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MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS EM FRANCÊS, O PAPEL NEGATIVO DA LATINIDADE

MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS IN FRENCH, THE NEGATIVE ROLE OF LATINITY

Resumo

O objetivo do presente artigo é mostrar como a obra de Machado de Assis chegou à França, evocando-se os anos 1910 e o contexto que possibilitou a tradução do maior de seus romances, Memórias póstumas de Brás Cubas. Argumenta-se que o conceito de “latinidade” que imperava na época não ajudou na recepção do autor no país europeu. Já em uma segunda fase, em torno do centenário do nascimento de Machado na década de 1930, alguns intermediários teriam papel decisivo para a mudança desse quadro. Mais tarde, nos anos 1980, uma nova tradução do romance e o empenho de uma jovem editora permitem que, na França, Machado de Assis seja reconhecido como um dos maiores escritores brasileiros.

Palavras-chave:
Machado de Assis; Mémoires posthumes de Brás Cubas em francês; recepção na França

Abstract

The aim of this article is to show how the work of Machado de Assis arrived in France, looking at the 1910s and the context that made it possible to translate the greatest of his novels, Memórias póstumas de Brás Cubas. It is argued that the concept of "Latinity" that prevailed at the time did not help the author's reception in the European country. In a second phase, around the centenary of Machado's birth in the 1930s, some intermediaries played a decisive role in changing this picture. Later, in the 1980s, a new translation of the novel and the efforts of a young publisher allowed Machado de Assis to be recognized in France as one of the greatest Brazilian writers.

Keywords:
Machado de Assis; Mémoires posthumes de Brás Cubas in French; reception in France

Quando Machado de Assis falece no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1908, sua obra na Europa, infelizmente, é completamente desconhecida. No entanto, o leitor francês já tivera a oportunidade de ver seu nome no livro Le Brésil en 1889, que Frederico José de Santa-Anna Nery organizara para a exposição universal daquele ano em Paris, evento que contava com a participação do Brasil. No capítulo XX da obra, dedicado à literatura e às ciências humanas, Machado de Assis é apresentado como poeta, dramaturgo, tradutor, autor de contos e romances; louva-se a pureza de sua linguagem e a elegância de sua escrita (NERY, 1889NERY, Frederico José de Santa-Anna (Org.). Le Brésilen 1889. Paris: Ch. Delagrave, 1889., p. 591-612). Os leitores do Mercure de France tiveram mais detalhes na seção "Lettres Brésiliennes", assinada por Alberto Figueiredo Pimentel, que declarou no número 138, de julho de 1901: "Machado é considerado por todos como o chefe da literatura brasileira; é perfeito nos contos e entre os romances, destacam-se Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba". Acrescenta que "se essas obras fossem traduzidas para o francês ou para outra língua, o sucesso seria retumbante" (PIMENTEL, 1901PIMENTEL, Alberto Figueiredo. Lettres Brésiliennes. Le Mercure de France, n. 138, p. 827, 1901., p. 827).1 1 Alberto Figueiredo Pimentel foi responsável pela seção "Lettres Brésiliennes" do Mercure de France de 1897 a 1902. Machado é mencionado também em maio de 1902, no número 149. De fato, poucas são as pessoas capazes de ler as obras no original. O português, língua periférica, não constava do sistema educacional francês. Por outro lado, na época de Machado, é o francês a língua que permite alguma projeção internacional. Muitos poetas ou escritores escreveram diretamente na língua de Molière. Machado é um deles: contribuiu com uns dez poemas (MASSA, 2009MASSA, Jean Michel. A França que nos legou Machado de Assis. In: ANTUNES, B.; MOTTA, S. V. (Orgs.). Machado de Assis e a crítica internacional. São Paulo: Ed. Unesp, 2009. p. 231-265.). Nem por isso deixaram de existir traduções do português para o francês, geralmente efetuadas por pessoas que viveram nos países lusófonos, mas uma tradução é sempre tributária da existência de uma política editorial, de "passeurs", de intermediários, de críticos, etc.

Embora Machado de Assis não fosse lido em francês, sua morte foi noticiada por vários jornais, entre eles, Le Petit Parisien de 6 de outubro de 1908. O autor é apresentado como Presidente da Academia Brasileira de Letras do Rio e como uma das mais notáveis personalidades da literatura brasileira. Várias obras são mencionadas, entre elas, Memórias póstumas de Brás Cubas; elas são acompanhadas de um julgamento crítico que insiste na fina e discreta ironia do autor e em suas qualidades de observador e psicólogo. O Mercure de France de 16 de novembro de 1908, na seção "Échos", relata o falecimento do autor e sublinha que as Memórias póstumas de Brás Cubas o aproximam de Anatole France.

Machado de Assis queria que suas obras circulassem, portanto que fossem traduzidas. Em carta de 10 de junho de 1899 (ROUANET, 2011ROUANET, Sérgio et al. (Orgs.). Correspondência de Machado de Assis. Tomo III - 1890-1900. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras , 2011., p. 378) pede para seu editor, no caso Hippolyte Garnier,2 2 Baptiste-Louis Garnier (que chegou ao Brasil em 1844, abriu uma livraria em 1846 e criou a editora B.L. Garnier em 1852) fez os contratos para Machado de Assis, o primeiro sendo de 1864 para as Crisálidas, mas faleceu em 1893. O herdeiro, seu irmão Hippolyte, que residia em Paris, cuidou da editora até 1911, data do seu falecimento. Ele enviara ao Brasil, em 1898, o gerente Julien Lansac (Ver HALLEWELL, 2012, p.294). a autorização para publicar a tradução para o alemão, feita por Alexandrina Highland, o que lhe foi negado. A lei de direitos autorais no Brasil data de 1898 e a editora Garnier se tornou proprietária da obra literária de Machado em 1899 (GUIMARÃES, 2004GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século XIX. São Paulo: Nankin; Edusp, 2004., p. 120). Machado foi levado a vender a seu editor os direitos autorais de todas as suas obras, muitas vezes por preço irrisório, o que impediu, por bastante tempo, uma difusão no exterior. Philéas Lebesgue,3 3 Philéas Lebesgue (1869-1958), poeta, erudito autodidata, colaborou regularmente com o Mercure de France, para a seção "Letras Portuguesas", de 1896 a 1940. É tradutor do italiano, do espanhol, do grego moderno e do português. tradutor de literatura portuguesa, por intermédio de Figueiredo Pimentel, queria traduzir algumas obras de Machado, mas este, em carta de 31 de março de 1901, responde a Pimentel que não pode autorizar uma tradução, "porquanto a propriedade das minhas obras está transferida ao Sr. Garnier, de Paris, com todos os respectivos direitos. Só ele poderá resolver sob esse ponto […]" (ASSIS, on-line______. Correspondência de Machado de Assis. Portal São Francisco. Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/centenario-de-machado-de-assis/correspondencia-3.php. Acesso em: nov. 2022.
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). Contudo, deve-se reconhecer que Machado ficou cada vez mais prestigiado depois de se ter unido à Casa Garnier (GRANJA, on-lineGRANJA, Lúcia. Fontes para o estudo da edição no Brasil: os contratos e recibos da editora B.L.Garnier. Circulação transatlântica dos impressos: a globalização da cultura no século XIX (1789-1914). Disponível em: Disponível em: http://www.circulacaodosimpressos.iel.unicamp.br/index.php?cd=4⟨=pt . Acesso em: nov. 2022.
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).

No entanto, duas traduções algo "piratas"4 4 Segundo Ubiratan Machado, foi em 17 de junho de 1896 que o contrato das Memórias (3. ed.,definitiva) foi assinado com Hippolyte Garnier. A edição foi de 1100 exemplares (MACHADO, 2008). foram feitas em vida do autor, sem a autorização da Garnier. A primeira, no Uruguai, pelo tradutor Julio Piquet, em 1902: as Memórias póstumas de Blas Cubas, saíram como folhetim do jornal La Razón e como livro no mesmo ano. A segunda, em 1905, na Argentina, Esaú y Jacob,5 5 Ubiratan Machado indica que Esaú e Jacó chegara às livrarias no final de agosto de 1904. A tradução saiu em dois volumes na Biblioteca de La Nación, de Buenos Aires. como tradução anônima.

Foi só a partir dos anos 1910-1913 que Hippolyte Garnier e seus sucessores promoveram as obras de Machado em francês e em espanhol.

Os anos 1910 - O "Gênio latino" e "A festa da intelectualidade brasileira"

Na virada do século XIX, imperava a ideia de "latinidade". Fundado em 1854, o movimento literário "Félibrige" devia dar novo lustre ao provençal com o poeta Frederico Mistral; pouco depois, a partir dos anos 60, estreitaram-se as relações entre o Renascimento provençal e o Renascimento catalão, mas, depois da guerra de 1870, a ameaça germânica transformou essa amizade catalano-provençal em panlatinismo (Ver TERRA, 1962TERRA, José da Silva. Índice da "Revue du Monde Latin". Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1962.).

Nasceram então várias revistas, como La Revue du Monde Latin (1883-1896), dirigida por Charles de Tourtoulon, depois pelo conde de Barral. Seu redator-chefe era Frederico José de Santa-Anna Nery, que o conde de Barral definia como: "Italien de nom, Brésilien de naissance, Français d'éducation et d'esprit, notre rédacteur en chef, M. de Santa-Anna Nery, est comme l'incarnation de cette fusion intellectuelle et morale des races latines qui est la raison d'être et l'objectif de nos efforts" (REVUE DU MONDE LATIN, 1887REVUE DU MONDE LATIN, 1887,t. XI., p. 1).6 6 "Italiano de nome, brasileiro de nascimento, francês de educação e de espírito, nosso redator-chefe, o Sr. de Santa-Anna Nery, é como a encarnação dessa fusão intelectual e moral das raças latinas que é a razão de ser e o objetivo dos nossos esforços."(tradução nossa) Outra delas foi a Revista Latina, que circulou de 10 de julho de 1909 a 20 de novembro de 1910. Teve como diretor o Visconde de Faria (até o número 14) e como redator-chefe Xavier de Carvalho.

Reforçaram-se os laços de união entre a França e todas as nações latinas do velho e do novo mundo. Em 4 de fevereiro de 1908 foi criado o "Groupement des Universités et des grandes écoles de France pour les relations avec l'Amérique latine", à iniciativa de universitários, entre os quais Georges Dumas,7 7 Georges Dumas (1866-1946) era médico, professor da Universidade de Paris, "agrégé" de filosofia e doutor em Letras. A convite da Sociedade de Psicologia, em 1907, dera uma série de conferências no Brasil. para desenvolver as relações intelectuais entre a França e as "Repúblicas irmãs da América Latina". Nasceu então uma cooperação universitária que não deixava de lado as potencialidades econômicas oferecidas pelos respectivos países, pois a França queria ganhar posições para contrabalançar as ofensivas culturais e econômicas da Inglaterra, da Alemanha, da Itália e dos Estados Unidos. Em 1910, o segundo Presidente do "Goupement", o hispanista Ernest Martinenche, esteve numa longa "tournée" pela América Latina que resultou no ano seguinte (1911) na criação de um curso de estudos brasileiros na Sorbonne, através de uma troca de professores, e de um curso de estudos franceses em São Paulo (1912). Escritores e políticos que viajavam pela América Latina não esqueciam a etapa brasileira: Anatole France em 1909, Georges Clémenceau em 1910, Jean Jaurès em 1911, Paul Adam, "o profeta do espírito latino", convidado pelo ministro das relações exteriores, em 1911, etc.

A esta da intelectualidade brasileira

Em 3 de abril de 1909, no anfiteatro Richelieu, na Sorbonne, foi prestada uma homenagem a Machado de Assis. Essa Festa da intelectualidade brasileira foi promovida por Xavier de Carvalho8 8 Xavier de Carvalho (1861-1919), poeta e jornalista português, em Paris desde 1885, fundou a "Société d'Études Portugaises de Paris" em 1902. Em 1909, torna-se redator-chefe da revista Latina, "Revue mensuelle pour la propagande des peuples latins" (1909-1910). É correspondente de vários jornais portugueses e brasileiros. e sua "Société d’Études Portugaises de Paris", com a participação da "Missão Brasileira de Propaganda". Anatole France, da Academia Francesa, presidia. Celebrou "o gênio latino" e seus benéficos efeitos no progresso do velho e do novo mundo. Salientou: "Le génie latin rayonne sur le monde. En vain les puissances des ténèbres voudraient le replonger dans la tombe. Il crée tous les jours plus de liberté, plus de science et plus de beauté, et prépare une justice plus juste et des lois meilleures" (FRANCE, 1909FRANCE, Anatole. Machado de Assis et son œuvre littéraire. Paris: Louis-Michaud Editeur, 1909., p. 14).9 9 "o gênio latino irradia sobre o mundo. Em vão, as potências das trevas gostariam de fazê-lo voltar ao túmulo. Ele cria todos os dias mais liberdade, mais ciência e mais beleza, e prepara uma justiça mais justa e leis melhores." (tradução nossa) Manuel de Oliveira Lima, ministro plenipotenciário do Brasil em Bruxelas e acadêmico, pronunciou a conferência "Machado de Assis et son œuvre littéraire"; Victor Orban, vice-cônsul do Brasil em Bruxelas e correspondente estrangeiro da Academia Brasileira de Letras, a palestra "Machado de Assis romancier, conteur et poète", na qual declara: "C'était un Latin. À cette tradition d'origine, il doit la qualité de son ironie qui est délicate, légère, indulgente même, sinon dépourvue de toute âpreté" (FRANCE, 1909FRANCE, Anatole. Machado de Assis et son œuvre littéraire. Paris: Louis-Michaud Editeur, 1909., p. 96).10 10 "Era um Latino. A esta tradição de origem, ele deve a qualidade de sua ironia, delicada, leve, indulgente até, de todo modo desprovida da menor amargura." (tradução nossa)

A partir desse evento, a França conhecerá as primeiras traduções francesas11 11 Não contamos a tradução da fantasia dramática Desencantos, acompanhada de elogioso comentário, publicada em 15 de setembro de 1861, no jornal Courrier du Brésil (1854-1862), órgão da colônia francesa do Rio de Janeiro. de Machado de Assis.

Os intermediários - Leitores-tradutores

O ano de 1910 é particularmente importante. Realiza-se em Bruxelas uma exposição internacional em que o Brasil ocupa um lugar privilegiado.12 12 Haverá outra em Lisboa, de 15 de outubro de 1910 a 15 de abril de 1911. A revista Latina dedica à presença brasileira seu número 11 (de 10 de maio de 1910), com artigos do belga Victor Orban (1858-1946). Este lança pela editora Garnier a primeira antologia metódica em francês da literatura brasileira, prefaciada por M. de Oliveira Lima. A obra terá logo uma segunda edição. No verbete Machado de Assis, Orban acrescentara, às traduções que lera no evento do ano anterior, o último parágrafo do capítulo XXIV de Memórias póstumas de Brás Cubas, "Curto, mas alegre", parágrafo que foi intitulado "La franchise de Bras Cubas" e pelo qual Manuel de Oliveira Lima concluíra sua conferência de 1909.

O professor e escritor Adrien Delpech (1867-1942),13 13 Depois de estudos em Paris, Adrien Delpech, na realidade Adrien Eugène Léon Eucher, emigrou para a América do Sul, tentou morar na Argentina em 1880 e finalmente escolheu o Brasil, onde se naturalizou em 1891. Professor de francês, de sociologia, de literatura brasileira e literatura latina no Colégio D. Pedro II, na Escola Normal, etc.,publicou romances em francês: Roman brésilien, mœursexotiques (1904), Pages exotiques: Petrópolis (1913), L'Idole (2. ed., 1930). que morava no Rio de Janeiro, foi o primeiro tradutor de um livro inteiro, os contos de Várias histórias (1896), publicados pela editora Garnier com o título Quelques contes. Num longo prefácio, explica seu conceito de tradução e dá sua opinião sobre o autor: "J'ai traduit Machado de Assis, c'est-à-dire que j'ai superposé à sa mentalité une autre mentalité bienveillante et aussi harmonique que possible avec la sienne" (ASSIS, 1910ASSIS, J. M. Machado de. Quelques contes. Paris: Garnier, 1910., p. XXVII).14 14 "Traduzi Machado de Assis, quer dizer, sobrepus à sua mentalidade outra mentalidade benévola e a mais harmônica possível com a sua."(tradução nossa) Acrescenta que "Cette façon de hacher son œuvre, qu'il a empruntée à Sterne a le défaut de couper à chaque instant l'attention, et donne parfois au récit une allure d'essoufflement" (ASSIS, 1910ASSIS, J. M. Machado de. Quelques contes. Paris: Garnier, 1910., p. XII-XIII);15 15 "Essa maneira de recortar a obra, que emprestou de Sterne, tem o defeito, a cada instante, de romper a atenção, e às vezes dá à narrativa ares de sufocação."(tradução nossa) e sublinha que ele não tem nada daquilo que pode agradar o grande público, insiste na ausência de "natureza", escreve que Machado fica completamente alheio à beleza da vista que tem do Rio, à floresta, etc.

No ano seguinte, publica pela mesma editora Mémoires posthumes de Braz Cubas. Podíamos pensar que entendera razoavelmente bem o estilo machadiano, mas no romance Delpech se comportou como o avesso do "leitor modelo" definido por Umberto Eco. Nas Memórias, foi o tradutor que esteve com "ideia fixa", obcecado pela repetição, sistematicamente trocou palavras, destruindo o efeito procurado pelo autor. Assim, no capítulo CXIX, "Parênteses", constituído por uma série de máximas, a frase "matamos o tempo; o tempo nos enterra" transforma-se em: "Nous tuons le temps; Il nous enterre"; a tradução nivela o texto, tira o relevo desejado pelo autor. No capítulo XCV, "Flores de antanho", as frases "Onde estão elas, as flores de antanho?" e, no fim do parágrafo," onde iam elas as flores de antanho?" transformam-se em: "Où donc êtes-vous passées, fleurs du souvenir?" e"Où donc étaient lês fleurs d'antan?"; o tradutor atenua a referência à balada de François Villon. No capítulo XII, "Um episódio de 1814", no excerto "o glosador vasculhava na memória algum pedaço literário e achou este, que mais tarde verifiquei ser de uma das óperas do Judeu. - Não chores, meu bem; não queiras que o dia amanheça com duas auroras", Delpech substitui pelo verbo "plagier" a alusão ao Judeu (Antônio José da Silva), etc.; a lista seria longa. Mas, cúmulo dos cúmulos, eliminou o capítulo CXXX, intitulado "Para intercalar no capítulo CXXIX", já que, ao pé da letra, incorporou o conteúdo ao capítulo CXXIX. A obra ficou amputada de um capítulo! (159 capítulos em vez de 160).

Outra amputação: a dedicatória ao verme.16 16 A tradução espanhola, assinada por Rafael Mesa López, que saiu no mesmo ano (1911) também pela Garnier (Paris: Garnier Hermanos), Memorias póstumas de Blas Cubas, abre-se com a dedicatória ao verme. Presente desde a primeira edição em livro (1881) - Machado a substituíra à epígrafe da peça de Shakespeare, As you like it, que pusera no folhetim (1880) -, ela condiz com o prefácio autoral fictício "Ao leitor", assinado por Brás Cubas. Pelo caráter paródico e inusitado, é um piscar de olhos à dedicatória de Tristram Shandy, dirigida a quem puder oferecer a quantia de cinquenta guinéus (STERNE, 1982STERNE, Laurence. Vie et opinions de Tristram Shandy, gentilhomme. Paris: GF Flammarion, 1982., cap. VIII). A dedicatória ao verme desfaz a ambiguidade do título. O título evoca um sujeito enunciador diferente do sujeito do enunciado e podia remeter ao fidalgo português que governou a Capitania de São Vicente, de 1545 a 1549 e de 1555 a 1556, e fundou a cidade de Santos. Um texto memorialístico requer identidade entre o autor e a personagem. Ora, a dedicatória dá a palavra a um defunto-autor que se dirige ao leitor para definir a situação narrativa como autobiográfica. Diagramada em forma de epitáfio, representa uma cruz disfarçada que, para Valentim Facioli, faz com que o leitor, ao virar a página, esteja "destampando um livro-esquife-túmulo" que serve de ponte entre o morto e o vivo, ao ligar "o verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver" com a última frase do romance "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria" (FACIOLI, 2002FACIOLI, Valentim. Um defunto estrambótico. São Paulo: Nankin Editorial, 2002., p. 105). Ausente também está o prólogo assinado por Machado de Assis, presente desde a terceira edição em livro (1899), em que explica que teve de rever o texto, emendar alguma coisa e suprimir "duas ou três dúzias de linhas", além de responder à pergunta de Capistrano de Abreu, "As Memórias [...] são um romance?".17 17 Curiosamente, a Editora Classiques Garnier de Paris resolveu reimprimir essa tradução em 2014, para incluir o livro na coleção "Classiques Jaunes" n. 120, série "Textes du Monde", livro hoje apenas disponível em versão digital. Justifica-se plenamente a opinião de Raimundo Magalhães Jr.: "Foi assim que, três anos após a morte de Machado de Assis, os irmãos Garnier lhe 'honraram' a memória, com a divulgação, em mau francês, do maior dos seus romances […]" (CORREIO DA MANHÃ, 1957CORREIO DA MANHÃ, sábado, 26 out. 1957., p. 9).

No entanto, a obra circula. O escritor e jornalista Rémy de Gourmont (1858-1915), que nutria uma viva admiração por Machado de Assis e tinha um bom conhecimento do português, "empreendia a tradução para o francês de Brás Cubas, quando morreu, parecendo ter iniciado o trabalho" como informa o redator da nota sobre a "Exposição Rémy de Gourmont em Paris", organizada pelas Éditions de La Sirène (AMÉRICA BRASILEIRA, 1924AMÉRICA BRASILEIRA, n. 32, ago. 1924., p. 267). São as traduções de Delpech que Benedicto Costa utiliza no capítulo IV, dedicado a Machado, de seu livro Le roman au Brésil (1918), em francês, lançado em Paris pela Garnier: nele constam o conto "Viver" e o capítulo VII, "O delírio" das Memórias póstumas de Brás Cubas. No mesmo ano, Henri Pourrat (1887-1959), escritor de Auvergne, em carta de 16 de março de 1918 dirigida a seu amigo Joseph Desaymard, declara que o livro que este lhe aconselhara, Mémoires posthumes de Braz Cubas, afinal, é de um humor bastante fraco! (POURRAT, 2013POURRAT, Henri. Correspondance croisée H. Pourrat - Joseph Desaymard, d'octobre 1913 à 1918. Clermont-Ferrand: Société des amis de H. Pourrat, 2013., p. 269)

Em 11 de maio de 1923, Oswald de Andrade pronuncia, na Sorbonne, a conferência "L'effort intellectuel Du Brésil contemporain", publicada depois na Revue de l'Amérique Latine de 1°de julho de 1923.18 18 A Revue de l'Amérique Latine (1922-1932) teve como diretor Ernest Martinenche. Nela, ele explica: "Machado de Assis, blanc de peau et comblé d'honneurs par les blancs, obtint son équilibre, à cause de son sang nègre. Dans ses romans, qui restent nos meilleures œuvres de fiction, il n'y a pas une déviation inutile de paysage, pas une gaffe lyrique", terminando a conferência sobre a ideia de latinidade (ANDRADE, 1923ANDRADE, Oswald de. L'effort intellectuel du Brésil contemporain. Revue de l'Amérique Latine, vol. V, n. 19, p. 197-207, 1° jul. 1923., p. 200).19 19 A conferência foi publicada em português por Monteiro Lobato, após sugestão de seu amigo Oswald de Andrade (carta de 2 de julho de 23), na Revista do Brasil, n. 96, de dezembro de 1923 (p.383-389): "Machado de Assis, branco de epiderme e cumulado de louvores pelos brancos, obteve equilíbrio, devido ao seu sangue negro. Nos seus romances, que são de resto, nossas melhores obras de ficção, não há um desvio inútil de paisagem, nenhuma gafa lírica" (tradução nossa). Dois meses antes, Oswald oferecera a Valery Larbaud um exemplar das Mémoires posthumes de Braz Cubas, traduzidas por Adrien Delpech.20 20 Carta de Oswald de Andrade a Valery Larbaud, de 13 de março de 1923 (Ver RIVAS, 1995, p.359). Em 1925, o tradutor Manoel Gahisto publica na Revue de l'Amérique Latine o artigo "De l'humour ailleurs qu'en Angleterre". Para mostrar que humor e ironia não são o apanágio da literatura inglesa, reproduz longos trechos, traduzidos por ele mesmo, do primeiro capítulo das Memórias, "Óbito do autor" (GAHISTO, 1925GAHISTO, Manoel. De l'humour ailleurs qu'en Angleterre. Revue de l'Amérique Latine , p. 151-156, ago. 1925. ).21 21 Manoel Gahisto (1878-1948) é o pseudônimo de Paul Tristan Coolen (de origem belga). Colaborador em várias revistas, traduz literatura brasileira (A. Azevedo), muitas vezes a quatro mãos com Philéas Lebesgue. Em 1932, assume a crônica "Lettres Brésiliennes", do Mercure de France.

Mas afinal essas obras têm pouca repercussão. Machado de Assis é comparado a Anatole France ou, nos contos, assimilado a Mérimée, e muitos censuram sua falta de pitoresco, de descrições, numa palavra, de "paisagens". Vale lembrar que, a partir de 1896, foram oferecidos aos leitores franceses livros com visão impressionista da natureza (Alencar, Taunay, Coelho Neto, A. Peixoto). Os contatos culturais entre a França e o Brasil eram feitos através da oligarquia brasileira, que ajudava na escolha das obras a serem traduzidas, obras que valorizavam a natureza tropical, a aventura, a fortuna, etc., como, por exemplo, Le fils du soleil, tradução de O Guarani por Xavier de Ricard (1902), entre outros. Segundo Manoel Gahisto, o público leitor apreciava sobretudo as descrições de paisagens, as evocações da luta sempre ardente contra as forças esmagadoras da natureza tropical, os "efeitos do pitoresco", mesclados às "emoções dos espetáculos grandiosos do deserto" (Ver. BOISVERT, 1991BOISVERT, Georges. A imagem do Brasil na França através das traduções. In: PARVAUX, S.; REVEL-MOUROZ, J. Imagens recíprocas do Brasil e da França. Paris: IHEAL, 1991. p. 615-617., p. 615-7).

A tradução Mémoires posthumes de Braz Cubas está longe de mostrar o verdadeiro valor do escritor, mas também é preciso dizer que o leitor francês prefere o exotismo a obras de análise psicológica, de introspecção, obras que lembram escritores europeus, escritores "latinos". Podemos concluir essa primeira fase com a fórmula de Pierre Rivas: "O gênio de Machado de Assis era, em suma, confiscado pela ideologia latina da França, naquele momento" (RIVAS, 1995RIVAS, Pierre. Encontro entre literaturas - França - Brasil - Portugal. São Paulo: Hucitec, 1995., p. 150).

Os anos 30 - Em torno do centenário do nascimento do autor

Na década de 1930 aumenta a cooperação entre a França e o Brasil e a troca de professores. Jean Duriau22 22 Jean Duriau (1887-1935), que abandonara os estudos de medicina, torna-se responsável, em 1912, pela Companhia Chargeurs Réunis, em Santos. Volta à França durante a guerra, mas retorna ao Brasil, pelo período de 1919 a 1922. Traduz obras brasileiras e colabora para a Revue de l'Amérique Latine. procura modificar a imagem de Machado e sublinha que "L'homme de ses romans n'est pas spécialement un Brésilien, mais un homme, et cela seul suffirait à justifier notre profonde admiration pour l'auteur de tant de livres inconnus en France". Mas acrescenta que os livros "perdraient, du reste, tout leur charme à être traduits: ils sont, en effet, écrits d'une manière qui défie l'interprétation, en raison même de son élégance et de sa subtilité"! (DURIAU, 1932DURIAU, Jean. Essai sur les lettres brésiliennes. Revue de l'Amérique Latine , n. 123, p. 235-244, jul./set. 1932., p. 239)23 23 "O homem nos seus romances não é especificamente um brasileiro, mas sim um homem, o que bastaria para justificar a nossa profunda admiração pelo autor de tantos livros desconhecidos na França"; "os livros, aliás, perderiam seu encanto se fossem traduzidos, pois a escrita desafia a interpretação, pela sua elegância e sutileza" (tradução nossa).

Nesse sentido, não deixa de ser interessante o depoimento de Antonio Candido, que lembra das reações de dois dos seus professores franceses da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo em 1939: Jean Maugüé, professor de filosofia, e Roger Bastide, de sociologia. Maugüé tinha adorado Jubiabá, traduzido em 1938,24 24 Em tradução de Michel Berveiller e Pierre Hourcade, ambos professores em cooperação na USP (AMADO, 1938). Em 1944, Bastide escreveu no Estado de São Paulo que Jubiabá, na França, pusera a literatura brasileira na moda. e pediu para seu amigo e assistente, João Cruz Costa, indicação de outro livro. Este recomendou Memórias póstumas... Maugüé, depois, comentou com os alunos, antes da aula, que achara muito ruim: "era filosofia barata sobre lugares-comuns; na França havia uma quantidade de romances do mesmo naipe insignificante, variantes ralas do ralo Anatole France" (MACHADO DE ASSIS, 2008MACHADO DE ASSIS. Cadernos de Literatura Brasileira. São Paulo: IMS, 2008., p. 46-7). Só mais tarde, com a leitura de Dom Casmurro, passara a gostar de Machado. Já com Roger Bastide foi completamente diferente.

Roger Bastide mediador cultural

O melhor leitor de Machado de Assis foi o sociólogo Roger Bastide, que chegou ao Brasil em 1938 para lecionar na recém-criada Universidade de São Paulo.25 25 A USP foi criada pelo decreto de 25 de janeiro de 1934; a cátedra de sociologia foi ocupada por P. Arbousse-Bastide, aluno de G. Dumas; desdobrada em 1935, chegou para ocupar a segunda cátedra Claude Lévi-Strauss, que voltou à França em 1938. Foi substituído, então, por Roger Bastide (1898-1974), que viveu no Brasil entre 1938 e 1954. Um ano depois, para o centenário do nascimento do autor, em 1939, ele exprime seu prazer de leitor ao descobrir Dom Casmurro na excelente tradução de Francis de Miomandre.26 26 Francis de Miomandre é o nome literário de Francis Durand (1880-1959). Escritor e tradutor, recebe o prêmio Goncourt em 1908, com o livro Écrit sur l'eau. Traduz do espanhol (autores como Cervantes, Calderón, entre outros) e do português. Colabora em várias revistas, dentre as quais Nouvelles Littéraires e Cahiers du Sud. Afrânio Peixoto, que assina o prefácio, declara que quando a tradução é de um escritor distinto, quando o editor é a Société des Nations, é uma grande glória para Machado de Assis (ASSIS, 1936______. Dom Casmurro. Paris: Institut International de Coopération Intellectuelle, 1936. (Collection Ibéro-américaine), p. 8-9). Na revista semanal Dom Casmurro, no número especial dedicado a Machado de Assis, Bastide dirige-se ao Instituto Internacional de Cooperação Intelectual27 27 O Instituto (IICI), órgão da Société des Nations (SDN), foi criado em Paris em 1926 e substituído em 1946 pela UNESCO. e pede-lhe o favor de: "fazer conhecer ao público francês o estranho Brás Cubas que transforma Machado em original antecessor de um Proust ou de um Pirandello" (REVISTA DOM CASMURRO, 1939REVISTA DOM CASMURRO, n. 101-102 (25° aniversário da morte de Machado), 20 maio 1939., p. 18).28 28 O diretor da revista era o jornalista e dramaturgo francófilo, de longa experiência em Paris, Dr. Brício de Abreu (1903-1970); o redator-chefe era Marques Rebelo. A revista durou de 1937 a 1946. Em 1940, publica na Revista do Brasil um artigo decisivo, contrariando a opinião da maioria dos críticos: "Machado de Assis, paisagista". Nele, Bastide escreve: "a natureza, nele [Machado], não é ausente, mas ele soube imprimir o intervalo que a separava das personagens, misturando-a com estas, fazendo-a colar-se-lhes à carne e à sensibilidade, integrando-a na massa com que constrói os heróis de seus romances" (BASTIDE, 1940BASTIDE, Roger. Machado de Assis, paisagista. Revista do Brasil, n. 29, p. 1-14, nov. 1940., p. 9).

Também mostra seu entusiasmo em "Sobre uma tradução de Brás Cubas", artigo publicado no Estado de São Paulo, em 26 de agosto de 1944, quando sai pela Editora Atlântica, sediada no Rio,29 29 A ocupação da França pelo exército alemão entre junho de 1940 e agosto de 1944 provocou a emigração de muitos intelectuais e a implantação de editoras fora da França. Charles Ofaire é um editor suiço instalado no Rio, que dirige a Atlântica Editora ao mesmo tempo que milita pelo combate pela França livre. Sua editora ainda é conhecida como a editora de Georges Bernanos. Duas páginas no final do livro indicam as publicações da casa: em "Littérature" estão G. Bernanos, com Monsieur Ouine, Antoine Bon, SerethNeu, entre outros; em "Politique", G. Bernanos, com Lettre aux Anglais, Chadebec de Lavalade, com Pétain?, Guy de Chézal, entre outros. Numa orelha, é anunciado o próximo livro da coleção: Mémoires d'um sergent de la milice, de M.A. de Almeida, traduzido por Paulo Rónai. na coleção "Les maîtres dês littératures américaines", a tradução Mémoires d'outre-tombe de Braz Cubas, feita pelo general René Chadebec de Lavalade; o prefácio é do acadêmico Afrânio Peixoto. Bastide reconhece que a tradução

conserva bem o encanto do original. […] Releiamos as Memórias póstumas, primeira mensagem de Ofaire a um povo que por sua vez também saiu de uma tumba, a de quatro anos de ocupação, para mais uma vez nos encantar e analisar a arte machadiana. É uma ironia de além-túmulo.30 30 O artigo do jornal foi publicado no tomo II do livro de Glória Amaral (2010, p. 359-363).

E termina o artigo sublinhando a dificuldade da tradução: "obra difícil de ser traduzida, e que um general francês conseguiu fazer à custa de simpatia e de trabalho para encantar os leitores de seu país".

René Chadebec de Lavalade (1881-1967) foi um leitor muito especial. A França, desde 1919, mantinha uma missão militar no Brasil;31 31 Em 1917, o Brasil declara guerra à Alemanha. Graça Aranha, ministro plenipotenciário, cria a "Liga de Defesa Nacional". Tropas brasileiras iriam à França e uma missão militar iria ao Brasil. O Brasil também compraria material militar da França. O Congresso vota a lei autorizando a missão militar para instrução do exército e o contrato é assinado em 8 de setembro de 1919. Como consequência do armistício de Compiègne, em 22 de junho de 1940, a Alemanha pede a dissolução das missões francesas (no Brasil, Colômbia, Paraguai e Peru), mas o governo brasileiro pede para manter a Missão até dezembro de 1940. Em seguida, Lavalade foi nomeado conselheiro técnico do Estado Maior do Exército brasileiro (1940-1942). o primeiro chefe da Missão foi Maurice Gamelin (de 1919 a 1924) e o último, nosso tradutor (de 1938 a 1940), que publicou também no Brasil um requisitório contra Pétain. No "prière d'insérer" do livro, pequeno texto de apresentação da editora, podemos ler: "L'excellente traduction de R. Chadebec de Lavalade, qui est lui-même un écrivain de premier ordre, a su conserver à l'œuvre de Machado de Assis le sens de l'humour qui a fait sa célébrité dans la littérature du Brésil".32 32 "A excelente tradução de R. Chadebec de Lavalade que, por sua vez, é um escritor de marca maior, soube conservar à obra de Machado de Assis aquele senso de humor que o tornou famoso na literatura do Brasil." (tradução nossa) O acadêmico Afrânio Peixoto, no prefácio, louva a cultura e as qualidades do tradutor, que assimilou perfeitamente a língua, a literatura e os costumes brasileiros, e sublinha que é dele a escolha de Machado de Assis e de sua obra-prima. E conclui: "Machado de Assis à la portée de tout le monde... Machado de Assis à la hauteur de son réel mérite. Telle est la traduction du Général de Lavalade" (ASSIS, 1944ASSIS, Machado de. Mémoires d'outre-tombe de Braz Cubas. Rio de Janeiro: Atlântica Editora, 1944. (Collection Les Maîtres des Littératures américaines), p. 9).33 33 "Machado de Assis ao alcance de todos... Machado de Assis à altura do seu verdadeiro mérito. Tal é a tradução do general de Lavalade." (tradução nossa)

A tradução passou meio despercebida em Paris, a tiragem da Atlântica tendo sido relativamente pequena, levando tempo para chegar e, sobretudo, o período não sendo muito propício. Em 1945, a Editora Atlântica deixa de existir, Ofaire e Bernanos atendem o chamado do general De Gaulle. A editora parisiense Émile-Paul frères, uma das poucas que não tinha colaborado na ocupação, reimprimiu a tradução em 1948. A capa indica: "traduit du brésilien par R. Chadebec de Lavalade. Précédé d'une étude sur Machado de Assis par André Maurois". As editoras Garnier (1911) e Atlântica (1944) mencionavam "traduit du portugais". O livro de 1948 mantém o prefácio de Afrânio Peixoto, mas precedido pelo estudo do acadêmico francês André Maurois, que esboça a biografia do autor e insiste no seu pessimismo: "Dans ce monde absurde et dur, que reste-t-il à l'homme? Il peut rire de ses malheurs. Et c'est ce que font Braz et son créateur. Mais ce rire est plus teinté d'ironie que de gaieté" (ASSIS, 1948______. Mémoires d'outre-tombe de Braz Cubas. Paris: Éd. Emile-Paul Frères, 1948. , p. 11-2).34 34 "Nesse mundo absurdo e duro, o que sobra para o homem? Ele pode rir de suas desgraças. E é o que fazem Brás Cubas e seu criador. Mas esse riso está matizado de ironia mais do que de alegria." (tradução nossa)

Lavalade preferiu "outre-tombe" (além-túmulo) a "posthume". Lembra evidentemente Chateaubriand, escritor apreciado por Machado de Assis, mas também se relaciona com o "defunto autor", anulando a ambiguidade do título. No entanto, como Delpech, omitiu a dedicatória ao verme. Vale lembrar que, na década de 40, o empresário e mecenas Raimundo de Castro Maia encomendara a Candido Portinari uma série de desenhos inspirados em Memórias póstumas de Brás Cubas para ilustrar a edição de luxo preparada pela Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil. Na capa, consta a "lagarta" feita pelo artista, piscar de olhos ao verme da dedicatória. O livro sai em 1944, ano da tradução francesa!

Philéas Lebesgue, no Mercure de France de 1° de janeiro de 1948, menciona na sua crônica sobre as letras portuguesas e brasileiras as Memórias de Brás Cubas,35 35 Cita-se o título em português assim truncado (LE MERCURE DE FRANCE, 1948, p.145). que puseram o "grande romancista brasileiro nos píncaros da literatura universal". Mas é na revista semanal Les Nouvelles Littéraires36 36 Les Nouvelles Littéraires artistiques et scientifiques (1922-1985) foram criadas pela livraria Larousse. que o leitor encontra informações sobre o romance e sua tradução. No número 1090, de 22 de julho de 1948, na coluna "Destins exemplaires" (1ª e 6ª página), está reproduzido o texto do prefácio de André Maurois. No número 1120, de 17 de fevereiro de 1949, na folha "Le Monde des Livres", vê-se, em redução, a página de rosto das Mémoires, na tradução de Lavalade; no número 1121, de 24 de fevereiro, no meio da página "Le Monde des Livres", em destaque "Le livre de la semaine", está a fotografia de Machado de Assis que acompanha a apresentação de Mémoires d'outre-tombe de Braz Cubas, assinada René Lalou, um dos maiores críticos literários de então (LES NOUVELLES LITTÉRAIRES ARTISTIQUES ET SCIENTIFIQUES, 1948; 1949LES NOUVELLES LITTÉRAIRES ARTISTIQUES ET SCIENTIFIQUES, 22 jul. 1948, 17 e 24 fev. 1949.). Declara-se que Machado não é mais um desconhecido: desde Dom Casmurro (tradução de 1936), criou-se na França uma verdadeira sociedade dos amigos de Machado de Assis. Retoma-se a definição dada por André Maurois: "il [Machado de Assis] était renanien en même temps que Renan et francien avant Anatole France", e acrescenta que o leitor poderá saborear a graça poética, a terna melancolia e a nostálgica saudade que conquistaram seus primeiros admiradores.

A América Latina ganha notoriedade na década de 50. A pedido do ministério dos Negócios Estrangeiros, foi criada em Paris, em 1945, a Maison de l'Amérique Latine. Em 1954, nasce o Institut dês Hautes Études de l'Amérique Latine (IHEAL), com Pierre Monbeig como diretor. Cresce então o interesse pelo Brasil. Vários autores são traduzidos, como Jorge Amado, Euclides da Cunha, José Lins do Rego, Erico Veríssimo, etc., mas o leitor francês continua apreciando exotismo, imagens tropicais, carnaval e samba.

Na década de 70, a língua portuguesa entrou no sistema educacional; Memórias póstumas de Brás Cubas integrou os primeiros programas de concursos para professores de português em colégios e liceus. Mas entre 1978 e 1980, uma pesquisa de opinião revela que só 1% do grande público conhece ou ouviu falar de Machado de Assis, contra 8% para Jorge Amado e 3% para João Guimarães Rosa (FRESCO, 1981FRESCO, Daniel. La culture brésilienne vue par le public français d'aujourd'hui. 1981. 269 f. Tese (3° ciclo). Orientador: Prof. Raymond Cantel. - Universidade Paris 3, Sorbonne Nouvelle, Paris, 1981.).

Uma editora dedicada: Anne-Marie Métailié

Num contexto de renovação da política editorial, nasce uma nova editora em 1979. Seu emblema, a salamandra (que simboliza a paixão), vem estampado em cada livro. Anne-Marie Métailié é formada em letras, com habilitação em espanhol e português. Teve como professores Georges Boisvert e Antonio Candido, professor convidado na Sorbonne em 1965. Diz ela que isso foi decisivo: "tinha descoberto uma língua com a qual me dava bem, eu sentia a música dessa língua". Com interesse maior pela América Latina, começou publicando obras de ciências humanas; pouco depois, lançou-se na publicação de textos literários. O primeiro autor foi Machado de Assis, o que correspondia a um projeto pessoal. Nas aulas com o professor Boisvert, em 1963, tinha estudado Dom Casmurro. Mas, ao lê-lo em francês, notara que faltava a ironia, o que lhe tirava o essencial. Empenhou-se em dar a ler o que ela lia em português. Na coleção "Bibliothèque Brésilienne", lançou uma nova tradução de Dom Casmurro em 1983, que foi bem acolhida. Seguiram-se traduções de Esaú e Jacó e Memorial de Aires.

Em janeiro de 1989, sai Mémoires posthumes de Brás Cubas, "traduit du portugais (Brésil)", por Chadebec de Lavalade. Trata-se, na realidade, da tradução de 1944 com pequenas modificações, poderíamos dizer, atualizações editoriais. Assim, os números romanos dos capítulos transformam-se em números arábicos. As notas de rodapé são suprimidas: por exemplo, no capítulo XII, o "peru" com nota passa a ser simplesmente "dinde"; no capítulo XIII, Ludgero Barata (uma nota explica o sobrenome) torna-se Ludgero Cafard; no capítulo LX, "L'Abraço", com nota, é substituído por "L'Accolade", etc., mas o título volta a ser aquele de 1911.

O copyright da tradução francesa tem a data de 1989, acompanhado da nota: "Il nous a été impossible de joindre les héritiers du traducteur de même que la maison d'édition pour solliciter l'autorisation de reproduction. Nous avons cependant pris la responsabilité de la publication de cette œuvre, persuadés qu'en ce faisant nous suivions la mémoire du traducteur".37 37 "Não nos foi possível entrar em contato com os herdeiros do tradutor nem com a editora para solicitar a autorização de reprodução. No entanto, tomamos a responsabilidade da publicação desta obra, certos de que, ao fazê-lo, seguíamos a memória do tradutor." (tradução nossa)

A editora publicou uma dezena de obras de Machado de Assis nesses últimos trinta anos: em 1997, criou uma coleção de semibolso "Suite Brésilienne", de formato mais moderno e mais barato; as Mémoires posthumes de Brás Cubas ganharam novas reimpressões, com capas diferentes. O site da editora, que sempre traz um pequeno julgamento crítico, aconselha o leitor a começar pelas Mémoires para conhecer o autor e experimentar um verdadeiro prazer literário. Machado de Assis é hoje lido e reconhecido como um dos maiores escritores brasileiros.

Mas, como vimos, a dedicatória ao verme continua ausente, embora haja na edição Métailié uma referência ao original de 1881, o que não aconteceu com as edições anteriores de 1911, 1944 ou 1948. Será essa ausência uma especificidade francesa? Parece que sim, embora a primeira tradução em língua inglesa, feita em 1952 (Epitaph of a Small Winner) por William L. Grossman, omitisse também a dedicatória, pois esta foi restabelecida na tradução de Gregory Rabassa, The Posthumous Memoirs of Brás Cubas, em data de 1997. No Brasil, a jovem editora Antofágica, em 2019, retomou os desenhos esquecidos de Portinari para lançar as Memórias com a "lagarta" na capa e na lombada! Na França, as reimpressões da tradução (a última é de 2021) renovam as capas sem sombra de verme ou de dedicatória.

Referências

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  • 1
    Alberto Figueiredo Pimentel foi responsável pela seção "Lettres Brésiliennes" do Mercure de France de 1897 a 1902. Machado é mencionado também em maio de 1902, no número 149.
  • 2
    Baptiste-Louis Garnier (que chegou ao Brasil em 1844, abriu uma livraria em 1846 e criou a editora B.L. Garnier em 1852) fez os contratos para Machado de Assis, o primeiro sendo de 1864 para as Crisálidas, mas faleceu em 1893. O herdeiro, seu irmão Hippolyte, que residia em Paris, cuidou da editora até 1911, data do seu falecimento. Ele enviara ao Brasil, em 1898, o gerente Julien Lansac (Ver HALLEWELL, 2012HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 3.ed. São Paulo: Edusp, 2012., p.294).
  • 3
    Philéas Lebesgue (1869-1958), poeta, erudito autodidata, colaborou regularmente com o Mercure de France, para a seção "Letras Portuguesas", de 1896 a 1940. É tradutor do italiano, do espanhol, do grego moderno e do português.
  • 4
    Segundo Ubiratan Machado, foi em 17 de junho de 1896 que o contrato das Memórias (3. ed.,definitiva) foi assinado com Hippolyte Garnier. A edição foi de 1100 exemplares (MACHADO, 2008MACHADO, Ubiratan. Dicionário de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2008.).
  • 5
    Ubiratan Machado indica que Esaú e Jacó chegara às livrarias no final de agosto de 1904. A tradução saiu em dois volumes na Biblioteca de La Nación, de Buenos Aires.
  • 6
    "Italiano de nome, brasileiro de nascimento, francês de educação e de espírito, nosso redator-chefe, o Sr. de Santa-Anna Nery, é como a encarnação dessa fusão intelectual e moral das raças latinas que é a razão de ser e o objetivo dos nossos esforços."(tradução nossa)
  • 7
    Georges Dumas (1866-1946) era médico, professor da Universidade de Paris, "agrégé" de filosofia e doutor em Letras. A convite da Sociedade de Psicologia, em 1907, dera uma série de conferências no Brasil.
  • 8
    Xavier de Carvalho (1861-1919), poeta e jornalista português, em Paris desde 1885, fundou a "Société d'Études Portugaises de Paris" em 1902. Em 1909, torna-se redator-chefe da revista Latina, "Revue mensuelle pour la propagande des peuples latins" (1909-1910). É correspondente de vários jornais portugueses e brasileiros.
  • 9
    "o gênio latino irradia sobre o mundo. Em vão, as potências das trevas gostariam de fazê-lo voltar ao túmulo. Ele cria todos os dias mais liberdade, mais ciência e mais beleza, e prepara uma justiça mais justa e leis melhores." (tradução nossa)
  • 10
    "Era um Latino. A esta tradição de origem, ele deve a qualidade de sua ironia, delicada, leve, indulgente até, de todo modo desprovida da menor amargura." (tradução nossa)
  • 11
    Não contamos a tradução da fantasia dramática Desencantos, acompanhada de elogioso comentário, publicada em 15 de setembro de 1861, no jornal Courrier du Brésil (1854-1862), órgão da colônia francesa do Rio de Janeiro.
  • 12
    Haverá outra em Lisboa, de 15 de outubro de 1910 a 15 de abril de 1911.
  • 13
    Depois de estudos em Paris, Adrien Delpech, na realidade Adrien Eugène Léon Eucher, emigrou para a América do Sul, tentou morar na Argentina em 1880 e finalmente escolheu o Brasil, onde se naturalizou em 1891. Professor de francês, de sociologia, de literatura brasileira e literatura latina no Colégio D. Pedro II, na Escola Normal, etc.,publicou romances em francês: Roman brésilien, mœursexotiques (1904), Pages exotiques: Petrópolis (1913), L'Idole (2. ed., 1930).
  • 14
    "Traduzi Machado de Assis, quer dizer, sobrepus à sua mentalidade outra mentalidade benévola e a mais harmônica possível com a sua."(tradução nossa)
  • 15
    "Essa maneira de recortar a obra, que emprestou de Sterne, tem o defeito, a cada instante, de romper a atenção, e às vezes dá à narrativa ares de sufocação."(tradução nossa)
  • 16
    A tradução espanhola, assinada por Rafael Mesa López, que saiu no mesmo ano (1911) também pela Garnier (Paris: Garnier Hermanos), Memorias póstumas de Blas Cubas, abre-se com a dedicatória ao verme.
  • 17
    Curiosamente, a Editora Classiques Garnier de Paris resolveu reimprimir essa tradução em 2014, para incluir o livro na coleção "Classiques Jaunes" n. 120, série "Textes du Monde", livro hoje apenas disponível em versão digital.
  • 18
    A Revue de l'Amérique Latine (1922-1932) teve como diretor Ernest Martinenche.
  • 19
    A conferência foi publicada em português por Monteiro Lobato, após sugestão de seu amigo Oswald de Andrade (carta de 2 de julho de 23), na Revista do Brasil, n. 96, de dezembro de 1923 (p.383-389): "Machado de Assis, branco de epiderme e cumulado de louvores pelos brancos, obteve equilíbrio, devido ao seu sangue negro. Nos seus romances, que são de resto, nossas melhores obras de ficção, não há um desvio inútil de paisagem, nenhuma gafa lírica" (tradução nossa).
  • 20
    Carta de Oswald de Andrade a Valery Larbaud, de 13 de março de 1923 (Ver RIVAS, 1995RIVAS, Pierre. Encontro entre literaturas - França - Brasil - Portugal. São Paulo: Hucitec, 1995., p.359).
  • 21
    Manoel Gahisto (1878-1948) é o pseudônimo de Paul Tristan Coolen (de origem belga). Colaborador em várias revistas, traduz literatura brasileira (A. Azevedo), muitas vezes a quatro mãos com Philéas Lebesgue. Em 1932, assume a crônica "Lettres Brésiliennes", do Mercure de France.
  • 22
    Jean Duriau (1887-1935), que abandonara os estudos de medicina, torna-se responsável, em 1912, pela Companhia Chargeurs Réunis, em Santos. Volta à França durante a guerra, mas retorna ao Brasil, pelo período de 1919 a 1922. Traduz obras brasileiras e colabora para a Revue de l'Amérique Latine.
  • 23
    "O homem nos seus romances não é especificamente um brasileiro, mas sim um homem, o que bastaria para justificar a nossa profunda admiração pelo autor de tantos livros desconhecidos na França"; "os livros, aliás, perderiam seu encanto se fossem traduzidos, pois a escrita desafia a interpretação, pela sua elegância e sutileza" (tradução nossa).
  • 24
    Em tradução de Michel Berveiller e Pierre Hourcade, ambos professores em cooperação na USP (AMADO, 1938AMADO, Jorge. Bahia de tous les saints.Paris: Gallimard, 1938.). Em 1944, Bastide escreveu no Estado de São Paulo que Jubiabá, na França, pusera a literatura brasileira na moda.
  • 25
    A USP foi criada pelo decreto de 25 de janeiro de 1934; a cátedra de sociologia foi ocupada por P. Arbousse-Bastide, aluno de G. Dumas; desdobrada em 1935, chegou para ocupar a segunda cátedra Claude Lévi-Strauss, que voltou à França em 1938. Foi substituído, então, por Roger Bastide (1898-1974), que viveu no Brasil entre 1938 e 1954.
  • 26
    Francis de Miomandre é o nome literário de Francis Durand (1880-1959). Escritor e tradutor, recebe o prêmio Goncourt em 1908, com o livro Écrit sur l'eau. Traduz do espanhol (autores como Cervantes, Calderón, entre outros) e do português. Colabora em várias revistas, dentre as quais Nouvelles Littéraires e Cahiers du Sud.
  • 27
    O Instituto (IICI), órgão da Société des Nations (SDN), foi criado em Paris em 1926 e substituído em 1946 pela UNESCO.
  • 28
    O diretor da revista era o jornalista e dramaturgo francófilo, de longa experiência em Paris, Dr. Brício de Abreu (1903-1970); o redator-chefe era Marques Rebelo. A revista durou de 1937 a 1946.
  • 29
    A ocupação da França pelo exército alemão entre junho de 1940 e agosto de 1944 provocou a emigração de muitos intelectuais e a implantação de editoras fora da França. Charles Ofaire é um editor suiço instalado no Rio, que dirige a Atlântica Editora ao mesmo tempo que milita pelo combate pela França livre. Sua editora ainda é conhecida como a editora de Georges Bernanos. Duas páginas no final do livro indicam as publicações da casa: em "Littérature" estão G. Bernanos, com Monsieur Ouine, Antoine Bon, SerethNeu, entre outros; em "Politique", G. Bernanos, com Lettre aux Anglais, Chadebec de Lavalade, com Pétain?, Guy de Chézal, entre outros. Numa orelha, é anunciado o próximo livro da coleção: Mémoires d'um sergent de la milice, de M.A. de Almeida, traduzido por Paulo Rónai.
  • 30
    O artigo do jornal foi publicado no tomo II do livro de Glória Amaral (2010AMARAL, Glória Carneiro do (Org.). Navette literária França-Brasil: textos de crítica literária de Roger Bastide. São Paulo: EDUSP, 2010. t.2., p. 359-363).
  • 31
    Em 1917, o Brasil declara guerra à Alemanha. Graça Aranha, ministro plenipotenciário, cria a "Liga de Defesa Nacional". Tropas brasileiras iriam à França e uma missão militar iria ao Brasil. O Brasil também compraria material militar da França. O Congresso vota a lei autorizando a missão militar para instrução do exército e o contrato é assinado em 8 de setembro de 1919. Como consequência do armistício de Compiègne, em 22 de junho de 1940, a Alemanha pede a dissolução das missões francesas (no Brasil, Colômbia, Paraguai e Peru), mas o governo brasileiro pede para manter a Missão até dezembro de 1940. Em seguida, Lavalade foi nomeado conselheiro técnico do Estado Maior do Exército brasileiro (1940-1942).
  • 32
    "A excelente tradução de R. Chadebec de Lavalade que, por sua vez, é um escritor de marca maior, soube conservar à obra de Machado de Assis aquele senso de humor que o tornou famoso na literatura do Brasil." (tradução nossa)
  • 33
    "Machado de Assis ao alcance de todos... Machado de Assis à altura do seu verdadeiro mérito. Tal é a tradução do general de Lavalade." (tradução nossa)
  • 34
    "Nesse mundo absurdo e duro, o que sobra para o homem? Ele pode rir de suas desgraças. E é o que fazem Brás Cubas e seu criador. Mas esse riso está matizado de ironia mais do que de alegria." (tradução nossa)
  • 35
    Cita-se o título em português assim truncado (LE MERCURE DE FRANCE, 1948LEMERCURE DE FRANCE, 1° jan. 1948., p.145).
  • 36
    Les Nouvelles Littéraires artistiques et scientifiques (1922-1985) foram criadas pela livraria Larousse.
  • 37
    "Não nos foi possível entrar em contato com os herdeiros do tradutor nem com a editora para solicitar a autorização de reprodução. No entanto, tomamos a responsabilidade da publicação desta obra, certos de que, ao fazê-lo, seguíamos a memória do tradutor." (tradução nossa)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2023
  • Aceito
    30 Set 2023
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