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A FICÇÃO DOS EXÓRDIOS NOS ROMANCES DE MACHADO DE ASSIS

THE FICTION OF THE EXORDIUMS IN THE NOVELS OF MACHADO DE ASSIS

Resumo

Desde o século XVIII, os elementos de apresentação exercem funções estratégicas na definição das especificidades do romance. Para além das tarefas de referência ao público, típicas dos exórdios na tradição retórica, os paratextos anunciam os termos da narração e das modalidades de autoria. No caso dos romances de Machado de Assis, os prefácios e notas ao leitor são inseparáveis das ficções do livro que caracterizam a especificidade literária das tramas.

Palavras-chave:
prefácio; ficção; Machado de Assis

Abstract

Since the 18th century, the elements of presentation have played a strategic role in defining in defining the specifics of the novel. In addition to the tasks of referring to the public, typical of exordiums in the rhetorical tradition, paratexts announce the terms of narration and the modalities of authorship. In the case of Machado de Assis' novels the prefaces and notes to the reader are inseparable from the fictions of the book that characterize the literary specificity of the plots.

Keywords:
preface; fiction; Machado de Assis

Na história das práticas regidas pelas normativas da retórica, as funções do exórdio se referem à apresentação da matéria e à preparação da audiência para a compreensão dos assuntos a serem tratados, como estabelecido no compêndio Techne rhetorike, ou Arte retórica, atribuído a Aristóteles. As serventias introdutórias do exórdio expressam a articulação entre organização e eficácia enunciativa em diferentes economias discursivas e sugerem recorrentes atualizações das formas de persuasão. A conquista do interesse do auditório, ou público leitor, se apresenta historicamente no uso de diversas fórmulas de modéstia e nos destaques da utilidade e veracidade do material apresentado.1 1 Em "A antiga retórica", Roland Barthes argumenta que o exórdio compreende canonicamente dois momentos: o primeiro seria a captatio benevolentiae ou esforço de sedução dos ouvintes - a quem se tenta reconciliar imediatamente por meio de um teste de cumplicidade -, que tem sido um dos elementos mais estáveis do sistema retórico. O segundo momento do exórdio seria a partitio, que anuncia as divisões que serão adotadas, o plano que será seguido (BARTHES, 2001). Nesse sentido, a mobilização do antigo preceito da captatio benevolentiae, convenção acerca da conquista da atenção e simpatia do público, em suas várias aplicações históricas, permite aproximações entre os textos compreendidos no regime retórico e as narrativas ficcionais próprias do sistema literário.

Os exórdios literários - prefácios, proêmios, notas e advertências ao leitor - são elementos centrais na difusão das narrativas de ficção no mercado editorial cujo desenvolvimento é acelerado a partir do século XVIII. No contexto de ampliação da circulação desses produtos, as seções introdutórias dos textos participaram dos processos de construção dos parâmetros de inteligibilidade que determinariam as formas de narração, relato e ficção.

Exemplo da centralidade desses elementos na gênese do romance moderno The Life and Adventures of Robinson Crusoe, livro de Daniel Defoe publicado em 1719, é apresentado pelo editor, suposto autor do prefácio, que garante a veracidade da narrativa que revela ao mundo as maravilhas da vida da personagem. A trama, iniciada em diálogo direto com os leitores, recusa qualquer invenção: a história seria digna de vir a público por ser extraordinária, mas sobretudo, verídica. O prefácio firma os termos da interação entre autor, editor e público, em referência às regras de composição poética. O tópos do deleite e da instrução, recuperado da Ars poetica de Horácio, é mobilizado na afirmação de que o editor presta grande serviço ao público, pois a obra pode divertir e educar. O mesmo prefácio também recorre ao tópos da modéstia para conquistar a atenção dos leitores para a história dissimulada como verdadeira, mas apresentada como obra de autor fictício.2 2 "Se jamais a história das aventuras no mundo de algum homem em particular já mereceu vir a público, e foi digna de publicação, o editor do presente relato pensa ser este o caso. As maravilhas da vida desse homem excedem tudo que (a seu ver) se pode encontrar: mal se imagina que a vida de um homem seja capaz de maior variedade. A história é relatada com modéstia, com seriedade e uma aplicação religiosa dos acontecimentos aos usos que os sábios sempre lhes dão, a saber: a instrução de outros à luz deste exemplo, e para justificar e honrar a sabedoria da Providência em toda a variedade de nossas circunstâncias, aconteçam de que modo for. O editor julga que o relato seja uma história fiel; nem existe nela qualquer aparência de ficção. E, no entanto, pensa, posto que todas as coisas deste tipo costumam ser lidas às pressas, que o que ela pode trazer tanto em matéria de diversão quanto de instrução para o leitor será da mesma monta; e assim, acredita ele sem mais saudações ao mundo, ele lhes presta um grande serviço com a presente publicação." (DEFOE, 2011, p. 43)

Esses expedientes de enunciação narrativa, muito comuns nos romances a partir do século XVIII, se tornariam frequentes também nos livros do século XIX. As formas de apresentação das obras estabeleciam parâmetros de interpretação dos textos e indicavam a atualidade do debate crítico, além de, recorrentemente, fazerem parte do enredo. Na imbricada relação do gênero romance com a forma do livro, os exórdios tiveram função estratégica na delimitação das fronteiras entre a ficção e o discurso editorial.

Quando consideradas as primeiras edições dos romances de Machado de Assis, é possível perceber um conjunto de formulações sobre o gênero referentes à autoria, ao público e à literatura brasileira, elaboradas a partir de ficções exordiais. A advertência da primeira edição de Ressurreição, romance de estreia publicado em 1872, chama a atenção da crítica para as incertezas que marcam a concepção da obra. O comentário sobre a falsa "modéstia dos prólogos", comum nas edições brasileiras, propõe um debate sobre as qualidades do livro.

A crítica desconfia sempre da modéstia dos prólogos, e tem razão. Geralmente são arrebiques de dama elegante, que se vê ou se crê bonita, e quer assim realçar as graças naturais […]. Ora pois, eu atrevo-me a dizer à boa e sisuda crítica, que este prólogo não se parece com esses prólogos. Venho apresentar-lhe um ensaio em gênero novo para mim, e desejo saber se alguma qualidade me chama para ele, ou se todas me faltam, - em cujo caso, como em outro campo já tenho trabalhado com alguma aprovação, a ele volverei cuidados e esforços. O que eu peço à crítica vem a ser - intenção benévola, mas expressão franca e justa. Aplausos, quando os não fundamenta o mérito, afagam certamente o espírito e dão algum verniz de celebridade; mas quem tem vontade de aprender e quer fazer alguma coisa, prefere a lição que melhora ao ruído que lisonjeia. (ASSIS, 1872ASSIS, Machado de. Ressureição. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1872., p. 10)

O esforço dedicado ao "gênero novo" - que recusa a classificação de "romance de costumes" e é definido como "esboço de uma situação" - inclui os leitores nas incertezas da autoria. No último capítulo, a condição da narrativa como livro é recuperada em juízo melancólico: "Dez anos volveram sobre os acontecimentos deste livro, longos e enfastiados para uns, ligeiros e felizes para outros, que é a lei uniforme desta mofina sociedade humana" (ASSIS, 1872ASSIS, Machado de. Ressureição. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1872., p. 237).

Na advertência da edição em livro de A mão e a luva, publicada em 1874, as reflexões sobre a narração aludem à escrita fragmentada própria do folhetim, formato no qual o romance foi inicialmente publicado no jornal O Globo, entre os dias 27 de setembro e 3 de novembro do mesmo ano.

Esta novela, sujeita às urgências da publicação diária, saiu das mãos do autor, capítulo a capítulo, sendo natural que a narração e o estilo padecessem com esse método de composição, um pouco fora dos hábitos do autor. Se a escrevera em outras condições, dera-lhe desenvolvimento maior, e algum colorido mais aos caracteres, que aí ficam esboçados. (ASSIS, 1874______. A mão e a luva. Rio de Janeiro: Gomes de Oliveira & C.; Tipografia do Globo, 1874. , p. V)

A condição do romance não é explicada exclusivamente pelas limitações do autor iniciante, mas atrelada à dinâmica de publicação da imprensa. O desajuste do "método de composição" explicaria as falhas do texto apresentado como esboço. No capítulo XI, o narrador requisita o leitor para simplificar a narrativa: "um leitor perspicaz, como eu suponho que há de ser o leitor deste livro, dispensa que eu lhe conte os muitos planos que ele teceu" (ASSIS, 1874______. A mão e a luva. Rio de Janeiro: Gomes de Oliveira & C.; Tipografia do Globo, 1874. , p. 102). O recurso de convocação do leitor é a marca do estilo de narração que recorre ao livro como parte da trama, tema central de Memórias póstumas de Brás Cubas.

O famoso prólogo ao leitor, publicado na primeira edição de 1881, indica como a forma do livro é indissociável da composição das memórias e como a representação do leitor como personagem formula a trama como desenlace editorial. A premissa de que "o melhor prólogo é o que contém menos coisas" e a assertiva de que "a obra em si mesma é tudo" anunciam a narrativa da edição assinada por Brás Cubas, autor fictício que estende a apresentação do livro até o quarto capítulo:

Veja o leitor a comparação que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho que faz muito bem. Pois lá iremos. Todavia, importa dizer que este livro é escrito com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói, não inflama nem regela, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado (ASSIS, 1881______. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1881., p. 18).

A trama do defunto-autor, e editor de suas memórias, é estabelecida a partir de recursos que destacam as prerrogativas da narração, e da escrita, como desdobramentos do ponto de vista do morto. Se a franqueza é a "primeira virtude de um defunto", a posição sepulcral é estratégica para a efetivação da "teoria das edições humanas" que fundamenta a poética das memórias. A premissa da "errata pensante", segundo a qual Brás Cubas define a condição humana como esforço constante de correção, associa a metáfora do livro à incompletude editorial das memórias que terminam na "edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes" (ASSIS, 1881______. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1881., p. 334).

As idas e vindas da trama, comparada "ao andar dos ébrios", evidenciam como a integralidade da narração de Brás Cubas depende da referência ao livro. A paródia da leitura, e da crítica, reafirma o despropósito da obra e destaca os artifícios de sua ficcionalidade como a principal motivação do enredo. A dinâmica constante da escrita e do apagamento, as diversas passagens em que Cubas sugere a supressão do texto impresso, inclui a ficção do leitor como personagem - fadado a contemplar capítulos supostamente inúteis - na inscrição do processo narrativo editorial.

A temática reaparece em Quincas Borba, inicialmente publicado em folhetins no periódico A Estação e posteriormente lançado pela editora Garnier, em 1891. No capítulo IV o leitor é avisado sobre o personagem que dá nome ao romance: "Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler as Memórias póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado, e inventor de uma filosofia" (ASSIS, 1891______. Quincas Borba. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1891., p. 15). A passagem associa as tramas e a narração, cria não somente um universo dramático, mas referência autoral comum reafirmada nas várias menções à composição do livro. O capítulo CXII confirma a narração como autoria:

Aqui é que eu quisera ter dado a este livro o método de tantos outros, - velhos todos, - em que a matéria do capítulo era posta no sumário: "De como aconteceu isto assim, e mais assim". Aí está Bernardim Ribeiro; aí estão outros livros gloriosos. Das línguas estranhas, sem querer subir a Cervantes nem a Rabelais, bastavam-me Fielding e Smollet, muitos capítulos dos quais só pelo sumário estão lidos. Pegai em Tom Jones, livro IV, cap. I, lede este título: Contendo cinco folhas de papel. É claro, é simples, não engana a ninguém; são cinco folhas, mais nada, quem não quer não lê, e quem quer lê, para os últimos é que o autor conclui obsequiosamente: "E agora, sem mais prefácio, vamos ao seguinte capítulo" (ASSIS, 1891______. Quincas Borba. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1891., p. 252).

O conjunto de referências letradas situa a narrativa como obra e propõe um modelo de verossimilhança atrelado à objetividade do texto como forma material. A citação do romance de Henry Fielding consolida a perspectiva da composição como artificialidade literária fundada em um conjunto de livros, na prática da literatura como ficção livresca.

Essa dimensão propriamente ficcional da narração romanesca destacada em Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba foi percebida por parte da crítica do final do século XIX. Em artigo publicado em 1892 no Jornal do Brasil, José Veríssimo comenta a publicação de Quincas Borba, e afirma categoricamente que "a obra literária do Sr. Machado de Assis não pode ser julgada segundo o critério que eu peço licença para chamar nacionalístico" (VERÍSSIMO, 1892VERÍSSIMO, José. Um novo livro do Sr. Machado de Assis. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1892, p. 1-2., p. 1). O comentário - que cita o nacionalismo como o cerne das análises de Sílvio Romero, elaboradas em sua História da literatura brasileira, lançada em 1888 - faz ressalvas quanto "ao emprego sistemático de fórmulas críticas".

O crítico caracteriza Machado de Assis como "um escritor à parte", definido mais pelo humorismo do que pela filiação a qualquer escola literária. Segundo Veríssimo, a aversão à "representação quase fotográfica, à fotografia banal da vida", não impediria que sua obra analisasse profundamente os costumes, amparada na premissa de que "nenhuma obra d'arte pode viver sem verdade, mas a verdade na arte não é a cópia trivial da realidade das coisas" (VERÍSSIMO, 1892VERÍSSIMO, José. Um novo livro do Sr. Machado de Assis. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1892, p. 1-2., p. 1). A conclusão do artigo reconhece os termos do modelo de representação que os romances sugerem:

Eu não indago se o Sr. Machado de Assis é um moderno ou um antigo, um velho ou um novo, um romântico ou um naturalista; acabando de ler o seu livro, acode-me, a mim que tenho igual simpatia por todas as escolas e igual desprezo por todas as parcerias, acode-me a ideia trivialíssima que o melhor meio de servir uma literatura é ainda fazer livros - principalmente bons livros, como este (VERÍSSIMO, 1892VERÍSSIMO, José. Um novo livro do Sr. Machado de Assis. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1892, p. 1-2., p. 2).

Em longo artigo publicado em O Estado de S. Paulo, em 1892, Magalhães de Azeredo ressalta como os romances de Machado de Assis se diferenciam dos "emaranhados romances de intriga tenebrosa", tramados por inúmeros personagens e cheios de surpresas. O crítico aponta a artificialidade de narrativas repletas de reviravoltas, caracterizadas por "falsas cintilações de uma verossimilhança demarcada". Sobre os romances machadianos, comenta:

Quanto ao Brás Cubas e ao Quincas Borba, perguntaríeis até se são realmente romances, tão estranha lhes é toda a pretensão de armar ao assombro e a boa-fé dos leitores. Eu responderia assaz justamente; isto não é um romance, é a vida. Nada há postiço, artificial nos episódios, que se desenrolam com perfeita naturalidade, e com a lógica, por vezes inopinada, dos fatos quotidianos (AZEREDO, 1892AZEREDO, Magalhães de. Quincas Borba . O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1892, p. 1., p. 1).

Para o crítico, a economia narrativa dos romances citados produziria um tipo mais preciso de verossimilhança, fruto de "relação mais fiel e minuciosa da vida do Rio de Janeiro que Machado de Assis conhece a fundo há muitos anos" (AZEREDO, 1892AZEREDO, Magalhães de. Quincas Borba . O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1892, p. 1., p. 1). As observações trabalhadas com humorismo refinado seriam o fundamento de romances que se confundiriam com a vida sem disfarçar a artificialidade, os métodos de composição.

Considerações quanto à falta de cor local ou relativas à pouca profundidade filosófica dos romances machadianos, feitas por críticos como Sílvio Romero e Urbano Duarte, criaram divisões que marcaram a recepção das obras nas últimas décadas do século XIX. Seus romances, ora considerados afastados das questões brasileiras, ora leituras finas da realidade, estiveram no cerne dos debates sobre as características do realismo e do naturalismo na literatura brasileira.

A indissociabilidade entre narração, autoria e edição define o enredo de Dom Casmurro, publicado pela editora Garnier em 1899. Também neste caso, as funções exordiais extrapolam os paratextos. No primeiro capítulo, Bento Santiago se apresenta como narrador e autor do livro cuja trama é iniciada com o anúncio: "Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos os motivos que me põem a pena na mão" (ASSIS, 1899______. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1899., p. 3). A ideia inicial de escrever uma História dos subúrbios para aplacar a monotonia é substituída pelo registro de suas reminiscências, pois "deste modo, viverei o que vivi, e assentarei a mão para alguma obra de maior tomo" (ASSIS, 1899______. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1899., p. 6).

As recordações que compõem o livro associam as incertezas da memória com as intermitências do processo editorial, como é evidenciado no capítulo LX:

Justamente, quando contei o pregão das cocadas, fiquei tão curtido de saudades que me lembrou fazê-lo escrever por um amigo, mestre de música, e grudá-lo às pernas do capítulo. Se depois jarretei o capítulo, foi porque outro músico, a quem o mostrei, me confessou ingenuamente não achar no trecho escrito nada que lhe acordasse saudades. Para que não aconteça o mesmo aos outros profissionais que porventura me lerem, melhor é poupar ao editor do livro o trabalho e a despesa da gravura. Vês que não pus nada, nem ponho. Já agora creio que não basta que os pregões de rua, como os opúsculos de seminário, encerrem casos, pessoas e sensações; é preciso que a gente os tenha conhecido e padecido no tempo, sem o que tudo é calado e incolor (ASSIS, 1899______. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1899., p. 179).

A relação entre narração e edição, reafirmada em várias passagens, também inclui o leitor. No capítulo LXVII, lê-se:

Enxuguei os olhos, posto que de todas as palavras de José Dias uma só me ficasse no coração; foi aquele gravíssimo. Vi depois que ele só queria dizer grave, mas o uso do superlativo faz a boca longa, e, por amor do período, José Dias fez crescer a minha tristeza. Se achares neste livro algum caso da mesma família, avisa-me, leitor, para que o emende na segunda edição; nada há mais feio que dar pernas longuíssimas a ideias brevíssimas (ASSIS, 1899______. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1899., p. 181).

A figuração do leitor como revisor sugere a revisão impossível como crítica do estilo da composição. Mas a falsa abertura do livro - ficção da edição - incide na absoluta miséria da interpretação como apropriação do sentido. A narração da confecção do livro incompleto traduz a instabilidade do enredo escrito como reminiscência, precário como autoria. O capítulo final evidencia a centralidade da incerteza na estruturação da narrativa:

Agora, por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas não é este propriamente o resto do livro. O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente (ASSIS, 1899______. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1899., p. 398).

A convicção de Bento Santiago quanto a ter sido enganado por Capitu e o amigo Escobar não encerra o maior mistério da trama que, segundo o narrador, reside no caráter da esposa, pois a conclusão de que "uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca" (ASSIS, 1899______. Dom Casmurro. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1899., p. 398) é menos sólida do que a percepção da traição. O "resto do livro" é, de fato, sua abertura possível, instância em que a edição cede espaço à interpretação. Essa incompletude estratégica da narração foi destacada por José Veríssimo no artigo escrito em 1900______. Novo livro do Sr. Machado de Assis. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1900, p. 1-2.:

Dom Casmurro a descreve (Capitu), aliás, com amor e com ódio, o que pode torná-lo suspeito. Ele procura cuidadosamente esconder estes sentimentos, sem talvez consegui-lo de todo. Ao cabo das suas memórias sente-se-lhe uma emoção que ele se empenha em refugar. E só. A sua conclusão, que não é talvez aquela que ele confessa, seria acaso que não há escapar à malícia das mulheres e à má-fé dos homens. Mas vejo que é no fundo, a mesma que ele nos dá. Perco-me decididamente em explicações. Lede a fábula, e tirai-lhe vós mesmos a moralidade (VERÍSSIMO, 1900______. Novo livro do Sr. Machado de Assis. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1900, p. 1-2., p. 1).

O comentário indica que a recepção inicial do romance não foi indiferente às idiossincrasias do narrador, protagonista de uma das mais comentadas polêmicas da literatura brasileira. As particularidades da narração indissociável da edição evocam as incertezas da memória como literatura, do enredo como texto, da consciência como romance, do romance como livro. A partir desse conjunto de metáforas, Dom Casmurro reafirma o protagonismo da ficção como produto editorial.

Em Esaú e Jacó, publicado em 1904, a dissimulação da autoria apresentada na advertência ao leitor cria o mote para o enredo, mas, diferentemente do prólogo de Memórias póstumas de Brás Cubas, não é assinada. A premissa de que o texto foi encontrado junto às memórias do autor, o Conselheiro Aires, também revela uma decisão editorial. Segundo o editor anônimo, as partes soltas das memórias não valeriam a publicação, sendo conveniente apenas a publicação da narrativa originalmente intitulada Último.3 3 A decisão editorial é anunciada nos seguintes termos: "A hipótese de que o desejo do finado fosse imprimir este caderno em seguida aos outros, não é natural, salvo se queria obrigar à leitura dos seis, em que tratava de si, antes que lhe conhecessem esta outra história, escrita com um pensamento interior e único, através das páginas diversas. Nesse caso, era a vaidade do homem que falava, mas a vaidade não fazia parte dos seus defeitos. Quando fizesse, valia a pena satisfazê-la? Ele não representou papel eminente neste mundo; percorreu a carreira diplomática, e aposentou-se. Nos lazeres do ofício, escreveu o Memorial, que, aparado das páginas mortas ou escuras, apenas daria (e talvez dê) para matar o tempo da barca de Petrópolis. Tal foi a razão de se publicar somente a narrativa. Quanto ao título, foram lembrados vários, em que o assunto se pudesse resumir. Ab ovo, por exemplo, apesar do latim; venceu, porém, a ideia de lhe dar estes dois nomes que o próprio Aires citou uma vez" (ASSIS, 1904, p. II).

O anonimato da edição indica a autoria de Aires na advertência, pois a narração em terceira pessoa apresenta o Conselheiro como personagem. O narrador, no entanto, reivindica a condição de autor, como fica evidenciado no comentário sobre suposta interferência de uma leitora:

Francamente, eu não gosto de gente que venha adivinhando e compondo um livro que está sendo escrito com método. A insistência da leitora em falar de uma só mulher chega a ser impertinente. Suponha que eles deveras gostem de uma só pessoa; não parecerá que eu conto o que a leitora me lembrou, quando a verdade é que eu apenas escrevo o que sucedeu e pode ser confirmado por dezenas de testemunhas? Não, senhora minha, não pus a pena na mão, à espreita do que me viessem sugerindo. Se quer compor o livro, aqui tem a pena, aqui tem papel, aqui tem um admirador; mas, se quer ler somente, deixe-se estar quieta, vá de linha em linha; dou-lhe que boceje entre dois capítulos, mas espere o resto, tenha confiança no relator destas aventuras (ASSIS, 1904______. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1904., p. 87-88).

A trama da dissimulação autoral é parte do arco ficcional que se completa apenas com a publicação de Memorial de Aires, em 1908. Na advertência assinada por Machado de Assis, a decisão de não publicar o livro de memórias, reiteradamente citado em Esaú e Jacó, é revogada com algumas ressalvas.

Quem me leu Esaú e Jacó talvez reconheça estas palavras do prefácio: "Nos lazeres do ofício escrevia o Memorial, que, apesar das páginas mortas ou escuras, apenas daria (e talvez dê) para matar o tempo da barca de Petrópolis". Referia-me ao Conselheiro Aires. Tratando-se agora de imprimir o Memorial, achou-se que a parte relativa a uns dois anos (1888-1889), se for decotada de algumas circunstâncias, anedotas, descrições e reflexões, - pode dar uma narração seguida, que talvez interesse, apesar da forma de diário que tem. Não houve pachorra de a redigir à maneira daquela outra, - nem pachorra, nem habilidade. Vai como estava, mas desbastada e estreita, conservando só o que liga o mesmo assunto. O resto aparecerá um dia, se aparecer algum dia. (ASSIS, 1908______. Memorial de Aires. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1908., p. V)

O argumento relaciona os textos, justifica a narrativa e confirma a ficção da referência na ficção do livro. A assinatura da advertência valida Machado de Assis como editor da obra que resiste ao despropósito inicial e que, portanto, se justifica como desdobramento ficcional. Em Memorial de Aires, as anotações não evocam os rigores da edição, uma vez que não dramatizam a composição literária, mas tratam da temática da escrita como registro, da memória como texto. Nas notas do dia 21 de agosto, Aires fala de seus olhos cansados e cogita não continuar com o diário porque a "velhice quer descanso". Nas anotações do dia 24 de agosto, lê-se:

Qual! não posso interromper o Memorial; aqui me tenho outra vez com a pena na mão. Em verdade, dá certo gosto deitar ao papel coisas que querem sair da cabeça, por via da memória ou da reflexão. Venhamos novamente à notação dos dias (ASSIS, 1908______. Memorial de Aires. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1908., p. 117).

No livro iniciado na obra anterior, a narração é estruturada por um conjunto de ficções que extrapolam o âmbito regular do paratexto. Memorial de Aires confirma o privilégio do estilo como uma possibilidade para o romance e ratifica a consolidação do regime literário caracterizado, dentre outros fatores, pelo deslocamento em relação ao compromisso de representação da realidade como possibilidade do texto. Essa dimensão da autonomia do estilo parece ser um dos elementos que informam a percepção de universalidade destacada por críticos do início do século XX. Em artigo sobre o lançamento de Esaú e Jacó, J. dos Santos reitera:

Mas, ainda uma vez: o essencial de uma obra de Machado de Assis não é a fabulação: é o estilo; é cada capítulo de per si; é a graça, a leveza, a graciosidade da frase, encobrindo a observação profunda, mas discreta. Nunca, como certos autores, dos quais Bourget é talvez o mais característico, - nunca o autor de Dom Casmurro nos anunciará que vai tentar a análise psicológica de ninguém, fazendo um preâmbulo, que excite a atenção do leitor, a fim de que este lhe aplauda a agudez e a sagacidade. Ao contrário, ele fingirá ser o primeiro a não ligar importância às observações mais exatas e profundas (SANTOS, 1904SANTOS, J. dos. Crônica literária. A Notícia: Rio de Janeiro, 1904, p. 3. , p. 3).

A controvérsia sobre a inserção da obra machadiana na literatura brasileira suscitou debates a respeito das relações entre os textos de ficção e o compromisso com as questões nacionais. O problema da cor local, presente desde as primeiras formulações românticas, tensionou o vínculo com a tradição europeia, assim como com os paradigmas clássicos e modernos. Na ocasião do lançamento de Memorial de Aires, um comentário de Baptista Júnior parece resumir a posição de parte da crítica:

Em que consistem afinal os apregoados méritos de Machado de Assis?

O mestre, no Brasil, compreendeu, como ninguém, o grande papel da literatura moderna. A sua superior visão estética, rasgou-lhe horizontes esplêndidos num céu embaçado para muitos: e, possuidor de uma fina intuição artística, apoiou quase toda a sua imensa obra na realidade absoluta da Vida, livrando-se de fofos enchimentos românticos, despindo-se dessa fantasia intolerável que enche ordinariamente os livros dos eunucos. Na complexidade misteriosa da alma humana, jamais no Brasil, como um escalpelo, uma outra pena marcou mais vasta, mais sutil, mais penetrante análise (JÚNIOR, 2012JÚNIOR, Baptista. Machado de Assis. O Commercio de São Paulo, São Paulo, 1908. In: GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin, Edusp, 2012, p. 419-421. , p. 420).

O tom laudatório celebra a obra de um dos mais renomados escritores brasileiros à época e destaca a universalidade como valor estético superior na literatura moderna. Essa configuração analítica, apesar de não desconsiderar a temática da nacionalidade, propõe encaminhamento no qual a produção literária brasileira é considerada em recorte generalizante que recusa os "enchimentos românticos" em nome da investigação penetrante da "misteriosa alma humana". O paradigma romântico é reapropriado para privilegiar a representação ficcional como linguagem universalizante.

Como exemplarmente expresso nas análises de José Veríssimo e Sílvio Romero, a crítica literária tanto celebrou a sutileza filosófica como criticou a falta de densidade dos romances machadianos. Em ambos os casos, foi reafirmada certa diferença, explicada ora porque sua obra estaria "acima da vulgar preocupação de ser nacional" (VERÍSSIMO, 1892VERÍSSIMO, José. Um novo livro do Sr. Machado de Assis. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1892, p. 1-2., p. 2), ora porque a mesma teria influência "quase nenhuma no espírito nacional" (ROMERO, 1992ROMERO. Sílvio. Machado de Assis: estudo comparativo de literatura brasileira. Campinas: Editora da Unicamp, 1992., p. 115). Independentemente do alcance desses comentários, e do quanto eles foram revisitados no debate literário na primeira metade do século XX, fica claro que as projeções estavam centradas no desenvolvimento do romance como expoente da ideia de literatura moderna, gênero decisivo no processo de formação da literatura brasileira.

Nos romances de Machado de Assis, a incorporação do livro no âmbito dos temas pode ser considerada um desdobramento do problema da filiação histórica do texto, portanto, de sua filiação ao realismo. A ficção do livro, produzida prioritariamente nas apresentações narrativas, desloca para o registro propriamente literário a questão da referencialidade histórica que a crítica oitocentista tendeu a tratar a partir da oposição entre fabulação e representação da realidade. No caso dos romances machadianos, os paratextos, e demais enunciações da narrativa dispersas nas tramas, evocam não somente o leitor, como na função típica do exórdio, mas sobretudo a página. O uso do suporte reforça as idiossincrasias da discursividade literária e estabelece a particularidade da narrativa de ficção na sua correspondente metáfora do livro.

Referências

  • ASSIS, Machado de. Ressureição Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1872.
  • ______. A mão e a luva Rio de Janeiro: Gomes de Oliveira & C.; Tipografia do Globo, 1874.
  • ______. Memórias póstumas de Brás Cubas Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1881.
  • ______. Quincas Borba Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1891.
  • ______. Dom Casmurro Rio de Janeiro: H. Garnier, 1899.
  • ______. Esaú e Jacó Rio de Janeiro: H. Garnier, 1904.
  • ______. Memorial de Aires Rio de Janeiro: H. Garnier, 1908.
  • AZEREDO, Magalhães de. Quincas Borba . O Estado de S. Paulo, São Paulo, 1892, p. 1.
  • BARTHES, Roland. A aventura semiológica São Paulo: Martins Fontes, 2001.
  • DEFOE, Daniel. Robinson Crusoé São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
  • JÚNIOR, Baptista. Machado de Assis. O Commercio de São Paulo, São Paulo, 1908. In: GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin, Edusp, 2012, p. 419-421.
  • ROMERO. Sílvio. Machado de Assis: estudo comparativo de literatura brasileira. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.
  • SANTOS, J. dos. Crônica literária. A Notícia: Rio de Janeiro, 1904, p. 3.
  • VERÍSSIMO, José. Um novo livro do Sr. Machado de Assis. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1892, p. 1-2.
  • ______. Novo livro do Sr. Machado de Assis. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1900, p. 1-2.
  • 1
    Em "A antiga retórica", Roland Barthes argumenta que o exórdio compreende canonicamente dois momentos: o primeiro seria a captatio benevolentiae ou esforço de sedução dos ouvintes - a quem se tenta reconciliar imediatamente por meio de um teste de cumplicidade -, que tem sido um dos elementos mais estáveis do sistema retórico. O segundo momento do exórdio seria a partitio, que anuncia as divisões que serão adotadas, o plano que será seguido (BARTHES, 2001BARTHES, Roland. A aventura semiológica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.).
  • 2
    "Se jamais a história das aventuras no mundo de algum homem em particular já mereceu vir a público, e foi digna de publicação, o editor do presente relato pensa ser este o caso. As maravilhas da vida desse homem excedem tudo que (a seu ver) se pode encontrar: mal se imagina que a vida de um homem seja capaz de maior variedade. A história é relatada com modéstia, com seriedade e uma aplicação religiosa dos acontecimentos aos usos que os sábios sempre lhes dão, a saber: a instrução de outros à luz deste exemplo, e para justificar e honrar a sabedoria da Providência em toda a variedade de nossas circunstâncias, aconteçam de que modo for. O editor julga que o relato seja uma história fiel; nem existe nela qualquer aparência de ficção. E, no entanto, pensa, posto que todas as coisas deste tipo costumam ser lidas às pressas, que o que ela pode trazer tanto em matéria de diversão quanto de instrução para o leitor será da mesma monta; e assim, acredita ele sem mais saudações ao mundo, ele lhes presta um grande serviço com a presente publicação." (DEFOE, 2011DEFOE, Daniel. Robinson Crusoé. São Paulo: Companhia das Letras, 2011., p. 43)
  • 3
    A decisão editorial é anunciada nos seguintes termos: "A hipótese de que o desejo do finado fosse imprimir este caderno em seguida aos outros, não é natural, salvo se queria obrigar à leitura dos seis, em que tratava de si, antes que lhe conhecessem esta outra história, escrita com um pensamento interior e único, através das páginas diversas. Nesse caso, era a vaidade do homem que falava, mas a vaidade não fazia parte dos seus defeitos. Quando fizesse, valia a pena satisfazê-la? Ele não representou papel eminente neste mundo; percorreu a carreira diplomática, e aposentou-se. Nos lazeres do ofício, escreveu o Memorial, que, aparado das páginas mortas ou escuras, apenas daria (e talvez dê) para matar o tempo da barca de Petrópolis. Tal foi a razão de se publicar somente a narrativa. Quanto ao título, foram lembrados vários, em que o assunto se pudesse resumir. Ab ovo, por exemplo, apesar do latim; venceu, porém, a ideia de lhe dar estes dois nomes que o próprio Aires citou uma vez" (ASSIS, 1904______. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1904., p. II).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2022
  • Aceito
    16 Fev 2023
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