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Falsa consciência como força produtiva: Nota sobre marxismo e filosofia no Brasil

REFLEXÕES SOBRE O MARXISMO

ARTIGOS

Falsa consciência como força produtiva. Nota sobre marxismo e filosofia no Brasil

Paulo Eduardo Arantes

Professor de Filosofia da Universidade de S. Paulo

Marxismo e filosofia nunca se entenderam, mesmo quando se acertaram nas tantas simbioses que caracterizam a história desse desencontro. Na geografia do marxismo, uma variedade delas é brasileira e haverá por certo interesse em estudá-la do ângulo que mais adiante procurarei apresentar. Assim, gostaria de voltar mais uma vez ao assunto1 1 Cf. Paulo Eduardo Arantes, "Um capítulo brasileiro do marxismo ocidental -Reconstruindo a dialética com Ruy Fausto", in Folhetim, Folha de São Paulo, 19 de junho de 1983; id., "O Bonde da Filosofia - Aspectos da cultura filosófica uspiana nos últimos anos da Rua Maria Antonia (1965-1968)", in Maria Antonia: uma rua na contramão, org. de Maria Cecilia L. dos Santos, Nobel, São Paulo, 1988, em part. pp. 202-210. , reformulando em conseqüência o prisma sob o qual enquadrar a situação equívoca da filosofia no interior do marxismo.

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Cultura filosófica e marxismo não chegaram ao Brasil pelos mesmos caminhos. Nem poderiam: enquanto o verniz da primeira só se adquire no colégio, o segundo perde sua razão de ser longe da luta de classes e do gênero de intervenção intelectual que ela requer - um golpe de vista dirigido à gravitação de conjunto do processo, em princípio incompatível com a necessária compartimentação de que depende a especialidade universitária na qual se converteu, a filosofia. Não é menos verdade contudo que um e outro precisaram atravessar o oceano, mas não o fizeram na mesma época nem poderiam ser mais disparatados os respectivos destinatários: a classe operária e suas organizações, a elite dominante interessada na modernização da instrução pública. Bem ou mal, o movimento operário já estava na rua fazia tempo quando em meados do decênio decisivo de 30 organizou-se, finalmente, nossa volátil curiosidade filosófica na forma de cursos superiores de que se encarregaram professores franceses, especialmente convocados pela recém-fundada Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Mesmo assim, de costas um para o outro, o acanhamento do meio e o artifício do transplante, sobre o fundo de um país anômalo, afetavam por igual marxismo e filosofia. De um lado, o despropósito bem conhecido da transplantação chapada da seqüência escravismo-feudalismo-capitalismo para um país de passado colonial moderno, acrescida, no plano especulativo, do enxerto do marxismo soviético. Do outro, o risco permanente de irrelevância, agravado pela vida de estufa levada pela filosofia universitária que estávamos aclimatando.

Tudo isso não obstante, os caminhos de marxismo e filosofia acabaram se cruzando por obra e graça do inesperado pendor antioligárquico da cultura uspiana. Na virada dos anos 50 para os 60, deu-se enfim o encontro uspiano da filosofia universitária francesa com o marxismo, sem exagero um episódio notável em nossa vida mental. Precipitado em parte por uma razão escolar muito simples, embora não tenha sido nada simples o caminho internacional percorrido pelo marxismo até a cátedra: porque não havia cursos especializados sobre Marx na Faculdade, alguns professores e alunos mais adiantados resolveram se reunir para ler O Capital. Tratava-se de um encontro marcado sobretudo pelo propósito de rever integralmente as interpretações do país e do marxismo: não ocorreria a ninguém deixar por menos, pois naquela época, na lembrança de um veterano, quem entrava para a Faculdade de Filosofia era porque queria no mínimo mudar o Brasil. Sem favor algum, com o passar dos anos acabou surgindo daquele embrião meio improvisado não os quadros de uma Revolução que não houve, mas o que ainda existe de menos dogmático, mais inventivo e original no ensaio marxista de interpretação da experiência brasileira. Como era de se esperar, a iniciativa partiu dos assim chamados cientistas sociais, neles incluídos historiadores, economistas, eruditos em história do marxismo e até mesmo críticos literários que haviam sabiamente tomado o atalho da sociologia, enfim - o núcleo mesmo da cultura "radical" uspiana. Ocorre que a filosofia também figurava entre as especialidades convocadas, em todo o caso um ponto de vista obrigatório, considerando-se o tradicional foco de controvérsia epistemológico-doutrinária em que se convertera O Capital.

Em resumo, da plataforma da nova geração uspiana constava: repúdio ostensivo do marxismo dito soviético, inclusive por uma questão de política cultural, saneando a cultura marxista local, cuja independência, a ser preservada, construíra-se no entanto à base de falsas analogias e muita regressão teórica -enfim, desasnar os marxistas brasileiros, como se propôs então, com a natural fatuidade dos recém-chegados ao circuito universitário internacional; em conseqüência, não parecendo razoável mandar às favas, sem mais, um século de ciência social acadêmica, rejuvenescer o marxismo, que de catecismo voltaria a ser forma inspiradora de conhecimento vivo, graças também ao esforço de legitimá-lo no terreno adverso da respeitabilidade científica; e como ponto de partida e horizonte conclusivo, refazer radicalmente o diagnóstico da síndrome brasileira de origem, do complexo colonial à nossa inserção oblíqua e subordinada no sistema mundial do capitalismo contemporâneo. Se tudo corresse bem, cedo ou tarde o resultado se apresentaria sob a forma de uma plataforma de observação que, reunindo o particular ao geral, converteria a situação calamitosa de dependência em ponto de vista objetivo com voz no capítulo.

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Isso posto, nosso problema consiste em situar nos seus devidos termos a parceria da filosofia nesse programa de reforma da inteligência progressista nacional. Por razões locais de formação seria de se esperar que ela se resumisse a um discreto papel de retaguarda, mais condizente com seu lugar subordinado na evolução de conjunto da cultura brasileira, e uspiana em particular.

Explico-me brevemente. Num país de passado colonial como o nosso, a vida ideológica sempre girou em torno da elaboração mental (e jurídico-administrativa) da imagem que melhor revelasse - ou mascarasse - a fisionomia do país. Não se prestando a tal figuração, na qual tanto se empenhou nossa tradição literária e depois a prosa livre do ensaio de decifração do caráter nacional e seus complexos, a filosofia universitária não encontrou entre nós nenhuma linha evolutiva na qual engrenar e renovar seus assuntos. A rigor tornou-se um enxerto sem passado, ao contrário do ocorrido com as novas ciências sociais, que logo passaram à linha de frente dos estudos uspianos. Segundo Antonio Cândido, pelo seguinte: na esteira da Revolução de 30 havia no ambiente uma forte solicitação pelos estudos que acelerassem a redescoberta em marcha da "realidade brasileira"; e também por tradição: herdada dos juristas-filosofantes do oitocentos, acabou prosperando entre nós uma espécie de fórmula brasileira de Sociologia, composta de muita retórica, panoramas intuitivos do passado e pontos de vista preconceituosos sobre o presente desolador, arrematado o conjunto por vagos programas de reforma política; faltava dar o passo decisivo na direção da maioridade científica, com a modernização da teoria e a ênfase na pesquisa empírica. Mais uma vez a preponderância do influxo externo voltou a se exercer a nosso favor: ao mesmo tempo em que se estudava, ou melhor, em que se aprendia a estudar teoria sociológica clássica, aprendia-se igualmente a inquirir metodicamente a realidade social próxima, a tal ponto de fusão que a famigerada "sociologia burguesa", importada como reforço ideológico, acabou gerando uma "silenciosa revolução intelectual que deslocou o eixo dos estudos sobre a sociedade brasileira"2 2 Cf. Antonio Cândido, "A Sociologia no Brasil", in Enciclopédia Delta Larousse, E. Delta, Rio de Janeiro, 1960, vol, 5, pp. 2216-2232; id., A Faculdade no Ano da Abolição, Aula Inaugural da F.F.L.C.H. da USP, ano letivo de 1988. . Órfã de formação, o terreno preparado por aquela "grande rotação de mentalidade" ainda era para a filosofia inteiramente baldio. Salvou-a da natural atrofia do confinamento escolar a intromissão do marxismo.

Deu-se então o disparate imprevisível, assim registrado, muitos anos depois, nas palavras (que pedem grifo) de um remanescente insuspeito de parcialidade: "foi a partir de interpretações não baseadas na economia e na história, mas sim na filosofia, que fomos buscar elementos para uma análise dialética de processos sociais reais"3 3 Fernando Henrique Cardoso, prefaciando em 1977 urna segunda edição de Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, Paz e Terra, Rio de Janeiro, p. 13. , ilusão retrospectiva? O mundo novamente de cabeça para baixo? Custa a crer, mas os depoimentos convergem. Mais que tudo, custa a crer que tenha sido imprescindível, naquele momento de redescoberta concomitante do marxismo e do Brasil, justamente o concurso da filosofia universitária francesa que havíamos transplantado - em boa hora então.

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Até hoje, para muitos veteranos do Seminário Marx filosofia é explicação de texto (filosófico, evidentemente) especializada em questões de método. Noutras palavras, os filósofos que conheceram atuando na leitura em conjunto do Capital eram antes de tudo profissionais que estudavam metodicamente filosofia. Inútil lembrar que tudo era francês: métodos, técnicas e temas. Como também as duas disciplinas básicas: a História da Filosofia, professada segundo o velho princípio espiritualista da "compreensão interna" porém na sua derradeira versão, dita "estruturalista", entre outras coisas, por neutralizar a questão da verdade material das doutrinas, em favor de sua significação arquitetônica-argumentativa; e a Epistemologia, dominada na época pelo magistério de Gilles-Gaston Granger, cuja filosofia do Conceito antecipava em mais de um ponto a nova filosofia francesa dos 60. Ora, os filósofos presentes simplesmente cumpriram com a obrigação, a julgarmos pelo único protocolo do Seminário, redigido e publicado por Giannott4 4 J.Arthur Giannotti, "Notas para uma análise metodológica de O Capital", in Revista Brasiliense, nº 29, 1960. . Isto é, começaram a ler O Capital como Guéroult ou Goldschmidt explicavam Platão ou Descartes - neste despropósito consistiu justamente a revelação - um método talhado para o andamento linear da teoria tradicional mostrava-se capaz de fazer falar o seu contrário, uma técnica suspensiva a serviço de um pensamento que proíbe a separação de conhecimento e interesse, discurso e contexto prático. Digamos que a intenção fosse atinar com a Dialética viva sem precisar chamá-la pelo nome: um procedimento descabido como aquele primava justamente pela desenvoltura com que desconsiderava as alegações de princípio do Autor, no caso um século de marxismo dogmático (o ocidental incluído), em nome das "articulações do método em ato", uma técnica de rastreamento que se aprende na escola. Imaginemos a reviravolta: observando em funcionamento uma forma de raciocínio que na abordagem de uma obra fora de esquadro como O Capital se recusava a distinguir as teses dos movimentos que as produziram (como se dizia na língua de Goldschmidt), os marxistas ali presentes eram praticamente convidados a admitir que de fato não fazia sentido a existência em separado nem de uma Doutrina Marxista nem de um Método Dialético. Nessas condições a Dialética foi redescoberta: juntando o que fora concebido para trilhar caminhos opostos.

Sob o nome de filosofia, a especialidade que de fato atendeu à convocação de leitura do Capital era naquela época mais um Método partilhado por todos do que um conjunto de preferenciais especulativas, que também existiam. Assim, Giannotti era fenomenólogo de vocação, confirmada em recente viagem à Europa, porém epistemólogo preparado pelo ensino de Granger, que por sua vez era inimigo de morte dos adeptos da Erlebnis-, enquanto seu colega mais velho procurava trazer o marxismo para uma ontologia (regional) do ser social, Bento Prado Jr. pensava fundá-lo através de uma antropologia existencial, como vinha exposta na recém-publicada Critique de la Raison Dialeclique, por certo muito mais interessado em dar razão a Sartre do que em reanimar os estudos brasileiros de Marx. Por seu lado, Ruy Fausto já devia andar planejando uma reconstrução lógico-filosófica da Dialética. Em ordem dispersa, os mais variados projetos filosóficos estavam no forno, todos porém convencionais, sobretudo se comparados à índole da obra que estava sendo lida.

O Método em questão fora concebido para inibir a crítica (desmando dogmático) e investigação genética (também uma violência, um atentado à autonomia do discurso filosófico), mas funcionava segundo uma técnica de distanciamento que reintroduzia o materialismo na forma de se comportar diante das idéias. Dito de outro modo: a especulação filosófica permanecia confinada no caminho de cada um, embora falassem sempre em nome dela (a obra futura)... enquanto era posta no serviço do Seminário uma segunda natureza mais funda que o verniz filosófico de cada um - a rotina intelectual que aos poucos se formara na antiga cadeira de Filosofia da Faculdade; urna certa vida mental bem educada que, entregue a si mesma, em virtude da divisão do trabalho que lhe dera origem, não poderia mesmo ir muito longe. Posta entretanto em contacto com materiais de outra voltagem acabou revelando um potencial produtivo com o qual, em sã consciência, ninguém mais contava.

O que se passou de fato? Associado a um novo ciclo explicativo do Brasil, impulsionado pela paradoxal renovação universitária do marxismo - não um repertório de tópicos filosóficos consagrados, nem mesmo à mobilização criteriosa de novas variedades do marxismo filosófico, mas um experimento intelectual irrecusavelmente materialista, como convém denominar o que ocorreu naquela ocasião, no que concerne às relações entre marxismo e filosofia: uma verdadeira socialização da força de pesquisa e reflexão acumulada coletivamente pelos professores de filosofia ao longo dos anos de formação do respectivo Departamento uspiano5 5 Adapto livremente, com acréscimos, uma fórmula empregada por Roberto Schwarz ao caracterizar a Universidade como uma "máquina de suscitar e anular pensamento", cf. R. Schwarz (org.), Os Pobres na Literatura Brasileira, Brasiliense, São Paulo, 1983, p. 8. . Se isto é fato, o argumento terá conseqüências do ponto de vista da aliança entre marxismo renovado e redescoberta do Brasil. Uma vez desperta, em virtude da referida socialização, a força produtiva que dormitava na forma filosófica (resultado histórico e técnica intelectual de precisão), tudo indica na experiência brasileira recente que ela volta a hibernar, quem sabe até a próxima convocação, entretendo-se consigo mesma num mundo de fantasia sem proveito.

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Duas palavras sobre a inversão de expectativas que nos serve de título. Pensando justamente nos vários momentos de convergência e divergência entre marxismo e filosofia, invariavelmente marcados pelo signo do malentendido permanente, Habermas observou certa vez que de fato os teóricos marxistas nunca hesitaram em alinhar ciência e técnica do lado das forças produtivas, relegando normas morais, relações jurídicas, instituições políticas, formas estéticas, etc. à vala comum da ideologia, mas em compensação sempre oscilaram quanto à incorporação ou rejeição pura e simples da herança filosófica burguesa. Uma observação que tem pelo menos o mérito de nos devolver ao terreno materialista daquela indecisão de princípio, onde deveria afinal prevalecer o ponto de vista prático do socialismo, de cujo ângulo interessa determinar então quais elementos do mundo burguês integram efetivamente o potencial produtivo histórico. Noutras palavras, mais diretas: afinal, a filosofia ê força produtiva ou é mesmo falsa consciência? 6 6 Cf. "II ruolo delia filosofia nel marxismo" (1974), in J. Habermas, Dialettica delia Razionalizzazione, a cura di Emilio Agazzi, Unicolpi, Milano, 1983, pp. 139-140. . A alternativa inapelável poderá parecer estreita mas ao menos corta pela raiz um infindável contencioso doutrinário, alimentado no Ocidente pelo sentimento recorrente de que o marxismo não tem a filosofia que merece - como diria Bento Prado Jr. -, e no mundo soviético oficial, pela certeza congelada de que ele a encontrou faz tempo. Trata-se não obstante da única formulação propriamente materialista (embora nem tanto na resposta final que lhe dá o aumento) do problema que procuramos focalizar em sua refração brasileira: pelo menos um caso em que a falsa consciência funcionou como força produtiva, ao que parece, é da natureza do processo andar na periferia com as bolas trocadas.

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Não sei de melhor contraprova dessas metamorfoses e alternâncias do que a personalidade filosófica de José Arthur Giannotti, da qual se pôde afirmar, em mais de um sentido, constituir uma verdadeira força produtiva. Para começar, os que o conhecem de perto, e por isso mesmo lhe são devedores, saberão por certo reconhecê-lo nalguns traços de uma outra personalidade uspiana, talvez ainda mais forte. Refiro-me a Florestan Fernandes, em cuja "expansão dominadora do ego" António Cândido identificou, entre outras virtudes antitéticas, o fulcro de um impulso irreversível que tornou possível a era científica da sociologia no Brasil, "concebida não apenas como produção de cada um, mas como padrão de trabalho, concepção de vida, ética intelectual e esforço coletivo"7 7 Cf. Prefácio a Condição de Sociólogo, de Floresian Fernandes, Hucitec, São Paulo, 1978, pp. 1X-X. . Da mesma maneira, pode-se dizer que Giannotti encerrou a era do mais-ou-menos artesanal na curiosidade filosófica brasileira - ou pelo menos complicou sobremaneira o que-fazer de muitos renitentes. iMesmos laços de família no esforço comum em arrancar a vida intelectual à engrenagem maléfica do patronato, na esperança de torná-la mais fecunda, num país de veleitários, sob a férula acadêmica da emulação sem fronteiras. Assim, um antigo assistente de Florestan Fernandes notou a convergência por assim dizer sistemática entre o raciocínio sociológico, teimando em encontrar pontos de apoio na realidade que permitissem suplantar os obstáculos que se opunham, numa sociedade tão refratária como a brasileira, à plena vigência de uma ordem social competitiva à européia, e a confiança nas "potencialidades produtivas da competição" entre os talentos diante dos quais se abrira recentemente a carreira8 8 Cf. Gabriel Cohn, "Padrões e dilemas: o pensamento de Florestan Fernandes", in Inteligência Brasileira, Brasiliense, São Paulo, 1986, pp. 135-136. . Sobre o fundo do propósito produtivo, não se pode excluir esta mesma coerência de método do empenho de Giannotti (tão ostensivo, por exemplo, em seus escritos sobre a crise da Universidade) em trazer os "profissionais da reflexão", como chama os filósofos, para o campo da "reflexão objetiva que constitui o cerne dos fenômenos sociais". Até aqui, o retrato genérico do intelectual a serviço da organização da cullura filosófica no país, tendo em vista inclusive a sua exportação. O breve esboço de figura que dele apresentou Roberto Schwarz dá um passo adiante em nossa direção, denominado noutros termos o mesmo fenômeno que procurei descrever acima - mais exatarnente nos termos da impressão deixada numa geração que o Seminário Marx pela primeira vez pôs em contacto sistemático corn a filosofia uspiana: "acredito que, em termos de técnica intelectual, para não dizer tirania metodológica, Giannotti tenha sido a influência mais produtiva de sua geração"9 9 Cf. Folhetim, Folha de São Paulo, 30 de junho de 1985. . O que estamos entendendo por forma filosófica, em sua acepção mais enfática e tradicional, não se confundindo a rigor com nenhuma orientação filosófica em particular, também atende pelo nome de "exigência lógica muito militante" - em nome da qual Giannotti "atormentou e empurrou para frente um bom grupo de professores, alunos e amigos" -, podendo ainda manifestar-se na "ânsia de transmitir aos companheiros a exigência de rigor intelectual com que se comprometera durante seus estudos europeus". Sem dúvida um acontecimento, mais essa conversão do influxo externo em instância produtiva: para tanto, bastou saber separar, guiado por algum sexto sentido como de fato ocorreu no encontro do Capital com a filosofia franco-uspiana - obsessões fenômeno-lógicas, por exemplo, a "tirania metodológica"; bem organizada, esta última mania acabou liberando energia produtiva pela descompartimentação de um Método aplicado a um assunto que não lhe competia.

  • 1 Cf. Paulo Eduardo Arantes, "Um capítulo brasileiro do marxismo ocidental -Reconstruindo a dialética com Ruy Fausto", in Folhetim, Folha de São Paulo, 19 de junho de 1983;
  • id., "O Bonde da Filosofia - Aspectos da cultura filosófica uspiana nos últimos anos da Rua Maria Antonia (1965-1968)", in Maria Antonia: uma rua na contramão, org. de Maria Cecilia L. dos Santos, Nobel, São Paulo, 1988, em part. pp. 202-210.
  • 2 Cf. Antonio Cândido, "A Sociologia no Brasil", in Enciclopédia Delta Larousse, E. Delta, Rio de Janeiro, 1960, vol, 5, pp. 2216-2232;
  • 3 Fernando Henrique Cardoso, prefaciando em 1977 urna segunda edição de Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, Paz e Terra, Rio de Janeiro, p. 13.
  • 4 J.Arthur Giannotti, "Notas para uma análise metodológica de O Capital", in Revista Brasiliense, nş 29, 1960.
  • 5 Adapto livremente, com acréscimos, uma fórmula  empregada por Roberto Schwarz ao caracterizar a Universidade como uma  "máquina de suscitar e anular pensamento", cf. R. Schwarz (org.), Os Pobres  na Literatura Brasileira, Brasiliense, São Paulo, 1983, p. 8.
  • 6 Cf. "II ruolo delia filosofia nel marxismo" (1974), in J. Habermas, Dialettica delia Razionalizzazione, a cura di Emilio Agazzi, Unicolpi, Milano, 1983, pp. 139-140.
  • 7 Cf. Prefácio a Condição de Sociólogo, de Floresian Fernandes, Hucitec, São Paulo, 1978, pp. 1X-X.
  • 8 Cf. Gabriel Cohn, "Padrões e dilemas: o pensamento de Florestan Fernandes", in Inteligência Brasileira, Brasiliense, São Paulo, 1986, pp. 135-136.
  • 9 Cf. Folhetim, Folha de São Paulo, 30 de junho de 1985.
  • 1
    Cf. Paulo Eduardo Arantes, "Um capítulo brasileiro do marxismo ocidental -Reconstruindo a dialética com Ruy Fausto", in
    Folhetim, Folha de São Paulo, 19 de junho de 1983;
    id., "O Bonde da Filosofia - Aspectos da cultura filosófica uspiana nos últimos anos da Rua Maria Antonia (1965-1968)", in
    Maria Antonia: uma rua na contramão, org. de Maria Cecilia L. dos Santos, Nobel, São Paulo, 1988, em part. pp. 202-210.
  • 2
    Cf. Antonio Cândido, "A Sociologia no Brasil", in
    Enciclopédia Delta Larousse, E. Delta, Rio de Janeiro, 1960, vol, 5, pp. 2216-2232;
    id., A Faculdade no Ano da Abolição, Aula Inaugural da F.F.L.C.H. da USP, ano letivo de 1988.
  • 3
    Fernando Henrique Cardoso, prefaciando em 1977 urna segunda edição de
    Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, Paz e Terra, Rio de Janeiro, p. 13.
  • 4
    J.Arthur Giannotti, "Notas para uma análise metodológica de
    O Capital", in
    Revista Brasiliense, nº 29, 1960.
  • 5
    Adapto livremente, com acréscimos, uma fórmula empregada por Roberto Schwarz ao caracterizar a Universidade como uma "máquina de suscitar e anular pensamento", cf. R. Schwarz (org.),
    Os Pobres na Literatura Brasileira, Brasiliense, São Paulo, 1983, p. 8.
  • 6
    Cf. "II ruolo delia filosofia nel marxismo" (1974), in J. Habermas,
    Dialettica delia Razionalizzazione, a cura di Emilio Agazzi, Unicolpi, Milano, 1983, pp. 139-140.
  • 7
    Cf. Prefácio a
    Condição de Sociólogo, de Floresian Fernandes, Hucitec, São Paulo, 1978, pp. 1X-X.
  • 8
    Cf. Gabriel Cohn, "Padrões e dilemas: o pensamento de Florestan Fernandes", in
    Inteligência Brasileira, Brasiliense, São Paulo, 1986, pp. 135-136.
  • 9
    Cf.
    Folhetim, Folha de São Paulo, 30 de junho de 1985.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2011
    • Data do Fascículo
      Nov 1989
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