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LAICIDADE COMO NÃO DOMINAÇÃO

SECULARISM AS NON-DOMINATION

Resumo

O artigo define duas concepções de “laicidade”. A laicidade liberal pluralista lida com os desafios que o pluralismo de doutrinas morais apresenta para a estabilidade democrática. Por sua vez, a laicidade como não dominação tem como principal preocupação garantir que atores religiosos não sejam veículos de dominação social ou política. Por esse motivo, para a laicidade como não dominação, os desafios do pluralismo, embora importantes, ocupam um lugar secundário na teorização sobre a laicidade. A partir da análise do movimento pela descriminalização do aborto e do movimento a favor da liberdade religiosa liderado por algumas minorias religiosas, o artigo mostra as vantagens de entender a laicidade nos termos da não dominação.

Palavras-chave:
Não discriminação; Pluralismo; Religião; Igualdade religiosa

Abstract

this study addresses two conceptions of ‘secularism’. Liberal pluralist secularism is defined as concerned with the challenges moral pluralism poses to democratic stability. In contrast, secularism as non-domination is defined as being concerned with ensuring guarantees for religious actors outside political or social domination. Secularism as non-domination is thus less preoccupied with moral pluralism. By analyzing cases of mobilization to decriminalize abortion and mobilize certain religious minorities, this study aims to show the advantages of conceiving secularism in terms of non-domination.

Keywords:
Non-discrimination; Pluralism; Religion; Religious equality

Introdução

As lideranças políticas da América Latina afirmam estar comprometidas em respeitar o Estado laico, com exceção daquelas que rejeitam explicitamente os valores democráticos. Esse consenso reflete o compromisso político registrado na maioria das constituições democráticas da região: implícita ou explicitamente, a maioria das constituições preveem a laicidade estatal. Podemos, portanto, afirmar que a laicidade é um valor político presente na arquitetura dos Estados democráticos da região.

Mas como entender esse valor? Qual é o propósito quando um povo decide estabelecer em sua constituição as regras de um Estado democrático e laico? Um dos objetivos deste artigo é apresentar duas formas de responder a essas perguntas. A primeira delas, bastante comum, afirma que a laicidade respeita o pluralismo presente nas sociedades democráticas contemporâneas, protegendo, assim, a liberdade religiosa. A segunda resposta diz que o propósito da laicidade é o de evitar que agentes religiosos participem, tanto como vítimas quanto como perpetuadores, das relações de dominação. Não acredito que essa segunda resposta seja muito menos comum do que a primeira pois, como mostro mais adiante, agentes políticos a utilizam, embora implicitamente, nas suas mobilizações sociais. Sendo assim, o segundo objetivo deste artigo é mostrar a relevância da laicidade como não dominação no contexto latino-americano. Esse segundo objetivo é simultaneamente descritivo e normativo. Descritivo, porque identifica com precisão o modo como movimentos sociais se apropriam do termo “laicidade”. Normativo, porque mostra que a definição de “laicidade” nos termos da não dominação, consegue identificar o problema prático que os usuários do conceito desejam resolver. A laicidade como não dominação seria, portanto, o conceito normativo adequado para analisar criticamente a realidade social.1 1 Inspirada no valor da não dominação de Philip Pettit, Cécile Laborde (2008) defendeu uma versão republicana - e crítica - da laicidade francesa. Embora não diretamente, a laicidade como não dominação é uma tentativa de dar continuidade à interpretação sobre a laicidade em termos republicanos.

O artigo está construído da seguinte forma. Na seção 1, apresento a primeira concepção de “laicidade”, denominada liberal pluralista, enfatizando sua preocupação em lidar com os desafios que o pluralismo de doutrinas morais apresenta para a estabilidade democrática. Mostrarei que a laicidade faz parte da estrutura institucional destinada a garantir estabilidade democrática em sociedades preocupadas por assegurar direitos equitativos, independentemente das doutrinas morais de cada integrante da sociedade. Na seção 2 apresento o conceito de laicidade como não dominação. Defendo que sua principal preocupação é garantir que atores religiosos não sejam veículos de dominação social ou política. Por esse motivo, reconhecer que o pluralismo pode ser um fator desestabilizador da democracia acaba ficando em segundo plano. Por fim, a seção 3 aborda a laicidade como não dominação na prática. Para isso, utilizo dois casos: o da mobilização pela descriminalização do aborto e o do movimento a favor da garantia da liberdade religiosa, encabeçado pelas minorias religiosas.

Laicidade 1: liberal pluralista

Além de enfatizar os valores da tradição liberal do pensamento político, essa versão da laicidade explicita a importância de se levar a sério o pluralismo das democracias atuais. Nos termos de Jocelyn Maclure e Charles Taylor (2011MACLURE, Jocelyn; TAYLOR, Charles. 2011. Secularism and freedom of conscience. Boston: Harvard University Press .), o propósito da laicidade liberal pluralista consiste em contribuir com a regulação dos conflitos éticos e políticos próprios da “diversidade moral e religiosa das sociedades contemporâneas” (p. 41). O qualificativo “liberal” significa que as medidas de separação entre Estado e Igreja não devem ser motivadas por intenções contrárias às liberdades individuais próprias da tradição liberal. Em particular, isso quer dizer que a liberdade religiosa deverá ser adequadamente protegida.

O qualificativo “pluralista” significa que há reconhecimento do fato de que as sociedades contemporâneas não são homogêneas. O surgimento da laicidade liberal pode ser atribuído ao fato de que a relação entre liberalismo político e a preservação do pluralismo não é feliz. Apesar da centralidade do legado de John Locke sobre a tolerância e de John Stuart Mill sobre a importância dos “experimentos de vida”, a implementação de valores liberais nas democracias modernas falhou repetidamente ao tentar oferecer a adequada proteção ao pluralismo. Na maioria dos Estados das Américas, por exemplo, a introdução de ideias liberais implicou na aceitação de valores políticos de liberdade religiosa e de tolerância. No entanto, isso não impediu a propagação da ideia de que seria importante considerar uma única religião para que fosse consolidada a unidade nacional - como acontece na América Latina, com o catolicismo, e na América Anglo-Saxã, com o protestantismo não denominacional. Com efeito, uma das maiores preocupações de Charles Taylor (2011TAYLOR, Charles. 2011. Why we need a radical redefinition of secularism. In: MENDIETA, Eduardo; VANANTWERPEN, Jonathan (ed.). The power of religion in the public sphere. New York: Columbia University Press . pp. 34-59., 2016), um dos mais influentes teóricos do conceito de laicidade, é a de redefini-lo, ou de atualizá-lo, para que fosse readequado à realidade das democracias do século XXI.

A defesa liberal pluralista da laicidade ganhou importância nas últimas décadas como estratégia para corrigir a precária forma como os Estados, ditos liberais e democráticos, lidaram com a diversidade. Para os teóricos e teóricas da laicidade, é fundamental assumir definitivamente que as sociedades democráticas ocidentais não compartilham uma ética ou uma identidade cristã. A laicidade liberal pluralista é defendida com veemência por teóricos e teóricas residentes em países que, nas últimas décadas, receberam muitos imigrantes não cristãos. Seu propósito, repito, é extinguir o pressuposto de que as sociedades ocidentais “são cristãs”.2 2 Para exemplos da normalização do pressuposto cristão na base da sociedade, cf. Nussbaum (2009, p. 218).

A defesa da laicidade se torna ainda mais importante quando consideramos as demandas das minorias religiosas não cristãs que incluem exceções às leis vigentes. Por exemplo, exceção às normas de segurança que requerem o uso de capacete no corpo de bombeiros, realizado por sikhs na Inglaterra e no Canadá; ou reestruturações do espaço físico para garantir a prática religiosa igualitária, como a inclusão de templos não cristãos em prisões, hospitais ou aeroportos. A laicidade liberal pluralista defende que é necessário que algumas práticas, costumes, leis e normas aparentemente neutras sejam flexibilizadas, desde que isso não interfira exageradamente nas práticas da maioria cultural e religiosa, garantindo, assim, que minorias religiosas consigam também praticar sua religião, da mesma forma que a maioria faz.

Para a fundamentação filosófica da concepção liberal pluralista da laicidade, O Liberalismo Político de John Rawls é de grande influência. Duas de suas ideias são especialmente importantes: a do consenso sobreposto e a da razão pública (Rawls, 2005RAWLS, John. 2005. Political liberalism. New York: Columbia University Press.). Não é o propósito deste artigo defender uma interpretação particular dessas ideias, mas é preciso mencionar como elas são integradas à visão liberal pluralista de laicidade. No seu texto sobre os “modos da laicidade”, Taylor (1998TAYLOR, Charles. 1998. Modes of secularism. In: BHARGAVA, Rajeev (ed.). Secularism and its critics. Oxford: Oxford University Press . pp. 31-53.) considera que a ideia de consenso sobreposto é fundamental para redefinir o nosso conceito de laicidade em termos relevantes para as condições atuais das democracias. Frente à impossibilidade de identificar tanto uma ética religiosa comum, ou seja, uma versão não denominacional do cristianismo, quanto uma ética independente de todas as éticas particulares que os integrantes de determinada sociedade podem afirmar, Taylor afirma que devemos procurar uma ética que possa ser afirmada por cada uma das éticas particulares, sem que ela mesma seja uma ética comum ou independente. A ideia de consenso sobreposto, diz Taylor, faz exatamente isso: nas sociedades contemporâneas seria possível identificar um conjunto de valores políticos que todos os integrantes de uma sociedade democrática poderiam afirmar, cada um pelos seus próprios meios. Para Taylor, essa é a proposta da “laicidade como consenso sobreposto” que, em anos recentes, descreve como “laicidade liberal pluralista” (Maclure e Taylor, 2011MACLURE, Jocelyn; TAYLOR, Charles. 2011. Secularism and freedom of conscience. Boston: Harvard University Press ., p. 34).

A ideia do consenso sobreposto pode mostrar que sociedades democráticas, apesar da sua diversidade, podem estar unificadas. A ideia da razão pública, por sua vez, permite mostrar que é possível justificar o uso do poder político em contextos de profundos desacordos acerca do bem e da justiça. Nessas circunstâncias, é impossível esperar que o uso de uma doutrina moral - em particular uma doutrina religiosa - seja utilizada de forma legítima para justificar o uso do poder coercitivo do Estado em assuntos de justiça básica ou de fundamentos constitucionais. Essa impossibilidade restringe os tipos de razões que podem justificar esse uso de poder político. Assim, a deliberação política sobre assuntos de justiça básica e de fundamentos constitucionais, quando realizada por oficiais públicos, deve ser conduzida a partir da observação desse dever de restrição. Em outras palavras, em sociedades plurais, é normal que existam desacordos profundos sobre a melhor forma de utilizar o poder político e, uma vez que todos os cidadãos e cidadãs reconhecem esse fato - diz a proposta liberal pluralista -, é necessário haver uma disposição cívica que delibere em termos que todos e todas possam aceitar.

Em resumo, a versão liberal pluralista da laicidade está fortemente relacionada ao reconhecimento de que o pluralismo caracteriza as sociedades democráticas contemporâneas, combatendo o posicionamento associado a um passado problemático que, por diversos motivos, negou a existência desse pluralismo. Nesse sentido, o liberalismo político - particularmente, mas não exclusivamente, o de Rawls - é relevante, pois oferece um aparato conceitual e normativo que define, com bastante precisão, os contornos do Estado laico em uma democracia contemporânea marcada pelo profundo pluralismo moral e religioso. Como mencionado acima, a importância dessa definição de laicidade se vincula a fenômenos de diversificação da sociedade. Ela é, portanto, uma resposta para um problema prático específico, e seria um erro pensar que esse problema é universal e, consequentemente, que a laicidade pluralista é igualmente relevante para todo o mundo - como sugerem os autores da Declaración Universal de la Laicidad (Baubérot, Blancarte e Milot, 2007BAUBÉROT, Jean; BLANCARTE, Roberto; MILOT, Micheline. 2007. Declaración universal de la laicidad en el siglo XXI. In: VÁZQUEZ, Rodolfo (ed.). Laicidad: una asignatura pendiente. Ciudad de México: Coyoacán. pp. 43-50.) e o próprio Taylor (2016TAYLOR, Charles. 2016. Can secularism travel? In: BILGRAMI, Akeel (ed.). Beyond the secular West. New York: Columbia University Press . pp. 1-27.).

O restante do artigo está dedicado a articular a laicidade como não dominação. Trata-se de uma definição que, sem ignorá-lo, não toma como ponto de partida responder ao problema prático do fato do pluralismo. No continente americano, a laicidade liberal pluralista parece adequada para países como Canadá ou Estados Unidos. Entretanto, a laicidade como não dominação, acredito, seria mais adequada para o Brasil e demais países latino-americanos.

Laicidade 2: não dominação

Na América Latina não é comum que a laicidade do Estado seja invocada para mostrar que é possível integrar minorias imigrantes provenientes de países culturalmente diversos. Isso se deve, fundamentalmente, ao baixo fluxo migratório para a região. No entanto, é interessante ressaltar que as pesquisas sobre a laicidade também enfatizam o fenômeno do pluralismo. No campo religioso, a diversificação das sociedades latino-americanas fica evidente ao se constatar o crescimento de igrejas evangélicas e protestantes, e o relativo declínio da Igreja Católica. Mas, também, quando percebemos uma maior visibilidade de religiões minoritárias - destacando-se as de matriz africana ou indígena - e de visões de mundo que questionam ou rejeitam uma perspectiva religiosa mais conservadora. Nessa última categoria, entram, por exemplo, as visões de mundo promovidas pelo feminismo e pelo movimento que defende os direitos das pessoas LBGTQIA+.

Caracterizar a laicidade nos termos da não dominação tem como propósito destacar uma diferença importante entre os tipos de conflitos gerados pelo pluralismo nos países da América Anglo-Saxã e nos da América Latina. Nessa segunda região, o tipo de problema prático que a laicidade é chamada a resolver tem a ver com o excesso de poder - seja ele político, econômico ou social - de algumas organizações religiosas. Uma revisão da literatura antropológica, sociológica, ou filosófica sobre a laicidade na América Latina rapidamente sugere que existe uma grande preocupação das associações religiosas e políticas pelas relações de poder e pelas formas em que elas podem afetar a institucionalidade democrática (Diniz, 2013DINIZ, Débora. 2013. Estado laico, objeção de consciência e políticas de saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 29, n. 9, pp. 1704-1706. DOI: 10.1590/0102-311XPE010913.
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; Lemaitre Ripoll, 2013LEMAITRE RIPOLL, Julieta. 2013. Laicidad y resistencia. Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México.; Mariano, 2011MARIANO, Ricardo. 2011. Laicidade à brasileira: católicos, pentecostais e laicos em disputa na esfera pública. Civitas: Revista de Ciências Sociais , v. 11, n. 2, pp. 238-258. DOI: 10.15448/1984-7289.2011.2.9647.
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; Montero e Sales, 2020MONTERO, Paula; SALES, Lilian. 2020. Laicidade e secularismo no pluralismo brasileiro contemporâneo. Novos estudos CEBRAP, v. 39, n. 2, pp. 415-434. DOI: 10.25091/s01013300202000020009.
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; Montero, Silva e Sales, 2018MONTERO, Paula; SILVA, Aramis Luis; SALES, Lilian. 2018. Fazer religião em público: encenações religiosas e influência pública. Horizontes Antropológicos , v. 24, n. 52, pp. 131-164. DOI: 10.1590/S0104-71832018000300006.
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; Rudas, 2022RUDAS, Sebastián. 2022. Evangélicos y laicidad mínima en Brasil: discusiones desde la filosofía política. Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México ., 2021RUDAS, Sebastián. 2021. A teoria política da laicidade no brasil, uma proposta de unificação. Novos Estudos, v. 40, n. 3, pp. 445-461. https://doi.org/10.25091/S01013300202100030006.
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; Vaggione, 2013VAGGIONE, Juan. 2013. Laicidad y sexualidad. Ciudad de México: Universidade Nacional Autónoma de México.; Vaggione e Machado, 2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos. 2020. Religious patterns of neoconservatism in Latin America. Politics & Gender, v. 16, n. 1, pp. 6-10. DOI: 10.1017/S1743923X20000082.
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). Quando a laicidade é invocada em debates sobre a descriminalização do aborto, ou sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo, por exemplo, determinadas instituições religiosas que participam desses debates públicos possuem um status que lhes permite participar da resolução dessas controvérsias em condições não igualitárias. Como veremos na sequência, essa desigualdade pode constituir o tipo de dominação que a segunda interpretação de laicidade pode resolver.

O elemento distintivo da laicidade 2 é a ênfase na ideia de não dominação. É importante esclarecer o significado do conceito de “não dominação” e qual sua relação com a religião. Esse conceito costuma ser utilizado na teoria política do republicanismo contemporâneo e, normalmente, compreende duas características principais. A primeira delas é a não vulnerabilidade a exercícios arbitrários do poder, sendo caracterizado como “exercício arbitrário do poder” aquele que está livre de prestar contas para alguém, dependendo somente da vontade de quem detenha o poder (Pettit, 2012PETTIT, Philip. 2012. On the people’s terms: a republican theory and model of democracy. Cambridge: Cambridge University Press., p. 58). A segunda é a liberdade de poder participar plenamente da sociedade, sem medo ou com atitudes de deferência frente a outras pessoas. Essa segunda característica diz respeito à participação igualitária de todos na sociedade, ou seja, sem dominação nas relações interpessoais, sem normas que exijam comportamentos de subordinação ou de inferioridade por parte de alguns (Pettit, 2012).

A dominação nas relações de poder pode acontecer em diversas áreas da vida, porém, para este artigo, interessa-nos aquela relacionada à religião. Para meus propósitos, considerarei situações em que o poder é exercido de forma arbitrária por grupos religiosos (ou contra deles). Também são relevantes as relações em que o medo ou a deferência estão presentes, se atores religiosos estão envolvidos. Assim, a laicidade como não dominação serve para avaliar relações em que: (1) pelo menos um dos agentes da interação é um agente religioso - indivíduos ou instituições -, e (2) uma das partes ostenta poder arbitrário ou se situa em posição de superioridade.

Seria possível argumentar que a laicidade liberal pluralista é um conceito mais interessante para avaliar as sociedades democráticas atuais, pois o pluralismo presente nelas não é, evidentemente, um pluralismo exclusivamente religioso. Então, por que a laicidade como não dominação outorga tratamento preferencial à religião? Para respondermos a essa pergunta, devemos considerar um componente contextual e o outro filosófico. De acordo com o primeiro, é importante identificar o tipo de problemas que as sociedades interessadas em instituir um Estado laico querem resolver. Em ocasiões, como nos casos quando a laicidade liberal pluralista prevaleceu, o problema imediato a ser resolvido é a instabilidade que o pluralismo pode trazer à democracia. Em outras, o problema imediato a ser resolvido é o tipo de poder político ostentado por alguma instituição religiosa. Nas origens das repúblicas na América Latina, por exemplo, foi comum que a separação entre Estado e Igreja Católica fosse concebida como um mecanismo limitador do poder político religioso, sujeitando-o, assim, ao poder das instituições republicanas.

O componente filosófico diz respeito a uma característica da religião: a saber, que ela é um conjunto de práticas e crenças com importância fundamental na vida das pessoas. As crenças e práticas religiosas não são simples preferências; dificilmente são negociadas, pois é frequente que tenham um vínculo próximo com concepções de integridade pessoal. Para muitas pessoas, a fidelidade às próprias convicções de consciência é um dos interesses mais importantes da vida (Maclure e Taylor, 2011MACLURE, Jocelyn; TAYLOR, Charles. 2011. Secularism and freedom of conscience. Boston: Harvard University Press .). Com a provável exceção das sociedades com alto grau de secularização social, no sentido definido por Taylor (2007TAYLOR, Charles. 2007. A secular age. Boston: Harvard University Press .) em A Secular Age, historicamente, as doutrinas religiosas têm sido as principais responsáveis por preencher de conteúdo essas convicções. De forma evocativa, Martha Nussbaum se apropria das ideias de Roger Williams, para quem obrigar as pessoas a atuarem contra as crenças religiosas é uma forma de violência muito grave, um “estupro da alma” (Nussbaum, 2008NUSSBAUM, Martha. 2008. Living together: the roots of respect. University of Illinois Law Review, v. 2008, n. 5, pp. 1623-1642. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3V7JleH . Acesso em: 6 out. 2022.
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, p. 1633). Essa característica própria - mas não exclusiva - da religião explica a ênfase à religião que a definição de laicidade como não dominação dá. Até mesmo porque assuntos de religião são propensos a gerar conflito, haja vista que neles as pessoas projetam seus maiores valores, e cuja defesa pode motivar inclusive o uso da violência. A laicidade como não dominação é, portanto, importante para se entender os contextos em que existem conflitos religiosos, ou seja, conflitos nos quais grupos religiosos participam. Em conflitos desse tipo, é bastante provável que ocorram relações de dominação e que grupos religiosos sejam partícipes delas. Assim, a função da laicidade como não dominação é prevenir esse tipo de relação de dominação, que pode surgir devido a tensões religiosas.

As relações de dominação podem acontecer de duas formas. Ou um grupo de cidadãos domina outro grupo de cidadãos, caracterizando uma dominação horizontal - às vezes chamada de “dominium” (Pettit, 1997PETTIT, Philip. 1997. Republicanism: a theory of freedom and government. Oxford: Clarendon Press ., p. 31) -, ou o Estado é quem domina um grupo de cidadãos e cidadãs. Esse último se trata de dominação vertical - ou “imperium”, na terminologia utilizada por Pettit (1997, p. 31).3 3 Para outra interpretação sobre a distinção entre “vertical” e “horizontal”, em análises de justiça social, cf. McKinnon (2013). Na dominação horizontal, o conflito e a dominação religiosos se relacionam da seguinte forma: o conflito religioso pode ser entendido como aquele em que se criam e se fortalecem identidades sociais, vinculadas a uma religião, que pretendem estabelecer relações de subordinação e de superioridade. Por exemplo, na Índia, existe o supremacismo hindu, que subordina indianos que professam o Islã, ou mesmo tenta exterminá-lo.4 4 Para uma análise filosoficamente informada acerca dos desafios e conflitos da laicidade na Índia, em particular sobre os conflitos étnico-religiosos entre hindus e muçulmanos, cf. Chandhoke (2019). No Brasil, um conflito religioso particularmente saliente surge da inferiorização das religiões afro-brasileiras por grupos associados à Igreja Católica ou às igrejas evangélicas. Já na dominação vertical, a relação entre o conflito e a dominação religiosos acontece pela participação estatal, que favorece apenas um dos lados, ou seja, uma religião. Logo, a participação do Estado pode caracterizar uma forma de dominação, caso ele se aproxime de atores religiosos específicos e expresse um discurso que tente subordinar algum grupo social por causa de suas crenças.

Entendida desse modo, a dominação vertical ajuda a compreender e a resolver os debates sobre o estabelecimento religioso simbólico, isto é, a exibição de símbolos religiosos por parte de autoridades ou instituições do Estado (Lægaard, 2017LÆGAARD, Sune. 2017. What’s the problem with symbolic religious establishment? The alienation and symbolic equality accounts. In: LABORDE, Cécile; BARDON, Aurélia (ed.). Religion in liberal political philosophy. Oxford: Oxford University Press . pp. 118-131.). O termo “simbólico” indica que não há componente coercitivo na exibição dos símbolos religiosos, ou seja, o dinheiro público, coletado de forma coercitiva, não é utilizado na exibição dos símbolos, pois o custo de fazer tal exibição é realmente mínimo. Em contextos de conflito religioso, se o Estado exibe símbolos representativos de um grupo que tem como propósito subordinar - ou, no extremo, exterminar - outro, ele está expressando sua simpatia pelos objetivos desse determinado grupo envolvido no conflito. A relação de dominação vertical acontece, inclusive, quando não há poder coercitivo estatal. Logo, em contextos sem conflito religioso, não há relação entre o estabelecimento religioso e a dominação.

Outra maneira pela qual a laicidade como não dominação nos ajuda a enxergar as potenciais injustiças presentes no estabelecimento religioso simbólico é a partir do questionamento da politização das identidades religiosas (Laborde e Lægaard, 2019LABORDE, Cécile; LÆGAARD, Sune. 2019. Liberal nationalism and symbolic religious establishment. In: GUSTAVSSON, Gina; MILLER, David (ed.). Liberal nationalism and its critics: normative and empirical questions. Oxford: Oxford University Press . pp. 172-187.). A decisão de colocar crucifixos nas escolas públicas, por exemplo, seria uma forma não coercitiva de estabelecimento religioso. Por ser não coercitiva, talvez seja possível defender essa permissibilidade, talvez após alguma consulta popular ou legislativa. Para avaliar essa decisão, a laicidade como não dominação requer uma análise contextual dos motivos pelos quais alguém considerou uma boa ideia colocar crucifixos nas escolas públicas e é provável que haja vários argumentos válidos para essa exibição. No entanto, a pergunta fundamental que deve ser feita para definir a permissibilidade dessa medida é como ela se relaciona com a criação - ou consolidação - de identidades que dividem as sociedades entre nós e eles. Se o intuito é identificar a população a uma identidade cristã - “nós somos uma nação cristã” -, então, a decisão não pode ser legítima, pois tenta estabelecer uma hierarquia entre as pessoas que “pertenceriam” realmente à nação e as pessoas que “não pertenceriam”. Se, pelo contrário, a exibição de símbolo religioso não tem propósitos politizados, então, da perspectiva da laicidade como não dominação, não haveria problema. Os Estados podem participar de comemorações religiosas para reconhecer a importância que determinada religião tem na vida dos seus cidadãos e cidadãs. No entanto, por ser a religião um assunto sensível e potencialmente divisor, é extremamente importante que essas participações sejam desenhadas de forma tal que demonstrem o propósito sincero de honrar a religiosidade das pessoas sem com isso desrespeitar as sensibilidades de outros grupos. E, para cumprir essa função, é fundamental que o Estado trate com igual consideração toda a população, escutando suas demandas e tomando decisões só após considerar a opinião dela sobre a razoabilidade do envolvimento estatal com alguma religião. Enfim, as sensibilidades religiosas podem estar na base de conflitos e da divisão social, e a participação estatal nesses eventos pode acabar aprofundando o problema. Mas, vale lembrar, não há nada intrínseco nas religiões que transforme qualquer participação do tipo em geradora de conflitos.

Portanto, a laicidade como não dominação permite dar uma resposta não ambígua à questão do estabelecimento religioso simbólico- e, por analogia, ao estabelecimento religioso não simbólico. Se ele intensifica relações de dominação, então não é permissível. Caso contrário, é permissível. Em países com um histórico violento de conflito religioso - por exemplo Índia, Irlanda e Israel -, é fácil esperar que o estabelecimento religioso simbólico intensifique relações de dominação. Já em Madagascar ou no Senegal, de acordo com Laborde (2017LABORDE, Cécile. 2017. Liberalism’s religion. Boston: Harvard University Press .), o estabelecimento religioso simbólico não intensificaria ou criaria relações de dominação.

Tanto o passado quanto o presente da sociedade brasileira são permeados pela intolerância religiosa, principalmente às religiões afro-brasileiras e indígenas. Sendo assim, o país se assemelha aos casos da Índia, Israel e Irlanda. Atores religiosos participam em relações de dominação - como perpetuadores e como vítimas - e, por esse motivo, corresponde à laicidade do Estado encontrar arranjos institucionais que transformem essas relações em relações cívicas e igualitárias. Em certas ocasiões, seria necessário excluir a religião das instituições políticas - talvez seja sensato não permitir o uso de figuras religiosas em campanhas presidenciais.5 5 Para uma análise mais desenvolvida deste assunto, cf. Rudas (2019). Em outros casos, seria preciso incluí-la, por exemplo, quando se deseja contribuir para a diversidade religiosa por meio de imagens promocionais oficiais do Estado brasileiro.

Na seção 2, mencionei que um dos elementos característicos da laicidade é a ênfase que ela dá ao pluralismo. Contudo, também antecipei que, para a laicidade como não dominação, esse não é um elemento tão proeminente. Então, isso significa que o pluralismo não é relevante para a laicidade como não dominação? Não. Em sociedades democráticas multiculturais, ainda é necessário resolver os seus típicos desacordos e, para isso, é aconselhável estabelecer mecanismos, como o da razão pública. É importante salientar que o ideal regulador das deliberações públicas da razão pública estabelece pautas para solucionar adequadamente os desacordos razoáveis, isto é, os desacordos em que cidadãos bem-intencionados e com vocação democrática estejam num contexto social de liberdade de pensamento. Pelo contrário, a laicidade como não dominação se concentra em outro tipo de fenômeno social: as desigualdades de poder dos agentes que, eventualmente, participam das discussões. Como mecanismo para corrigir essas desigualdades, que são entendidas aqui como condizentes às relações de dominação, diversos arranjos institucionais podem ser propostos. Um exemplo particularmente interessante de estratégia para reduzir o poder da Igreja Católica, durante as transições de governo para a República em muitos países da América Latina, foi o anticlericalismo, entendido como um conjunto de arranjos institucionais com a nítida finalidade de reduzir o poder político das associações religiosas e de garantir a igualdade.6 6 Para uma maior articulação histórica e conceitual, cf. Lemaitre Ripoll (2010), Rivera (2016; 2013).

Outra forma de estabelecer o contraste entre as duas versões da laicidade apresentadas consiste na distinção entre “pluralismo razoável” e “pluralismo irrazoável”. O primeiro pode ser atribuído à ênfase da laicidade liberal pluralista que procura, nas virtudes cívicas e epistêmicas dos cidadãos, a solução dos desacordos sobre como governar o destino da sociedade. O segundo, importante para a laicidade como não dominação, concentra-se em questionar as instituições e os valores próprios das democracias constitucionais. Logo, trata-se do objetivo de subordinar as associações antidemocráticas à autoridade da soberania estatal.

Na próxima seção, que ilustrará a laicidade como não dominação na prática, essa distinção será abordada com maior profundidade.

Laicidade como não dominação na prática

O movimento a favor da descriminalização do aborto e movimentos vinculados com igrejas protestantes-evangélicas são dois tipos de atores nas sociedades latino-americanas que utilizam o termo “laicidade” para defender suas mobilizações políticas. O primeiro utiliza a laicidade como não dominação de forma clara, pois denuncia o poder político excessivo de grupos religiosos para determinar os direitos da população, sobretudo em assuntos de direitos sexuais e reprodutivos. Assim, ao defender a laicidade, percebe-se que esse movimento tem como propósito a não dominação, ou seja, evitar que grupos religiosos muito influentes nas tomadas de decisão políticas continuem impedindo a descriminalização do aborto, além de outras medidas relacionadas aos com direitos reprodutivos e sexuais. No caso das associações protestantes-evangélicas, a apropriação da laicidade é distinta. Às vezes, utilizam-na para defender uma condição de equidade com a Igreja Católica, historicamente privilegiada na América Latina. Outras vezes, o uso do termo e do discurso sobre liberdade religiosa e de expressão visa justificar atos hostis cometidos por elas mesmas a minorias religiosas, particularmente as de matriz africana ou indígena. Consequentemente, a laicidade como não dominação permite que visualizemos o modo pelo qual a defesa da laicidade e da liberdade religiosa é injusta. Nesses casos, vemos que o compromisso com a não dominação da laicidade requer uma maior separação institucional entre Estado e igrejas.

Laicidade e não dominação: aborto

A concepção de laicidade, aqui definida, serve para melhor compreendermos a relação entre a polêmica descriminalização do aborto e o Estado laico. Por um lado, e de acordo com a laicidade liberal pluralista, essa polêmica deveria ser entendida nos termos propostos pelas teorias da razão pública e pelas concepções deliberativas da democracia. O respeito ao Estado laico se daria, então, pela utilização de razões públicas para justificar determinada legislação. Por outro, e, agora, de acordo com a laicidade como não dominação, a polêmica seria, na realidade, um conflito em que um dos elementos fundamentais na arquitetura do Estado laico - a separação entre Estado e Igreja - é questionado. Uma premissa central do movimento que promove a descriminalização do aborto é a forte convicção de que o adversário a ser derrotado é um grupo religioso econômica, social e politicamente poderoso. Parte do poder desse adversário está no fato de que ele pode desempenhar uma função determinante impedindo que a lei permita ações contrárias à sua visão moral (e religiosa) do mundo. A laicidade como não dominação permite enxergar que o exercício desse poder é uma ameaça à laicidade inclusive nos casos em que a linguagem utilizada para defender sua oposição à descriminalização está apresentada numa linguagem estritamente não religiosa. Ou seja, quando, em aparência pelo menos, respeita-se a laicidade liberal pluralista.

Como mencionado, a laicidade liberal pluralista considera seriamente um pluralismo ineludível nas democracias contemporâneas. Na prática política, uma forma de assim considerar o pluralismo é reconhecer as dificuldades para estabelecer consensos que o pluralismo traz. Considerando que não é razoável esperar consensos sobre as concepções do bem - e, portanto, sobre qualquer religião -, a laicidade liberal pluralista simpatiza com propostas teóricas que fazem ênfase na importância de reconhecer os desacordos e o pluralismo no momento de deliberar sobre como usar o poder político do estado. Em particular, para a laicidade liberal pluralista, é importante ressaltar que tentativas de justificar uma determinada lei, a partir das razões de uma certa doutrina religiosa, não podem ser aceitáveis numa democracia, pois nelas não se é possível que todas as pessoas aceitem a verdade dessas razões. Cumprir com os requisitos do Estado laico é deliberar a partir de razões que todos e todas podem aceitar.

Um dos exemplos mais utilizados para ilustrar um desacordo razoável é a controvérsia sobre a descriminalização do aborto para casos distintos ao risco de morte da mãe, à incompatibilidade da vida para fora do útero, e ao estupro, ou seja, para casos além daqueles em que a criminalização seria extremamente cruel, injusta e praticamente impossível de ser razoavelmente justificada (Gutmann e Thompson, 2004GUTMANN, Amy; THOMPSON, Dennis. 2004. Why deliberative democracy? Princeton: Princeton University Press.).7 7 A visão que defende a criminalização total do aborto, no meu conhecimento, não poderia ser razoavelmente defendida. Nesses outros casos, a teoria da democracia deliberativa propõe uma disposição para discutir e realizar compromissos (Gutmann e Thompson, 1996GUTMANN, Amy; THOMPSON, Dennis. 1996. Democracy and disagreement. Boston: Belknap Press.; Macedo, 1990MACEDO, Stephen. 1990. Liberal virtues: citizenship, virtue, and community in liberal constitutionalism. Oxford: Clarendon Press.). Ou seja, uma disposição para que ambas as partes aceitem uma decisão não ideal, desde que pela sua própria perspectiva. De sua parte, a teoria rawlsiana da razão pública propõe que cidadãos e cidadãs tenham desenvolvido virtudes cívicas - tanto epistêmicas quanto morais - suficientemente fortes para que essa discussão seja conduzida por valores políticos, isto é, valores não sectários, que podem ser aceitos por todos e todas as integrantes da sociedade. Ambas as alternativas são adotadas pela laicidade liberal pluralista. O importante é que esse assunto, tão sensível para algumas associações religiosas, seja resolvido a partir de mecanismos de tomada de decisão respeitosos ao pluralismo existente.

No caso da discussão sobre a descriminalização do aborto é possível se perguntar qual é a função das razões religiosas - e, de forma mais geral, das crenças religiosas - na forma como a controvérsia deve ser resolvida numa democracia. Trata-se de uma pergunta legítima e importante. No entanto, ela não necessariamente questiona como devemos respeitar a laicidade do Estado quando uma sociedade discute sobre a permissibilidade do aborto na sua legislação. O raciocínio para concluir que razões religiosas devem ser evitadas na justificação do poder coercitivo do estado (sobretudo em assuntos de justiça básica) está baseado na incontornável realidade do desacordo razoável em questões sobre a justiça e o bem. O espírito do projeto de um liberalismo político consiste em defender a necessidade de desenvolver virtudes epistêmicas na deliberação política, a fim de reconhecer os casos de desacordo razoável e adotar uma atitude epistêmica conforme a situação, isto é, a disposição a aceitar e realizar compromissos (Peter, 2020PETER, Fabienne. 2020. The grounds of political legitimacy. Journal of the American Philosophical Association, v. 6, n. 3, pp. 372-390. DOI: 10.1017/apa.2020.6.
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). As perspectivas da razão pública e da democracia deliberativa nos oferecem teorias sobre como uma sociedade democrática pode tentar resolver assuntos nos quais existem desacordos profundos e razoáveis. Para a laicidade liberal pluralista, respeitar o estado laico na controvérsia sobre o aborto consiste em que as partes reconheçam que esse assunto é um dos quais pode haver desacordos razoáveis e, portanto, pratiquem as virtudes cívicas para uma tomada de decisão cívica e respeitosa do pluralismo.

As discussões sobre a descriminalização do aborto, pela perspectiva da laicidade como não dominação, são radicalmente distintas. Em particular, ela serve para esclarecer por que a caracterização da controvérsia sobre a descriminalização do aborto que a laicidade liberal pluralista faz é infeliz. A laicidade como não dominação ajuda a entender que o respeito ao Estado laico, na forma como uma sociedade democrática resolve a questão da descriminalização do aborto, nem sempre consiste em determinar com precisão quais são as razões válidas nesse tipo de disputa política. A necessidade de defender o Estado laico nesse tipo de controvérsias não é pela urgência de encontrar saídas aos desacordos razoáveis, embora trate-se de um caso em que pode haver tais desacordos. A ênfase na não dominação objetiva ressaltar que uma das partes do conflito não aceita os termos da separação entre Estado e Igreja e, portanto, não está em condições de defender sua visão em termos que possam ser descritos como “razoáveis”. É comum que o movimento a favor da descriminalização do aborto apele à defesa da laicidade, porque interpreta algumas organizações religiosas como suas principais rivais. Como mostrado pela jurista Julieta Lemaitre Ripoll (2010), essa rivalidade não é, no entanto, uma rivalidade democrática, pois essas organizações não aceitam um elemento fundamental da arquitetura do Estado democrático, a saber, que todas as associações civis estão sujeitas à sua autoridade.

Dentre as duas interpretações da laicidade analisadas neste artigo, a laicidade como não dominação parece se aproximar mais à forma com a qual os movimentos sociais defendem a descriminalização, tanto na sua mobilização política quanto no próprio valor político da laicidade. Essa laicidade é mais próxima do problema que surge nas democracias latino-americanas, mostrando assim que o diagnóstico das propostas da democracia deliberativa é inadequado. Embora seja verdade que o movimento contra a descriminalização é internamente diverso, e que existem pessoas que genuína e honestamente defendem sua visão desde uma perspectiva não religiosa, é um fato que organizações religiosas contam com recursos econômicos, políticos e sociais que lhes permitem obstruir iniciativas sobre direitos sexuais e reprodutivos. A laicidade como não dominação tem como propósito estimular que esse tipo de debate aconteça de forma cívica e democrática, o que requer a garantia de igualdade no acesso ao poder de entrada nas discussões políticas e na agenda setting. A laicidade liberal pluralista pressupõe que essas condições já estão garantidas e propõe regras democráticas para a deliberação e tomada de decisão legítimas. A laicidade como não dominação parte de um pressuposto radicalmente distinto: entre os participantes interessados em incidir sobre a descriminalização do aborto, estão atores religiosos poderosos, decididos a defender que sua doutrina seja considerada no conteúdo da legislação. Em outras palavras, existem grupos religiosos suficientemente poderosos que não aceitam que sua religião não seja reconhecida como a base fundamental da moralidade compartilhada da sociedade.

Quando afirmamos que a descriminalização do aborto é um conflito no qual a laicidade do Estado pode ser comprometida, em realidade, o que se quer comunicar é que há atores, nesse conflito, com a capacidade de transformar o Estado em um gatekeeper de uma moralidade religiosa específica. Essa capacidade é uma forma de poder de dominação, porque a legislação, no que diz respeito ao aborto, depende em grande medida das opiniões de autoridades religiosas sobre essa prática. Independentemente de ser ou não justa, a legislação sobre o aborto e outros direitos reprodutivos está condicionada ao apoio dessas autoridades, ou seja, a uma relação de dominação na qual um dos atores é um agente religioso.

Dominação, minorias religiosas e o direito a discriminar

Nas sociedades democráticas, diversificadas religiosa e culturalmente pelas migrações das últimas décadas, a laicidade também é reivindicada como uma forma de garantir a justa integração das minorias religiosas. Nesses contextos, surge um debate se motivos religiosos ou culturais podem justificar exceções à lei ou acomodações razoáveis. Esses debates são identificados como controvérsias sobre a laicidade ou sobre o multiculturalismo - não é incomum que esses termos sejam utilizados como equivalentes. Embora a história de países latino-americanos contenha episódios nos quais a laicidade do Estado foi desenhada com a finalidade de responder a processos migratórios - a liberdade religiosa foi, por exemplo, produto de iniciativas de incentivo à imigração protestante -, na América Latina contemporânea a laicidade tem pouca ou nenhuma relação com processos migratórios. Isso não significa, no entanto, que grupos religiosos minoritários não reivindiquem o Estado laico. Ao analisarmos a maneira pela qual essas reivindicações acontecem, podemos enxergar o potencial crítico da laicidade como não dominação, pois conseguimos, assim, entender tanto os seus usos quanto os abusos da laicidade.

Para as igrejas protestantes, de rápido e constante crescimento nas últimas décadas em vários países da América Latina, o favoritismo histórico pela Igreja Católica seria um desrespeito à laicidade do Estado. Em um Estado laico, argumentam as minorias religiosas, a separação entre Estado e Igreja deveria implicar no tratamento igualitário a todas as confissões religiosas por parte do poder estatal (Almeida, 2020ALMEIDA, Ronaldo de. 2020. Evangélicos à direita. Horizontes Antropológicos, v. 26, n. 58, pp. 419-436. DOI: 10.1590/S0104-71832020000300013.
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). Portanto, a preferência outorgada à Igreja Católica seria uma desobediência aos requerimentos da laicidade. Como resposta, em muitos Estados latino-americanos, optou-se por diversificar os vínculos com associações religiosas, tentando garantir, assim, a relação igualitária entre o Estado e as diversas confissões religiosas (Blancarte, 2011BLANCARTE, Roberto. 2011. América Latina: entre pluri-confesionalidad y laicidad. Civitas: Revista de Ciências Sociais, v. 11, n. 2, pp. 182-206. DOI: 10.15448/1984-7289.2011.2.9644.
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).

Independentemente da avaliação normativa dessa resposta, é interessante questionar se a interpretação da laicidade defendida pelas minorias religiosas é compatível com a laicidade como não dominação. Embora existam controvérsias, a posição de destaque na ordem institucional estatal outorgada à Igreja Católica poderia ser entendida como a oficialização de uma hierarquia entre as confissões religiosas num determinado país. Hierarquias podem, com efeito, não ser dominadoras - numa organização, hierarquias atribuindo diversos graus de responsabilidade e prestígio são comuns e não necessariamente fontes de injustiça. No entanto, hierarquias no status cívico das pessoas, especialmente se referidas ao pertencimento religioso delas, são problemáticas, pois quase sempre implicam em relações de dominação. Apesar da crescente secularização social na América Latina, parte significativa dessas sociedades ainda considera os deveres religiosos e o pertencimento a uma comunidade religiosa essenciais para se ter uma “vida com integridade”. Portanto, hierarquização em status cívico a partir de critérios religiosos são socialmente disruptivos.8 8 A plausibilidade desse tipo de argumento depende da aceitação da polêmica premissa sobre o caráter especial da religião. Por que as religiões devem receber tratamento diferenciado? Embora eu acredite que esse raciocínio desacredita a defesa da laicidade diversificada, descrita acima, aqui não é o melhor lugar para desenvolver o assunto. A diversificação dos vínculos para a inclusão de religiões minoritárias pode ser entendida como uma medida que visa garantir a não dominação sobre elas, em particular se a diversificação inclui todas as comunidades religiosas - e resolve sem problemas os questionamentos sobre possível hierarquização entre religião e não religião.

Outro tipo de defesa da laicidade também é promovido em contextos que envolvem minorias religiosas: a ideia de laicidade vinculada a valores como liberdade religiosa, de associação e de expressão. Um Estado laico, diz o raciocínio, defende a liberdade de praticar e de expressar em público as próprias convicções religiosas, mesmo que sejam consideradas hostis por outros grupos. Desse modo, a laicidade protegeria a liberdade de criticar, desacreditar, ridicularizar e até caricaturizar outras religiões. Também garantiria a liberdade de utilizar a persuasão para converter quem ainda não pertence à determinada comunidade religiosa. De acordo com este uso da laicidade, o Estado laico deve ter um compromisso sério com a liberdade de expressão religiosa. Aqui, a laicidade é intimamente relacionada com a liberdade religiosa. Esta é uma interpretação polêmica da laicidade.9 9 Para uma exposição e análise dos casos jurídicos envolvendo esse tipo de concepção da laicidade, embora sob o uso do termo “secularismo”, cf. Hartikainen, (2021). Em particular, porque é atualmente utilizada por alguns grupos religiosos para justificar discursos e ações de intolerância religiosa, mais concretamente, para justificar discursos que discriminam, hierarquizam, e estigmatizam outros grupos sociais. Também é usada para estimular atitudes hostis contra outras minorias religiosas. Como parte dessa concepção da laicidade, defende-se exceções a leis antidiscriminatórias, por exemplo, o direito de discriminar por motivos religiosos. Considerando o exposto, de que forma poderíamos entender essa ideia de laicidade em relação à versão normativa defendida neste artigo?

Embora uma das funções mais básicas de um Estado seja oferecer segurança à população, inclusive contra ameaças e ataques de outros integrantes da mesma sociedade, podemos inferir que haja certa permissibilidade social para que atos de hostilização contra determinadas religiões ocorram. Se por “hostilizar” entende-se um tipo de agressão discursiva e simbólica, isto é, uma agressão no plano das ideias, logo, haveria razões pro tanto que aceitam esses tipos de agressão. Numa democracia constitucional existe, a princípio, o direito de agredir discursivamente os outros - por meio da crítica, da paródia, do desprestígio, do insulto etc., não é a função do Estado laico fazer com que o conteúdo das diversas religiões presentes na sociedade constitua uma harmonia ideológica inter-religiosa. A função laica do Estado consiste, na verdade, em garantir que grupos religiosos não sejam agentes ou pacientes da dominação, e, para esse fim, não é estritamente necessário promover harmonia inter-religiosa, nos termos descritos por Teresa Bejan (2017BEJAN, Teresa. 2017. Mere civility: disagreement and the limits of toleration. Boston: Harvard University Press.). No entanto, “hostilizar” também pode ser entendido como agressão física. Nesse caso, as razões pro tanto para permitir essa hostilidade são obviamente derrotadas. As liberdades outorgadas por um Estado laico - de expressão, de associação etc. - não podem ser entendidas como liberdades para agredir fisicamente outras pessoas ou seus bens. A liberdade religiosa não é liberdade para impedir que outros grupos pratiquem sua religião, e, para evitar que integrantes de grupos religiosos sejam agentes ou pacientes de dominação religiosa, o Estado laico deve assumir a responsabilidade de evitar que essas agressões aconteçam.

Uma análise da realidade na qual se defende essa concepção de laicidade mostra que o tipo de hostilidade reclamada como direito não é do primeiro caso, de agressão discursiva e simbólica, mas do segundo, de agressão física e, portanto, injustificável. No Brasil, um dos países onde esse tipo de debate é comum, grupos evangélicos apelam aos valores do Estado laico para defender hostilidades contra religiões de matriz africana, que, por sua vez, são alvo de discursos intolerantes, ameaças e de ataques a integrantes e aos seus espaços de reunião, muitas vezes acabando em fatalidade. O resultado é que as pessoas pertencentes a essas agrupações religiosas se tornam vulneráveis à violência, justamente por causa do próprio caráter africano de suas crenças.10 10 Para verificar os dados sobre a violência religiosa e racial no Brasil, cf. Mahoche (2021). Para uma análise das dificuldades estruturais e legais enfrentadas no acesso à Justiça por integrantes de religiões de matriz africana, cf. Hartikainen (2022).

A vitimização, nesses casos, faz parte de um fenômeno maior, a saber, a propagação de uma ideologia racista que difunde sentimentos de ódio contra a população negra e suas expressões culturais, notavelmente suas religiões. Em outras palavras, os sentimentos de ódio, e as ações por eles motivadas, dirigidos às religiões de matriz africana são consequência da disseminação social de uma ideologia racista. Quando a intolerância religiosa, ou seja, os discursos e ações hostis a uma religião, aparece em contextos do tipo, a possibilidade de se sofrer violências por causa da sua fé se torna uma forma de dominação - que a laicidade tem o dever de evitar. A laicidade como não dominação objetiva garantir uma sociabilidade minimamente adequada para a vida democrática. O tipo de intolerância religiosa derivado de discursos que promovem sentimentos de ódio, de repugnância, ou de rejeição total por parte de um grupo em contra de outro grupo é o tipo de intolerância que a laicidade como não dominação deve enfrentar.

Numa democracia, o estado tem interesse em proteger discursos desagradáveis e inclusive alguns discursos intolerantes. Discursos com propósito de propagar sentimentos de ódio em contra de pessoas pertencentes a determinados grupos sociais devem ser tratados, no entanto, de forma distinta. Independentemente de qual seja a nossa concepção predileta sobre os limites à liberdade de expressão, é evidente que existe um interesse fundamental por parte de qualquer estado democrático em evitar a propagação desses sentimentos, pois eles estão diretamente vinculados com ataques violentos contra os grupos alvo do ódio e, em consequência, contra a preservação dos valores que fundamentam a ordem democrática. Independentemente de o discurso x ser discurso que propaga esse tipo de sentimentos, é impreterível para qualquer sociedade democrática estar alerta à propagação desse tipo de sentimentos. Portanto, a defesa da laicidade para justificar a liberdade de hostilizar minorias religiosas não pode ser considerada como uma defesa da laicidade como não dominação. Pode ser coerente com outra concepção da laicidade - uma que, considerando sua compatibilidade com a violência em contra de minorias religiosas, não vale a pena ser defendida.

É útil lembrar que a defesa da laicidade como não dominação proposta neste artigo é uma defesa normativa da laicidade: trata-se de uma proposta sobre como estabelecer a relação institucional entre estado e igrejas. Em outras palavras, a laicidade como não dominação propõe entender a separação institucional entre estado e igrejas - e, em termos mais gerais, entre política e religião - como um mecanismo eficaz para promover a existência de uma realidade social na qual atores religiosos não participam em relações de dominação, tanto como vítimas quanto como perpetuadores. A laicidade como não dominação não pode ser utilizada para justificar práticas que promovam a dominação; por exemplo, a difusão de discurso inspirador de uma ideologia que provoca sentimentos de ódio contra uma religião determinada. A propagação de sentimentos de ódio não pode ser justificada a partir de um discurso que promove a não dominação.

Conclusão

Então, como distinguir os usos dos abusos do termo “laicidade”? Nesta última seção, interessa-me explorar a seguinte crítica ao argumento defendido: a definição de laicidade como não dominação não é útil para diferenciar os seus usos e abusos; essa diferenciação é realizada de forma autônoma e ad hoc. Por que, para o caso da descriminalização do aborto, a apropriação da defesa da laicidade é adequada, mas, para o caso do direito a discriminar, afirmo que não o é? Não será que as controvérsias são resolvidas de antemão?

Para responder a essa crítica, é importante que explicitemos que, embora o termo seja normativo, o conceito de dominação surge a partir da observação e descrição da realidade. Neste artigo, o termo “dominação” foi utilizado como um conceito eminentemente normativo, ou seja, afirma-se que uma relação é injusta quando ela é descrita como uma relação de dominação. No entanto, o caráter normativo desse conceito não é independente da observação e descrição dos fatos sociais. Nosso conhecimento das relações de dominação - relações injustas - depende de uma descrição adequada dos conflitos sociais existentes na realidade: ao nomearmos uma relação como uma relação de dominação, estamos considerando um conjunto de fatos que podem ser verificáveis. Logo, “dominação” não é o nome de um termo eminentemente abstrato, haja vista que a violência, a marginalização, a desigualdade nos status (ou seja, a predominância de ideologias anti-igualitárias que outorgam maior dignidade a certos grupos) ou a pobreza sistêmica, são todos fatos verificáveis que advertem relações de dominação.

Pode haver casos liminares nos quais é possível determinar se uma relação é ou não de dominação. Porém, os conflitos presentes nas sociedades contemporâneas não deixam dúvidas sobre quem são os grupos de pessoas que sofrem injustiças. As Ciências Sociais evidenciam bem esse ponto. Dentre os grupos sociais que sofrem injustiças, alguns são vinculados a uma religião. É por causa de suas crenças religiosas que são injustiçados, porém a religião não é o alvo exclusivo da injustiça. A laicidade como não dominação tem como propósito impedir que essa injustiça aconteça, e, para isso, inúmeras medidas podem ser tomadas. É possível, por exemplo, criar sanções sociais, excluir benefícios e incentivos legais, e criticar atitudes de intolerância, principalmente por parte do poder público - afastando-se, assim, do seu dever de neutralidade. Seria válido até mesmo atos de censura em situações extremas.

Essas medidas, direcionadas à proteção das liberdades básicas de integrantes de grupos religiosos vulneráveis, vítimas de violência física e, muitas vezes, letal, regulam - e não restringem - liberdades de outros grupos sociais. Sendo assim, dificilmente podem ser descritas como medidas que dominam os grupos imediatamente afetados pelas regulações introduzidas. Claro, é importante que permaneçamos vigilantes quanto a possíveis abusos na implementação dessas medidas. Entretanto, no contexto atual vivenciado por várias religiões que sofrem violência nas sociedades democráticas na América Latina - principalmente as religiões dos povos indígenas e as de matriz africana -, a laicidade como não dominação deve protegê-las da dominação de associações religiosas intolerantes, política e economicamente poderosas.

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    » https://doi.org/10.1017/S1743923X20000082.
  • 1
    Inspirada no valor da não dominação de Philip Pettit, Cécile Laborde (2008)LABORDE, Cécile. 2008. Critical republicanism: the hijab controversy and political philosophy. Oxford: Oxford University Press. defendeu uma versão republicana - e crítica - da laicidade francesa. Embora não diretamente, a laicidade como não dominação é uma tentativa de dar continuidade à interpretação sobre a laicidade em termos republicanos.
  • 2
    Para exemplos da normalização do pressuposto cristão na base da sociedade, cf. Nussbaum (2009NUSSBAUM, Martha. 2009. Liberty of conscience: in defense of America’s tradition of religious equality. New York: Basic Books., p. 218).
  • 3
    Para outra interpretação sobre a distinção entre “vertical” e “horizontal”, em análises de justiça social, cf. McKinnon (2013)MCKINNON, Catriona. 2013. Vertical toleration as a liberal idea. Social Theory and Practice, v. 39, n. 1, pp. 1-18. DOI: 10.5840/soctheorpract20133911.
    https://doi.org/10.5840/soctheorpract201...
    .
  • 4
    Para uma análise filosoficamente informada acerca dos desafios e conflitos da laicidade na Índia, em particular sobre os conflitos étnico-religiosos entre hindus e muçulmanos, cf. Chandhoke (2019)CHANDHOKE, Neera. 2019. Rethinking pluralism, secularism and tolerance: anxieties of coexistence. Thousand Oaks: Sage..
  • 5
    Para uma análise mais desenvolvida deste assunto, cf. Rudas (2019)RUDAS, Sebastián. 2019. Laicidad y Anticlericalismo. Ideas y Valores, v. 68, n. 171, pp. 81-103..
  • 6
    Para uma maior articulação histórica e conceitual, cf. Lemaitre Ripoll (2010)LEMAITRE RIPOLL, Julieta. 2010. Anticlericales de nuevo: la Iglesia Católica como un actor ilegítimo en sexualidad y reproducción en América Latina. In: PERONI, Lourdes (ed.). Derecho y sexualidades. Buenos Aires: Libraria. pp. 286-304., Rivera (2016RIVERA, Faviola. 2016. Liberalism in Latin America. In: ZALTA, Edward (ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Winter 2022 Edition). Stanford: Stanford University. Disponível em: Disponível em: https://stanford.io/3dL5rCO . Acesso em: 6 out. 2022.
    https://stanford.io/3dL5rCO...
    ; 2013RIVERA, Faviola. 2013. Lacidad y liberalismo. Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México .).
  • 7
    A visão que defende a criminalização total do aborto, no meu conhecimento, não poderia ser razoavelmente defendida.
  • 8
    A plausibilidade desse tipo de argumento depende da aceitação da polêmica premissa sobre o caráter especial da religião. Por que as religiões devem receber tratamento diferenciado? Embora eu acredite que esse raciocínio desacredita a defesa da laicidade diversificada, descrita acima, aqui não é o melhor lugar para desenvolver o assunto.
  • 9
    Para uma exposição e análise dos casos jurídicos envolvendo esse tipo de concepção da laicidade, embora sob o uso do termo “secularismo”, cf. Hartikainen, (2021)HARTIKAINEN, Elina. 2021. Racismo religioso, discriminação e preconceito religioso, liberdade religiosa: controvérsias sobre as relações entre Estado e religião no Brasil Atual. Debates do NER, v. 21, n. 40, pp. 89-114. DOI: 10.22456/1982-8136.120588.
    https://doi.org/10.22456/1982-8136.12058...
    .
  • 10
    Para verificar os dados sobre a violência religiosa e racial no Brasil, cf. Mahoche (2021)MAHOCHE, Manuel Jorge. 2021. Análise da violência motivada por racismo e intolerância religiosa, Brasil (2015 a 2018). Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva. Porto Alegre: UFRGS.. Para uma análise das dificuldades estruturais e legais enfrentadas no acesso à Justiça por integrantes de religiões de matriz africana, cf. Hartikainen (2022)HARTIKAINEN, Elina. 2021. Racismo religioso, discriminação e preconceito religioso, liberdade religiosa: controvérsias sobre as relações entre Estado e religião no Brasil Atual. Debates do NER, v. 21, n. 40, pp. 89-114. DOI: 10.22456/1982-8136.120588.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2022
  • Aceito
    07 Set 2022
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