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TRADUÇÃO E/COMO SOFT POWER: LITERATURA LATINO-AMERICANA NOS EUA DURANTE A GUERRA FRIA* 1 1 A autora expressa seu agradecimento a Hélio de Seixas Guimarães, Luiz Felipe Macedo e Luciana Namorato pela revisão da tradução.

Resumo

Este ensaio trata do crescimento do campo de traduções da literatura latino-americana nos EUA no período compreendido entre a Segunda Guerra Mundial e a década de 1970. Em particular, mostra como agentes privados - editoras, tradutores e organizações filantrópicas, por exemplo - estrategicamente impulsionaram a tradução da literatura da região como uma forma de diplomacia do livro, em que as publicações são subsidiadas, traduzidas e divulgadas como meio de estabelecer uma relação de boa vontade com seus autores e defensores e, em última análise, com seus compatriotas latino-americanos. Começo examinando os esforços do editor Alfred A. Knopf para traduzir a literatura latino-americana, ao mesmo tempo em que exploro os esforços de tradução e diplomacia cultural de Harriet de Onís, principal tradutora de Knopf para o espanhol e o português de 1950 até o final dos anos 1960. Posteriormente, discuto dois programas de subsídio à tradução das décadas de 1960 e 1970, criados por diferentes programas de filantropia da Fundação Rockefeller com o objetivo de apresentar os EUA e o sistema democrático de forma positiva aos escritores latino-americanos em uma época de fervor revolucionário e forte antiamericanismo na região. Em ambos os casos, a literatura e os autores brasileiros - incluindo, é claro, Machado de Assis - desempenham um papel de destaque. Concluo com uma breve discussão sobre como o movimento de traduzir Machado de Assis para o inglês nos EUA no início dos anos 1950 se encaixa, ou não, nesse panorama mais amplo.

Palavras-chave:
Boom latino-americano; organizações filantrópicas; Guerra Fria; Diplomacia Cultural; Machado de Assis

Abstract

This essay explores the growth of the field of Latin American literature in translation in the U.S. from the second World War through the 1970s. In particular, I focus on how private actors such as publishers, translators, and philanthropic organizations strategically pushed to translate literature from the region as a mode of book diplomacy, whereby publications are subsidized, translated, and disseminated as means of establishing goodwill with their authors and advocates, and, ultimately, with their Latin American compatriots. I begin by examining publisher Alfred A. Knopf's efforts to translate Latin American literature, while also exploring the translation and cultural diplomacy efforts of Harriet de Onís, Knopf's main translator for Spanish and Portuguese from 1950 through the late 1960s. Subsequently, I discuss two translation subsidy programs from the 1960s and 1970s that were founded by different Rockefeller philanthropies with an eye towards casting the U.S. and the democratic system in a positive light for Latin American writers at a time when revolutionary fervor and anti-Americanism were running high in the region. In each case, Brazilian literature and authors-including, of course, Machado de Assis-play a prominent role. I end with a brief discussion of how the move to translate Machado de Assis into English in the U.S. in the early 1950s fits into this broader panorama-or doesn't.

Keywords:
Latin American Boom; U.S. philanthropic organizations; Cold War cultural diplomacy; Machado de Assis

Durante as décadas de 1960 e 1970, a Guerra Fria e as ansiedades geradas pela Revolução Cubana atingiram níveis altos nos EUA, e a política externa e o intervencionismo norte-americanos fomentavam o antiamericanismo na América Latina, especialmente nos círculos intelectualizados. Nesse contexto, organizações públicas e privadas tomaram medidas para combater o antiamericanismo e conter a disseminação da política revolucionária, criando oportunidades de financiamento que apresentassem os EUA de forma positiva para artistas e intelectuais estrangeiros. A motivação para isso decorreu dos resultados das pesquisas de comunicação de massa do pós-guerra, as quais indicavam que a difusão de ideias políticas era particularmente eficaz por meio dos chamados "líderes de opinião", membros respeitados da comunidade que poderiam "exercer influência significativa na formação de opinião de seus pares" e, assim, influenciar a opinião pública no exterior em relação aos EUA (ROBIN, 2001ROBIN, Ron. The Making of the Cold War Enemy: Culture and Politics in the Military-Intellectual Complex. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 2001., p. 83).

Um memorando de 1962 da Agência de Informação norte-americana (U.S. Information Agency, USIA) sobre "The Intellectual in the Latin American Cultural Program" (O intelectual no programa cultural latino-americano), enviado ao Comitê de Política Latino-Americana da organização, explicita a justificativa para visar os escritores da região por meio da criação de programas e concursos de tradução:

Ao mesmo tempo em que [o intelectual] é uma figura fundamentalmente literária, ele é um criador. Mesmo sendo um cientista, sua influência na sociedade à qual pertence se dá quase que inteiramente por meio da palavra impressa. A palavra impressa é fundamental para o reconhecimento intelectual. Publicar algo não é fácil na maior parte da América Latina. O reconhecimento associado à tradução e à publicação estrangeira é um dos mais altos que se pode obter, especialmente se a promessa de retorno monetário estiver associada a essa atividade, seja diretamente na forma de prêmios ou indiretamente por meio de royalties. Medalhas, certificados e cerimônias públicas têm grande apelo como prova de reconhecimento. Esse tipo de reconhecimento é melhor concedido por entidades privadas do que pelas entidades oficiais.2 2 Memorando ao Comitê de Política Latino-Americana sobre "The Intellectual in the Latin American Cultural Program", 24 de maio de 1962; Registros da USIA, Record Group (doravante RG) 306, P9, Caixa 11, Arquivo 3; National Archives at College Park, College Park, MD (doravante NARA).

Em suma, as iniciativas de tradução eram vistas como tendo o potencial de atrair os intelectuais latino-americanos para os EUA e sua democracia, e afastá-los da influência da ideologia revolucionária.

Tradução como/Tradutores e Diplomacia do Livro

Alfred A. e Blanche Knopf fundaram sua editora, Alfred A. Knopf, Inc., em 1915. Eles publicaram escritores europeus desde o início e, ao longo dos anos, acrescentaram ao seu catálogo várias obras de autores da América Latina. Em 1942, impossibilitada de viajar à Europa em busca de novas perspectivas, por causa da guerra, Blanche Knopf visitou vários países latino-americanos - Colômbia, Chile, Peru, Argentina, Uruguai e Brasil - sob a égide do Departamento de Estado (BALCH, 1998BALCH, Trudy. Pioneer on the Bridge of Language. Américas, n. 50.6, p. 46-51, Nov./Dec. 1998.. p. 50; ROSTAGNO, 1997ROSTAGNO, Irene. Searching for Recognition: The Promotion of Latin American Literature in the United States. Westport, CT: Greenwood Press, 1997., p. 31). As relações que estabeleceu com escritores e editoras, e o cultivo da imagem das editoras norte-americanas como veículos de prestígio para publicação, se encaixam perfeitamente na agenda da chamada Boa Vizinhança. Durante suas viagens, Knopf contratou uma série de obras para a empresa que, nas palavras de Irene Rostagno (1997ROSTAGNO, Irene. Searching for Recognition: The Promotion of Latin American Literature in the United States. Westport, CT: Greenwood Press, 1997., p. 33), "alimentou o apetite oficialmente promovido por coisas latino-americanas".

O interesse norte-americano pela região diminuiu após a guerra, mas o compromisso dos Knopfs com ela não, ainda que o mercado para a literatura latino-americana fosse pequeno e a publicação fosse cara, pois, além do custo inicial das traduções, elas exigiam um maior investimento em publicidade para apresentar autores que muitas vezes eram desconhecidos nos EUA. Alfred A. Knopf foi o primeiro a admitir que a maioria das traduções da literatura latino-americana feitas por sua empresa incorreram em prejuízo. No entanto, o capital simbólico ganho com a iniciativa significava mais para ele do que os retornos monetários, e ele permaneceu comprometido com a publicação de obras mais propensas a se tornarem itens de prestígio do que best-sellers. Assim, para os Estados Unidos, a Knopf, Inc. exerceu significativo soft power (poder brando) na América Latina: a publicação pela empresa ajudou escritores latino-americanos a promover suas carreiras, o que, por sua vez, colaborou para cultivar a boa vontade entre seus autores e, esperava-se, de seus leitores em relação aos Estados Unidos. Foi assim que Gilberto Freyre (1965FREYRE, Gilberto. My Compadre Alfred. In: KNOPF, Alfred A. (Ed.). Portrait of a Publisher 1915-1965. Volume II. New York: The Typophiles, 1965. p. 206-12., p. 209), um autor de longa data da Knopf, afirmou que "a presença de Alfred A. Knopf entre os povos latinos do continente foi a de um embaixador extraoficial [...] [que aproximou] os Estados Unidos, pelo charme de sua personalidade, desses mesmos povos latinos". De fato, a declaração de Onís (1965DE ONÍS, Harriet. The Man in the Sulka Shirt. In: KNOPF, Alfred A. (Ed.). Portrait of a Publisher 1915-1965. Vol. II. New York: The Typophiles , 1965. p. 201-5. , p. 203) de que Knopf era "uma Aliança para o Progresso de um homem só" demonstra como sua promoção da literatura latino-americana gerou enorme sentimento positivo para com os EUA na região.

Apesar dos esforços dos Knopfs, no entanto, antes da Revolução Cubana a publicação da literatura latino-americana nos EUA foi bastante esparsa. Contudo, a revolução provocou o movimento conhecido como o "Boom" da literatura hispano-americana, e autores como Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa entraram na corrente literária internacional. Depois de 1959, a maré começou a virar, e outras editoras comerciais (por exemplo, Grove, Farrar, Straus e Giroux, Harper & Row, Pantheon) começaram a publicar literatura da região.

Embora a tradução em geral possa exercer um considerável poder brando, os próprios tradutores também podem desempenhar papel decisivo na atração e convencimento de autores. O trabalho de Harriet de Onís é um bom exemplo de como tradutores - além do trabalho de tradução - podem ser mediadores do gosto literário nos EUA e agentes não oficiais da diplomacia do livro. Como os Knopfs foram, por muitos anos, os principais editores de literatura latino-americana nos EUA, de Onís foi uma importante mediadora e defensora dessa literatura. De Onís via seu trabalho - e o dos Knopfs - como um modo de diplomacia cultural privada que ajudava a promover os esforços oficiais da política externa. Ela interessava-se particularmente pelo Brasil e sua produção cultural, bem como pela política. No final de 1959, por exemplo, ela disse a Knopf que "o Brasil está se tornando mais importante a cada dia. [...] chegará o dia [...] em que uma das coisas pelas quais você será lembrado é por ter sido o primeiro a publicar autores brasileiros. Não apenas o comércio, mas a cultura segue a bandeira".3 3 De Onís para Alfred A. Knopf, 25 de novembro de 1959, Registros da Alfred A. Knopf, Inc., Harry Ransom Center (HRC), caixa 327, pasta 7 (os materiais desta coleção serão identificados posteriormente como KR, seguidos dos números da caixa e arquivo [por exemplo, KR 327.7]).

A relação de De Onís com a obra de Jorge Amado demonstra como ela via seu trabalho de tradutora como uma forma de diplomacia cultural (mesmo que isso significasse ir contra suas próprias crenças políticas, que eram anticomunistas). Por exemplo, quando a tradução de James Taylor de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, foi duramente criticada, ela se ofereceu para retrabalhá-la "sem crédito ou pagamento: Essa será minha contribuição para a Aliança pelo Progresso".4 4 De Onís a Alfred A. Knopf, 7 de julho de 1961, KR 327.7, HRC. Além disso, quando convidada pela Knopf, Inc. para resenhar Gabriela (1962), de Jorge Amado, de Onís concordou em ler o romance, mas certificou-se de que a editora estava ciente do envolvimento do escritor, até meados de 1950, com o Partido Comunista.5 5 De Onís a Alfred A. Knopf, 9 de julho de 1960, KR 295.1, HRC. Embora tenha recomendado Gabriela com entusiasmo e se mostrado eloquente a respeito de algumas das obras posteriores de Amado, ela continuou a expressar preocupação com a mensagem comunista do autor.6 6 De Onís para Koshland, 9 de dezembro de 1961, KR 339.5, HRC. Ao mesmo tempo, de Onís esforçou-se pessoalmente para trazer Amado para os EUA. Em 1962, por exemplo, ao pedir à Saturday Review que resenhasse um de seus romances, ela afirmou que a obra merecia boa divulgação por sua qualidade e ressaltou a importância de uma recepção positiva nos Estados Unidos, pois isso poderia criar uma boa disposição de Amado e de seus colegas escritores latino-americanos - formadores de opinião - em relação aos Estados Unidos e, por sua vez, afetar a imagem que eles transmitiam dos EUA a seus compatriotas.7 7 De Onís para W.D. Patterson, 2 de abril de 1962, KR 361.3, HRC.

Programas de Subsídio à Tradução

Passo agora à análise de dois programas de tradução de obras latino-americanas que lançam luz sobre a dinâmica política na qual a tradução de obras da região estava inserida nos EUA. Ambos começaram na década de 1960 e receberam apoio de distintas entidades filantrópicas financiadas pela família Rockefeller. Com efeito, ambos foram concebidos como modos de diplomacia do livro num período em que as ansiedades sobre a ideologia revolucionária e o antiamericanismo na América Latina estavam em alta nos EUA. Os muitos sucessos literários dos autores do Boom - aliados à qualidade da literatura e, muitas vezes, aos ideais políticos que ela refletia - convenceram as editoras a incluir mais escritores latino-americanos em suas listas. Além disso, houve aumento da disponibilidade de subsídios para tradução e publicação por parte de organizações públicas e privadas que buscavam cultivar relações positivas com artistas e intelectuais latino-americanos.

Associação das Editoras Universitárias Americanas - Programa de Tradução Latino-Americana da Fundação Rockefeller

A primeira iniciativa que discutirei é o Programa de Tradução Latino-Americana (o Latin American Translation Program, também conhecido como LATP), financiado por uma dotação da Fundação Rockefeller (Rockefeller Foundation, ou RF) e administrado pela Associação das Editoras Universitárias Americanas (American Association of University Presses, ou AAUP). O programa fazia parte de uma onda de iniciativas de tradução financiadas por entidades filantrópicas nos anos 1950 e 1960. No início de 1958, Frank Wardlaw, diretor da University of Texas Press, propôs informalmente um programa que ajudaria a pagar a tradução de obras ficcionais e acadêmicas por editoras universitárias, as University Presses, ou UPs. Wardlaw foi motivado pelo desejo de dar sucesso comercial às editoras e permitir que fizessem uma "contribuição importante".8 8 Citado a partir das anotações de uma entrevista entre John P. Harrison e Frank Wardlaw, de 29 de janeiro de 1958, Arquivos da RF, Record Group (RG) 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2737, Rockefeller Archive Center (RAC). Ao mesmo tempo, ele também via a iniciativa como capaz de melhorar o entendimento interamericano e a boa vontade mútua.9 9 Carta de Wardlaw a Harrison, 6 de janeiro de 1958, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2737, RAC. No início de 1960, junto com August Frugé, diretor da University of California Press, e dois outros diretores de UPs, Wardlaw propôs formalmente à fundação um projeto de subsídio à tradução, que seria supervisionado pela AAUP. Embora a proposta afirmasse que "não há disposição por parte da Associação de Editoras Universitárias [sic] de embarcar em um programa de tradução em prol das relações internacionais", fica claro que os organizadores eram sensíveis ao que seu programa poderia significar para as relações políticas do hemisfério.10 10 Citado a partir de "General Statement and Justification", por August Frugé, 16 de fevereiro de 1960, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2738, RAC. Como escreveu Wardlaw, "estamos todos convencidos de que um programa de tradução como este poderia fazer um bem imenso ao fortalecer os laços culturais que nos unem à América Latina".11 11 Citado a partir da carta de Frank Wardlaw a John P. Harrison, 11 de março de 1959, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2737, RAC.

Em abril de 1960, a Fundação Rockefeller concedeu um subsídio de US$ 225.000 por cinco anos à AAUP para apoiar um programa no qual editoras individuais proporiam obras não traduzidas da América Latina para suas respectivas listas a um comitê nacional, que concederia aproximadamente 15 subsídios de até US$ 3.000 por ano. Obras literárias, bem como textos recentes e canônicos das humanidades e ciências sociais eram elegíveis para a obtenção dos subsídios. A aprovação da fundação destacou a natureza estratégica do programa, observando que a imprensa acadêmica "agora parece estar pronta para agir com base na convicção de que os desenvolvimentos recentes e significativos na América Latina exigem uma reorientação do pensamento em relação ao papel que essa região desempenhará no futuro do intercâmbio cultural e intelectual entre as nações".12 12 Citado a partir da resolução "Yale University Press-Latin American Translations", 6 de abril de 1960, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2738, RAC.

O alinhamento da Fundação Rockefeller e da AAUP em seus esforços para conduzir a diplomacia do livro reflete a dinâmica daquilo que os acadêmicos designaram "rede estatal-privada", que Liam Kennedy e Scott Lucas caracterizaram como a "colaboração sem precedentes entre agências 'oficiais' dos EUA e grupos e indivíduos 'privados' no desenvolvimento e implementação de programas políticos, econômicos e culturais em apoio à política externa dos EUA desde o início da Guerra Fria até hoje" (KENNEDY; LUCAS, 2005KENNEDY, Liam; LUCAS, Scott. Enduring Freedom: Public Diplomacy and US Foreign Policy. American Quarterly, v. 57, n. 2, p. 309-33, June 2005., p. 312). Em outras palavras, os interesses das organizações privadas já refletiam claramente os do Estado. No caso em questão, tanto os diretores da Rockefeller como os coordenadores do programa de tradução compartilhavam o interesse em usar o programa para melhorar o entendimento mútuo, servir como um meio de ajudar os EUA a entender a cultura e a história da região e beneficiar o interesse nacional norte-americano. E, no entanto, apesar das motivações estratégicas compartilhadas, nem a Fundação nem a AAUP tinham controle direto sobre a escolha das propostas de livros apresentadas pelas editoras acadêmicas, o que significa que o programa, no fim, funcionava com autonomia.

Desde o início do programa houve muitos pedidos de subsídios. O comitê aprovou quinze títulos durante o primeiro ano e 35 - mais do que o dobro da meta anual - durante o segundo.13 13 Relatório sobre o Programa de Tradução Latino-Americana (1º de abril de 1960 - 31 de março de 1962), Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2741, RAC. O programa acabou subsidiando 83 livros em vinte editoras universitárias entre 1960 e 1966 (ver Tabela 1).14 14 Nem todos os títulos propostos acabaram por ser impressos. Os títulos incluíam trabalhos acadêmicos e várias obras importantes de literatura, algumas das quais haviam lançado as bases para o Boom. Juntos, o Texas e a Califórnia, que já tinham um longo histórico de publicações de literatura e estudos latino-americanos (refletindo a geografia e a história dos estados que atendiam), publicaram cinquenta livros, incluindo a maioria dos livros literários subsidiados pelo programa.

TABELA 1:
OBRAS LITERÁRIAS SELECIONADAS E PUBLICADAS PELO PROGRAMA DA AAUP15 15 Lista "Projetos Aprovados", 1º de abril de 1966, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 293, pasta 2743, RAC.

Em 1966, quando se aproximava o fim do financiamento do programa, os beneficiários solicitaram a renovação do apoio, pois a maioria dos títulos havia sido publicada com prejuízo, e a receita de vendas, por si só, era insuficiente para financiar a continuidade das publicações. Buscando capitalizar o programa como agente da diplomacia do livro, argumentavam que "o valor do programa para bolsas de estudos e o entendimento internacional têm sido muito maior do que as vendas e os retornos monetários indicariam".16 16 "A PROPOSAL TO THE ROCKEFELLER FOUNDATION For Renewal of THE LATIN AMERICAN TRANSLATION PROGRAM", 4 de fevereiro de 1966, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 293, pasta 2743, RAC. Os membros do comitê que selecionaram os livros financiados pelo programa também endossaram a proposta: elogiaram seu sucesso na criação de um mercado para livros sobre a América Latina e, principalmente, seus efeitos sobre os intelectuais latino-americanos na qualidade de formadores de opinião e suas contribuições para as relações interamericanas. Os diretores da Rockefeller, no entanto, preocupavam-se com o fato de o programa não estar de acordo com as prioridades atuais da Fundação nem ser autossustentável, e acabaram por recusar a proposta.

O LATP alcançou seu objetivo de impulsionar a publicação e a imagem da literatura latino-americana nos EUA, mas operou com prejuízo financeiro. Informações fornecidas pela University of California Press e pela University of Texas Press indicam que as vendas foram, na melhor das hipóteses, modestas. Apenas doze das publicações de capa dura venderam mais de 1.000 exemplares, e nenhuma vendeu mais de 3.000 cópias, embora dois livros de bolso tenham alcançado 3.500 exemplares vendidos.17 17 "REPORT OF THE LATIN AMERICAN TRANSLATION PROGRAM COMMITTEE", escrito por Sloane, maio de 1965, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 293, pasta 2743, RAC. Isso não era incomum para obras literárias latino-americanas, mas a falta de receita gerada indicava por que as editoras comerciais se sentiam pouco incentivadas a aceitar obras da região. A maioria dos livros subsidiados pelo programa rendeu entre US$ 2.700 e US$ 5.200. Memoirs of Pancho Villa, de Martín Luis Guzmán, The Edge of the Storm, de Agustín Yáñez, e Cortés: The Life of the Conqueror by His Secretary, de Francisco López de Gómara, foram os mais vendidos, arrecadando entre US$ 8.200 e US$ 14.800. Talvez não por coincidência, Memoirs of Pancho Villa e Cortés se beneficiaram dos maiores orçamentos de promoção e publicidade. No entanto, exceto por Cortés, que registrou um ganho de US$ 1.301 no início de 1966, a University of California Press e a University of Texas Press publicaram todos os seus livros com prejuízo líquido: embora o custo da tradução tenha sido subsidiado, os custos de impressão, despesas gerais, editoriais e outras aumentaram significativamente o investimento da editora em cada livro. Portanto, apesar dos altos orçamentos de publicidade, Memoirs of Pancho Villa registrou a maior perda geral (US$ 6.270). Dreamtigers, de Borges, de menor orçamento promocional, teve a menor perda - prova, ao que parece, do crescente interesse pela obra do autor nos anos seguintes ao recebimento do Prêmio Internacional de Editores de 1961.18 18 "A PROPOSAL TO THE ROCKEFELLER FOUNDATION", RAC.

Defendo que as tímidas vendas dos livros do programa estavam, pelo menos em parte, relacionadas à sua negligência para com a ficção contemporânea - principalmente a dos autores do Boom e seus contemporâneos -, que crescera em popularidade durante esses anos. A University of Texas Press foi a única editora a publicar ficção recente, incluindo obras das décadas de 1940 a 1960 de Bioy Casares e Borges, bem como de vários autores mexicanos. Dois desses últimos, The Precipice (1960), de Sergio Galindo, e Recollections of Things to Come (1963), de Elena Garro, foram os romances de publicação então mais recente subsidiados pelo programa da AAUP. No entanto, apesar de terem sido publicados em espanhol durante os primeiros anos do Boom, nenhum deles alcançou - em espanhol ou em inglês - um perfil comparável ao das obras do Boom. As outras obras literárias publicadas pelas diversas editoras universitárias se enquadravam, em sua maioria, em três categorias principais: ficção brasileira; narrativas de conquista e coloniais; e ensaios. Em geral, portanto, as traduções literárias do programa ganharam alguma visibilidade, mas geraram pouca receita para suas editoras.

Como as editoras universitárias dependem fortemente das recomendações de acadêmicos para suas listas, parece provável que os professores estivessem propondo títulos então ensinados nos cursos universitários. A ficção contemporânea subsidiada pelo programa poderia ter sido incluída no crescente número de cursos de literatura latino-americana em tradução que se seguiu à Revolução Cubana, enquanto os ensaios, textos anteriores e obras sobre a Revolução Mexicana seriam adequados para cursos de literatura e história. No entanto, nem todos os latino-americanistas estavam igualmente familiarizados com (ou, em alguns casos, aprovavam) as últimas tendências da narrativa, que colocavam em primeiro plano a vanguarda estilística e a revolução política. Isso explicaria o número reduzido de propostas que as editoras universitárias receberam para traduzir obras do Boom e outras da literatura contemporânea.

A crescente profissionalização do escritor latino-americano durante esses anos também pode ter prejudicado a capacidade do programa para adquirir os direitos de publicação de obras da literatura contemporânea. Naquela época, os escritores do Boom e seus contemporâneos estavam se tornando mais experientes quanto aos esforços para promover suas obras, contratando agentes e fazendo contatos com grandes editoras de Nova York. Com isso, eles estavam mais propensos a publicar em editoras comerciais, cujas estratégias de marketing, contratos e tradutores mais experientes eram mais vantajosos do que os das editoras universitárias. Ao mesmo tempo, havia um grupo de acadêmicos - alguns dos quais eram tradutores - que, durante os anos do programa da AAUP, atuavam como agentes e encaminhavam os autores com os quais mantinham contato para as editoras comerciais (muitas vezes por meio de seus contatos no Centro de Relações Interamericanas, que discutirei abaixo). Ao final, os mesmos fatores que mantiveram os riscos baixos para as editoras universitárias (por exemplo, edições menores e, portanto, públicos menores e mais especializados, custos mais baixos e, como organizações sem fins lucrativos, o fato de escaparem às pressões corporativas para apresentar grandes lucros anuais) e, por conseuquência, tornaram-nas um bom veículo inicial para a formação de público para as obras latino-americanas, acabaram por torná-las inadequadas ao "best-sellerismo" que definiu o Boom - e ao desejo das editoras de permanecerem no azul.

Departamento de Literatura e Programa de Tradução do Centro de Relações Interamericanas

Em contraste com o LATP, a iniciativa de subsídio à tradução dirigida pelo Departamento de Literatura do Centro de Relações Interamericanas (Center for Inter-American Relations, o CIAR), sem fins lucrativos, estava bem equipada para tirar proveito da atividade que então se via no campo da literatura latino-americana naquele momento. O Centro foi fundado na década de 1960 por David Rockefeller, com financiamento de várias entidades filantrópicas da família Rockefeller, para servir de contrapeso nos EUA à Casa de las Américas, fundação cubana patrocinada pelo Estado que foi um centro de atividade cultural nos anos pós-Revolução.19 19 Para uma ampla discussão sobre o Centro, sua história e seus programas, ver o capítulo 4 do meu livro, The Latin American Literary Boom (COHN, 2012). O Centro buscava

melhorar a comunicação entre os envolvidos no processo de desenvolvimento político, econômico e social do hemisfério [... e] desenvolver a boa vontade e o reconhecimento, por parte de lideranças latino-americanas, do Centro como o intérprete sensível, nos Estados Unidos, de seus desejos de compreensão e reconhecimento, tanto de si mesmos como dos problemas e aspirações de seus países.20 20 "Program and Budget 1968-1971", seção A, 15 de março de 1968, Arquivos da RBF, RG 3.1, Caixa 192, Pasta 1239, RAC.

E, assim como a Casa de las Américas, o Centro também foi concebido como um ímã para escritores e artistas latino-americanos, além de profissionais e estadistas.

O CIAR era composto de quatro departamentos, cada um com agenda diferente e atuação independente: Relações Públicas, Literatura, Música e Artes Visuais. De todos os departamentos do Centro, o de Relações Públicas demonstrou o alinhamento mais próximo ao establishment da política externa norte-americana e, ocasionalmente, foi criticado por latino-americanistas dentro e fora dos EUA, devido a atividades que pareciam ser um canal para as políticas oficiais do país. Os programas culturais do Centro, por outro lado, buscavam defender a liberdade de expressão do artista individual, que foi, durante esse período, apresentada como um benefício da democracia, que contrastava com as restrições da URSS às liberdades dos intelectuais. Como resultado, o Departamento de Literatura, pedra angular dos programas culturais do Centro, demonstrava uma abertura para orientações políticas que se desviavam daquelas do establishment e da própria administração do Centro. Ao longo dos anos, ele subsidiou visitas e/ou publicação de vários autores que defendiam posições marxistas e pró-Cuba, incluindo Miguel Ángel Asturias, Ernesto Cardenal, Cortázar, Fuentes, García Márquez e Pablo Neruda. Ao cultivar relações com escritores (de esquerda ou não), auxiliando na divulgação de suas obras e na consolidação de suas reputações, e, até mesmo, defendendo-os publicamente em momentos políticos tensos, o Departamento de Literatura realizou um trabalho fundamental de diplomacia cultural, que rendeu frutos políticos e boa vontade entre os autores beneficiados pelo programa.

Por meio de suas atividades de networking e publicidade, o Departamento de Literatura criou um espaço de alto nível para a atividade literária latino-americana na cidade de Nova York e em todo os EUA. Ele apoiava todos os aspectos da tradução, publicação e promoção da literatura latino-americana: "recomendava novos livros, encomendava [...] amostras de traduções [e resenhas], atuava como agente informal", organizava conferências e publicidade, e muito mais (CENTER, 1969CENTER for Inter-American Relations Annual Report. New York, 1969., p. 14-15). O departamento também apoiou uma nova geração de tradutores, o que contribuiu para o sucesso das obras que subsidiou e melhorou a qualidade da tradução disponível em geral. Os tradutores do Centro incluíam Suzanne Jill Levine, Gregory Rabassa e Eliot Weinberger, entre outros. Muitos eram uma ou duas gerações mais jovens do que de Onís e, frequentemente, mais abertos às inclinações lúdicas dos escritores modernos (bem como às suas políticas). Eles eram talentosos, comprometidos com a profissionalização do ofício da tradução e recebiam prêmios e elogios frequentes por seu trabalho. E, assim como de Onís, também se tornaram defensores dos autores a quem serviam.

Entre 1967 e 1983, o Departamento de Literatura administrou um programa de subsídios que apoiou mais de cinquenta traduções, incluindo muitas obras literárias contemporâneas de alto nível, obras críticas, antologias e outros tipos de textos (Tabela 2). O programa de tradução rapidamente se tornou o ponto central do departamento. Conforme detalhado por Rostagno (1997ROSTAGNO, Irene. Searching for Recognition: The Promotion of Latin American Literature in the United States. Westport, CT: Greenwood Press, 1997., p. 107), José Guillermo Castillo, seu diretor, trabalhou com um comitê de estrelas formado por acadêmicos, críticos e tradutores norte-americanos, bem como pelo poeta Mark Strand e os críticos argentinos Omar del Carlo e María Luisa Bastos. O programa subsidiava a tradução para o inglês de seis a oito obras por ano. Ele geralmente dividia o custo da tradução com editoras, contribuindo com até US$ 2.500 por obra, ainda que em vários casos subsidiasse toda a tradução. Ao subscrever a tradução de obras literárias, muitas das quais já haviam alcançado o status de best-seller na América Espanhola e na Espanha, o Programa de Literatura aumentou a visibilidade internacional do Boom nos EUA (MAC ADAM, 2000MAC ADAM, Alfred. The Boom and Beyond: Latin American Literature and the Americas Society. In: KATZEW, Ilona; FARMER, John A. (Eds.). A Hemispheric Venture: Thirty-Five Years of Culture at the Americas Society, 1965-2000. New York: Americas Society, 2000. p. 179-205. , p. 186).

TABELA 2:
OBRAS LITERÁRIAS SELECIONADAS E PUBLICADAS PELO PROGRAMA DE TRADUÇÃO DO CIAR

O subsídio do programa para One Hundred Years of Solitude (1970), de García Márquez, foi um divisor de águas nesse processo. No One Writes to the Colonel foi publicado em inglês em 1968, mas atraiu muito pouca atenção. Por outro lado, One Hundred Years of Solitude se tornou o segundo romance latino-americano (depois de Gabriela) a entrar na lista de best-sellers do New York Times; também entrou na lista da Publisher's Weekly e foi indicado como um dos Livros Notáveis do ano pela American Library Association (ALA). Assim, o romance consolidou a reputação do autor nos EUA e acelerou o avanço da tradução literária latino-americana no país. Ao chamar a atenção de um público amplo para a literatura latino-americana, ele abriu mercado para traduções ao qual o programa do Centro atendeu. Outros livros subsidiados pelo programa de tradução também ajudaram a catalisar ainda mais o interesse pela área. Por exemplo, três romances de Manuel Puig - Betrayed by Rita Hayworth, Heartbreak Tango e Kiss of the Spider Woman - também entraram para a lista de Livros Notáveis da ALA (50 YEARS, 199650 YEARS of Notable Books. Reference and Adult Services Division, American Library Association. Chicago: Booklist Publications, 1996.). E, em 1971, mais quatro traduções do programa apareceram na seleção anual de títulos notáveis do New York Times: The Aleph and Other Stories 1933-1969, de Borges; Three Trapped Tigers, de Guillermo Cabrera Infante; Configurations, de Paz; e Betrayed by Rita Hayworth, de Puig (1971: A SELECTION, 19711971: A SELECTION of Noteworthy Titles. New York Times, 5 Dec. 1971. (ProQuest)). The Obscene Bird of Night, de Donoso, recebeu a mesma homenagem em 1973, bem como o Prêmio de Tradução P.E.N. No longo prazo, portanto, o Departamento de Literatura como um todo foi fundamental para transformar as condições de publicação da literatura latino-americana nos EUA: além de possibilitar a tradução e a publicação de romances, também ajudou a estabelecer uma infraestrutura de publicidade e divulgação, bem como de conexão entre autores e editoras.

Criando best-sellers

O estudo da presença comercial e das estratégias de marketing - ou a falta delas - desses programas de tradução fornece insights essenciais sobre o desenvolvimento do mercado de literatura latino-americana nos EUA durante as décadas de 1960 e 1970. O mesmo se dá com o contraste entre a alta visibilidade das obras apoiadas pelo programa do Centro e a relativa invisibilidade daquelas do LATP. À medida que a década de 1960 avançava e a reputação internacional da literatura latino-americana crescia, as editoras comerciais tornaram-se mais dispostas a assumir riscos, inclusive contratando "estrelas" como Borges, Cortázar, Fuentes, García Márquez, Neruda, Paz e Vargas Llosa, e publicando obras notáveis mesmo quando não havia subsídios do Centro. A publicação de literatura latino-americana ainda não era lucrativa, mas seu apelo estava aumentando, e o número de traduções crescia rapidamente.21 21 Essa avaliação foi obtida a partir da revisão do livro Latin American Literature in English Translation, de Bradley A. Shaw (1976). O mercado para essas obras também aumentou nas universidades, onde o número de cursos oferecidos sobre literatura latino-americana dobrou entre a Revolução Cubana de 1959 e o final da década de 1960, e o número de cursos de tradução aumentou drasticamente (NEEDLER; WALKER, 1971NEEDLER, Martin; WALKER, Thomas. The Current Status of Latin American Studies Programs. Latin American Research Review, v. 6, n. 1, p. 119-39, Spring 1971., p. 133). O sucesso crítico de Hopscotch (1966) e o sucesso crítico e comercial de One Hundred Years of Solitude contribuíram para esse processo, abrindo um mercado mais amplo e inaugurando uma nova onda de traduções.

Os livros subsidiados pelo programa da AAUP representavam aproximadamente metade das traduções latino-americanas publicadas em um determinado ano durante a primeira metade da década de 1960. Assim, o programa, sozinho, aumentou o número de obras latino-americanas disponíveis no mercado. Mas, como observei anteriormente, essas obras haviam sido publicadas originalmente na década de 1950, ou antes; atraíam principalmente públicos menores, muitas vezes acadêmicos; e inspiravam menor interesse comercial do que as dos autores do Boom e seus contemporâneos, que estavam sendo publicadas na década de 1960. Não foram as editoras universitárias, portanto, mas sim as editoras comerciais e o Departamento de Literatura do CIAR que acabaram se beneficiando do crescente mercado de traduções latino-americanas nos EUA. De fato, praticamente todas as obras literárias subsidiadas pelo Centro foram publicadas pela primeira vez nas décadas de 1960 e 1970, como parte da onda crescente da literatura latino-americana, e o programa usou habilmente as forças do mercado para promovê-las.

O Departamento de Literatura construiu uma infraestrutura que maximizou a visibilidade pública dos autores latino-americanos e de suas obras. Uma de suas principais funções incluía a publicação de resenhas de livros nos principais periódicos. Como observou Richard Ohmann (1983, p. 202), nesse período "o incentivo mais importante que um romance poderia receber era uma resenha de destaque no New York Times de domingo". Em geral, as resenhas dos livros patrocinados pelo Centro apareciam oportunamente nos jornais que "tinham peso especial na formação de juízos culturais" entre os intelectuais de elite e formadores de opinião, incluindo o New York Review of Books, o New York Times, o New Yorker e outros (OHMANN, 1983, p. 204). Elas também apareciam em periódicos acadêmicos e populares como Choice, Christian Science Monitor, Library Journal, Nation, Publishers Weekly e Time. Obras em prosa eram frequentemente resenhadas em dez a vinte periódicos.22 22 Essas informações foram compiladas do Book Review Index: A Master Cumulation 1965-1984, de Tarbert e Beach (1985). Livros de autores em ascensão e aqueles que o Centro estava particularmente interessado em promover recebiam uma cobertura ainda melhor: Obscene Bird of Night, de Donoso, por exemplo, foi resenhado em 24 periódicos; o Book of Imaginary Beings, de Borges, em 31; e One Hundred Years of Solitude, em 33.

Por outro lado, o programa da AAUP não estava envolvido com a promoção e venda das obras que subsidiava, pois seus fundos cobriam apenas os custos de produção dos livros. Assim, as obras literárias subsidiadas pelo programa da AAUP recebiam muito menos destaque, pois eram comercializadas pelas editoras universitárias, geralmente por meio de canais não comerciais. Na maior parte, cada livro subsidiado pelo programa recebeu apenas de uma a sete resenhas. Apenas uma obra literária publicada pelo programa de tradução da AAUP recebeu publicidade comparável àquela regularmente concedida às obras do Centro: Esau and Jacob (1965), de Machado de Assis, foi resenhado em dezenove periódicos, incluindo publicações populares e de elite com alta circulação, como o New York Times, New Yorker, Newsweek e Time. A atenção dispensada ao romance pode ser atribuída à percepção articulada por sua editora de que o escritor era "considerado por muitos como o melhor escritor de ficção de toda a América Latina e o único antes de Jorge Luis Borges a ser comparado aos melhores escritores europeus" (FRUGÉ, 1993FRUGÉ, August. A Skeptic Among Scholars: August Frugé on University Publishing. Berkeley: University of California Press, 1993., p. 112). Do contrário, os livros patrocinados pela AAUP eram resenhados principalmente em revistas comerciais e acadêmicas (por exemplo, Choice, Hispania e Library Journal), que atingiam públicos menores e mais especializados, e as resenhas geralmente demoravam vários anos para serem publicadas. Em última análise, o programa de tradução do Centro conseguiu alavancar as forças de marketing, publicidade e as redes de contato do Departamento de Literatura, no qual estava inserido, e, assim, obter maior visibilidade para as obras que subsidiava.

O Departamento de Literatura foi indispensável na divulgação do Boom e de outras produções latino-americanas nos EUA, assim como na obtenção de visibilidade considerável para eles, ao contrário das obras literárias patrocinadas pelo programa da AAUP, que tiveram alcance muito menor. Ambos os programas de tradução visavam o público acadêmico, por meio do qual os livros poderiam ser introduzidos nos cursos universitários e, assim, alcançar o status de "literatura", mas somente o programa do Centro fez um esforço coordenado para atingir um público leitor mais amplo (ver OHMANN, 1983, p. 205-206). E, como Richard Ohmann (1983, p. 207, 206) argumentou a respeito do cenário literário dos EUA nesse período, "a formação do cânone [...] ocorreu na interação entre grandes públicos e intelectuais mediadores", ou seja, alcançando tanto altas vendas como "o tipo certo de atenção crítica" - ou, para usar a terminologia de Pierre Bourdieu, envolvendo tanto o campo da produção em larga escala como o campo da produção restrita. Ao visar tanto a elite cultural como os leitores populares, o programa de literatura do Centro acelerou a capacidade dos escritores latino-americanos de se firmarem no cenário literário dos EUA.

Ao mesmo tempo, o programa de tradução do CIAR também desempenhou papel importante na diplomacia cultural e do livro por meio de networking, publicidade e defesa. Embora operando em grande parte de maneira independente da política do Centro, os motivos do programa estavam, às vezes, diretamente ligados a preocupações geopolíticas, incluindo o interesse em promover o intercâmbio e o entendimento interamericano para melhorar as relações internacionais no hemisfério. Esses esforços afetaram a forma como os escritores latino-americanos viam os EUA, mesmo quando buscavam suas próprias agendas políticas e literárias. Durante anos, portanto, o Departamento de Literatura trilhou uma linha tênue, aproveitando ao mesmo tempo o interesse da Guerra Fria pela América Latina, o qual criou um clima favorável tanto para o recebimento de fundos de organizações filantrópicas norte-americanas como para a recepção das obras promovidas, e apoiando autores cujas políticas eram contrárias às do Centro. Dessa forma, trata-se de um ótimo exemplo dos objetivos e da dinâmica envolvidos na diplomacia do livro - bem como das tensões e dos paradoxos que podem afetá-la.

O que, então, esse contexto pode nos dizer sobre a história da tradução de Machado de Assis, que parece ter capturado a imaginação de tradutores, editores e leitores norte-americanos? No início dos anos 1950, bem antes do aumento do interesse pela literatura latino-americana - e dos benefícios mais tangíveis para as editoras - que veio com o Boom, a Noonday Press lançou traduções de três romances de Machado em anos consecutivos: Memórias póstumas de Brás Cubas (Epitaph of a Small Winner, tradução de William Grossman, 1952), Dom Casmurro (Dom Casmurro, tradução de Helen Caldwell, 1953), e Quincas Borba (Philosopher or Dog?, tradução de Clotilde Wilson, 1954). Essa foi uma aposta da Noonday, já que nenhum dos romances do autor havia sido publicado anteriormente em inglês, portanto não havia garantia de público. E, no entanto, valeu a pena: mais de 24.000 cópias de Epitaph of a Small Winner foram impressas em várias edições entre 1952 e 1964, enquanto Dom Casmurro foi reimpresso várias vezes até 1961 (com 11.000 cópias impressas). Apenas uma edição (de aproximadamente 5.000 cópias) de Philosopher or Dog? foi impressa, mas mesmo esse número superou em muito a maioria dos números de obras apoiadas pelo programa da AAUP. (Talvez, em conjunto, esse grupo bem-sucedido de traduções possa ter lançado as bases para o maior interesse na tradução do LATP de Esau and Jacob.23 23 Ver Guimarães e Oliveira (2021) para um histórico da tradução de Quincas Borba; os números incluídos aqui sobre impressões são de Guimarães e Oliveira (2021, p. 12). )

A história da tradução da obra de Machado é anômala para sua época, em muitos aspectos. Por um lado, ao longo dos anos, ele parece ter desfrutado do que poderia ser chamado de "presença cult" entre os tradutores que estavam individual e apaixonadamente comprometidos com a disseminação de sua obra em inglês. De fato, a descrição que a tradutora de Machado, Helen Caldwell, fez de si mesma como uma "mulher de um homem só" ao recusar um convite da Knopf, Inc. para traduzir Guimarães Rosa, sugere a devoção pessoal dos defensores do escritor (citado em GUIMARÃES, 2019GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Helen Caldwell, Cecil Hemley and Their Deliberations over Dom Casmurro. Machado de Assis em Linha - Revista Eletrônica de Estudos Machadianos, v. 12, n. 27, p. 113-41, ago. 2019., p. 118). Ao mesmo tempo, e em uma escala mais ampla, Machado foi o raro autor latino-americano que, embora não tenha sido amplamente traduzido para o inglês, foi considerado por alguns como estando em pé de igualdade com autores europeus, que ocupavam o centro do que Pascale Casanova chamou de "república mundial das letras". A Noonday aproveitou seu capital cultural. Em uma época na qual a América Latina era uma região de crescente interesse estratégico para os EUA, a editora conseguiu, como Hélio de Seixas Guimarães (2023______. A trajetória editorial de Machado de Assis em inglês (1950-1960). Machado de Assis em Linha - Revista Eletrônica de Estudos Machadianos, v. 16, 2023.) descreve em seu artigo neste dossiê, capitalizar um momento político que buscava promover o entendimento e a boa vontade internacionais, e pressionou com sucesso agências governamentais e privadas dos EUA e do Brasil para promover as traduções e comprar exemplares em grandes quantidades e a preços reduzidos.

O interesse norte-americano pela obra de Machado na década de 1950 parece, portanto, contar uma história ligeiramente diferente das trajetórias de outras iniciativas de tradução latino-americanas. Isso também foi possibilitado por um momento político em que as iniciativas de diplomacia cultural interamericana estavam em ascensão, mas suas traduções não faziam parte de nenhuma iniciativa ou infraestrutura mais ampla. Antes, elas foram o resultado de um interesse popular independente e da disposição da Noonday em agir de acordo com esse interesse e, em seguida, aproveitar uma rede mais ampla de organizações públicas e privadas para alcançar um público geral. Em última análise, o crescente interesse por Machado também pode ter lançado algumas das bases para a publicação de suas obras e de outras obras latino-americanas traduzidas nos anos seguintes à Revolução Cubana, gerando interesse em Machado e pelo Brasil nos EUA e, suspeito, uma enorme boa vontade para com os EUA no Brasil.

Referências

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  • 1971: A SELECTION of Noteworthy Titles. New York Times, 5 Dec. 1971. (ProQuest)
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  • ______; OLIVEIRA, Vinicius Fernandes de. Clotilde Wilson, Cecil Hemley e a gênese de Philosopher or Dog? (Quincas Borba). Machado de Assis em Linha - Revista Eletrônica de Estudos Machadianos, v. 14, p. 1-19, 2021.
  • ______. A trajetória editorial de Machado de Assis em inglês (1950-1960). Machado de Assis em Linha - Revista Eletrônica de Estudos Machadianos, v. 16, 2023.
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  • SHAW, Bradley. Latin American Literature in English Translation: An Annotated Bibliography. New York: New York University Press, 1976.
  • TARBERT, Gary C.; BEACH, Barbara (Eds.). Book Review Index: A Master Cumulation 1965-1984. 10 volumes. Detroit: Gale Research Company, 1985.
  • 1
    A autora expressa seu agradecimento a Hélio de Seixas Guimarães, Luiz Felipe Macedo e Luciana Namorato pela revisão da tradução.
  • 2
    Memorando ao Comitê de Política Latino-Americana sobre "The Intellectual in the Latin American Cultural Program", 24 de maio de 1962; Registros da USIA, Record Group (doravante RG) 306, P9, Caixa 11, Arquivo 3; National Archives at College Park, College Park, MD (doravante NARA).
  • 3
    De Onís para Alfred A. Knopf, 25 de novembro de 1959, Registros da Alfred A. Knopf, Inc., Harry Ransom Center (HRC), caixa 327, pasta 7 (os materiais desta coleção serão identificados posteriormente como KR, seguidos dos números da caixa e arquivo [por exemplo, KR 327.7]).
  • 4
    De Onís a Alfred A. Knopf, 7 de julho de 1961, KR 327.7, HRC.
  • 5
    De Onís a Alfred A. Knopf, 9 de julho de 1960, KR 295.1, HRC.
  • 6
    De Onís para Koshland, 9 de dezembro de 1961, KR 339.5, HRC.
  • 7
    De Onís para W.D. Patterson, 2 de abril de 1962, KR 361.3, HRC.
  • 8
    Citado a partir das anotações de uma entrevista entre John P. Harrison e Frank Wardlaw, de 29 de janeiro de 1958, Arquivos da RF, Record Group (RG) 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2737, Rockefeller Archive Center (RAC).
  • 9
    Carta de Wardlaw a Harrison, 6 de janeiro de 1958, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2737, RAC.
  • 10
    Citado a partir de "General Statement and Justification", por August Frugé, 16 de fevereiro de 1960, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2738, RAC.
  • 11
    Citado a partir da carta de Frank Wardlaw a John P. Harrison, 11 de março de 1959, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2737, RAC.
  • 12
    Citado a partir da resolução "Yale University Press-Latin American Translations", 6 de abril de 1960, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2738, RAC.
  • 13
    Relatório sobre o Programa de Tradução Latino-Americana (1º de abril de 1960 - 31 de março de 1962), Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 292, pasta 2741, RAC.
  • 14
    Nem todos os títulos propostos acabaram por ser impressos.
  • 15
    Lista "Projetos Aprovados", 1º de abril de 1966, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 293, pasta 2743, RAC.
  • 16
    "A PROPOSAL TO THE ROCKEFELLER FOUNDATION For Renewal of THE LATIN AMERICAN TRANSLATION PROGRAM", 4 de fevereiro de 1966, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 293, pasta 2743, RAC.
  • 17
    "REPORT OF THE LATIN AMERICAN TRANSLATION PROGRAM COMMITTEE", escrito por Sloane, maio de 1965, Arquivos da RF, RG 1.2, série 200r, caixa 293, pasta 2743, RAC.
  • 18
    "A PROPOSAL TO THE ROCKEFELLER FOUNDATION", RAC.
  • 19
    Para uma ampla discussão sobre o Centro, sua história e seus programas, ver o capítulo 4 do meu livro, The Latin American Literary Boom (COHN, 2012COHN, Deborah. The Latin American Literary Boom and U.S. Nationalism during the Cold War. Nashville: Vanderbilt University Press, 2012.).
  • 20
    "Program and Budget 1968-1971", seção A, 15 de março de 1968, Arquivos da RBF, RG 3.1, Caixa 192, Pasta 1239, RAC.
  • 21
    Essa avaliação foi obtida a partir da revisão do livro Latin American Literature in English Translation, de Bradley A. Shaw (1976SHAW, Bradley. Latin American Literature in English Translation: An Annotated Bibliography. New York: New York University Press, 1976.).
  • 22
    Essas informações foram compiladas do Book Review Index: A Master Cumulation 1965-1984, de Tarbert e Beach (1985TARBERT, Gary C.; BEACH, Barbara (Eds.). Book Review Index: A Master Cumulation 1965-1984. 10 volumes. Detroit: Gale Research Company, 1985. ).
  • 23
    Ver Guimarães e Oliveira (2021______; OLIVEIRA, Vinicius Fernandes de. Clotilde Wilson, Cecil Hemley e a gênese de Philosopher or Dog? (Quincas Borba). Machado de Assis em Linha - Revista Eletrônica de Estudos Machadianos, v. 14, p. 1-19, 2021.) para um histórico da tradução de Quincas Borba; os números incluídos aqui sobre impressões são de Guimarães e Oliveira (2021______; OLIVEIRA, Vinicius Fernandes de. Clotilde Wilson, Cecil Hemley e a gênese de Philosopher or Dog? (Quincas Borba). Machado de Assis em Linha - Revista Eletrônica de Estudos Machadianos, v. 14, p. 1-19, 2021., p. 12).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2023
  • Aceito
    28 Jun 2023
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