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A social-democracia como fenômeno histórico

QUESTÕES DA DEMOCRACIA E DO SOCIALISMO

A social-democracia como fenômeno histórico* * Este é o primeiro capítulo do livro "Capitalism and social democracy" do autor.

Adam Przeworski

Prof. de Ciência Política da Universidade de Chicago - USA

A decisão de participar

A escolha crucial era se se devia participar. Dos primeiros acontecimentos resultou a instituição dos princípios da democracia no campo político. Os direitos políticos eram meramente formais quando acompanhados pela coerção e pela desigualdade que reinavam no campo social. Assim, quando emergiu, ao redor de 1850, o socialismo era um movimento que completaria a revolução iniciada pela burguesia, disputando o "poder social", assim como a burguesia tinha conquistado o poder político. O tema constante do movimento socialista desde então tem sido esta noção de "prolongar" o princípio democrático do campo político para o social, de fato primariamente econômico.

Precisamente porque o princípio da democracia já estava presente nas instituições políticas, os meios pelos quais o socialismo teria êxito apareceram como uma escolha. O projeto dos primeiros socialistas - os comunitários - era construir uma sociedade dentro da sociedade, uma comunidade de produtores imediatos associados em oficinas e manufaturas, cooperando como consumidores e administrando seus próprios negócios. Esta sociedade de produtores associados deveria se construir em completa independência em relação ao mundo burguês; deveria simplesmente superar a emergente ordem capitalista e, em grande medida, a própria ordem industrial. Tão logo a nova sociedade burguesa desenvolvesse suas instituições políticas - primeiro a burocracia e o exército permanente, depois o parlamento eleito pelo povo -, a postura de independência desinteressada não poderia se sustentar. Não se poderia insistir por muito tempo, como fez Proudhon, em que a reforma social não resultaria da mudança política. Mesmo se a ação política era ineficaz em completar a reforma social, as novas instituições políticas, uma vez estabelecidas, deveriam ser tratadas ao mesmo tempo como inimigas e como instrumentos potenciais. A escolha veio a ser entre ação "direta" e "política": uma confrontação direta entre o mundo dos trabalhadores e o mundo do capital, ou uma disputa dentro das instituições políticas. Construir uma sociedade dentro da sociedade não era sufíciente; a conquista do poder político, sim. Como Marx argumentava na sua Conferência Inaugural da Primeira Internacional, em 1864, "para tornar-se capaz de emancipar a classe operária, o sistema cooperativo deve ser desenvolvido em nível nacional, o que implica que deve dispor de meios nacionais... Sob estas condições, a grande tarefa da classe operária é conquistar o poder político" (1974: 80). Por isso, Marx insistia que os operários deviam se organizar como partido político, e este partido precisava conquistar o poder no caminho que levava ao estabelecimento da sociedade socialista. Mas a questão mais angustiante era se esse partido poderia ser eficaz nas instituições já existentes, em sua escalada ao poder político. A democracia política, especificamente o voto, era uma arma já pronta para a classe trabalhadora. Deveria esta arma ser descartada ou deveria ser manejada no sentido da emancipação política para a emancipação social?

A resposta anarquista foi enfaticamente negativa. O que os anarquistas temiam e o que argumentavam não era só que a ação política era desnecessária e ineficaz, mas que qualquer envolvimento nas instituições burguesas, quaisquer, que fossem seus propósitos ou suas formas, destruiria o próprio movimento socialista. O Congresso Anarquista em Chaud-de-Fonds, em 1870, alertava que a participação de "todos os trabalhadores" na política governamental burguesa teria como resultado apenas a consolidação do "status quo" e assim paralisaria a ação socialista revolucionária do proletariado (Droz, 1966:33). A consideração especial de uma melhoria da situação dos trabalhadores dentro da sociedade capitalista - uma discussão de códigos internacionais para a proteção do trabalho nos encontros de fundação da Segunda Internacional, em 1889 - levou os anarquistas a exclamarem imediatamente que quem aceita reformas não é um verdadeiro socialista (Joll, 1966: 45). Alex Danielsson, um dos fundadores da Social Democracia sueca, afirmava em 1888 que a participação eleitoral mudaria o socialismo "de uma nova teoria da sociedade e do mundo para um programa sem valor e para um partido meramente parlamentar. Neste momento o entusiasmo entre o conjunto dos trabalhadores se extinguiria e o ideal da revolução social degeneraria em uma seqüência de reformas que acabaria com todos os interesses dos trabalhadores" (Tingsten, 1973: 352). Como Enrico Malatesta observou em retrospectiva, "os anarquistas sempre se mantiveram puros e mantiveram o partido revolucionário por excelência, o partido do futuro, porque eles têm sido capazes de resistir ao canto de sereia das eleições" (Guerin, 1970:19).

Aqueles que se tornaram socialistas eram os que decidiam utilizar os direitos políticos dos trabalhadores nas sociedades em que os trabalhadores tinham estes direitos e decidiam lutar por aqueles direitos, onde ainda não tinham conseguido êxito. A corrente abstencionista perdeu seu apoio dentro da Primeira Internacional depois de 1873, e os novos partidos socialistas, a maioria fundada entre 1884 e 1892, abraçaram os princípios da ação política e da autonomia dos trabalhadores (Haupt, 1980).

Além disso, a atitude dos partidos socialistas com relação à participação eleitoral era no mínimo ambígua; Essa ambigüidade não era teórica: pouco se ganha interpretando ou reinterpretando cada palavra que Marx escreveu sobre a democracia burguesa, pelo simples fato que o próprio Marx e os homens e mulheres que conduziam os recém-formados partidos nas batalhas eleitorais não estavam bem certos dó que esperar delas. A questão principal - que a história nunca solucionou porque não pode ser resolvida de uma vez por todas - era se a burguesia respeitaria a sua própria ordem legal em caso de um triunfo eleitoral do socialismo. Se o socialismo tivesse que usar a instituição do sufrágio - estabelecida pela burguesia na luta contra o absolutismo - para vencer eleições e legislar uma sociedade rumo ao socialismo, não iria a burguesia recorrer a meios ilegais para defender seus interesses? Isto foi o que aconteceu na França em 1851 e parecia que era isso mesmo que ia acontecer de novo. Assim, a principal questão que enfrentavam os partidos socialistas, como disse Hjalmar Branting em 1866, era se "a classe alta respeitaria o desejo popular, mesmo se a abolição de seus privilégios fosse necessária (Tingsten, 1973:361). Sterky, o líder da ala esquerda dos social-democratas suecos,estava entre aqueles que tinham uma visão claramente negativa: "suponha-se que... a classe operária pudesse enviar uma maioria até o parlamento; nem assim chegaria ao poder. Podemos estar certos que a classe capitalista providenciaria para não continuar a via parlamentar, mas recorreria às baionetas" (id., ibid.). Ninguém poderia estar completamente certo: os socialistas austríacos, por exemplo, prometiam em seu programa de Linz (1926) "governar em estrita concordância com as regras do estado democrático" mas sentiam-se compelidos a avisar que "se a burguesia, boicotando as forças revolucionárias, tentar obstruir a mudança social que o movimento trabalhista ao assumir o poder se compromete a levar adiante, então a Social Democracia será forçada a empregar meios ditatoriais para quebrar tal resistência" (Lesser, 1976: 145). A principal dúvida sobre a participação eleitoral era se a revolução não seria necessária de qualquer forma, como August Bebel afirmou em 1905, "como uma medida puramente defensiva, destinada a salvaguardar o exercício do poder legitimamente conquistado através do voto." (Schorske, 1955:43).

Sob estas condições, a atitude para com a participação eleitoral era compreensivelmente cuidadosa. Os socialistas entraram cautelosamente na política eleitoral "apenas para utilizá-la com propósitos de propaganda" e prometiam "não entrar em qualquer aliança com outros partidos ou aceitar quaisquer compromissos" (Resolução do Congresso de Eisenach do SPD, em 1870). Pelo menos, muitos pensavam, o sufrágio universal era um instrumento entre outros, que tinha "o mérito incomparavelmente maior de desencadear a luta de classes...", como Marx colocou em 1850 (1952a: 47). Às eleições deviam ser usadas apenas como um fórum já pronto para organização, agitação e propaganda. A típica postura é bem ilustrada por esse raciocínio surgido em 1889: "Desde que o Partido Social Democrata dos Trabalhadores da Suécia é um partido propagandista, isto é, considera como seu principal objetivo a disseminação de informações sobre a Social Democracia, e desde que a participação nas eleições é um bom veículo de agitação, o Congresso recomenda a participação" (Tingsten, 1973: 357). As eleições eram também úteis em prover a liderança com uma avaliação do "fervor revolucionário das massas". Mas era tudo o que pareciam prometer no momento em que os socialistas decidiram participar. A última edição de As Origens da Família, Propriedade Privada e Estado, que apareceu com Engels ainda em vida, continha em 1891 a afirmação que o sufrágio universal é meramente "a medida da maturidade da classe trabalhadora. Não pode ser e nunca será mais que isso no estado atual" (1942:158).

Cada passo rumo à participação reacendia controvérsias. O Partido Social Democrata Alemão questionava quanto a permitir a um de seus membros tornar-se o Deputado Presidente do Reichstag, quanto a votar o orçamento, mesmo quanto a decidir seus votos no segundo turno das eleições (Schorske, 1955). O Partido Trabalhista Norueguês recusou-se em 1906 a atribuir seus votos mesmo no segundo turno, apesar de que nenhuma concessão estivesse em jogo (Lafferty, 1971:127). Em 1898, uma pesquisa de opiniões de proeminentes líderes da Segunda Internacional mostrou que, enquanto intervenções no processo político burguês eram não só admitidas como às vezes aconselháveis, seis dos entrevistados votaram "jamais" com relação à participação em um governo, onze consideravam que só era possível "três exceptionnellement" e uma minoria de doze pensava que tal participação é sempre desejável, ou ao menos o era no caso de Millerand (Fiechtier, 1965:69-75). Dos sessenta e nove social-democratas suecos perguntados por telegrama se o partido deveria unir-se ao governo liberal em 1911, sessenta e três responderam contra a participação (Tingsten, 1973: 418). Enquanto alguns partidos "suspenderam" a luta de classes e tomaram parte de coalizões governamentais antes do fim da Primeira Guerra Mundial, mesmo na Inglaterra a decisão para formar o primeiro governo trabalhista em 1924 foi assunto de intensas controvérsias e teve que ser explicado como uma oportunidade de adquirir à experiência necessária para a era socialista (Lyman, 1957).

Os opositores da participação pareciam manter um lugar permanente no espectro político. Enquanto partidos estabelecidos dão todos os passos rumo à plena participação, novas vozes surgem para continuar a tradição segundo a qual a crença nas batalhas parlamentares "entre sapos e camundongos" (Luxemburg, 1967: 37) é uma manifestação do que Marx chamou sob circunstâncias muito especiais "cretinismo parlamentar" (1952a: 77). "Integração é o preço", repetiu Horkhéimer no "momento" anarquista de 1940, "que indivíduos e grupos devem pagar para que possam florescer sob o capitalismo" (1973:5). "Eleições, uma armadilha para idiotas", era o título de um artigo de Sartre na véspera das eleições parlamentares da França em 1973. "Voter, c'est abdiquêr", clamavam os muros de Paris em 1968.

Capitalismo Democrático e Participação Política

Abstenção eleitoral nunca foi uma opção praticável para os partidos políticos de trabalhadores. Nem podia a participação permanecer meramente simbólica. Enquanto uma competição democrática oferecer a vários grupos uma oportunidade para melhorar alguns de seus interesses a curto prazo, qualquer partido político que procura mobilizar trabalhadores deve valer-se dessa oportunidade.

O capitalismo é uma forma particular de organização social da produção e troca. Baseado numa avançada divisão do, trabalho, o capitalismo é um sistema em que a produção é orientada para as necessidades de outros, para a troca. E, portanto, um sistema em que mesmo as pessoas que participam diretamente na transformação da natureza em produtos úteis - os produtores imediatos - não podem sobreviver fisicamente por si mesmos. Além disso, o capitalismo é um sistema em que aqueles que não possuem os instrumentos de produção precisam vender sua capacidade de trabalho. Os trabalhadores obtêm um salário, que não é direito a qualquer parte do produto específico que criaram mas um meio abstrato para aquisição de quaisquer mercadorias e serviços. Devem produzir lucro como uma condição da continuidade de seu emprego. O produto é apropriado privadamente, no sentido que os trabalhadores não têm nenhuma garantia institucional para a sua alocação e distribuição, apesar do papel que exercem de produtores imediatos. Os capitalistas, que são tomadores de lucro, decidem, sob múltiplas restrições, como alocar o produto, em particular qual parte investir, onde, como e quando. Essas alocações são limitadas pelo fato de que os capitalistas competem uns com os outros e de que podem ser influenciados pelo sistema político. A posse dos meios de produção também garante aos proprietários o direito de organizar (ou delegar a organização) a produção. Os capitalistas, como empregadores, regulamentam a organização do trabalho, apesar de que podem novamente ser limitados pelas regras oriundas do sistema político. Na situação de produtores imediatos, os trabalhadores não têm nenhuma garantia institucional para orientar as atividades produtivas em que participam.

Sob essas condições, a democracia política constitui a oportunidade para os trabalhadores assegurarem alguns de seus interesses. A política eleitoral constitui o mecanismo em que qualquer pessoa pode, como cidadão, expressar reivindicações quanto a bens e serviços. Enquanto que, como produtores imediatos, os trabalhadores não têm nenhuma garantia institucional em relação ao produto, como cidadãos podem lutar por tais garantias através do sistema político. Além do mais, como cidadãos, e não já como produtores imediatos, podem intervir na própria organização da produção e alocação do lucro.

Os capitalistas estão capacitados para procurar a realização de seus interesses no decorrer da atividade diária dentro do sistema de produção. Continuamente "votam" pela alocação de recursos sociais ao decidir investir ou não, empregar ou demitir trabalhadores, comprar obrigações do estado, exportar ou importar. Ao contrário, os trabalhadores podem implementar seus objetivos apenas coletiva e indiretamente, através de organizações que são implantadas em sistemas de representação, principalmente sindicatos e partidos políticos. A participação é, portanto, necessária para a realização dos interesses dos trabalhadores. Ideais revolucionários podem mover a história, mas nem alimentam nem abrigam. Como Schumpeter observou: "uma atitude completamente negativa, apesar de bastante satisfatória em princípio, teria sido impossível para qualquer partido mesmo de pequena importância, conservar. Teria inevitavelmente entrado em colisão com grande parte das reais aspirações do trabalho organizado e, caso persistisse por muito tempo, teria reduzido os filiados e um pequeno agrupamento de ascetas políticos... Nenhum partido pode viver sem um programa que sustente a promessa de benefícios imediatos." (1942: 316-7). Se for para se utilizar da oportunidade oferecida pela democracia, os trabalhadores devem organizar-se como participantes. E mesmo se esta oportunidade é limitada, é a única institucionalizada, a única ao alcance dos trabalhadores como uma coletividade. A participação no processo democrático é necessária se os trabalhadores quiserem estar aptos a conduzir outras formas de luta, inclusive a confrontação direta com os capitalistas. Os socialistas enfrentaram um estado hostil em que forças de repressão permanentemente organizadas estavam nas mãos de proprietários de terra ou da burguesia. Na situação em que insurreições armadas tornaram-se impraticáveis, dadas as mudanças tecnológicas na arte bélica - esse o ponto enfatizado por Engels em 1895 -, a participação parlamentar era o único recurso ao alcance dos trabalhadores. É importante que o momento de virada nas táticas de muitos partidos socialistas tenha ocorrido após os fracassos de greves gerais organizadas em torno de questões econômicas. Enquanto as greves orientadas para estender o sufrágio alcançavam sucesso na Bélgica e Suécia, o uso de greves de massa com objetivos econômicos resultavam invariavelmente em desastres políticos: na Bélgica em 1902 (Landauer, 1959,I -472-73), Suécia em 1909 (Schiller, 1975: 208-17), França em 1920 (Maier, 1975: 158), Noruega em 1921 (Lafferty, 1971:191),e lnglaterra em 1926(Miliband, 1975:148). Todas essas greves foram derrotadas; na seqüência, os sindicatos eram dizimados e a legislação repressiva entrava em vigor. Essas experiências comuns de derrota e repressão tinham um efeito decisivo quanto a direcionar os partidos socialistas para titicas eleitorais. A representação parlamentar era necessária para proteger o movimento, tendo em vista a repressão: esta era a lição que os líderes socialistas aprendiam. Como Kautsky escreveu já em 1891, "A luta econômica exige direitos políticos e esses não cairão do céu" (1971: 186).

Além disso, a participação era necessária porque, como um efeito do sufrágio universal, massas de indivíduos podem sofrer conseqüências políticas por não estarem organizadas. Se não estiverem organizadas como uma classe, estão sujeitas a votar com base em outras fontes de identificação coletiva, como católicos, bavarianos, mulheres, francófonos, consumidores, e assim por diante. Uma vez que as eleições estavam organizadas e os trabalhadores tinham direito de votar, deviam estar organizados para votarem como trabalhadores.

O fato é que as únicas organizações duráveis foram aquelas que escolheram participar em instituições burguesas. Porque, a menos que uma participação seja totalmente ineficaz em melhorar os interesses dos trabalhadores a curto prazo, todas as organizações dos trabalhadores deviam aderir ou desaparecer.

Participação eleitoral e organização de classe

A razão porque o envolvimento no processo político representativo da sociedade burguesa nunca cessou de provocar controvérsia é que o próprio ato de "tomar parte" neste sistema particular modela o movimento para o socialismo e sua relação com os trabalhadores como uma classe. A questão recorrente é saber se o envolvimento no processo eleitoral pode resultar em socialismo ou deve fortalecer o existente, isto é, a ordem social capitalista. É possível para o movimento socialista achar a passagem entre os "dois recifes" mapeados por Rosa Luxemburgo: "renúncia do caráter de massa ou renúncia dos objetos finais"? (Howard, 1973: 93). A participação no processo eleitoral é necessária se o movimento para o socialismo quiser contar com o apoio das massas dos trabalhadores, contudo esta mesma participação parece obstaculizar a consecução dos objetivos finais. Trabalhar para o dia de hoje e trabalhar pensando no amanhã aparecem como as garras de um dilema.

A participação imprime uma estrutura particular sobre a organização dos trabalhadores como uma classe. O efeito da participação sobre as relações internas da classe foi bem analisada por Luxemburgo: "a divisão entre luta política e luta econômica e a separação entre as duas não é mais que um produto artificial, mesmo que historicamente entendível, do período parlamentar. De um lado, no desenvolvimento pacífico, "normal" para a sociedade burguesa, a luta econômica é fracionada, estilhaçada em uma variedade de lutas parciais limitadas a cada firma, a cada ramo de produção. De outro lado, a lula política é conduzida não pelas massas através da ação direta mas em conformidade com a estrutura do estado burguês, segundo o modelo representativo,,por pressão exercida sobre o corpo legislativo" (1970a: 202).

O primeiro efeito da "estrutura de estado bugues" é, assim, que os assalariados formam-se como uma classe em um número de organizações independentes e muitas vezes competitivas entre si, mais freqüentemente os sindicatos e partidos políticos, mas também as cooperativas, associações de vizinhos, clubes, etc. Um traço característico da democracia capitalista é a individualização das relações de classe ao nível de processo político e ideologia (Lukács, 1971: 65-66; Poulantzas, 1973). Pessoas que são capitalistas ou assalariados dentro do sistema de produção aparecem todas elas, indistintamente, como "indivíduos" ou "cidadãos". Daí que, mesmo se um partido político for bem sucedido ao formar uma classe no terreno de instituições políticas, as organizações políticas e econômicas jamais coincidem. Sindícatos e partidos variados, múltiplos muitas vezes, representam interesses diferentes e competem uns com os outros. Mais que isso, enquanto a base classista dos sindicatos limita-se a certos grupos de pessoas mais ou menos permanentemente empregadas, os partidos políticos que organizam assalariados precisam ainda mobilizar pessoas que não são membros de sindicatos. Portanto, há uma tensão permanente entre os interesses mais estreitos dos sindicatos e os interesses mais amplos representados pelos partidos. A classe organizada como uma participante não surge como um ator único em conflitos históricos concretos (Miliband, 1977: 129).

O segundo efeito é que as relações dentro da classe tornam-se estruturadas como relações de representação. O parlamento é uma instituição representativa: recebe indivíduos, não massas. Uma relação de representação e assim imposta sobre a classe pela própria natureza das instituições capitalistas democráticas. As massas não agem diretamente na defesa de seus interesses; delegam essa defesa. Isso é verdade tanto para os sindicatos quanto para os partidos: o processo de barganha coletiva situa-se tão distante da experiência diária das massas quanto as eleições. Os líderes tornam-se representantes. Massas representadas por líderes: esse é o modo de organização da classe trabalhadora dentro das instituições capitalistas. Dessa maneira, a participação desmobiliza as massas.

O dilema organizacional estende-se para mais longe. A luta pelo socialismo resulta inevitalmente no "embourgeoisement" do movimento socialista esse é o ponto focal da clássica análise de Robert Michels. A luta requer organização; exige um aparato permanente, uma burocracia assalariada; leva o movimento a engajar-se em atividades econômicas de sua própria lavra. Daí que os militantes socialistas inevitalmente tornam-se burocratas, editores de jornais, gerentes de companhias de seguros, diretores de salas de funerais, e mesmo "parteibudiger" - atendentes de balcão de festa. Todas essas não passam de mesquinhas ocupações burguesas. "Imprimem", concluiu Michels, "...um marcadamente mesquinho selo burguês" (1962: 270). Como um dissidente francês escreveu recentemente, "A classe trabalhadora perde-se em si mesma administrando suas cidadelas imaginárias. Camaradas disfarçados de notáveis ocupam-se com depósitos municipais de lixo e cantinas escolares. Ou não estão, esses notáveis, disfarçados de camaradas? Já nem sei mais." (Knopnicki, 1979: 53).

Um partido que participa em eleições precisa abandonar algumas táticas alternativas: esse é o dilema tático freqüentemente diagnosticado. Enquanto os trabalhadores não tinham plenos direitos políticos, nenhuma escolha entre táticas revolucionárias e parlamentares era necessária. De fato, direitos políticos podiam ser conquistados por aqueles que não os tinham somente através de atividades extra-parlamentares. César de Paepe, o fundador do" Parti Socialiste Brabançon", escreveu em 1877 que "ao usar nosso direito constitucional e meios legais à nossa disposição não renunciamos ao direito à revolução" (Landauér, 1959,1:457). Essa afirmação era freqüentemente ecoada, notadamente por Engels em 1895. Alex Danielsson, da ala esquerda do Partido Socialista Sueco, dizia, numa disposição mais pragmática, que os social-democratas não deviam prender-se a "um dogma com respeito a táticas que obrigam o partido a agir do mesmo modo sob quaisquer circunstâncias" (Tingston, 1973: 362). Que uma greve de massa fosse o meio para alcançar o sufrágio (tratava-se de sufrágio masculino) universal não era questionado, e ambos os partidos belga e sueco realizaram bem sucedidas greves gerais que resultaram em extensões do sufrágio.

Contudo, tão logo o sufrágio universal foi conquistado, a escolha entre táticas "legais" e "extra-parlamentares" tinha que ser feita. J. McGurk, o presidente do Partido Trabalhista, disse de maneira inequívoca em 1919:

"Ou somos constitucionalistas ou não somos constitucionalistas. Se somos constitucionalistas, se acreditamos na eficácia da arma política (e acreditamos, ou então por que teríamos um Partido Trabalhista?) então é insensato e não democrático que falhemos em obter a maioria nas urnas para as mudanças, pleiteando sua substituição pela ação puramente sindical". (Miliband, 1975:69).

Para ganhar votos de outras pessoas que não os trabalhadores, em particular a pequena burguesia, formar alianças e coalizões, administrar o governo no interesse dos trabalhadores, um partido não pode dar a impressão de ser "irresponsável", dar qualquer indício de não ser totalmente sincero em sua submissão às regras e aos limites do jogo parlamentar. Às vezes o partido deve mesmo refrear os seus filiados contra ações que colocariam em risco o progresso eleitoral. Além do mais, um partido voltado para conquistas parciais, um partido em que seus líderes-representantes mantêm um estilo de vida pequeno-burguês, um partido que por anos tem se esquivado das ruas não pode "fluir através do buraco das trincheiras", conforme a colocação de Gramsci, mesmo quando esse buraco é forjado por uma crise. "A dificuldade da esquerda revolucionária nas sociedades industriais estáveis", observou Eric Hobsbawn (1973: 14-15), "não é que sua oportunidade nunca chegou, mas que as condições normais em que precisa agir impedem-na de desenvolver os movimentos a fim de aproveitar os raros momentos em que é conclamada a comportar-se como revolucionária... Ser um revolucionário em países como os nossos é simplesmente difícil".

Esse dilema tornou-se ainda mais agudo quando a democracia representativa que caracteriza a sociedade burguesa deixou de ser apenas uma tática e foi abraçada como a doutrina básica da futura sociedade socialista. Os partidos social-democratas reconheceram na democracia política um valor que transcende formas diferentes de organização da produção. Jean Jaurés (1971: 71) proclamou que "o triunfo do socialismo não será uma ruptura com a Revolução Francesa, mas a realização da Revolução Francesa em novas condições econômicas", Eduard Bernstein viu no socialismo simplesmente a "democracia trazida à sua conclusão lógica". A democracia representativa tomou-se para os social-democratas simultaneamente o meio e o fim, o veículo para o socialismo e a forma política da futura sociedade socialista, simultaneamente a estratégia e o programa, instrumental e pré-figurativo. (Para os pontos de vista de Kautsky e Luxemburgo, que eram um pouco mais cautelosos, ver respectivamente Salvadori, 1971, e Geras, 1976).

Daí que os social-democratas enfrentavam um dilema, dramatizado por Gay em sua biografia de Bernstein:

"O socialismo democrático, então é impossível? Ou pode ser alcançado apenas se o partido está pronto a abandonar o método democrático temporariamente para tomar o poder pela violência, na esperança de um retorno ao parlamentarismo tão logo o controle esteja assegurado? Certamente, a segunda alternativa contém possibibilidades trágicas: um movimento democrático que se vale de métodos autoritários para conseguir seu objetivo pode não permanecer um movimento democrático por muito tempo. Ainda, a primeira alternativa - agarrar-se a procedimentos democráticos sob todas as circunstâncias - pode condenar o partido a uma contínua impotência política." (1970:7).

A Promessa de Eleições

A despeito de toda ambigüidade, a despeito da pressão de preocupações de curto prazo, os socialistas entraram na política burguesa para ganhar eleições, pára obter um mandato incontestável tendo em vista as transformações revolucionárias, e para legislar a sociedade dentro do socialismo. Este era o objetivo e esta era a esperança que tinham.

A participação eleitoral era baseada na crença de que a democracia não é apenas necessária mas é suficiente para alcançar o socialismo. "Se uma coisa é certa", Engels escreveu em uma carta em 1891 que deveria contar com a imediata desaprovação de Lenin, "é que nosso Partido e a classe trabalhadora somente podem chegar ao poder sob a forma de uma república democrática. Esta é mesmo a forma específica da ditadura do proletariado" (1935: 486). Jaurés viu na democracia "o mais amplo e o mais sólido terreno sobre o qual a classe trabalhadora pode erguer-se... o leito de pedra que a burguesia reacionária não pode dissolver sem abrir fissuras na terra e ser tragada por elas" (Derfler, 1973:59). Millerand foi, como sempre, mais incisivo: "Para realizar reformas imediatas capazes de suavizar a sorte da classe trabalhadora, e assim prepará-la para ganhar a sua própria liberdade, e para começar, conforme está condicionado pela natureza das coisas, a socialização dos meios de produção, e necessário e suficiente para o partido socialista esforçar-se para conquistar o governo através do sufrágio universal" (Ensor, 1908: 54).

Os socialistas participaram das eleições porque tinham que se preocupar com melhorias imediatas das condições dos trabalhadores. Contudo, entraram para fazer do socialismo uma realidade. Essa divergência entre causa e propósito é um sintoma de racionalização? Era o "pathos" dos objetivos finais apenas uma forma de autodecepção?

Tais questões devem ser deixadas para os psicólogos resolverem. Mas uma coisa é certa: aqueles que conduziram os partidos socialistas para as batalhas eleitorais acreditavam que as classes dominantes podiam ser "batidas em seu próprio terreno". Os socialistas estavam firmemente persuadidos que ganhariam as eleições, que obteriam para o socialismo o apoio de uma incontestável maioria numérica. Colocaram todas as suas esperanças e seus esforços na competição eleitoral porque estavam certos de que a vitória eleitoral estava próxima. Sua força estava nos números, e as eleições são uma expressão de força numérica. Daí que o sufrágio universal parecia garantir a vitória socialista, se não imediatamente, no futuro próximo. A revolução seria feita nas urnas. Entre as várias expressões dessa convicção está a impressionante apologia feita por Engels em 1895: "Os trabalhadores alemães... mostraram aos camaradas em todos os países como fazer uso do sufrágio universal... Com a bem sucedida utilização do sufrágio universal... um método inteiramente novo de luta proletária foi efetivado, e esse método desenvolveu-se ainda mais rapidamente. Constatou-se que as instituições de estado, em que o regime burguês está organizado, oferecem à classe trabalhadora oportunidades ainda mais amplas para combater essas mesmas instituições de estado". E Engels formulou uma previsão: "Se o progresso eleitoral continuar desta maneira, pelo fim do século cresceremos...como o poder decisivo na terra, ante o qual todos os outros poderes inclinar-se-ão, gostem ou não gostem" (1960: 22).

As bases desta convicção eram a um só tempo teóricas e práticas. Já no "Manifesto Comunista", Marx e Engels descreveram o socialismo como o movimento "da imensa maioria" (1967: 147). Em um artigo de 1850, "The Chartist", no "Daily Tribune", de Nova York, e novamente em 1867 no jornal polonês de emigrantes "Glos Wolny", Marx repetiu que "o sufrágio universal é equivalente ao poder político para a classe trabalhadora da Inglaterra, onde o proletariado forma a grande maioria da população..."." A Luta de Classe" de Kautsky, provavelmente a mais influente exposição teórica da primeira fase do movimento socialista, sustentava que o proletariado já constituía a maior classe "em todos os países civilizados" (1971:43). E mesmo se as primeiras batalhas eleitorais não terminassem em triunfo, mesmo se o proletariado não fosse ainda a maioria, a vitória eleitoral era apenas uma questão de tempo, já que o capitalismo estava inchando as fileiras do proletariado. O desenvolvimento da produção fabril e seu corolário, a concentração de capital e terras, iriam reduzir rapidamente à condição de proletários os artífices, artesãos, mercadores e pequenos proprietários agrícolas. Mesmo "o médico, o advogado, o padre, o poeta, o homem de ciência" também seriam reduzidos a proletários, segundo o "Manifesto Comunista". Este aumento do número de pessoas que vendem sua força de trabalho por um salário não era acidental , temporário ou reversível. Era visto como um traço necessário do desenvolvimento capitalista. Daí que seria apenas uma questão de tempo antes que quase todos, "exceto um punhado de exploradores", tornassem-se proletários. O socialismo responderia ao interesse de quase todos, e a arrasadora maioria das pessoas expressaria eleitoralmente seu desejo pelo socialismo. Um jovem teórico sueco formulou o seguinte silogismo em 1919:

"A luta pelo estado é política. Seu desfecho - em grande medida contingencial - é, portanto, a possibilidade aberta aos membros da sociedade, tornados proletários devido ao processo capitalista, de exercer suas próprias influências ao nível da decisão política. Se a democracia é alcançada, o crescimento do capitalismo significa uma correspondente mobilização de vozes contra o próprio sistema capitalista. A democracia, portanto, possui um controle automático que aumenta a oposição ao capitalismo em proporção ao desenvolvimento do capitalismo." (Tingsten, 1973: 402).

De fato, enquanto aqueles que eventualmente tornaram-se comunistas viam na Revolução Russa a prova que uma bem sucedida revolução é sempre possível para os social-democratas a necessidade de confiar na revolução de uma minoria significa apenas que as condições para o socialismo ainda não estavam maduras (Kautsky, 1919). Enquanto Brantign, por exemplo, concordava com à primeira reação de Gramsci à Revolução de Outubro (ver Fiori, 1973: 112), quando sustentava que "toda a idéia desenvolvimentista do socialismo está anulada no Bolchevismo" , ele chegou precisamente à conclusão que os socialistas deveriam esperar até que as condições estivessem maduras a ponto de uma esmagadora maioria de pessoas expressarem eleitoralmente suas preferências pelas transformações socialistas (Tingsten, 1973: 405). Uma vez que estavam totalmente persuadidos que tais condições seriam trazidas pelo desenvolvimento do capitalismo, os social-democratas não se desapontavam com desastres eleitorais, que, segundo viam, somente significavam que o momento ainda não havia chegado. Mesmo quando tinham que renunciar ao controle sobre o governo, os social-democratas não se deixavam tentar pela possibilidade de mudar o curso da história. A história fala através das pessoas,as pessoas através das eleições, e ninguém duvidava que a história faria as pessoas expressarem seu desejo pelo socialismo.

Estas expectativas, baseadas na convicção sobre o curso futuro da historia, foram quase imediatamente asseguradas pelo progresso eleitoral dos partidos socialistas. O partido alemão - citado por Engels como modelo a ser seguido-, a despeito dos anos de depressão, cresceu de 125.000 votos em 1871 para 312.000 em 1881, para 1.427.000 em 1890, para 4.250.000 na véspera da Primeira Guerra Mundial. De fato, tão logo as leis anti-socialistas foram proscritas, o SPD tornou-se em 1890 o maior partido da Alemanha, com 19,7% dos votos. Em 1912 sua parcela de 34,8% era mais que o dobro daquela do segundo maior partido.; Não é de admirar que Bebei, em 1905 pode tornar "explícita a convicção mantida de modo geral por seus companheiros socialistas que a classe trabalhadora continuaria a crescer e que o partido iria um dia congregar a maioria da população..." (Schorske, 1955: 43). Vários partidos ingressaram ainda mais espetacularmente na disputa dos votos. Em 1907, os social-democratas finlandeses ganharam a maioria, 37%, na primeira eleição sob sufrágio universal. Os social-democratas austríacos ganharam 21 % depois que o direito a voto tornou-se universal em 1907, 25,4% em 1911, e a maioria de 40,8% em 1919.0 "Parti Ouvrier" belga ganhou 13,2% quando o "régime censitaire" foi abolido em 1894 e continuou a crescer em saltos para ganhar em 1925 a maioria de 39,4%, um sucesso que "estimulou a todos que a contínua industrialização produziria um crescente eleitorado operário socialista." (Mabille e Lorwin, 1977: 392). Mesmo naqueles países onde os primeiros passos não foram igualmente dramáticos, o progresso eleitoral parecia inexorável. Nos Países Baixos, religiosamente politizados, o socialismo marchou em grandes passos, de 3% em 1896 para 9,5%, 11,2%, 13,9% e 18,5%em 1913. O partido dinamarquês obteve 4,9% em 1884, a primeira eleição que disputou e somente 3,5% em 1889; deste momento em diante, o partido nunca deixou de aumentar seus votos até 1935, quando ganhou 46,1%. Outra vez; "houve uma expectativa geral que, como o único partido representando o movimento trabalhista, iria chegar ao poder através de uma absoluta maioria do eleitorado." (Thomas, 1977: 240). O partido sueco iniciou humildemente lançando candidatos em chapas conjuntas com os liberais: ganhou 3,5% em 1902,9,5% em 1905, 14,6% em 1908, saltou para 28,5% em 1911, depois da extensão do sufrágio, aumentou sua parcela para 30,1% e 36,4% nas duas eleições sucessivas de 1914, e juntamente com sua ala esquerda ganhou a maioria dos votos, 39,1%, em 1917. O Partido Trabalhista Norueguês cresceu cerca de 5% em cada eleição desde 1897, quando obteve 0,6%, até 1915, e aí sua participação alcançou 32,1%.

A prática confirmava a teoria. De eleição em eleição as forças do socialismo cresciam em vigor. Cada rodada era um novo sucesso De uns poucos milhares, quando muito, durante os primeiros momentos difíceis, os socialistas viram seu eleitorado aumentar para milhões. O progresso parecia inexorável; a maioria e o mandato para o socialismo implícito eram apenas uma questão de uns poucos anos, um par de eleições. Apenas um esforço a mais e a humanidade cruzaria o umbral de uma nova era, pela expressão esmagadora da vontade popular. "Estou convencido", Bebei declarou durante o Congresso Erfut, "que a realização de nossos objetivos acha-se tão próxima que há poucos nesse recinto que não estarão vivos nesse dia." (Derfler, 1973: 58).

Democracia social e classe trabalhadora

O partido socialista deveria ser a classe trabalhadora organizada. Como Bergounioux e Manin (1979:27) observaram, "autonomia dos trabalhadores" fora do processo político ou em emancipação política que não seria especificamente de trabalhadores, essas eram as duas tendências no momento em que Marx e Engels contribuíram para a fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores. A influência decisiva de Marx foi uma síntese dessas duas posições: socialismo como um movimento da classe trabalhadora no processo político. A orientação que Marx advogava era nova: organizar um "partido" mas de tal maneira que fosse distintamente um partido de trabalhadores, independente e oposto a todas as outras classes. A organização de trabalhadores "como uma classe, e conseqüentemente como um partido político" (Marx e Engels, 1967:144) era necessária para os trabalhadores conquistarem o poder político e, na visão de Marx, não deveria afetar e não afetaria a autonomia da classe trabalhadora como uma força política. "A emancipação da classe trabalhadora deve ser", conforme a célebre frase, "tarefa da própria classe trabalhadora"

Sabemos porque Marx esperava que os trabalhadores chegassem a ser a força motriz do socialismo: em virtude de sua posição dentro da sociedade capitalista, os trabalhadores eram simultaneamente a classe que era explorada da maneira especificamente capitalista e a única que tinha a capacidade para organizar a produção por conta própria, uma vez que fossem abolidas as relações capitalistas (Mandel, 1971: 23). Contudo essa ênfase na "relação orgânica" entre o socialismo e a classe trabalhadora - relação entendida como uma identificação entre a missão histórica e o agente histórico - não explica por ela mesma por que os socialistas pretenderam durante o período inicial organizar somente trabalhadores e todos os trabalhadores. As razões para essa relação privilegiada entre partidos socialistas e a classe trabalhadora eram mais imediatas e mais práticas que aquelas que podiam ser encontradas na teoria da história de Marx.

Primeiro, o capitalismo é um sistema em que os trabalhadores competem uns com os outros, a menos que sejam organizados como uma classe. Igualdade de posição de classe não resulta necessariamente em solidariedade, uma vez que os interesses que os trabalhadores compartilham são precisamente aqueles que os colocam em competição uns com os outros, primeiramente quando rebaixam salários na procura de emprego. Interesse de classe é algo atribuído aos trabalhadores como uma coletividade e não como uma coleção de indivíduos, seus interesses de "grupo" muito mais que "de série" (Sartre, 1960). Um aumento geral de salários é do interesse de todos os trabalhadores, mas não afeta as relações entre eles. Por outro lado, uma lei estabelecendo um piso mínimo de salários, estendendo a educação compulsória, melhorando a idade de aposentadoria, ou limitando as horas de trabalho, afeta as relações entre os trabalhadores sem ser necessariamente do interesse de cada um deles. De fato, alguns trabalhadores preferiam trabalhar além de sua idade normal de aposentadoria, mesmo que estivessem excluindo outros trabalhadores do emprego; algumas pessoas que não conseguiam trabalho estavam prontas a aceitarem emprego por menos que o salário mínimo mesmo que isso rebaixasse o nível geral dos salários; alguns estavam prontos a preencher vagas de trabalhadores em greve, mesmo se a greve, com isso, fracassasse.

Interesse de classe não corresponde necessariamente ao interesse de cada trabalhador como indivíduo. Trabalhadores individuais, assim como aqueles de um setor ou firma específica têm um incentivo poderoso para assegurar o interesse particularístico de cada um em detrimento de outros trabalhadores, a menos que alguma organização - um sindicato, um partido, ou um estado diretamente - tenha os meios para obrigar a disciplina coletiva. Daí que, com o objetivo de superar a competição, os trabalhadores devem se organizar e agir como uma força coletiva. Conforme Marx disse, "a combinação sempre tem dois objetivos, aquele de parar a competição entre os trabalhadores para que possam levar adiante a competição com o capitalista" (n.d.: 194). Os partidos socialistas deveriam ser as organizações que limitariam a competição dentro da classe uma vez que se confrontavam cornos inimigos da classe. A mobilização de toda a classe era essencial precisamente para impedir grupos particulares de trabalhadores de corroerem a solidariedade de classe pela competição entre seus próprios membros organizados.

Segundo, a ênfase nos interesses distintos da classe trabalhadora era necessária para impedir a integração dos trabalhadores como indivíduos na sociedade burguesa. Sob o capitalismo, os capitalistas naturalmente surgem como condutores dos interesses universais futuros enquanto os interesses de todos os outros grupos surgem como hostil ao desenvolvimento futuro e, portanto, particularistico. Na medida em que as pessoas que vivem na mesma sociedade são passíveis de ter alguns interesses econômicos "gerais", "comuns" ou "públicos", o universalismo é a ideologia natural da burguesia que como classe se põe a representar estes interesses.

A nova sociedade que se institucionalizou na Europa Ocidental na esteira da revolução industrial foi a encarnação desse universalismo. Pela primeira vez na história a classe econômica dominante identificou-se com o futuro de toda a sociedade: esta foi a revolução que a burguesia introduziu no reino da ideologia (Gramsci, 1971:260). As normas legais burguesas estabeleceram o status universal de "indivíduos" que estavam em igualdade em suas relações com as coisas - independente de serem estes meios de produção ou de consumo - e estavam em igualdade em suas relações uns com os outros - novamente não importando se surgiam contratualmente como vendedores ou compradores de força de trabalho (Balibar, 1970). Ao mesmo tempo, a ideologia burguesa postulava uma básica harmonia de interesses entre os indivíduos-cidadãos.

As instituições políticas burguesas expressam esta visão da sociedade. O parlamento seria o fórum de deliberação racional em busca do bem geral. Enquanto o processo econômico era visto como o reino da paixão originada pelo estreito egoísmo, o processo político seria o reino autonomo da razão. Os partidos, assim como outras divisões baseadas em agrupamentos de interesses, eram considerados como perversos e perigosos. O processo político deveria permanecer acima das divisões econômicas da sociedade.

Se o movimento pelo socialismo não era para ser absorvido por esta ideologia e estas instituições, tornava-se necessário transformar a própria visão do processo político. Contra o abstrato racionalismo do "puro processo político" os socialistas justapunham uma imagem representando o conflito de interesses numa sociedade dividida em classes. No lugar do ideal de indivíduos racionais em busca do bem comum, os socialistas mostravam a "realidade" de homens que eram os condutores de seus interesses de classe. O próprio conceito de sociedade baseada na harmonia de interesses foi duramente negada pela ideologia do conflito de classe.

Os socialistas sustentavam que a burguesia tem não apenas interesses particularísticos mas também que estes estão em conflito com os interesses dos trabalhadores. Os trabalhadores não são "indivíduos" da sociedade burguesa: são uma classe distinta numa sociedade dividida em classes. Se os seus interesses surgem como particularísticos dentro da sociedade capitalista, é porque essa sociedade ergue-se sobre o conflito de interesses particularísticos de classes diferentes. Somente separando-se de outras classes podiam os trabalhadores assegurar seus direitos e conseqüentemente cumprir a missão histórica de emancipar a sociedade. Em seu "Discurso para a Liga Comunista" em 1850 (Marx e Engels, 1966,I: 117), Marx enfatizou que os trabalhadores "devem, eles próprios, fazer o máximo para a vitória final procurando uma definição clara para os seus interesses de classe, tomando uma posição como um partido independente o mais breve possível e não se deixando seduzir nem por um momento pelas frases hipócritas da mesquinha pequena burguesia democrática, de renunciar à organização independente do partido do proletariado". Rosemberg (1965: 161) assinala a tendência do socialismo alemão na década de 1860 a "isolar-se a si próprio e a enfatizar estas qualidades que o diferenciavam de todos os grupos e tendências das classes bem aquinhoadas." Nessa fase,o movimento proletário radical tendia particularmente a considerar a nobreza cós camponeses, os artesãos e os intelectuais como "uma só massa reacionária". O mesmo poderia ser dito dos primeiros candidatos trabalhistas que competiram na eleição de Paris de 1863 (Ibid.: 165). A noção de "uma Só massa reacionária" está subjacente no "Programa de Gotha" de 1875 e reapareceu no programa sueco de 1889 (Tirigsten, 1973: 357). Já em 1891, quando pediram a Engels um comentário sobre uma tiragem do Programa Erfurt, ele fez uma objeção à expressão "o povo em geral" perguntando "quem é'esse?"(n.d.: 56). E com sua típica eloqüência, Jules Guesde argumentava em Lirlle em 1890: "A Revolução a que vocês estão obrigados é possível apenas na medida em que vocês permanecerem autênticos, classe contra classe, não sabendo e não querendo saber sobre as divisões que possam existir no mundo capitalista" (Fiechtier, 1965: 258).

De fato, a dificuldade inicial que os socialistas enfrentaram reduzia-se a que os trabalhadores mostravam-se desconfiados de quaisquer influências oriundas fora de sua classe. O socialismo surgia para eles como uma ideologia abstraia e estranha em relação à experiência diária. Não estava claro para os trabalhadores que uma mudança para melhor de suas condições requeria que o próprio sistema de trabalho assalariado devia ser abolido. Bergounioux e Manin assinalam que de acordo com um estudo junto a trabalhadores franceses no começo da Terceira República, havia uma resistência entre os trabalhadores contra a mensagem socialista, uma ênfase ao conflito direto entre trabalhadores e patrões, e um desprezo ao processo político (1979: 25). Na Bélgica, um partido sob um rótulo socialista,"Parti Socialiste Belge", foi fundado em 1879 mas tinha dificuldades para persuadir as associações de trabalhadores de se filiarem. De acordo com Landauer (1959,1: 457-8) os trabalhadores mostravam-se arredios à propaganda socialista, e de Paepe dizia que "a palavra socialista assusta muitos trabalhadores". Assim, em 1885 apareceu o "Parti Ouvrier Belge": partido dos trabalhadores no lugar de socialista. Na Inglaterra, sindicalistas fizeram protestos e até o ano de 1918 conseguiram impedir a admissão no Partido Trabalhista de membros de outras classes em bases individuais. O partido dos socialistas, portanto, caso desejasse o sucesso, teria que ser um partido de trabalhadores. Na Suécia, as primeiras células locais do Partido Social Democrata foram de fato chamadas "Arbetarekommuner", Comunidade de Trabalhadores (Fusilier, 1954:29). Os socialistas estavam dispostos a enfatizar o caráter de classe do movimento e dispostos também a fazer concessões doutrinárias para implantar o socialismo entre os trabalhadores.

O dilema eleitoral

A maioria que os socialistas esperavam conseguir nas eleições deveria ser formada de trabalhadores. O proletariado - agindo a partir de seus interesses e consciente de sua missão - deveria ser a força social a impelir a sociedade para o socialismo. Mas esse proletariado não era e nunca tornou-se a maioria numérica dos eleitores de qualquer sociedade. A previsão, segundo a qual os membros desalojados das antigas classes médias iriam tornar-se proletários ou alistarem-se no exército dos desempregados, nunca confirmou-se.

As antigas classes médias, particularmente os proprietários agrícolas independentes, quase desapareceram como um grupo na maior parte dos países da Europa Ocidental, mas seus filhos e filhas tendiam mais facilmente a encontrar emprego em escritórios e lojas do que em fábricas. Além disso, enquanto a proporção da população adulta exercendo qualquer atividade fora do lar diminuiu drasticamente no decorrer do desenvolvimento capitalista, os que estavam excluídos de atividades remuneradas não se tornaram um proletariado de reserva. Educação compulsória extensiva, aposentadoria compulsória, grandes exércitos permanentes e impedimentos efetivos à participação econômica de mulheres - tudo levou à redução da entrada no proletariado. Como resultado, de 1890 a 1980 o proletariado continuou a ser a minoria do eleitorado. Na Bélgica, o primeiro país europeu a construir uma indústria substancial, a proporção de trabalhadores chegou a romper o mágico número da maioria quando alcançou 50,1% em 1912. Desde então, tem declinado sistematicamente, baixando para 19,1 % em 1971. Na Dinamarca, a proporção de trabalhadores no eleitorado nunca excedeu 29%. Na Finlândia, nunca foi além de 24%. Na França, essa proporção declinou de 39,4% em 1893, para 24,8% em 1968. Na Alemanha, os trabalhadores tiveram um aumento na proporção do eleitorado de 25,5% em 1871 para 36,9% em 1903 e desde então constituem cerca de um terço do eleitorado. Na Noruega, os trabalhadores constituíam 33% do eleitorado em 1894 e sua proporção alcançou o cume em 1900 com 34,1%. Na Suécia, a proporção de trabalhadores no eleitorado cresceu de 28,9% em 1908 para 40,4% em 1952; então declinou para 38,5% em

As regras do jogo democrático, enquanto universais e, às vezes, justas, não mostram compaixão. Para um partido governar sozinho, sem o óbice da influência moderadora de alianças e os débitos de concessões, deve obter alguma específica proporção de voto, não muito diferente de 50%. As instituições eleitorais precederam o nascimento dos partidos que procuram usá-las como veículos para chegar ao socialismo, e tais instituições abrigam a regra fundamental que torna impossível a vitória de uma minoria isolada. Um partido representando uma classe que tem um menor número de filiados que as outras classes combinadas não pode ganhar batalhas eleitorais.

A combinação do status de minoria com a regra da maioria constitui a condição histórica sob a qual os socialistas devem agir. Essa condição concreta impõe sobre os partidos socialistas uma escolha: os socialistas devem escolher entre um partido homogêneo em sua expressão classista mas condenado a perpétuas derrotas eleitorais e um partido que luta pelo sucesso eleitoral à custa da diluição de seu caráter de classe. Esta escolha não é entre revolução e reforma. Não há, a priori, nenhuma razão e nenhuma evidência histórica para supor que um partido eleitoralmente homogêneo em sua base classista seria muito mais revolucionário que um partido heterogêneo em sua base classista. De fato, partidos eleitoralmente homogêneos de trabalhadores, dos quais o SPD durante o período Weimar é provavelmente o primeiro exemplo (Hunt, 1970), podem ser totalmente comprometidos com a defesa de interesses particularísticos de trabalhadores dentro dos limites da sociedade capitalista. Tais partidos de classe podem facilmente tornar-se meros grupos eleitorais de interesse, pressionando por uma participação maior no produto nacional sem qualquer preocupação pela maneira como é produzido. Um partido homogêneo de trabalhadores que constituísse a maioria do eleitorado teria talvez mantido o seu compromisso básico sem uma concessão, conforme os socialistas disseram que fariam quando viam á classe trabalhadora como maioria. Mas continuar como um partido minoritário dedicado exclusivamente a objetivos básicos em um jogo em que â maioria é necessária - ou mais, um mandato incontestável - à realização desses objetivos, seria absurdo. Para ganhar influência eleitoral a fim de alcançar quaisquer objetivos, desde o básico ao mais imediato, os partidos da classe trabalhadora deveriam procurar apoio de membros de outras classes.

Dado o status de minoria dos trabalhadores dentro da estrutura de classe das sociedades capitalistas, a decisão de participar em eleições altera a própria lógica do problema da transformação revolucionária. O sistema democrático pregou uma peça perversa nas intenções socialistas: a emancipação da classe trabalhadora não podia ser uma tarefa dos próprios trabalhadores se essa emancipação fosse para ser realizada através de eleições. Restava saber se a maioria para o socialismo poderia ser conquistada com a busca de apoio eleitoral fora da classe trabalhadora.

Há uma tendência peculiar entre os observadores contemporâneos em ver na estratégia de recorrer a uma base classista heterogênea um efeito relativamente recente da "desradicalização" do movimento socialista. O "Mittleklass Strategie" alemão é visto como o protótipo desta nova orientação, e Kurt Schumacher, como o seu arquiteto (Paterson, 1977). Nesta interpretação, os partidos socialistas começam a aceitar apoio de outros grupos que não de trabalhadores somente depois que abandonam seus objetivos socialistas.

Esta visão é simplesmente errada. Os partidos socialistas buscaram apoio fora da classe trabalhadora tão logo a possibilidade de vitória eleitoral tornou-se uma realidade e desde então continuaram em zigue-zague entre uma busca por aliados e a ênfase na classe trabalhadora. A triunfante previsão feita por Engels em 1895 afirmando que os socialistas iriam tornar-se a força perante a qual "todos os poderes irão inclinar-se" condicionava-se ao sucesso do partido "cm conquistar a camada média da sociedade, baixa burguesia e pequenos camponeses". O seu conselho ao partido francês - conselho que os franceses não necessitavam, uma vez que já o colocavam em prática (Landauer, 1961) - era o mesmo: conquiste os pequenos camponeses. O Programa de Erfurt de 1891 deu o tom em que apelos para "as classes medias" eram expressos: seus interesses "eram paralelos" aos do proletariado; elas eram os "aliados naturais" do proletariado (Kautsky, 1971). Os Guesdistas na França começaram a aprovar alianças tão logo Guesde foi eleito para o Parlamento em 1893 (Derfler, 1973: 48). Na Bélgica, o primeiro programa adotado em 1894 pelo "Parti Ouvrier" fazia apelos à baixa classe média à intellingentsia (Landaur, 1959,I: 468). Na Suécia, unia estratégia de base classista múltipla foi debatida já no ano de 1889 e o partido continuou seguindo o rumo de uma orientação de classe heterogênea até a sua plena aceitação em 1920 (Tingsten, 1973), O Partido Trabalhista Inglês chegou a derrotar em 1912 a proposta permitindo a inscrição, em base individual, de "gerentes, diretores, (e) pessoas envolvidas em ocupações comerciais por sua própria conta" (McKibbin, 1974: 95). Mas em 1918, quando tomou um rumo programático para a esquerda, o Partido Trabalhista abriu suas fileiras aos "trabalhadores intelectuais", De fato, em sua polêmica com Beer (1969), McKibbin interpreta a própria ênfase sobre o socialismo no programa de 1918 como uma tentativa de aliciar "as classes médias profissionais" (1974:97). Os revisionistas de toda a parte asseveravam que os trabalhadores não eram a maioria e que o partido devia procurar apoio fora da classe trabalhadora. Bernstein, Jaurés e MacDonald chegaram à mesma conclusão independentemente: uma vez que um partido obrigou-se a uma competição eleitoral, eles tinham que abraçar esta conclusão. À altura de 1915, Michels já pode caracterizar a estratégia social-democrata da seguinte maneira:

"Por razões predominantemente eleitorais, o partido dos trabalhadores procura apoio dos elementos pequeno-burgueses da sociedade e isso provoca reações mais ou menos amplas dentro do próprio partido. O Partido Trabalhista converte-se em partido de todo o povo. Seus apelos se dirigem não só aos trabalhadores braçais, mas a todos os produtores, a toda população trabalhadora, a todas as classes, a todos os estratos da sociedade, com execção dos que não trabalham, que vivem de rendas de investimentos" (1962: 254).

A inclinação de diversos partidos social-democratas, no pós-guerra, na direção das camadas médias, não foi resultante de uma nova postura estratégica, mas um reflexo sobre a mudança da estrutura de classes na Europa Ocidental. A proporção da população engajada na agricultura declinou bastante durante o século XX, mais rapidamente nos anos 50 do que nas décadas precedentes. As "novas classes médias" quase que passaram a suplantar as "velhas", numericamente. As estratégias partidárias refletiam, embora com algum atraso, essa evolução numérica na estrutura de classes. O que é relativamente novo, no entanto, é apenas a indicação explícita de que os empregados assalariados em geral se constituem na principal base potencial de apoio ao socialismo. Foi Bernstein, e não Schumacher ou Brandt, quem introduziu a noção do " volkspartei". A busca de aliados é inerente ao eleitoralismo.

Uma vez decididos a competir por votos de "aliados naturais", fossem eles das camadas médias velhas ou novas, os socialistas apelavam para a esmagadora maioria da população. A estimativa de Branting em 1889, de que o "povo" constituía 95% da sociedade sueca, estava, é provável, ligeiramente exagerada, dada a sua definição de "povo" (Tingsten, 1973:135). Buscando uma distribuição eqüitativa do peso da dívida da 1º Guerra Mundial, "Trabalho e Nova. Ordem Social", um documento programático do partido, asseverava que "desta forma, o Partido Trabalhista reivindica o apoio de quatro quintos de toda a nação" (Henderson, 1918: 125). Não há porque duvidar que hoje a classe operária, juntamente com seus aliados, compreenda cerca de 80% da população da França (Partido Comunista Francês, 1971) ou dos Estados Unidos (Wright, 1976). Se somarmos aos trabalhadores na indústria os empregados de colarinho-branco, pequenos-burgueses, donas de casa, aposentados e estudantes, quase ninguém representará os interesses antagônicos ao socialismo. Exploradores continuam a existir, mas em pequeno número: "o homem de negócio com conta de crédito não tributada, o especulador com ganhos de capital não tributados, o diretor de empresa aposentado com uma remuneração extra não tributada", nas palavras do manifesto eleitoral de 1959 do Partido Trabalhista (Craig, 1969: 130).

No entanto, os partidos social-democratas nunca obtiveram os votos de 4/5 do eleitorado em qualquer país. Só em alguns casos conseguiram o apoio da metade dás pessoas que realmente foram às urnas. Estão longe de obter votos de todos aqueles que asseguram representar. Além disso, não podem nem mesmo conseguir os votos de todos os trabalhadores - o proletariado, no sentido clássico da palavra. Em vários países, cerca de 1/3 dos trabalhadores braçais votam nos partidos burgueses. Na Bélgica, cerca de metade dos trabalhadores não votam nos socialistas (Hill, 1974: 83). No Reino Unido, o Partido Trabalhista perdeu 49% dos votos da classe trabalhadora na eleição de 1979. Os social-democratas parecem condenados à minoria quando são um partido de classes e parecem igualmente relegados quando procuram ser um partido de massas, da nação toda. Como um simples partido de trabalhadores, não conseguem o mandato para o socialismo, mas como um partido da nação como um todo, também nunca o conseguiram.

Algumas das razões porque nenhum partido político jamais conseguiu a maioria com um programa de transformação socialista são indubitavelmente externas ao sistema eleitoral. No entanto, os partidos social-democratas enfrentam um dilema puramente eleitoral. As classes expressam o comportamento político dos indivíduos somente quando trabalhadores são organizados politicamente como trabalhadores. Se os partidos políticos não mobilizam pessoas como trabalhadores, mas como "massas", "povo", "consumidores", "pagadores de impostos" ou simplesmente "cidadãos", então os trabalhadores irão se identificar menos ainda como trabalhadores. Estendendo seu apelo às "massas", os social-democratas enfraquecem a proeminência geral da classe como um determinante no comportamento político dos indivíduos.

As estratégias destinadas a alargar o apoio eleitoral tiveram efeito não somente sobre as relações entre trabalhadores e outras classes, mas primeiramente dentro da classe, sobre as relações entre os trabalhadores. De forma a ter êxito na competição eleitoral, os partidos social-democratas devem se apresentar aos diferentes grupos como um instrumento para a realização de seus interesses econômicos imediatos, no sentido de que estes interesses possam ser defendidos quando o partido for vitorioso na eleição futura. Alianças supra-classes devem ser baseadas numa convergência de interesses econômicos imediatos da classe trabalhadora e de outros grupos. Os social-democratas devem oferecer créditos à pequena burguesia, subsídios a empregados assalariados, salários mínimos aos trabalhadores, proteção aos consumidores, educação para os jovens, pensão familiar. Esta convergência não pode ser baseada em medidas que estreitam a coesão e combatividade dos trabalhadores contra outras classes. Quando os social-democratas estendem seu apelo, devem prometer lutar não por objetivos específicos dos trabalhadores como uma coletividade - aqueles que constituem os benefícios públicos para os trabalhadores enquanto classe -, mas apenas por aqueles que os trabalhadores dividem, enquanto indivíduos, com membros de outras classes. Os pontos comuns podem ser encontrados numa mudança de taxação indireta para direta, em leis de proteção ao consumidor, em melhorias no transporte público, etc. Estes são interesses que os trabalhadores, como indivíduos, dividem com outros que recebem baixas rendas, que adquirem produtos consumíveis, que viajam para o trabalho. Não são interesses de trabalhadores como classe, mas dos pobres, dos consumidores, etc.

Isso não significa que o partido não represente mais os trabalhadores quando apela às massas. Embora a convergência nunca seja perfeita e alguns interesses dos trabalhadores sejam freqüentemente comprometidos, o partido continua a representar aqueles interesses que os trabalhadores, como indivíduos, partilham com outras pessoas. Conseqüentemente, os partidos social-democratas, orientados em direção ao "povo", continuam a ser partidos de trabalhadores como indivíduos. O que deixam de ser é organização dos trabalhadores como classe, que disciplina os indivíduos na sua competição entre si colocando-os em luta contra as outras classes. É o próprio princípio do conflito de classe - o conflito entre coletividades inteiramente coesas - que fica comprometido quando partidos de trabalhadores convertem-se em partidos de massas.

A diluição do apelo de classe, no entanto, afeta não somente a organização dos trabalhadores como classe. Repercute agudamente na forma dos conflitos políticos nas sociedades capitalistas, uma vez que restabelece uma visão não classista da política. Quando os partidos social-democratas se convertem em partidos "de toda a nação", reforçam a visão da política como um processo de estabelecimento do bem estar coletivo, de "todos os membros da sociedade". A política, uma vez mais, é definida na dimensão indivíduo-nação, não em termos de classe.

Esta desenfatização do conflito de classe repercute entre os trabalhadores. A medida em que a identificação de classe torna-se menos evidente, os partidos socialistas perdem sua única atração perante os trabalhadores. Os partidos social-democratas não são muito diferentes, qualitativamente, de outros partidos: a lealdade de classe não é mais a principal base de auto-identificação. Os trabalhadores vêem a sociedade como composta por indivíduos; vêem-se a si mesmos como membros de coletividades e não de classes; comportam-se politicamente com base em afinidades religiosas, étnicas, regionais, ou outras. São católicos, sulistas, francófonos, ou simplesmente cidadãos.

Agora está claro que o dilema aparece com uma vingança do próprio sistema de competição eleitoral. A escolha entre pureza de classe e apoio amplo deve ser abandonada continuamente pelos partidos social-democratas porque, quando conseguem ampliar seu apoio eleitoral para além da classe operária, estes partidos reduzem sua capacidade de mobilizar os trabalhadores. Esta escolha não foi feita de uma vez por todas por nenhum partido, nem representa uma evolução unidirecional. De fato, se existe uma negociação eleitoral entre atrair as massas e recrutar trabalhadores, então mudanças estratégicas são imperativas do ponto de vista puramente eleitoral. As histórias de cada partido estão repletas de reviravoltas estratégicas, com drásticas mudanças de direção, controvérsias, cismas e cisões. O SPD, em 1905, voltou a enfatizar as classes sociais; os social-democratas suecos abandonaram temporariamente sua intenção de tornar-se um partido policlassista, primeiro em 1926 e de novo em 1953; o Partido Trabalhista Norueguês reforçou sua orientação classista em 1918; os jovens socialistas alemães lançaram um sério ataque à Mittlekiass Strategic uma década atrás; conflitos entre uma tendência obreirista e uma policlassista hoje atinge vários partidos. Em termos de considerações puramente eleitorais, os social-democratas enfrentam um dilema. São levados a hesitar entre enfatizar as classes ou agradar a nação. Parecem incapazes de acertar o caminho e comportam-se da mesma maneira que o fazem as pessoas racionais quando enfrentam problemas: se lastimam e se arrependem, mudam sua estratégia e de novo se lastímam e se arrependem.

Os social-democratas não tiveram êxito em transformar as eleições em um instrumento de transformação socialista. Para serem eficazes e vencerem as eleições, devem procurar aliados que se unam aos trabalhadores sob a bandeira socialista, ainda que, ao mesmo tempo, desgastem a teoria que está na origem de sua força junto aos trabalhadores. Não podem permanecer exclusivamente como um partido de trabalhadores, e tampouco deixam de ser um partido de trabalhadores.

Reforma e revolução

Os socialistas sempre participaram de eleições com objetivos finais. O Congresso de Haia da lº Internacional proclamava que "a organização do proletariado em partido político é necessária para assegurar a vitória da revolução social e seu objetivo final - a abolição das classes" (Chodak, 1962: 39). O primeiro programa sueco especificava que "a social-democracia difere dos outros partidos pelo fato que aspira a transformar completamente a organização econômica da sociedade burguesa e completar a libertação social da classe operária ..." (Tingsten, 1973: 118-19). Mesmo o mais reformista entre os revisionistas, Millerand, advertia que "quem quer que não admita a necessária e progressiva substituição da propriedade capitalista pela propriedade social, não é um socialista." (Ensor, 1908: 51).

Estas eram as metas que deveriam ser atingidas através da legislação, no mandato de uma maioria eleitoralmente manifestada, como resultado do sufrágio universal. Os socialistas aboliriam a exploração, superariam a divisão da sociedade em classes, removeriam todas as desigualdades econômicas e políticas, acabariam com o desperdício e a anarquia da produção capitalista, erradicariam todas as fontes de injustiça e preconceito. Emancipariam não apenas os trabalhadores, mas toda a humanidade, construiriam uma sociedade baseada na cooperação, orientariam racionalmente energias e recursos para a satisfação das necessidades humanas, criariam condições sociais, para um desenvolvimento ilimitado da personalidade. Razão, justiça e liberdade eram as metas-guias do movimento social-democrata.

Constituíam-se em objetivos finais: não podiam ser concretizadas imediatamente, por razões econômicas e políticas. E os social-democratas insistiam em esperar pelo dia em que estes objetivos pudessem ser finalmente atingidos. Sustentavam representar os interesses dos trabalhadores e outros grupos não apenas quanto ao futuro, mas também quanto ao seu presente cotidiano, capitalista. O Partido Socialista Francês, liderado por Jaurés, proclamava em seu Congresso de Tours, em 1902, que "o Partido Socialista, rejeitando a política do tudo ou nada, possuía um programa de reformas cuja realização persegue permamentemente" e enumerava 54 reivindicações específicas em relação à democratização, secularização e organização da justiça, da família, da educação,dos impostos, dás condições de trabalho, da segurança social, dá nacionalização das indústrias e da política exterior (Ensor, 1908: 345 ff). O primeiro programa dos social-democratas suecos, em 1897, pedia tributação direta, desenvolvimento de atividades produtivas estaduais e municipais, crédito público - incluindo o controle estatal direto do crédito fornecido aos fazendeiros -, legislação referente às condições de trabalho, velhice, doença, seguro contra acidentes, igualdade jurídica, liberdade de organização, de reunião, de manifestação e de imprensa (Tingsten, 1973: 119-20).

Esta orientação, dirigida a melhorias imediatas, nunca foi vista por seus arquitetos como um afastamento de seus objetivos finais. Uma vez que o socialismo era considerado como inevitável, não havia razões para que medidas imediatas não fossem defendidas pêlos partidos socialistas: não havia o perigo, nem mesmo a possibilidade, que tais medidas pudessem evitar o advento do inevitável. Como disse Kautsky, "seria um profundo erro imaginar que tais reformas pudessem atrasar a revolução social (1971:93). Os objetivos finais realizariam-se porque a história estava do lado do socialismo. Os revisionistas dentro do movimento eram, de fato, mais deterministas do que aqueles que defendiam táticas insurreicionalistas. Millerand, por exemplo, argumentava, no discurso de Saint-Mande, que "os homens não organizam e não organizarão o coletivismo; este organiza-se por si próprio, diariamente; vai sendo secretado, se assim podemos dizer, pelo regime capitalista." (Ensor, 1908: 50).

Mesmo quando os movimentos social-democratas deixaram a guarida da história para redescobrir a justificativa do socialismo em valores éticos, nenhum dilema apareceu na consciência dos seus líderes. A famosa renúncia de Bernstein em relação aos objetivos finais não significava que estes não seriam realizados, mas apenas que o caminho para atingi-los era a concentração nos objetivos imediatos. Jaurés, falando sobre a conquista do poder político pelos trabalhadores, dava a clássica imagem: "Não creio, tampouco, que haverá necessariamente um salto abrupto, o cruzamento do abismo; talvez venhamos a perceber que entramos na zona do Estado socialista como os navegadores percebem ter cruzado a linha de um hemisfério - não que eles tenham esticado uma corda sobre o oceano, para certificarem-se da sua passagem, mas foram, pouco a pouco, sendo conduzidos a um novo hemisfério pelo progresso de sua embarcação" (Ensor, 1908: 171). De fato, para os social-democratas, as reformas constituem "degraus", no sentido que gradualmente acumulam em direção a uma completa reestruturação da sociedade. Antecipando-se à argumentação de Bernstein, Georg von Vollmar, o líder da ala bavariana do SPD, declarou no Congresso de Erfurt: "Ao lado da meta geral ou final, vemos um objetivo mais próximo: a satisfação das necessidades mais imediatas do povo. Para mim, a realização das exigências imediatas é o mais importante, não só porque é de grande valor propagandístico e serve para ganhar a adesão das massas, mas também porque, na minha opinião, esse progresso gradual, essa socialização gradual, é o método mais indicado para uma transição progressista." (Gay, 970: 258).

Reforma e revolução, dentro da visão social-democrata, não são alternativas excludentes entre si. Para realizar a "revolução social" - conceito que, antes de 1917, denotava transformação das relações sociais, mas não necessariamente insurreição -, é suficiente seguir a trilha das reformas. Supõe-se que as reformas sejam cumulativas e irreversíveis: não havia nada de estranho no raciocínio de Jaurés de que,"precisamente porque é um partido da revolução ... o Partido Socialista é o mais ativamente reformista..." (Fiechtier, 1965: 163). Quanto mais reformas, quanto mais rapidamente são introduzidas, mais próxima estará a revolução social, mais cedo o navio socialista rumará em direção ao novo mundo. E mesmo quando os tempos não forem tão auspiciosos para galgar novos degraus, mesmo quando circunstâncias políticas ou econômicas exigirem que as reformas sejam adiadas, cada nova reforma eventual partirá das realizações do passado. Mitigando-se os efeitos do capitalismo e transformando-o passo a passo, chegar-se-ia finalmente a uma completa reestruturação da sociedade. Revisando o livro de Miliband (1969), Benjamim Barber foi quem melhor expressou esta perspectiva: "seguramente, a partir de um certo ponto a mitigação converte-se em transformação, a atenuação transforma-se em abolição; a partir de um certo ponto, as 'concessões' do capitalismo aniquilam o capitalismo... Não quer dizer que se atingiu tal ponto, mas que haverá este ponto." (1970: 929).

Projetos econômicos e realidades políticas

A "revolução social" visada pelos social-democratas era necessária porque o capitalismo era irracional e injusto. E a causa fundamental dessa ineficiência e iniqüidade era a propriedade privada dos meios de produção. Enquanto a propriedade privada era ocasionalmente vista como a fonte dos mais diferentes infortúnios - desde a prostituição e do alcoolismo até as guerras -, era sempre considerada como diretamente responsável pela irracionalidade do sistema capitalista, e pela injustiça e miséria que gerava.

Já em Socialismo Utópico e Científico, uma das mais importantes fontes do movimento socialista, Engels enfatizava que a racional idade crescente da produção capitalista dentro de cada empresa é acompanhada, fatalmente, pelo caos e pela anarquia da produção em escala social. "A contradição entre produção socializada e apropriação capitalista', escreveu Engels, "agora se apresenta como um antagonismo entre a organização da produção no trabalho do homem e a anarquia da produção da sociedade em geral." (1959: 97-8). Falando em 1920, Brating repetiu que, "nas premissas básicas da presente organização social, não há garantias satisfatórias até mesmo para que à produção como um todo seja dada uma orientação a mais racional possível, ou então para que os lucros dos diversos ramos sejam aplicados da melhor maneira, do ponto de vista nacional, econômico e social." (Tingsten, 1973: 239).

A segunda conseqüência da propriedade privada é a distribuição injusta das riquezas materiais por ela gerada. "A condição econômica para o socialismo", escreveu um teórico do Partido Trabalhista, "está amplamente baseada na inviabilidade do capitalismo em efetuar qualquer distribuição eqüitativa ou mesmo praticável das mercadorias, numa era de mecanização e produção em massa" (Cripps, 1933:475). Mesmo o programa de Bad Godesberg, de 1959, marco do mais drástico rompimento com a tradição marxista, mantinha que "na economia de mercado não se assegura uma justa distribuição de rendas e propriedades".

Dada esta análise, a socialização ou a nacionalização dos meios de produção eram a principal forma de se alcançar os objetivos socialistas e conseqüentemente a primeira tarefa a ser cumprida pelos social-democratas depois da conquista do poder. "A revolução social", escreve Tingsten(1973, 131)" foi sempre entendida como socialização sistemática, encaminhada sob a liderança da classe trabalhadora social-democrata". Socialização ou nacionalização - uma ambigüidade terminológica significativa - era a forma pela qual a revolução socialista poderia ser realizada.

Até a Primeira Guerra Mundial, enquanto os partidos socialistas concentravam seus esforços vencendo eleições e organizando os trabalhadores como uma classe, pouco do pensamento efetivo era voltado aos meios pelos quais se conquistaria a socialização. A própria possibilidade de estar em reais condições de levar a cabo um programa de socialização pegou todos os partidos socialistas de surpresa quando a guerra destruiu a ordem estabelecida, desatrelou movimentos espontâneos de ocupação de fábricas e abriu as portas à participação governamental. De fato, a onda de ocupação das fábricas que ocorreu na Áustria, Alemanha, Finlândia, Itália e Suécia pareceu, aos partidos socialistas estabelecidos e aos sindicatos, uma ameaça à sua própria autoridade e organização, assim como à ordem capitalista (Maier, 1975:63; Spriano, 1967: 50-61; Williams, 1975: 121-45; Wigforss, 1924: 672).

Enquanto estes movimentos espontâneos eram reprimidos ou esvaziados, alógica do parlamentarismo voltava a agarrar o movimento social-democrata. Esforços de nacionalização tornaram-se tão similares em vários países, que sua história pode ser resumida rapidamente. A socialização foi imediatamente colocada na agenda dos partidos social-democratas da Áustria, Finlândia, Alemanha, Grã-Bretanha, Holanda, Itália e Suécia e da CGT francesa. Em diversos países, especialmente na Alemanha, Grã-Bretanha e Suécia, os "comitês de socialização" foram formados pelos respectivos parlamentos, enquanto na França, Léon Blum introduziu na Câmara um projeto de lei para nacionalizara indústria ferroviária. Das comissões esperava-se a preparação de programas detalhados de socialização - em alguns casos para todas as indústrias de base e em outros para todas as indústrias específicas, tipicamente as de carvão. A comissão britânica terminou rapidamente sua carreira quando Lloyd George simplesmente ignorou suas recomendações; na Alemanha, o surgimento da nacionalização do carvão foi. protelado após a demissão da primeira comissão; e, na Suécia, o comite de socialização trabalhou dezesseis anos, gastando a maior parte do seu tempo estudando esforços similares em outros lugares e expirou sem fazer qualquer recomendação. Embora os social-democratas formassem ou participassem de governos em vários países, o resultado global destas primeiras tentativas de socialização foi nulo: com exceção da indústria de armamentos da França, em 1936, nem uma única companhia foi nacionalizada na Europa Ocidental por um governo social-democrata durante todo o período entre guerras.

Como se explica que o movimento que se propôs revolucionar a sociedade mudando a própria base de sua organização produtiva terminou o período integrando-se a instituições políticas capitalistas, sem nunca pôr em causa seus fundamentos? Quando Marx descreveu, em 1850, a anatomia.da democracia capitalista, estava certo que, salvo por um recuo, o sufrágio universal levaria "da emancipação política à social"; que, uma vez presenteados com direitos políticos, os trabalhadores começariam ¡mediatamente a destruir o "poder social" dos capitalistas, socializando os meios de produção (1952a: 62). Ainda em 1928,: Wigforss viu este resultado como inevitável: "O sufrágio universal é incompatível com uma sociedade dividida entre uma pequena classe de proprietários e uma grande classe sem propriedade. Tampouco o rico e o proprietário irão ignorar o sufrágio universal, ou o pobre, com a ajuda de seu direito ao voto, irá conseguir por si mesmo uma parte das riquezas acumuladas" (Tingsten, 1973:274-5). E ainda, enquanto os social-democratas conseguiam poder na Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Grã-Bretanha, Noruega e Suécia, a riqueza permanecia quase intacta e com certeza a propriedade privada dos meios de produção não era incomodada.

Pode-se citar várias razões. À ambigüidade teórica dos próprios projetos de "expropriação dos expropriadores" não é negligenciável. Uma dificuldade reside na ambígua relação entre "socialização" - a posse das indústrias por seus empregados - e a estatização "nacionalização" - sua direção geral pelo estado. De um lado, como apontaram Korsch (1975:68), Wigforss (Tingsten, 1973: 208) e outros, o controle direto de empresas particulares pelos próprios produtores removeriam o antogonismo entre produtores e consumidores, ou seja, trabalhadores de outras empresas. Por outro lado, o controle centralizado do estado teria o efeito de substituir a autoridade privada do capital pela autoridade burocrática do governo, e o exemplo soviético logo aparecia como um exemplo negativo. A tendencia "gestionária" dominou na Alemanha, onde os princípios eram até incorporados à Constituição, e na Suécia; a tendência "planista" encontrou sua articulação mais importante na Bélgica e na. França, sob a influência de Henri de Man.

Uma verdadeira onda constituinte ocorreu após a Primeira Guerra Mundial: Otto Bauer na Áustria (1919), Karl Kautsky na Alemanha (1925), G. D. H. Cole na Grã-Bretanha (1919), Henri de Man na Bélgica - todos buscaram a elaboração de um modo de combinar a racionalização da sociedade com todo o controle do operariado sobre a produção.

Entretanto, esta explosão de atividade teórica chegou com atraso em relação às exigências da prática política. Mas o fato, freqüentemente admitido pelos políticos social-democratas, é que não sabiam como proceder para realizar seu programa. A escolha de quais as indústrias deviam ser nacionalizadas, método de financiamento, técnicas administrativas e as relações mútuas entre os setores tornaram-se problemas técnicos para os quais os social-democratas estavam despreparados. Então formaram grupos de estudo e esperaram..

Entretanto, a causa da inércia da Social Democracia era muito mais profunda do que a ambigüidade dos seus planos. Em nenhum lugar os socialistas obtiveram maioria parlamentar para que pudessem legislar sem o apoio, ou pelos menos o consentimento, de outros partidos. Surpreendentemente, os partidos socialistas, em diversos países, foram convidados a assumir como governos minoritários ou a entrar em governo de coligações multi-partidárias. O problema do que fazer como governo minoritário apresentava-se com as seguintes opções: ou o partido perseguia seus objetivos socialistas, sendo prontamente derrotado, ou se comportava como qualquer outro partido, administrando o sistema e introduzindo somente aquelas reformas para as quais podia obter maioria parlamentar.

Cada estratégia foi analisada pelos seus efeitos a longo prazo. Os defensores dá estratégia maximalista argurmentavam que o partido educaria o eleitorado para o programa socialista e exporia o caráter reacionário dos partidos burgueses. Alegavam que o povo responderia outorgando-lhes o poder com maioria e com mandato para implantar seu programa socialista. Esta estratégia foi adotada somente na Noruega; lá, o governo durou apenas três dias, em 1928.O partido voltou ao poder somente quatro anos depois quando moderou seus objetivos socialistas.

Os que propunham um programa mínimo defendiam que a tarefa mais importante de um partido seria demonstrar que é "competente para governar", que é um partido de governo. "Não assumiremos o poder para preparar Eleições Gerais", disse MacDonald em 1924, "assumiremos o poder a fim de trabalhar" (Miliband, 1975:101). Em contrapartida, sua expectativa repousava na crença de que as reformas eram irreversíveis e cumulativas. Como colocou Layman:

"Os gradualistas imaginavam que o socialismo pudesse ser alcançado através de reformas graduais, cada reforma sendo aceita sem obstruções mais sérias por parte dos conservadores do que aquelas que a oposição trabalhista dava aos governos Tory. Cada reforma permaneceria intocável mesmo com a volta dos 'tones', prontos para serem a base no qual o próximo governo trabalhista reassumiria a construção do Estado Socialista." (1965,142-3).

Assim, o partido assumiria o poder introduzindo aquelas reformas para as quais conseguiria maioria parlamentar, sairia do poder, retornando comum novo mandato delegado pelo eleitorado. "Não esperamos permanecer no poder por muito tempo, mas certamente pelo tempo suficiente para efetuar um bom trabalho que remova muito dos obstáculos que sabemos enfrentar e que restringiriam governos futuros": esta era a intenção do Partido Trabalhista em 1924 (MacDonald, citado por Lyman, 1957:106; para a declaração similar por Branting em 1920, veja Tingsten, 1973: 238). Blum introduziu uma distinção entre "exercício de poder" e "conquista de poder" da seguinte forma: como minoria os socialistas podiam apenas exercer o poder, mas deveriam exercê-lo de uma forma tal que resultaria na sua conquista (Colton, 1953).

O compromisso

Se os socialistas não podiam seguir com um programa imediato de nacionalização, o que fazer nesse ínterim? Poderiam buscar e buscaram medidas "ad hoc" destinadas a melhorar as condições de vida dos trabalhadores: desenvolver programas habitacionais, introduzir o salário mínimo, instituir formas de amparo aos desempregados, impostos sobre a renda e herança, aposentadoria. Tais medidas, favoráveis aos trabalhadores, eram politicamente praticáveis e não causariam choque econômico - davam continuidade à tradição das reformas de Bismarck, Disraeli e Giolitti. Também não modificariam a estrutura da economia nem o equilíbrio das forças políticas.

O fato é que os social-democratas, até a década de 30, não tinham uma política econômica própria. A teoria enconomica da esquerda era de crítica ao capitalismo, de afirmação da superioridade do socialismo; e conduzia a um programa de nacionalização dos meios de produção. Uma vez suspenso este programa - ainda não fora abandonado - não sobrou nenhum programa econômico socialista (Bergounioux e Manin, 1979: 110). O partido socialista comportava-se como todos os outros partidos: com a tendência de beneficiar seu eleitorado, respeitando, porém, os princípios do equilíbrio orçamentário, políticas deflacionárias anticrise, padrão-ouro, e assim por diante. A caracterização do Partido Trabalhista feita por Skidelky é de validade geral: "A cultura política inglesa era relativamente homogênea. Haviam cenas idéias, ou padrões dé pensamento dominantes e que todos os homens sensatos aceitavam. Isto aplicava-se principalmente ao pensamento econômico. Na década de 20, os politicos desenvolviam um saber econômico que era uma espécie de codificação daquilo que assumiriam ter sido uma prática bem sucedida no século 19..." (1970: 6). Sobre Blum é dito que ele "não podia imaginar qualquer estágio intermediário entre a pura doutrina socialista e o livre jogo do capitalismo..." (Wael, 1970: 541) e, ao que parece, sobre ninguém mais. A única teoria conhecida de reformas era a que pregava a nacionalização; nenhuma outra alternativa coerente existia.

Tal alternativa surgiu em resposta à Grande Depressão. Na Suécia, Noruega e, em menor extensão na França, os governos socialistas responderam ao desemprego com uma série de políticas anticíclicas que quebraram a ortodoxia econômica existente. E ainda matéria de controvérsia se as políticas suecas foram desenvolvidas autonomamente, a partir de Marx via Wicksell, ou se foram uma aplicação das idéias já conhecidas de Keynes (Gustafsson, 1973).O fato é que os social-democratas logo descobriram nas idéias de Keynes, particularmente após o aparecimento de sua Teoria Geral, algo que necessitavam urgentemente: uma política distinta para a administração da economia capitalista. A revolução Keynesiana - e isto é o que foi - muniu os social-democratas com uma meta e conseqüentemente com a justificativa do seu papel governamental, e ao mesmo tempo transformou o significado ideológico das políticas distributivas que favoreciam a classe trabalhadora.

De vítima passiva dos ciclos econômicos, o Estado transformou-se, quase da noite para o dia, numa instituição pela qual a sociedade poderia regular as crises, mantendo o pleno emprego. Gustav Moller, o arquiteto do programa para o desemprego, descrevendo a política do governo sueco de 1932, enfatizou que anteriormente a assistência ao desemprego era um "sistema destinado somente a suprir as necessidades mínimas dos desempregados, e não tinha o propósito de impedir a depressão... Dizia-se que os ciclos econômicos seguem leis econômicas naturais, e que a interferência governamental e, no mínimo, inútil e, do ponto de vista econômico, perigosa a longo prazo." (1938: 49). Tanto Moller como Wigforss (1938) descreveram como os social-democratas suecos descobriram que o desemprego pode ser reduzido e a economia estimulada se o estado seguir políticas anticíclicas, permitindo que o crescimento do déficit financiasse a produção pública durante a depressão, sendo que o pagamento das dívidas ocorreria durante os períodos de expansão. A sociedade pode não ficar impotente perante os caprichos do mercado capitalista, a economia pode ser controlada, e o bem estar dos cidadãos pode ser continuamente elevado através do papel ativo do estado: esta foi a nova descoberta dos social-democratas.

E mais: o Keynesianismo não era apenas uma teoria que justificava a participação socialista no governo como também, de maneira ainda mais fortuita do ponto de vista social-democrata, era uma teoria que repentinamente garantia um status universal para os interesses dos trabalhadores, Anteriormente, as demandas para o incremento do consumo eram encaradas como prejudiciais aos interesses nacionais: salários mais altos significavam lucros menores, reduzindo a oportunidade de investimentos e o desenvolvimento futuro. A única resposta concebível à crise seria cortar os custos de produção, isto é, os salários. Em 1929 esta ainda era a visão do Partido Trabalhista. Más, pela lógica da teoria de Keynes, maiores salários, particularmente se a massa salarial aumenta preferencialmente através do aumento da taxas de emprego e não dos níveis salariais (que na Suécia não aumentou até 1936), significavam um aumento da demanda agregada, o que implicaria um incremento das expectativas de lucro, maiores investimentos e, portanto, estímulo econômico..

Influenciada ou não pela obra de Keynes (Collon, 1969:198), a "Front Populaire" da França introduziu, em 1936, uma política onde "Através do aumento salarial, diminuição da jornada semanal de trabalho, um programa de empregos públicos e gastos com viagens e férias... o poder aquisitivo e o consumo aumentariam, a indústria elevaria a produção para atender o aumento da demanda... e a depressão seria superada" (Collon, 1969:190). O aumento salarial deixou de ser visto como impedimento ao desenvolvimento econômico e passou a ser considerado como estimulador. Interesses particulares de curto prazo dos trabalhadores e outros que consumiam a maior parte de sua renda podiam, agora, ser considerados coincidentes com os interesses de longo prazo da sociedade. A defesa corporativista dos interesses dos trabalhadores, uma política social perseguida pelos social-democratas na década de 20, e a estratégia eleitoral para o "povo" encontravam agora numa teoria econômica técnica sua justificativa ideológica. Transformou-se o discurso ideológico; "os custos do serviço de saúde", escreveu Bertil Ohlin (1938: 5),"rcpresentavam investimento no mais valioso dos instrumentos produtivos, o povo. Em anos recentes tornou-se óbvio que isso também é verdadeiro para muitas outras formas de 'consumo' - alimentação, vestuário, habitação, lazer. Desta forma, dá-se ênfase à política social produtiva..." Também houve outra implicação: "A tendência", continua Ohlin, "se dá na direção da nacionalização do consumo, em oposição à nacionalização dos meios de produção do socialismo marxista".

A virada keynesiana logo levou os social-democratas a desenvolver uma ideologia abrangente do "estado do bem estar" (Briggs, 1961). Os social-democratas definiram seu papel como o de modificadores do jogo das forças do mercado, resultando no total abandono do projeto de nacionalização O bom êxito da aplicação dos instrumentos keynesianos era encara como uma demonstração de que a nacionalização - tão cheia de problemas e incertezas como provou ser - não somente era impossível de ser alcancada por via parlamentar mas era simplesmente desnecessária. Keynes escreveu que "ao estado o importante não é assumir a propriedade dos instrumentos de produção. Se o estado é capaz de determinar o montante de recursos destinado a ampliar os instrumentos e a taxa básica de retorno àqueles que os detém, terá cumprido todo o necessário" (1964:378). Wigforss (Lervin, 1975; 286) completa essa argumentação dizendo que a estatização de certas indústrias apenas levaria o governo socialista a se comportar como uma empresa capitalista, sujeito ao "caos do mercado", quando, em contrapartida, um controle indireto peio estado poderia racionalizar a economia como um todo e orientá-la para o bem estar geral.

O suporte teórico dessa nova perspectiva foi a distinção entre o conceito de propriedade Como atividade administrativa e o de propriedade como possessão legal. Bernstein já dizia que "a base da socialização é colocar a produção, o processo econômico, sob o controle público" (citado por Korsch, 1975:65). Em vez do controle direto, o estado poderia atingir todos os objetivos socialistas influenciando o setor privado a se comportar de acordo com os interesses gerais. "A essência da nacionalização", escreveu Man em 1934 (Bergouhioux e Manin, 1979:114), "é menos a transferência da propriedade do que a transferência da autoridade...". Se o estado pudesse, quando necessário, regular a indústria privada e se pudesse atenuar os efeitos do livre jogo das forças do mercado, então a estatização seria desnecessária e desaconselhável: este tornou-se o lema dos social-democratas, após a revolução keynesiana.

Concluindo, como governos de minoria incapazes de implantar o programa socialista, em meados da década de 30,,a social democracia encontrou uma política econômica distinta que justificava o seu papel no governo, que especificava um conjunto de reformas intermediárias que podiam ser efetuadas com sucesso nos marcos do capitalismo, e que municiavam diversos países com uma plataforma eleitoral eficaz. Arrebatados nos anos 20 por uma posição de "tudo-ou-nada", os social-democratas descobriram um novo caminho para as reformas, abandonando o projeto de nacionalização pelo do bem estar geral. O novo projeto envolvia um compromisso fundamental com os que ainda eram denunciados como explorados, considerado economicamente viável, socialmente benéfico, e, talvez o mais importante, politicamente praticável sob condições democráticas.

O abandono do reformismo

O abandono do programa de nacionalização dos bens de produção não implicou que o estado nunca se envolvesse em atividades econômicas. Em países ocidentais contemporâneos, de 5 a 20% do produto bruto tem sido produzido por empresas nas quais o estado de alguma forma é proprietário único (Le Monde, 1977). As formas como este "setor público" desenvolveu-se são variadas demais para serem descritas aqui. Na Itália e Espanha o setor público é principalmente um legado fascista; na Áustria consiste predominantemente no confisco de propriedades alemãs; na Grã-Bretanha e França uma onda de nacionalização seguiu a Segunda Guerra Mundial. Nacionalizações radicais - transferência de companhias privadas já existentes para as mãos do estado - foram muito raras, mas em diversos países o estado desenvolveu atividades econômicas próprias. Em muitos países as empresas públicas têm o mesmo status legal e operam com a mesma lógica das empresas privadas; o estado é simples acionista. Na Itália, Grã-Bretanha e França as empresas estatais têm sido usadas ocasionalmente como instrumentos de política econômica. Apesar destas variações, a base filosófica da propriedade pública é a mesma: os social-democratas estão comprometidos com a livre empresa sempre que possível e com a propriedade pública quando necessário.

É característico que as empresas estatais estejam limitadas a instituições de crédito, carvão, ferro e aço, produção e distribuição de energia, transporte e comunicação. Fora esses setores, apenas as companhias ameaçadas de falência, com conseqüente diminuição de empregos, passam às mãos públicas. Casos em que o estado esteja envolvido na produção e venda de produtos de consumo final são extremamente raros e parecem estar limitados à indústria automobilística. O estado ocupa-se das atividades econômicas necessárias à economia como um todo e vende seus produtos e serviços principalmente para empresas privadas. Estas, por sua vez, vendem aos consumidores. Assim, o estado não compete com o capital privado e sim fornece os inputs necessários ao funcionamento lucrativo da economia como um todo.

Esta divisão entre o estado e o mercado tem sido cultivada pela "teoria do estado dos bens públicos" (Samuelson, 1966; Musgrave, 1971). Esta teoria assume que o mercado capitalista é uma forma natural de atividade econômica; aceita-se o mercado existente e suas leis tal como são. Supõe-se que o papel do estado fique limitado a prover os chamados "bens públicos"; aqueles que são indivisíveis e que, se fornecidos, os são para todos. É apropriado ao estado construir vias públicas e treinar a mão-de-obra: empresários privados racionais não fornecerão tais coisas pois não podem impedir o uso público de vias públicas ou as pessoas de venderem aos concorrentes suas novas aptidões. Assim, supõe-se que o papel do estado fique limitado às atividades que não são lucrativas para empresários privados, mas necessárias ao conjunto da economia. É verdade que em diversos países o estado envolve-se na produção de bens privados - carvão e aço - mas também aqui ocorreu, com raras exceções, â transferência ao setor público quando e porque estas indústrias eram deficitárias, sob as condições da concorrência internacional. De fato, estas eram as indústrias de mais fácil nacionalização e manutenção pelo setor público, visto que seus proprietários não tinham razões para lutar contra a nacionalização de uma indústria deficitária.

Desta forma, a estrutura do sistema capitalista construída pelos social-democratas revelou o seguinte: (1) o estado opera aquelas atividades não lucrativas porém necessárias à economia como um todo; (2) o estado regula, principalmente através de medidas anticíclicas, a operação do setor privado; e (3) o estado atenua, através de medidas sociais, os efeitos de distribuição da operação do mercado.

As atividades regulativas do estado baseiam-se na crença de que os capitalistas privados podem ser induzidos a alocar recursos da maneira desejada pelos cidadãos e expressa pelo eleitorado. A concepção básica é que na democracia capitalista os recursos são alocados através de dois mecanismos: o "mercado", no qual o peso das preferências de quem decide é proporcional aos recursos que controlam, e o estado, no qual o peso das preferências é distribuído igualmente entre os cidadãos. A essência da social-democracia contemporânea é a convicção de que o mercado pode ser direcionado para alocar aqueles bens, públicos ou privados, que são preferidos pelos cidadãos e que, ao racionalizar gradativamente a economia, o estado pode transformar os capitalistas em funcionários privados do público sem alterar o status jurídico da propriedade privada.

A intervenção do estado na economia deve ser guiada pelos critérios de eficiência, que são muito distintos de um interesse pela justiça. A noção de eficiência é independente de quaisquer considerações de ordem distributiva. Uma eficiente alocação de recursos - à luz do critério entendido como técnico, que está acima de diretrizes políticas - é aquela na qual ninguém pode ser favorecido sem que haja o prejudicado. Sob tal situação algumas pessoas podem estar em melhores condições do que as outras, porém o problema da distribuição é, deste ponto de vista, melhor administrado quando tratado ex-post. Assim a política social dos social-democratas consiste, geralmente, em mitigar os efeitos da distribuição dos recursos, guiada pelo critério da eficiência. Esta política não visa transformar o sistema econômico mas sim corrigir os efeitos de sua operação.

Tendo assumido-o compromisso de manter a propriedade privada dos meios de produção, para assegurar a eficácia e atenuar os efeitos distributivos, a Social Democracia deixou de ser um movimento reformista (veja as posições de Brandt em Brandt, Kreisky e Palme, 1976). O reformismo sempre significou um progresso gradual em direção às transformações estruturais; tradicionalmente o reformismo era justificado pela crença de que reformas eram cumulativas, que constituem passos, que levam a algum lugar. A política atual dos social-democratas pela sua própria lógica não permite mais a acumulação de reformas.

O abandono do reformismo é conseqüência direta das próprias reformas executadas. Desde que o estado está envolvido quase exclusivamente nas atividades não lucrativas, do ponto de vista capitalista, está privado dos recursos necessários à continuidade do processo de nacionalização: se as indústrias de propriedade pública fossem as mais rentáveis, então o lucro poderia ser empregado para a aquisição ou desenvolvimento de outras indústrias. Mas tendo se envolvido com setores deficitários, os social-democratas minaram sua própria capacidade de estender gradualmente o domínio do setor público. Ainda, os efeitos ideológicos não podem ser negligenciados. Criou-se uma situação em que o setor público é notoriamente ineficiente, pelo critério capitalista, e o resultado foi o impedimento da expansão do Estado. Isto é, as empresas que entraram para o setor público foram as mais ineficientes dentro do critério capitalista e agora aparentam ser ineficientes justamente por serem públicas. Assim, a principal preocupação de todos os governos, socialistas ou não, é a redução dos custos, o que por sua vez significa que as indústrias públicas sequer podem ser utilizadas como instrumentos de política macroeconômica - contendo, por exemplo, os preços do aço para reduzir pressões inflacionárias.

Ao mesmo tempo, tendo fortalecido o mercado, os social-democratas perpetuam a necessidade de atenuar os efeitos distributivos da sua operação. As reformas sociais sequer precisam ser "desfeitas" pelos governos burgueses. Basta permitir que o mercado opere por si mesmo durante um período qualquer de tempo em que as desigualdades crescem, o desemprego flutua, as mudanças de demanda no mercado de trabalho expõem novos grupos ao empobrecimento, etc. Como Martin observou sobre a Grã-Bretanha, "a estrutura básica do estado de pleno emprego' não provou ser tão duradoura confio previam as análises de Crosland. Entretanto, isto não ocorreu à ação desarticuladora dos governos conservadores entre os anos 1951 e 1964. Para desmantelar o estado de pleno emprego; bastou ao governo conservador nada fazer para impedir tais processos" (1975:28). A mitigação não se converte em transformação: de fato, sem transformação o ato de mitigar se perpetua. Os social-democratas encontram-se na mesma situação que Marx atribuiu a Louis Bonaparte: suas políticas parecem contraditórias, desde que são coagidas a fortalecer a capacidade produtiva do capital e, ao mesmo tempo, contra-atacar seus efeitos.

O resultado final desta orientação é que os social-democratas acham-se outra vez sem uma alternativa própria, distinta, para enfrentar a crise do sistema internacional. Quando estão no poder são forçados a se comportar como qualquer outro partido, confiando nas medidas anti-inflacionárias e de corte de custos para assegurar a lucratividade do setor privado e a capacidade de investimento. Não é surpreendente que medidas visando a ampliação da democracia no local de trabalho - a mais recente redescoberta dos social-democratas (Brandt, Kreisky e Palme, 1976) - façam eco à postura do movimento nos anos 20, período em que a esquerda também carecia de uma concepção econômica própria. Essas medidas não resolverão os problemas econômicos mais candentes. Resta saber se a atual crise internacional não prejudicará seriamente as bases eleitorais da social democracia.

As bases econômicas da conciliação de classe

Tão logo compuseram governos - depois que a Primeira Guerra Mundial acabou - os social-democratas descobriram que a preocupação com a justiça não era imediatamente compatível com o objetivo de aumentar a produtividade. Nas palavras de Wigforss: "Porque a Social Democracia trabalha por uma distribuição mais igualitária e mais justa da propriedade e da renda, não deve nunca esquecer que há que produzir antes de ter o que distribuir" (Tilton, 1979: 516). A preocupação em restaurar e ampliar rapidamente a capacidade industrial dominou os primeiros debates na Alemanha e Suécia sobre a socialização da indústria (Maier, 1979: 194; Tingsten, 1973: 230). A justa distribuição da pobreza não era certamente o que os socialistas prometiam, e para elevar a riqueza geral os social-democratas tinham que concentrar seus esforços no incremento da produtividade.

Entretanto, sem a nacionalização dos meios de produção, aumentos de produtividade requerem a lucratividade da empresa privada. Enquanto o processo de acumulação for privado, toda a sociedade depende da manutenção dos lucros e do destino que o capitalista dá a estes lucros. Assim, a eficiência dos social-democratas - e de qualquer outro partido -, em controlar a economia e atenuar os efeitos sociais, depende da lucratividade do setor privado e da cooperação dos capitalistas. A própria capacidade dos social-democratas regularem a economia depende dos lucros do capital. Esta é a barreira estrutural que não pode ser quebrada: o limite de qualquer política é que, a longo prazo, os investimentos - e portanto os lucros - devem ser protegidos. Como os lucros são privados, a decisão dos capitalistas quanto ao volume e à direção dos investimentos condicionam a eficiência das intervenções do estado e devem ser previstas. O estado que intervém na economia depende da ação capitalista para seus recursos fiscais, para informações, para ser capaz de elaborar políticas e planos, para ser capaz de oferecer serviços sociais, e assim por diante. Além disso, o próprio apoio eleitoral de qualquer governo depende da ação dos capitalistas. Quando vota em um partido, o povo não vota exclusivamente por "bens públicos": vota contra o governo quando sua renda pessoal cai ou quando sobe a taxa de desemprego (Kramer, 1971; Stigler, 1973). Assim, qualquer partido depende do capital privado até mesmo para sua sobrevivência eleitoral.

Qualquer governo numa sociedade capitalista depende do capital (Off e Runge, 1975:140). A natureza das forças políticas que sobem ao poder não afeta essa dependência, pois ela é estrutural: uma característica do sistema e não dos ocupantes do governo, os vencedores das eleições. Estar "no poder" dá pouco poder: os social-democratas estão sujeitos à mesma dependência estrutural, tanto quanto os outros partidos.

O compromisso dos social-democratas com o capital é, portanto, uma expressão da própria estrutura da sociedade capitalista. Uma vez que a propriedade privada dos meios de produção permaneceu intacta, a apropriação dos lucros pelos capitalistas tomou-se algo do interesse dos assalariados. No capitalismo os lucros de hoje são a condição para os investimentos e, portanto, para a produção, o emprego e o consunto de amanhã. Como colocou o primeiro-ministro Schmidt, "os lucros das empresas hoje são os investimentos de amanhã, e os investimentos de amanhã são os empregos de depois de amanhã." (Le Monde, 6 de julho de 1976). Esta expectativa - que os lucros correntes pudessem ser transformados em melhorias futuras dos assalariados - tornou-se o fundamento da adesão dos social-democratas ao capitalismo. Os social-democratas consentem no direito dos capitalistas em se apropriarem de parte da produção social porque espera-se que os lucros aquinhoados pelo capital sejam poupados, investidos, transformados em capacidade produtiva, e parcialmente distribuídos para outros grupos sociais. Assim, tal consentimento tem uma base econômica: é reflexo dos interesses materiais dos assalariados dentro da sociedade capitalista.

Os social-democratas protegem os lucros das demandas das massas porque políticas redistributivas extremas são contrárias aos interesses dos assalariados. Não havendo reprodução, o sistema capitalista é projetado de tal forma que se os lucros são insuficientes, então os níveis de salário ou emprego devem cair. As crises do capitalismo não interessam a ninguém materialmente: são uma ameaça aos assalariados, uma vez que o capitalismo é um sistema no qual as crises recaem sobre suas costas.

É por isto que os social-democratas trocam a abolição da propriedade privada dos meios de produção pela cooperação dos capitalistas em aumentar a produtividade e distribuir os ganhos. É por isto que os social-democratas tentam hão apenas reproduzir o capitalismo como também esforçam-se por melhorá-lo, mesmo contra a vontade dos capitalistas. A nacionalização dos meios de produção provou ser eleitoralmente impraticável; políticas redistributivas radicais resultam em crises econômicas, que por sua vez não interessam aos assalariados; e a riqueza global pode ser aumentada, se se convence os capitalistas a cooperar e se se educa continuamente os assalariados a esperar.

A social-democracia e o socialismo

Os social-democratas não conduzirão as sociedades européias ao socialismo. Mesmo que os trabalhadores preferissem viver sob o socialismo, o processo de transição necessariamente levaria a uma crise antes que o socialismo pudesse ser organizado. Para alcançar picos mais elevados tem-se de atravessar um vale, e esta descida não pode ser completada sob condições democráticas.

Suponha que os social-democratas vençam as eleições e tentem usar sua posição para uma transição democrática ao socialismo. Dada a estrutura da sociedade capitalista, tal vitória eleitoral é possível somente com a obtenção do apoio de diversos grupos: trabalhadores da indústria, funcionários não-produtivos, pequena burguesia, produtores rurais, donas de casa, aposentados e estudantes. Assim, pressões por melhorias materiais significativas irrompem de diversos setores. Salários, principalmente os salários mínimos (sueldo vital no Chile, SMIC na França), devem ser elevados. Deve haver diminuição do desemprego. O crédito para pequenas empresas e propriedades rurais produtivas deve tornar-se mais barato e exposto a um risco maior. Estas demandas podem ser financiadas por: (1) redistribuição de renda (através de taxações diretas e da redução das disparidades salariais); (2) utilização da capacidade ociosa; (3) gastos das reservas de divisas estrangeiras ou empréstimos; e/ou (4) redução da taxa de lucro (Kolm, 1977). A soma das três primeiras medidas serão insuficientes para atender a demanda. Redistribuição das altas rendas tem pouco efeito quantitativo e não pode descer muito na escala salarial sem ameaçar o apoio eleitoral dos assalariados. Quando a capacidade ociosa é repentinamente ativada ocorre um estrangulamento, e esta rapidamente se esgota. Recursos externos devem ser gastos com cuidado para não deixar a moeda à mercê dos credores estrangeiros. Ainda, mesmo que as contas estejam equilibradas em termos monetários, uma economia organizada para produzir certos bens e serviços não pode ser transformada abruptamente para atender novas demandas de bens de consumo.

Forçados a pagar salários mais altos e manter o nível de emprego acima do nível de eficiência, os capitalistas podem responder apenas com aumento nos preços dos bens de consumo. A inflação também é alimentada pelas dificuldades da balança de pagamentos resultantes da necessidade de importar bens de consumo e de pressões especulativas. Assim ocorre inflação ou, se os preços são controlados, escassez; o mercado negro se organiza, e assim por diante. Eventualmente os aumentos nominais de salário são corroídos, como na França em 1936 (Kalecki, 1936), Chile e Portugal.

Em circunstancias normais pode-se esperar que o aumento da demanda agregada estimule o investimento e o nível de emprego. Medidas de redistribuição, mesmo que incluam emissão inorgânica, são geralmente em basadas não só por intenções de justiça mas também de eficiência. Com a elevação do poder aquisitivo das faixas mais baixas de renda, há o aumento da demanda por bens de consumo. A utilização da capacidade ociosa e de reservas estrangeiras são vistos como um modo de estabilizar os preços frente à elevação da demanda durante o curto período anterior à retomada de investimentos e de uma previsível expansão do abastecimento. É de se esperar que os lucros provenientes de um volume maior de vendas sejam reinvestidos e que, assim, a economia seja estimulada a crescer com mais velocidade. Este foi, por exemplo, o programa Vuskovic no Chile - até razoável em circunstâncias normais.

Tal programa, no entanto, não pode ser bem sucedido quando demandas econômicas crescem espontaneamente e são acompanhadas de transformações estruturais. Nestas circunstâncias, reivindicações salariais tendem a se tornar confiscatórias, e os capitalistas, a temer que estas sejam atendidas, ou no mínimo, toleradas pelo govemo. Como colocou Bevin,"estaremos na situação de ter que ouvir os apelos do nosso próprio povo" (Lyman; 1957:219), O aumento da intervenção governamental significa que uma racional idade não característica do mercado é imposta ao processo de acumulação, isto é, os capitalistas são forçados, a fazer alocações de recursos fora da lógica do lucra Medidas de nacionalização, distribuição de terras e monopolização do crédito e da taxa de câmbio pelo Estado ameaçam a instituição do lucro privado. Sob tais circunstâncias, um capitalista racional não fará investimentos. São desnecessárias articulações políticas ou conspirações: empresários racionais não investem se o retorno esperado for nulo ou negativo e quando o risco é alto.

No entanto, a produção deve continuar: nas palavras de Kautsky, "se a produção não continuar a sociedade inteira perecerá, incluindo o proletariado". "O proletariado vitorioso", continua Kautsky, "não somente tem todas as razões para facilitar a continuidade da produção capitalista, quando a imediata socialização for desaconselhável, como também deve impedir que a socialização provoque uma crise econômica" (1925: 273). Mas capitalistas cujos meios de produção estejam a salvo da socialização durante um determinado tempo não investirão por receio de que o momento da socialização virá. É por isso que Lange (1964: 125) pensava que a nacionalização deveria ser feita de "um só golpe": "um governo socialista que pretenda de fato o socialismo tem que aplicar seu programa de socialização de uma só vez, ou abandoná-lo inteiramente. A própria tomada de poder por tal governo causará pânico financeiro e colapso econômico. Assim, o governo socialista deve garantira imunidade da propriedade e da empresa privada para permitir o funcionamento normal da economia capitalista, abandonando seu objetivo socialista, ou seguir com seu programa de socialização à máxima velocidade."

Mesmo que o governo socialista seja resoluto, fazendo inclusive todas as tentativas para tranqüilizar pequenos empresários e proprietários, como recomenda Lange, a transformação das relações de produção será acompanhada por uma crise econômica. A pressão da demanda opera tanto em relação às empresas públicas quanto privadas. Mesmo que aquelas empresas sejam autogeridas, para ambas será ainda melhor cobrar altos preços pelos seus produtos. A rigidez que impede o deslocamento repentino para a produção de bens de consumo é física, não meramente organizacional. Além do mais, a nacionalização gera problemas econômicos por si mesma. Se era ou não uma estratégia política deliberada, como sustentam Bologna (1972) e Marglin (1974), o fato é que a produção capitalista reorganizou-se na esteira do movimento dos conselhos, na medida em que os produtores imediatos enquanto classe perderam a capacidade de dirigir por sua própria conta o sistema de produção. A classe operária era caracterizada por Marx não apenas por sua exploração mas também por sua capacidade dê organizar, em escala social, o sistema socialista de produção.

Mas, ainda que isso seja verdade, não é mais possível aos produtores imediatos assumirem automaticamente o controle sobre o processo de produção social: talvez qualquer cozinheira possa ser ensinada como administrar a sociedade socialista, porém um longo período de aprendizado é necessário. A transformação socialista exige uma capacidade administrativa e organizativa que não pode ser adquirida da noite para o dia. Não existem modelos e a experiência é limitada. Aprender por tentativa e erro, com todos os tropeços envolvidos, é inevitável.

Uma transição ao socialismo forçosamente gerará uma crise econômica. Os investimentos caem acentuadamente, preços aumentam, e os ganhos nominais de salários são corroídos, com possível queda da produção, retração da demanda e o ressurgimento do desemprego como principal problema. O que não é factível, portanto, é o programa enunciado por Allende, quando diz que "o modelo político para a transição ao socialismo que meu governo está aplicando requer que a revolução sócio-econômica realize-se simultaneamente com uma expansão econômica ininterrupta" (De Vylder, 1976:53). O que não é possível é a concretização da crença de Blum "que uma melhor distribuição... reanimaria a produção e ao mesmo tempo realizaria a justiça" (Weill e Raynal, 1956:54). O que não é possível é uma transição ao socialismo que comece com "une argumentation substantielle des salaires et traitement..." (Parti Socialiste Français, Parti Communiste Français, 1972:III).

Defrontados com uma crise econômica, ameaçados com a perda de apoio eleitoral, preocupados com a possibilidade de uma contra-revolução fascista, os social-democratas abandonam o projeto de transição ou ao menos ficam à espera de tempos mais auspiciosos. Encontram coragem para explicar aos trabalhadores que é melhor ser explorado do que criar uma situação que contém riscos que podem se virar contra eles. Recusam-se a empenhar seu futuro numa piora da crise. Dispõem-se ao compromisso, e a defenderem-no perante os trabalhadores. A questão que permanece é saber se existe um caminho de escapar à alternativa traçada por Olof Palme: "Retornar a Stalin e Lenin ou tomar o rumo da tradição social-democrata"(Brandi, Dreisky, Palme, 1976: 120).

Tradução: Maria Leopoldina Rezende e Diana Cohen

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    Este é o primeiro capítulo do livro "Capitalism and social democracy" do autor.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Out 1988
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