consigo mesmo como unidade política"35 35 Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 221. Em outras palavras, a "democracia é a identidade entre dominadores e dominados, governantes de governados, dos que mandam e que obedecem"36 36 Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 230. . Por tal motivo, a igualdade, e não a liberdade ou o direito à representação, é o elemento essencial da democracia.

A democracia enquanto forma de governo não se opõe necessariamente à ditadura, nem se define a partir da liberdade. Para Schmitt pode haver ditadura com democracia, ditadura sem democracia e democracia sem liberdade: "Uma democracia pode ser militarista ou pacifista, absolutista ou liberal, centralista e descentralizada, progressista ou reacionária, sem deixar de ser democracia"37 37 Sobre el parlamentarismo, tradução espanhola da Die gestesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus, Ed. Tecnos. Madrid. 1990, pág. 32. . O oposto da ditadura não é a liberdade, mas a discussão, o "eterno diálogo".

A democracia surgiu historicamente unida aos princípios do liberalismo e da liberdade. Por tal motivo, argumenta Schmitt, ela é usualmente confundida com o liberalismo. Na luta contra a monarquia tais conceitos praticamente se fundiram, sendo difícil separá-los38 38 Sobre el Parlamentarismo, op. cit. pág. 31. . No âmbito da social-democracia a aspiração democrática se uniu ao socialismo. A democracia é, portanto, um conceito que pode ser combinado com o parlamentarismo, presidencialismo e até mesmo com a ditadura de massas, muito embora não se confunda com eles.

DITADURA COMISSÁRIA E DITADURA SOBERANA

Para definir ditadura Schmitt se baseou na distinção, feita por Bodin, entre soberania e ditadura. Para ele a soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma república, que os latinos chamam de "majestas". O ditador não tem os atributos do príncipe ou do soberano. Ele apenas assume o encargo do soberano com relação a questões específicas como, por exemplo, realizar a guerra, reformar o Estado, etc39 39 La Dictadura, op. cit. págs. 57/74, onde Schmitt cita Les Six livres de la République, de Bodin. . Para Bodin nem todos os indivíduos ou magistrados investidos de poder do Estado são ditadores. Cabe distinguir entre dois tipos de magistrados investidos de poder por delegação. Por um lado, há os oficiais que são os personagens públicos que detém um encargo ordinário ("charge ordinaire") limitados por uma lei. Por outro lado, há o comissário, que é o personagem público ligado a um encargo extraordinário cujos limites são definidos por delegação. Os oficiais são vinculados a uma lei, ao passo que o comissário recebe do soberano ordens específicas para resolver determinado problema40 40 Ver Schwab, op. cit. págs. 60/61. . Somente o comissário pode ser considerado ditador. Por tal motivo, para ele a ditadura de Silla e César em Roma não era de tipo soberano, uma vez que, pelo menos no plano formal, os direitos dos tribunos ainda eram reconhecidos. O verdadeiro soberano somente reconhece Deus acima de si41 41 Ver Schwab, op. cit. pág. 61 e La Dictadura, op. cit. págs. 5/74. .

Schmitt assume a definição de Bodin e acrescenta que o ditador comissário, diferentemente do ditador soberano, aceita um encargo para realizar uma guerra, combater uma insurreição, resolver, enfim, uma situação de crise. Uma determinada Constituição vigente pode ser suspensa até que volte a normalidade e a própria Constituição possa ser novamente posta em vigor. Por tal razão, o ditador romano durante o período republicano era nomeado para agir por apenas seis meses.

Schmitt observa que durante a Revolução Francesa surge um novo tipo de ditadura, a ditadura soberana, distinta da ditadura de César e Silla. Conforme foi salientado, a ditadura comissária se funda num pouvoir constitué, por delegação. A ditadura soberana, ao contrário, caracteriza-se pelo seu pouvoir constituant, advindo do povo. Ademais, a ditadura soberana seria duradoura e não provisória como a ditadura comissária. Exemplos de ditadura soberana seriam a França, entre 1793 e 1795, e a União Soviética, a partir de 1917.

A ditadura do proletariado desenvolvida pelo pensamento marxista de Lênin e Trotski, constitui para Schmitt um exemplo claro e típico da ditadura soberana. O proletariado, sendo a classe emergente e a burguesia a classe condenada à morte, tem o direito de usar a força sempre que for necessário para o "desenvolvimento histórico". Numa ditadura soberana como a soviética pós- 1917, a Constituição vigente não é suspensa, mas abrogada. A ditadura soberana visa criar as condições para que uma verdadeira Constituição se torne possível.

Os traços fundamentais da ditadura soberana são os seguintes: 1) ela se impõe num momento de crise, quando um estado de coisas está ameaçado; 2) o ditador é nomeado pelo soberano — um "pouvoir constitué" — para exercer uma missão específica. Fora de tais limites o seu poder acaba; 3) o ditador pode, no exercício do poder ditatorial delegado, suspender a Constituição e as leis, mas não pode abrogar as leis emanadas. O ditador comissário suspende a Constituição para torná-la vigente num momento futuro42 42 La Dictadura, op. cit. pág. 136 e 146. .

A DITADURA E A CRISE DE WEIMAR

O interesse teórico das categorias desenvolvidas nos estudos de Schmitt sobre a ditadura já situaria suas obras no âmbito das produções mais originais sobre o assunto em sua época. A profundidade e fecundidade de suas análises das aporias da Constituição de Weimar, que estão no centro da ascensão dos nazistas ao poder, tornam seus textos clássicos do pensamento conservador contemporâneo. As suas categorias, porém, serviriam também a propósitos políticos e jurídicos mais práticos e diretos, ligados à interpretação constitucional.

O artigo 48 da Constituição de Weimar estabelecia que se a ordem e a segurança pública do "Reich" alemão estivessem ameaçadas por distúrbios, o presidente poderia tomar as medidas necessárias para solucionar a crise, podendo inclusive intervir com o apoio das forças armadas e suspender temporariamente alguns direitos fundamentais previstos em outros artigos da Constituição. Tal artigo foi utilizado muitas vezes para defender a República de Weimar, não contra distúrbios políticos, mas contra desastres econômicos43 43 Ver Schwab, op. cit. pág. 70. .

A aspiração de Schmitt entre os anos de 1921 e 1924 era a de pensar o controle do processo de desintegração do Estado Moderno, em particular o Estado alemão. Para tanto, desenvolveu uma acurada análise do artigo 48 da Constituição alemã, com o objetivo de combater a crise que então se instaurava. Schmitt interpretou o papel do presidente nas situações de crise como sendo o de ditador comissário. Não obstante, reconhecia que a Constituição de Weimar permitia uma combinação de ditadura soberana com ditadura comissária44 44 La Dictadura, op. cit. pág. 260. .

A interpretação que Carl Schmitt faz do artigo 48 da Constituição não apresentava implicações inquietantes. Conforme bem aponta Schwab45 45 Schwab, op. cit. pág. 75. , neste período (1919-1924) não se falava ainda de ditadura soberana. Ele propunha a extensão dos poderes excepcionais do presidente a fim de combater a crise do Estado Parlamentar. Nesse sentido, o uso do artigo 48 da Constituição e a interpretação que a ele dava Schmitt não minaram o regime de Weimar, consistindo, ao contrário, numa das causas de sua sobrevida durante quatorze anos, uma vez que a utilização de tal dispositivo permitiu que diversas crises fossem enfrentadas. O traço conservador do pensamento de Schmitt transparece de maneira evidente nos seus esforços no sentido de garantir a sobrevida da República de Weimar contra os possíveis riscos de crises e assaltos ao poder por setores radicais como os comunistas e nazistas. A desconfiança recíproca de Schmitt para com os nazistas é central para a compreensão de seu pensamento entre os anos 1930 e 194046 46 cf nota 25. . A ambigüidade de Schmitt e também de alguns de seus textos ficará evidente a partir de sua adesão ao nazismo em 1933. Durante tal período Schmitt oscilará entre defender suas teses em apoio a uma ditadura conservadora e apontar os riscos de uma ditadura carismática comandada por Hitler e a defesa aberta e oportunista do novo regime nazista para provar sua fidelidade ao novo regime47 47 cf. nota 25. . A luta de Schmitt durante todo o período da República de Weimar foi no sentido de combater o "hamletismo" do Estado alemão, agravado pelo processo de fragmentação acarretado pela policracia, pelo pluralismo e pelo federalismo.

PLURALISMO, POLICRACIA E FEDERALISMO

Para Schmitt a situação do Reich alemão do período weimariano é caracterizada por três conceitos básicos, a saber: o pluralismo, a policracia e o federalismo. O federalismo significa a proximidade e solidariedade de uma multiplicidade de Estados, i.e., uma pluralidade de formações estatais. O Pluralismo indica uma multiplicidade de poderes sociais, estavelmente organizados que atravessam tanto o Estado como as unidades federadas (Länder) e territórios. A policracia é uma multiplicidade de titulares juridicamente autônomos da economia pública a cuja independência a vontade estatal encontra um limite48 48 Il custode della costituzione , Ed. Giuffrè, Milano, 1981, pág. 113. . "O pluralismo indica o poder de mais grupos sociais sobre a formação da vontade estatal; a policracia é possível sobre a base de um (destacamento) do Estado e de uma autonomização com respeito à vontade estatal"49 49 Il custode della costituzione, op. cit., pág. 113. . Para o (Kronjurist) o Estado alemão vem sendo fragmentado em razão da conjugação destes três fenômenos.

O Estado contemporâneo atingiu um tamanho grau de complexidade que as relações entre o Estado e a economia não podem mais ser pensadas nos termos liberais clássicos, com uma absoluta liberdade de mercado e não intervencionismo. Conforme salienta, "o Estado moderno tem um direito do trabalho e um direito tributário desenvolvidos e uma conciliação estatal entre as controvérsias salariais, mediante as quais influencia, de um modo determinante, os salários; isso garante substanciais subvenções para as diversas finalidades econômicas; esse é um Estado assistencial e providencial e, portanto, ao mesmo tempo, numa medida jamais vista, um Estado das taxas e tributos. A Alemanha chega a ser um Estado das reparações, que deve destinar recursos para uma série de estados estrangeiros. Numa tal situação, um pedido de não intervenção se torna uma utopia e, assim, uma auto-contradição"50 50 Il custode della costituzione, op. cit., pág. 127. .

O Estado Intervencionista (Estado Providência) visualizado por Schmitt é incompatível com uma estratégia liberal de não intervenção, na medida em que o pluralismo e a policracia formam um movimento centrífugo que conduz ao "hamletismo político", à "paralisia decisória". Por outro lado, a premissa liberal da suficiência da auto-regulação do mercado seria apenas uma estratégia ideológica para o favorecimento dos grupos mais fortes51 51 "A não intervenção nos antagonismos e nos conflitos sociais e econômicos, que hoje são combatidos com meios puramente econômicos, significaria deixar a via aberta aos diversos grupos de poder. Numa tal situação, a não intervenção não é senão uma intervenção em favor daqueles que são cada vez mais superiores e sem escrúpulos" in Il custode della costituzione, op. cit.,pág. 127/128. .

O pluralismo policrático do Estado federal moderno conduz à falência do Estado Legislativo e à crise do Parlamento enquanto órgão capaz de decidir. "A volta em direção ao Estado econômico e assistencial significava para o Estado legislativo tradicional o momento crítico, que deveria, mas não poderia levar nova força e energia política aos tribunais"52 52 Il custode della costituzione , op. cit. pág. 128. . A este propósito Schmitt, em seu artigo sobre o "estado atual do problema das delegações legislativas", de 193653 53 Republicado em Positionen und Begriffe im kampf mit Weimar-Genf-Versailles - 1923 - 1939, Duncker & Humblot, Berlin, (1940), 1988, págs. 214-228, tradução italiana "L'evoluzione recente del problema delle delegazioni legislative", publicado in Quaderni Costituzionali, dicembre, 1986, anno VI, número 3, págs. 535-550. , observa que o surgimento das delegações legislativas, decretos leis e regulamentos estatais sobre.: áreas tradicionalmente afetas ao poder Legislativo representa uma resposta do Estado moderno à necessidade de decisões rápidas e simplificadas. Ademais, as delegações legislativas representam o triunfo de uma nova concepção de lei e Constituição sobre a visão liberal apoiada na tradicional teoria da tripartição dos poderes.

Para Schmitt, constitui uma crença mais liberal do que democrática aquela segundo a qual o parlamento seria o "locus" privilegiado onde o egoísmo dos partidos se transformaria numa vontade política estatal acima dos egoísmos e dos partidos, a partir de uma espécie de "astúcia da idéias" ou "astúcia da instituição". O verdadeiro perigo do estado provisório das colisões partidárias se encontra exatamente na mesma direção. O sistema pluralista com os seus contínuos acordos, através dos quais transforma o Estado numa rede de compromissos mediante os quais os, partidos revezam e dividem os encargos e vantagens, mantém-se sobre:ai eterna ameaça de crise e indecisão.

Deste modo, apenas a decisão de um poder unificador e ditatorial, porque encerra a discussão e decide, poderia conferir unidade ao Estado e à intervenção estatal' na economia. "Deste modo, a "astúcia da idéia" ou da "instituição" não funciona mais e, ao invés de uma vontade estatal, se forma uma somatória — estrábica dos dois lados — de pontos de vista e interesses particulares. A atual situação do parlamentarismo alemão se caracteriza pelo fato de que a formação da vontade estatal não pode mais contar senão com uma maioria parlamentar provisória e mutável, caso a caso, de numerosos partidos heterogêneos sobre qualquer aspecto"54 54 Il custode della costituzione, op. cit. pág., 137. . Por tal motivo, o parlamento no Estado contemporâneo se torna o teatro de uma divisão pluralista das forças sociais55 55 Il custode della costituzione, op. cit. pág., 139. .

A ditadura permitirá ao pensamento schmittiano combater o pluralismo que é conseqüência necessária do "institucionalismo" ou pensamento da ordem concreta. É nesse sentido que Schmitt poderá ser classificado de ideologicamente monista e juridicamente pluralista — a despeito de certo esquematismo imposto por tais categorias —, na medida em que advoga um estado forte e unitário que articule o jogo relativamente autônomo das instituições enquanto fontes geradoras de conteúdos jurídicos. Aí reside uma das tensões mais importantes do pensamento schmittiano. Schmitt procura encontrar uma fórmula política (a ditadura democrática) e jurídica (a konkretes Ordnungsdenken) para solucionar os problemas estruturais que o Estado econômico e o pluralismo político geravam. Como conciliar e harmonizar o pluralismo político e jurídico (a partir da força das instituições), característico do Estado moderno, com a necessidade de decisão? Como compatibilizar o pluralismo jurídico com a necessidade do monismo político? Tais questões delimitam o âmbito das tensões fundamentais que estão subjacentes ao pensamento de Schmitt, uma vez que o advento do Estado econômico intervencionista coincide com a dissolução pluralista do Parlamentarismo56 56 Il custode della costituzione, op. cit. pág., 145. .

A polêmica de Schmitt contra o normativismo de Kelsen e o pluralismo liberal de Laski com relação à natureza do Estado evidencia o critério monístico de política schmittiano. O Estado enquanto entidade fundamental deve se sobrepor às demais instituições. Todavia, um Estado dessa natureza não pode existir sem um poder soberano. Ainda como decorrência da exigência de um Estado uno e forte, Schmitt defenderá a tese da necessidade da superação da teoria liberal clássica da tripartição dos poderes. Nesta perspectiva, o Estado não pode estar fragmentado em poderes autônomos que se contraporiam entre si e se equilibrariam. Assim, o Führer, expressão do próprio Estado, absorveria funções legislativas (através de medidas, decretos, delegações legislativas, etc) e judiciárias. O Führer seria, então, o próprio guardião da Constituição.

O FÜHRER DEFENDE O DIREITO

Em seu texto sobre "O guardião da Constituição", Schmitt desenvolve a tese segundo a qual o Führer deve ser o verdadeiro guardião da Constituição. Os tribunais formados por magistrados não apresentam condições necessárias para a manutenção da unidade do sistema político e jurídico implícitos na Constituição visto que lhes falta a legitimidade e responsabilidade política.

Num texto de 1934, intitulado "O Führer defende o Direito", Schmitt radicaliza essa idéia, ao enumerar as diversas responsabilidades que o Führer deve ter na manutenção da ordem e das instituições, em detrimento da tradicional e liberal divisão dos poderes, tal como proposta por Montesquieu. Este panfleto salienta, de uma forma talvez ingênua57 57 Neste ponto concordo com George Schwab que identifica no Kronjurist uma ingênua impressão sobre o Führer, na medida em que credita a ele a capacidade de respeitar as demais instituições sociais. Schwab, op.cit., pág. 191. mas certamente oportunista, as responsabilidades, dever de moderação e equilíbrio que deveriam recair sobre o Führer, Adolf Hitler. O magistrado apolítico, neutro, "jurídico puro" (num sentido normativista kelseniano) não poderá decidir sobre questões constitucionais eminentemente políticas. Por fim, a decisão tomada por um juiz independente significa a submissão do chefe e dos seus seguidores a um não-chefe politicamente não responsável, o que constituiria uma contradição inaceitável.

Em 24 de janeiro de 1934, Schmitt apresenta uma conferência com o título "Estrutura estatal e ruína do Segundo Reich: a vitória do burguês sobre o soldado"58 58 Que cito na tradução italiana, "Compagine statale e crollo del secondo impero tedesco. La vittoria del borghese sopra il soldato", in Principii Politici del Nazionalsocialismo, op. cit., doravante citado como Compagine... na qual desenvolve uma análise da crise institucional alemã e já aponta para a sua solução com a ascensão do nazismo. Neste texto são traçados os principais motivos da crise alemã, identificados com a estrutura institucional ambígua que conduzia ao "hamletismo político" ou à crise por indecisão.

Schmitt evidencia uma contradição fundamental no seio da estrutura estatal alemã do Segundo Reich. Por um lado, havia uma instituição forte que forjava o espírito do império germânico, qual seja, o exército (Reichwehr) e, por outro lado, o ordenamento jurídico constitucional liberal burguês. Neste último, a questão da decisão política era colocada numa situação ambígua e contraditória. Esta contradição, que seria superada com a ascensão ao poder do líder político-militar Adolf Hitler59 59 Compagine... , op. cit. pág. 112. , implicava, outras oposições também contraditórias como Estado de Direito versus Estado de Polícia, Estado de Povo versus Estado de Autoridade, Livre Associação versus Instituição Estatal, Constituição versus Ditadura, etc60 60 Compagine..., op. cit. pág. 126. . Tais contradições somente poderiam ser superadas no âmbito do Estado Total nazista cujas bases Schmitt se ocupava em desenvolver e justificar.

O imperador era, segundo a Constituição, o chefe militar, contraposto ao chefe burguês constitucional legalista. Tal realidade constrangia qualquer um que quisesse ser constitucionalmente correto a estas mortais lacerações que dividiam a totalidade da realidade política, isto é, impunham a separação do econômico do político e do militar em três esferas separadas e relativamente autônomas.

Um povo militar, naquela construção estatal composta dualisticamente de Estado militar prussiano e Estado constitucional burguês, se tornou, pela força, dividido internamente. O exército, sempre isolado espiritualmente, tornou-se um "Estado dentro do Estado". Nesta situação ele deveria renunciar à ambição de projetar-se para além de seus próprios quadros e perante a nação alemã com a aspiração do comando total61 61 Compagine..., op. cit. pág. 133. .

No sistema pluralista parlamentar a vontade política estatal é resultado de um sistema de compromissos quotidianos e coalisões variáveis de partidos. O sistema pluralista e policrático transforma as instituições em pontos de apoio para a formação da vontade estatal e obriga as instituições sociais a politizarem-se, a organizarem-se em função dos critérios de amigo-inimigo. Tal politização conduz à politização geral de todo o direito, em particular o direito constitucional. Por tal razão, Schmitt chega a afirmar que"é um erro querer distinguir, em questões constitucionais, entre o jurídico e o político"62 62 Compagine..., op. cit. pág. 141. , visto que "toda decisão política tem sempre um lado legal e, vice-versa, cada decisão legal pode sempre ter um lado político"63 63 Compagine..., op. cit. pág. 168. Tal colocação coincide com uma das conclusões básicas do livro l'État Providence de François Ewald, Ed. Grasset, Paris, 1986, págs. 523 e ss. que desenvolve o advento do lema do Estado Providência "Tout est politique!" .

Recoloca-se, pois, a questão de que o poder Judiciário autônomo — formado por funcionários de carreira, juízes independentes, inamovíveis e não responsáveis — não pode desempenhar a função política de defender o direito e a legalidade. A função da Corte Constitucional, tanto mais numa perspectiva normativista, se vê numa situação dilemática. "É praticamente uma contradição em termos, um juiz apolítico decidir sobre questões políticas, partindo do lado jurídico, apenas porque quer ser apolítico. O juiz é colocado numa situação forçada, sem saída: ou ele toma a decisão política, e então coloca em si a pretensão impossível perante a opinião política de um funcionário do Judiciário que seja algo mais que a opinião política do líder (Führer) político; ou ele recusa a decisão por sentimento de responsabilidade política e então se expõe à acusação de rejeição da justiça"64 64 Compagine..., op. cit, pág. 168-170. .

O Reichwehr (Exército) foi a instituição alemã que conseguiu manter-se imune ao pluralismo weimariano e, deste modo, pôde atuar como poder unificador das instituições que formavam o Estado germânico. A salvação do sistema germânico não poderia advir de um sistema de legalidade contraditória como o sistema constitucional weimariano. A salvação "vem do próprio povo alemão, do movimento nacional socialista, que surgiu das forças de resistência contra as forças determinantes da ruína de 1918"65 65 Compagine..., op. cit. pág. 170. . Para Schmitt em 30 de janeiro de 1933 o marechal geral nomeou chanceler do Reich um soldado político, Adolf Hitler, que iniciou um processo de dissolução das contradições do constitucionalismo burguês, provocando uma Revolução estatal com instituições genuinamente germânicas, coordenadas pelo exército prussiano e reunificando o poder político.

Conforme acentua o próprio Schmitt em Staat, Bewegung, Volk. (Estado, Movimento, Povo), de 1934: "A Constituição de Weimar não está mais em vigor. Todos os princípios e medidas que pelo lado ideal e pelo lado organizativo eram essenciais a esta Constituição foram deixados de lado com os seus pressupostos. Mesmo antes da assim chamada "Lei de Plenos Poderes" de 24 de março de 1933, um decreto do presidente do Reich de 12 de março de 1933 solenemente negou e suspendeu, juntamente com a bandeira preta-vermelha-dourada do sistema de Weimar, o seu espírito e sua base"66 66 Que cito na tradução italiana, Stato, Movimento Popólo, in Principii Politici dei Nazionalsocialismo, op. cit., pág. 175. . A Constituição de Weimar não poderia ser a base de um Estado nazista67 67 Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 175. . Com o advento do Estado totalitário o receio de Schmitt, no sentido de que a Alemanha seria vítima da laceração provocada pelo pluralismo partidário e policracia das instituições, é momentaneamente superado68 68 Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 184. .

Em seu julgamento em Nuremberg, Schmitt procederá uma autocrítica das idéias defendidas neste período, afirmando sentir-se então prisioneiro de suas próprias idéias no período do terror nazista. Num texto de autocrítica, Ex Captivitate Salus69 69 Ex Captivitate Salus - esperienze degli anni 1945-47, Ed. Adelphi, Milano, 1987. , o Kronjurist dirá que durante o período do terror sentiu-se como Benito Cereno, personagem do romance de Melville, prisioneiro em sua própria embarcação e tendo que dissimular ainda ser o comandante.

Com a ascensão de Hitler ao poder Schmitt esforça-se para tornar-se teórico do Estado total. O scholar mais uma vez se lança para ocupar lugar de destaque no debate político-jurídico visando influenciar os rumos do novo Reich. Com esse intuito Schmitt desenvolve a tese do Estado único fundado em três elementos básicos: Estado, Movimento e Povo.

ESTADO, MOVIMENTO E POVO

Para Schmitt, o novo Estado Nacional-socialista caracteriza-se pela unidade de três elementos básicos, a saber: O Estado, o Movimento e o Povo. A nova unidade do povo é caracterizada por um tipo de vínculo entre tais elementos de maneira bastante diversa da concepção liberal. O Estado representaria o elemento estático do novo sistema, ao passo que o movimento seria o seu elemento dinâmico e o povo o seu elemento apolítico, sob a sombra e proteção das decisões políticas70 70 Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 185. .

Importante ressaltar, contudo, que estes três elementos não se contrapõem segundo as regras do jogo político liberal. O Estado não se opõe ao movimento e ao povo, assim como o povo não se opõe ao movimento. Não há, tampouco, lugar para oposições como aquelas existentes, segundo a doutrina liberal, entre cidadão e Estado, Sociedade e Estado. Separações desta natureza implicariam a relativização da unidade política contrariamente à totalidade desejada. Os três elementos formam uma unidade e tanto Estado, Povo como Movimento podem ser usados para referir a unidade política nacional socialista71 71 Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 191. .

Segundo Schmitt, uma unidade dessa natureza política estaria surgindo na Alemanha e já vigoraria na Itália fascista e na URSS pós 1917. O novo Reich alemão, ao seguir o caminho do "Estado Total", eliminaria com um só golpe os perigos da fragmentação política gerada pelo federalismo, pelo pluralismo e pela policracia. "O Estado alemão é apenas o Reich alemão e não mais uma federação"72 72 Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 194. . Desse modo: "A unidade política do povo alemão não é fundada sobre regiões e sobre estirpes alemães, mas sobre a unidade, fechada em si, do povo alemão e sobre o movimento Nacional-socialista portador do Estado e do povo"73 73 Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 195. .

Obviamente no âmbito do Estado Total schmittiano o partido ganha um sentido novo, diverso daquele existente num sistema pluripartidário liberal. O partido agora é único e a unidade entre Estado, Movimento e povo é garantida pela identidade física do chefe do movimento nacional-socialista e do chanceler do Reich alemão. Estado, Movimento e Povo são distintos mas não são divididos, estão ligados mas não estão fundidos74 74 Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 197. . Nesta formulação, cai por terra a separação de poderes tal como formulada classicamente por Montesquieu. Não há mais espaço para uma oposição liberal entre o Leviatã e o Indivíduo, nem para o dualismo Estado versus Sociedade75 75 Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 206. .

A nova unidade política imaginada por Schmitt, e que ele advogava estar em vigor em 1934, eliminaria os perigos da indecisão, provocados pelo "compromisso quotidiano" entre forças políticas heterogêneas, ligadas a grupos privados e instituições que defendiam interesses corporativistas. Nesta nova ordem política a hierarquização superaria os problemas de fragmentação gerados pela coexistência das instituições.

Na ordem nacional-socialista duas instituições preponderariam e coordenariam as demais. São elas os funcionários públicos alemães e o Exército. Na formação da unidade política nacional-socialista foi importante que tais instituições, em particular o exército e os funcionários prussianos, tomassem para si a função de "portadores do Estado"76 76 Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 208. . Neste sentido, Schmitt é um conservador, ao defender que o fundamento da ordem social recaia sobre instituições tradicionais (Exército, Burocracia, Família, Igreja, Corporações, etc) e não sobre o poder carismático e de ruptura do líder. O Führer deveria ser a encarnação de tais instituições tradicionais.

Para Schmitt a tradição das corporações na formação do Estado genuinamente alemão foi bem expressa na filosofia hegeliana do direito e sua teoria da corporação. A ascensão de Hitler ao poder, marcou, todavia, a substituição do Estado de funcionários hegeliano por outra construção estatal formada pelos três membros (Estado, Movimento, Povo). O novo fundamento de legitimidade do Reich alemão seria a homogeneidade de seus membros. Assim, "quanto mais se aplique esse princípio (identidade), tanto mais se pratica a resolução dos assuntos políticos "por si", graças a um maximum de homogeneidade, naturalmente alcançada"77 77 Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 214. .

FÜHRUNG E IGUALDADE DE ESTIRPE

A multiplicidade da vida particular dos cidadãos, segundo Schmitt, levaria à laceração pluralista de confissões, estirpes, classes, grupos de interesse, se um Estado forte não mantivesse a sua integração, garantindo a unidade política. Por tal motivo, "toda unidade política tem necessidade de uma conexão e de uma lógica interna às suas instituições e aos seus sistemas de normas. Necessita-se de um pensamento formal unitário que configure totalmente as esferas da vida pública. Também neste sentido, não existe Estado normal que não seja total."78 78 Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 213. . Dentro de tal lógica, quanto maior é a diversidade, tanto mais se necessita de um Estado forte para manter a unidade política. Cada cisão é fonte de um pluralismo que gerará no futuro um inimigo do Estado. A força do Estado Nacional-socialista está na existência de um comando de alto a baixo, que mantém a unidade política. Aí reside a essência do conceito de comando ou direção (Führung) como elemento fundamental para a ordem totalitária.

Vale notar, que para que haja eficácia no conceito de comando deve haver uma igualdade essencial entre o comandante e o comandado, isto é, deve haver uma igualdade de estirpe entre chefe e seguidor. "Sobre a igualdade de estirpe é fundado o contínuo e infalível contato entre chefe e seguidor como a sua fidelidade recíproca"79 79 Stato, Movimento. Popolo., op. cit., pág. 226. . Por este motivo e como conseqüência, "sem o princípio da identidade de estirpe o Estado Nacional-socialista não poderia existir, a sua vida jurídica não seria pensável"80 80 Stato, Movimento. Popolo., op. cit,. pág. 226-227. .

A partir do que foi exposto conclui-se, pois, que politicamente o decisionismo jurídico imbrica-se intimamente, no interior do pensamento schmittiano, com uma concepção de Estado forte, de uma democracia-ditatorial de tipo totalitário, fundada na igualdade (igualdade de estirpe), de modo a manter a unidade e hierarquia de poderes políticos e do próprio direito no âmbito da sociedade. Na concepção política schmittiana não há mais lugar para um equilíbrio pluralista. A unidade deve ser mantida pela hierarquia e pelo comando e tem como pré-requisito a unidade de estirpe 81 81 A despeito de ser controvertida a ligação de Schmitt com o pensamento anti-semita, certo é que o próprio conceito de igualdade de estirpe abre caminho para uma política de purificação racial. Sobre o envolvimento de Schmitt com teses anti-semitas, Schwab, op. cit., págs. 192 e ss. .

O decisionismo jurídico analítico e formal dos anos 1920, formado a partir de uma dupla matriz hobbesiana e ocasionalista romântica, ganha conteúdos bem definidos e conservadores a partir dos anos 1930. Por um lado, estes conteúdos estarão baseados na crítica católica conservadora de Donoso Cortès, Bonald e De Maistre à crise de decisão provocada pelo eterno diálogo liberal e na conseqüente defesa da ditadura como forma de sua superação. Por outro lado, os novos conteúdos estarão fundados no institucionalismo (konkretes Ordnungsdenken), também conservador, que confere ao Exército e à burocracia estatal um papel preponderante na estruturação e hierarquização da nova ordem. Por fim, o oportunismo político, traço fundamental da biografia de Schmitt, constitui-se também em fator relevante para entender as oscilações de seu engajamento intelectual com a ordem política e jurídica nazista, especialmente entre os anos 1930 e 1934.

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  • 1
    Teoria de la Constitución, Alianza Editorial, Madrid, 1982, pág. 47.
  • 2
    Über die drei Arlen des Rechtswissenschaftlichen Denkens (Sobre as Três Formas do Pensamento Jurídico), Hanseatische Verlaganstalt, Hamburg, 1934. Tradução italiana de Gianfranco Miglio e Pierangelo Schiera
    , I tre tipi dipensiero giuridico, in
    Le categorie del "político", Società Editrice II Mulino, Bologna, 1972, pág. 261, doravante citado como
    I tre tipi.
  • 3
    Segundo Schmitt, "Bodin não apenas tem o mérito de ter fundamentado o conceito de soberania do direito político moderno, como também revelou a sua conexão com a ditadura e deu uma definição que ainda hoje deve-se reconhecer como fundamental", in
    La Dictadura. Desde los comienzos del pensamiento moderno de la soberania hasta la lucha de classes proletaria, Alianza Editorial, Madrid, 1985, pág. 57.
  • 4
    I tre tipi, op. cit. pág. 261.
  • 5
    I tre tipi, op. cit. pág. 262 e também
    La Dictadura, op. cit.
  • 6
    I tre tipi, op. cit. pág. 263.
  • 7
    I tre tipi, op. cit. pág. 264.
  • 8
    I tre tipi, op. cit. pág. 264.
  • 9
    "L'ere des neutralisations et des dépolitisations", in
    La Notion de Politique (tradução francesa de Begriff des Politischen), Calmann-Lévy, s\d, págs. 149/150.
    Begriff des Politischen, Hanseatische Verlaganstalt, Hamburg, 1933 pág. 78.
  • 10
    La Notion de Politique, op. cit. pág. 80. Tal apreciação é mencionada no
    Préface de Julien Freund à tradução francesa de
    Begriff des Politischen, op. cit., pág. 15. Pode-se dizer também que as análises de Schmitt sobre a origem do romantismo e sua relação com o protestantismo são claramente tributárias das análises weberianas sobre ética protestante e o espírito do capitalismo. Neste sentido,
    Romanticismo Politico, Ed. Giuffrè, Milano, 1981, págs. 32/33 e 36. Sobre a questão relativismo valorativo em Weber ver de Eugène Fleischmann,
    Weber e Nietzsche, in
    Sociologia: Para ler os clássicos, org. Gabriel Cohn, Livros Técnicos e Científicos Editora S/A, Rio de Janeiro, 1977, págs. 136-185, de Gabriel Cohn,
    Crítica e Resignação. Fundamentos da Sociologia de Max Weber, T.A. Queiroz Editor, São Paulo, 1979, especialmente págs. 51-65 e 101-113 e de Julien Freund,
    A Sociologia de Max Weber, Ed. Forense-Universitária, Rio de Janeiro, 1980.
  • 11
    Karl Löwith (utilizando o pseudônimo de Ugo Fiala), II "concetto della politica di Carlo Schmitt" e il problema della decisione, in
    Nuovi Studi di diritto Economia e Politica, VIII, pág. 60.
  • 12
    Begriff des Politischen, op. cit. pág. 70. Ver também
    Romanticismo Politico, op. cit. pág. 4-26 e Löwith,
    op. cit. 61.
  • 13
    Politische Romantik, Duncker & Humblot, München, 1919, págs. 16 e 141.
  • 14
    Löwith,
    op. cit. 61.
  • 15
    Romanticismo Politico, op. cit. pág. 141.
  • 16
    Romanticismo Politico, op. cit. pág. 26.
  • 17
    Romanticismo Politico, op. cit. pág. 21. Neste mesmo texto Schmitt continua: "Nos sistemas metafísicos que vêm sozinhos definidos como ocasionalísticos, pois que têm como momento decisivo esta relação com a ocasionalidade, como por exemplo na filosofia de Malebranche, é o Deus que constitui a instância última e absoluta, enquanto o mundo e tudo aquilo que nele ocorre é simples ocasião para o seu exclusivo operar. Esta imagem do universo é realmente grandiosa e na transcendência divina é alçada a vértice fantástica e incomensurável. Ora, esta abordagem ocasionalista pode fechar-se neste ponto, mas pode também colocar no posto de Deus, como instância suprema, forte e fator decisivo, outra coisa como o Estado, o povo ou ainda o simples sujeito. Este último é propriamente o caso do romantismo". Vale notar, todavia, que se por um lado Malebranche é um dos precursores do ocasionalismo, o seu sistema ocasionalista difere do ocasionalismo propriamente romântico. Tal distinção não escapa aos olhos de Schmitt, que esclarece que: "O romantismo é ocasionalismo subjetivizado; lhe é, com efeito, essencial a relação com o mundo. Entretanto, no lugar de Deus, é o próprio sujeito romântico que ocupa a posição central; partindo desta, então, se transforma o mundo, com tudo aquilo que lhe ocorre, em mero pretexto. Exatamente este deslocamento da instância suprema de Deus para o sujeito genial muda inteiramente a perspectiva e põe à luz o ocasionalismo em sua pureza. Nos velhos filósofos do ocasionalismo, como Malebranche, já estava presente o conceito dissolvedor de
    occasio, mas a lei e a ordem eram reencontradas em Deus, o Absoluto objetivo; numa tal abordagem ocasionalista é ainda possível manter uma certa objetividade de relação mesmo se Deus é substituído por outra instância, conquanto que objetiva, como por exemplo o Estado. De maneira bem diversa ocorre quando, ao realizar a sua atividade ocasionalista, o indivíduo é isolado e emancipado. Agora o ocasionalismo deduz realmente todas as conseqüências da sua rejeição de qualquer conseqüencialidade; agora é realmente possível que tudo se torne pretexto para tudo, que tudo se torne conseqüência de todo possível antecedente, nas maneiras mais bizarras",
    Romanticismo Politico, op. cit., pág. 22/23.
  • 18
    Romanticismo Politico, op. cit. pág. 228.
  • 19
    A despeito da aproximação possível entre o ceticismo de Hobbes e o niilismo de Schmitt, aproximação feita pelo próprio jurista alemão (in
    Der Begriff des Politischen, op. cit. pág. 46 ss., tradução brasileira,
    O Conceito do Político, Ed. Vozes, 1992, São Paulo, pág. 75) é necessário salientar que o pensamento hobbesiano era ainda marcado por uma espécie de fé no progresso, em direção a uma possível limitação do estado de natureza. O niilismo moderno é essencialmente nietzschiano. O espírito do niilismo alemão contemporâneo de Schmitt era voltado para a ação. Este niilismo ativo encontra sua melhor expressão no pensamento de um autor muito próximo de Schmitt, qual seja Ernst Jünger. No diário de Jünger
    (Das abenteuer Herz, "O coração aventureiro", Berlin, 1929) lê-se o seguinte: "não se poderá talvez jamais saber o fim de nossa existência, todos os assim ditos fins da vida podem ser apenas pretextos do destino; mas o que importa é o fato, puro e simples, que estamos aqui, com sangue, músculos e coração, com nervos e cérebro. Estar sempre sobre quem vive, isto importa, estar sempre pronto para seguir a voz que chama - e é certo que esta voz não se calará... Por isto a época presente exige sobretudo uma só virtude: a decisão. O que importa é ser capaz de querer e crer, sem considerar os conteúdos que este querer e esta fé guardam", citado em Löwith,
    op. cit., pág. 68.
  • 20
    Especialmente da formulação apresentada em
    Teoria de la Constitución, op. cit.
  • 21
    Desenvolvi este tema no artigo "O decisionismo Jurídico de Carl Schmitt", publicado em
    Lua Nova, número 32, 1994 e também dissertação de mestrado em filosofia apresentada junto à FFCL da USP em 1993,
    Carl Schmitt e a Fundamentação do Direito. A formação do decisionismo institucionalista schmittiano entre os anos 1920 e 1940, especialmente nos capítulos III e IV.
  • 22
    Der Leviathan in der Staatslehre des Thomas Hobbes: Sinn und Fehlschlag eines politischen Symbols. Koln, Hohenheim Verlag, 1982, tradução italiana,
    Scritti su Thomas Hobbes, Ed. Giuffrè, Milano, 1986
  • 23
    Teologia Política, tradução italiana, in
    Le Categorie del "político ", op.cit., pág. 75.
  • 24
    The Crisis of Parliamentary Democracy, Ed. MIT Press, Massachusetts, 1985, pág. 5.
  • 25
    Tratei do assunto no capítulo I da tese de mestrado citada na nota 21. Sobre o tema ver também de Joseph W. Berndersky,
    Carl Schmitt. Theorist for the Reich, Princeton University Press, New Jersey, 1983 e
    Schmitt in the Summer of 1932, in
    Miroir de Carl Schmitt, Revue Européenne des Sciences Sociales, Tome, XVI, 1978, nº 44, Librairie Droz, Genève, págs. 39-54 e de George Schwab,
    Carl Schmitt. La sfida dell'eccezione, Ed. Laterza, Roma, 1986.
  • 26
    Löwith,
    op. cit. 69.
  • 27
    cf. nota 21.
  • 28
    Utilizo esta expressão por razões exclusivamente didáticas. O decisionismo institucionalista de Schmitt define um tipo próprio de decisionismo que vai se explicitando com maior rigor e riqueza com a publicação des suas obras durante os anos 1930 e 1940. Neste sentido, utilizo a expressão "decisionismo mitigado" de maneira análoga ao procedimento empregado por Hume ao referir-se ao "ceticismo mitigado" na descrição de seu ceticismo naturalista. Sobre tal questão ver
    Enquiry Concerning Human Understanding, Selby-Bigge Edition, Claredom Press Oxford, especialmente a section XII.
  • 29
    Sobre este ponto ver
    Teoria de la Constitución, The Crisis of Parliamentary Democracy e
    O conceito do Político, já citados. Ver também Löwith, op. cit. pág. 79. Sobre tal questão tem razão Carlo Galli ao afirmar que "há um acordo entre os críticos em considerar a adesão de Schmitt ao nazismo como conseqüência do método decisionista e não da homogeneidade de conteúdo entre o pensamento de Schmitt e a experiência nazista" (Presentazione a
    Romanticismo Politico, op. cit., pág. XXIX)
  • 30
    Compagine statole e crollo del secando impero tedesco, in Carl Schmitt,
    Principii politici dei nazionalsocialismo. Scritti Scelti da D. Cantimori, Editore Sansoni, Firenze, 1935, pág. 141.
  • 31
    Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 205.
  • 32
    Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 213.
  • 33
    Teoria de la Constitución, op. cit.,, pág. 205.
  • 34
    Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 205.
  • 35
    Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 221.
  • 36
    Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 230.
  • 37
    Sobre el parlamentarismo, tradução espanhola da
    Die gestesgeschichtliche Lage des heutigen Parlamentarismus, Ed. Tecnos. Madrid. 1990, pág. 32.
  • 38
    Sobre el Parlamentarismo, op. cit. pág. 31.
  • 39
    La Dictadura, op. cit. págs. 57/74, onde Schmitt cita
    Les Six livres de la République, de Bodin.
  • 40
    Ver Schwab,
    op. cit. págs. 60/61.
  • 41
    Ver Schwab,
    op. cit. pág. 61 e
    La Dictadura, op. cit. págs. 5/74.
  • 42
    La Dictadura, op. cit. pág. 136 e 146.
  • 43
    Ver Schwab,
    op. cit. pág. 70.
  • 44
    La Dictadura, op. cit. pág. 260.
  • 45
    Schwab,
    op. cit. pág. 75.
  • 46
    cf nota 25.
  • 47
    cf. nota 25.
  • 48
    Il custode della costituzione , Ed. Giuffrè, Milano, 1981, pág. 113.
  • 49
    Il custode della costituzione, op. cit., pág. 113.
  • 50
    Il custode della costituzione, op. cit., pág. 127.
  • 51
    "A não intervenção nos antagonismos e nos conflitos sociais e econômicos, que hoje são combatidos com meios puramente econômicos, significaria deixar a via aberta aos diversos grupos de poder. Numa tal situação, a não intervenção não é senão uma intervenção em favor daqueles que são cada vez mais superiores e sem escrúpulos" in
    Il custode della costituzione, op. cit.,pág. 127/128.
  • 52
    Il custode della costituzione , op. cit. pág. 128.
  • 53
    Republicado em
    Positionen und Begriffe im kampf mit Weimar-Genf-Versailles - 1923 - 1939, Duncker & Humblot, Berlin, (1940), 1988, págs. 214-228, tradução italiana "L'evoluzione recente del problema delle delegazioni legislative", publicado in
    Quaderni Costituzionali, dicembre, 1986, anno VI, número 3, págs. 535-550.
  • 54
    Il custode della costituzione, op. cit. pág., 137.
  • 55
    Il custode della costituzione, op. cit. pág., 139.
  • 56
    Il custode della costituzione,
    op. cit. pág., 145.
  • 57
    Neste ponto concordo com George Schwab que identifica no
    Kronjurist uma ingênua impressão sobre o
    Führer, na medida em que credita a ele a capacidade de respeitar as demais instituições sociais. Schwab,
    op.cit., pág. 191.
  • 58
    Que cito na tradução italiana, "Compagine statale e crollo del secondo impero tedesco. La vittoria del borghese sopra il soldato", in
    Principii Politici del Nazionalsocialismo, op. cit., doravante citado como
    Compagine...
  • 59
    Compagine... ,
    op. cit. pág. 112.
  • 60
    Compagine..., op. cit. pág. 126.
  • 61
    Compagine..., op. cit. pág. 133.
  • 62
    Compagine..., op. cit. pág. 141.
  • 63
    Compagine..., op. cit. pág. 168. Tal colocação coincide com uma das conclusões básicas do livro
    l'État Providence de François Ewald, Ed. Grasset, Paris, 1986, págs. 523 e ss. que desenvolve o advento do lema do Estado Providência "Tout est politique!"
  • 64
    Compagine..., op. cit, pág. 168-170.
  • 65
    Compagine..., op. cit. pág. 170.
  • 66
    Que cito na tradução italiana,
    Stato, Movimento Popólo, in
    Principii Politici dei Nazionalsocialismo, op. cit., pág. 175.
  • 67
    Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 175.
  • 68
    Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 184.
  • 69
    Ex Captivitate Salus -
    esperienze degli anni 1945-47, Ed. Adelphi, Milano, 1987.
  • 70
    Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 185.
  • 71
    Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 191.
  • 72
    Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 194.
  • 73
    Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 195.
  • 74
    Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 197.
  • 75
    Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 206.
  • 76
    Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 208.
  • 77
    Teoria de la Constitución, op. cit., pág. 214.
  • 78
    Stato, Movimento, Popolo., op. cit., pág. 213.
  • 79
    Stato, Movimento. Popolo., op. cit., pág. 226.
  • 80
    Stato, Movimento. Popolo., op. cit,. pág. 226-227.
  • 81
    A despeito de ser controvertida a ligação de Schmitt com o pensamento anti-semita, certo é que o próprio conceito de igualdade de estirpe abre caminho para uma política de purificação racial. Sobre o envolvimento de Schmitt com teses anti-semitas, Schwab,
    op. cit., págs. 192 e ss.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2010
    • Data do Fascículo
      1997
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