Open-access RESERVA DA BIOSFERA DA SERRA DO ESPINHAÇO (MAB UNESCO) E SUA IMPORTÂNCIA NA PROMOÇÃO DOS SÍTIOS DA GEODIVERSIDADE

RESERVA DE BIOSFERA DE LA SERRA DO ESPINHAÇO (MAB UNESCO) Y SU IMPORTANCIA EN LA PROMOCIÓN DE SITIOS DE GEODIVERSIDAD

Resumo

O Parque Nacional da Serra do Cipó (PARNA Cipó) faz parte da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBIO Espinhaço), reconhecida pela UNESCO. Embora o turismo no PARNA seja focado no segmento de turismo de natureza, a geodiversidade, relacionada aos atrativos abióticos, não é explorada adequadamente em seus materiais educativos e interpretativos. Este estudo teve como objetivo avaliar o potencial para práticas de geoturismo na unidade de conservação. A metodologia aplicada incluiu a elaboração de mapas temáticos de potencial didático, potencial recreativo e risco de degradação, que foram analisados de forma integrada por meio de análise multicritério para gerar um mapa de potencial geoturístico. Um mapa de uso público das trilhas foi gerado para contextualizar a análise, utilizando dados do aplicativo Wikiloc. Os resultados apontam para duas grandes áreas de alto potencial para o geoturismo, incluindo os atrativos das Trilhas do Vale Mascate e do Vale Bocaina. Espera-se que esses resultados possam contribuir para o desenvolvimento do geoturismo, valorizando os atrativos relacionados aos aspectos abióticos da natureza.

Palavras-chave: Geoturismo; Geoconservação; PARNA-Cipó; Geopatrimônio

Resumen

El Parque Nacional da Serra do Cipó (PARNA Cipó) forma parte de la Reserva de la Biosfera de la Serra do Espinhaço (RBIO Espinhaço), reconocida por la UNESCO. Aunque el turismo en el PARNA se centra en el segmento de turismo de naturaleza, la geodiversidad, relacionada con los atractivos abióticos, no se explota adecuadamente en sus materiales educativos e interpretativos. Con el objetivo de evaluar el potencial para prácticas de geoturismo en la unidad de conservación, se aplicó una metodología que incluyó la elaboración de mapas temáticos de potencial didáctico, potencial recreativo y riesgo de degradación, que fueron analizados de forma integrada mediante análisis multicriterio para generar un mapa de potencial geoturístico. Para contextualizar el análisis, se generó un mapa de uso público de los senderos utilizando datos de la aplicación Wikiloc. Los resultados del análisis apuntan a dos grandes áreas de alto potencial para el geoturismo, que incluyen los atractivos de los senderos del Valle Mascate y del Valle Bocaina. Se espera que estos resultados puedan contribuir al desarrollo del geoturismo en el PARNA Cipó, valorizando también los atractivos relacionados con los aspectos abióticos de la naturaleza.

Palabras-clave: : Geoturismo; Geoconservación; PARNA-Cipó; Geopatrimonio

Abstract

The Serra do Cipó National Park (PARNA Cipó) is a UNESCO-recognized site and part of the Serra do Espinhaço Biosphere Reserve (RBIO Espinhaço). However, the educational and interpretive materials in PARNA primarily focus on nature tourism and do not adequately explore the geodiversity related to abiotic attractions. This study evaluates the potential for geotourism practices in the conservation unit. The methodology involved developing thematic maps of didactic potential, recreational potential, and degradation risk, which were analysed through multicriteria analysis to generate a geotourism potential map. A public-use map of trails was also developed to contextualise the study using data from the Wikiloc application. The results indicate two significant areas with high potential for geotourism, including the Vale Mascate and Vale Bocaina Trails. The study’s findings could contribute to the development of geotourism and promote the conservation and appreciation of the abiotic aspects of nature.

Keywords: Geotourism; Geoconservation; PARNA-Cipó; Geoheritage

INTRODUÇÃO

As Reservas da Biosfera são conjuntos de territórios de alta relevância para a conservação da biodiversidade, reconhecidas pelo Man and Biosphere Programme - MAB (Programa Homem e Biosfera) da UNESCO (UNESCO, 1970). Esses territórios são de importância mundial e geralmente englobam mosaicos de Unidades de Conservação (UCs), corredores ecológicos e bacias hidrográficas. No Brasil existem sete Reservas da Biosfera (REBio) reconhecidas pela UNESCO: Mata Atlântica (1991), Cinturão Verde de São Paulo (1994), Cerrado (1993), Pantanal (2000), Caatinga (2001), Amazônia Central (2001) e Serra do Espinhaço (2005).

A Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço (RBSE) está inserida na cadeia montanhosa homônima no Estado de Minas Gerais, englobando unidades de conservação com intenção de proteger seu acervo patrimonial. Dentre as áreas protegidas contíguas na RBSE se destacam os Parque Nacional da Serra do Cipó, Parque Nacional das Sempre-Vivas, Parque Nacional Cavernas do Peruaçu e Parque Nacional Grande Sertão Veredas, que totalizam 346.396 hectares de áreas protegidas. Gontijo (2016) discute a importância da RBSE como um local propício para o estudo e pesquisa das interações entre o turismo, a natureza e a cultura. O autor aponta que, apesar da pressão de turismo em massa na região, turismo surge como uma possibilidade de aproveitamento econômico desse mesmo potencial.

O Parque Nacional da Serra do Cipó é a unidade de conservação de proteção integral com maior extensão territorial da RBSE, com 31.639 hectares. O PARNA Serra do Cipó congrega um dos conjuntos paisagísticos mais exuberantes e uma das maiores formações de Campos Rupestres quartzíticos do Brasil. Em especial, a região da Serra do Cipó abriga 67% das espécies de plantas ameaçadas de extinção, o maior número de espécies endêmicas da flora brasileira e um grande endemismo da fauna associada a essas plantas (GONTIJO et al., 2021). Além da representatividade da biodiversidade encontrada no PARNA Serra do Cipó, este apresenta relevantes aspectos quanto à sua geodiversidade, que é caracterizada por formações rochosas singulares, como cânions, cachoeiras, grutas e escarpas, além de uma variedade de solos, relevos e recursos hídricos, o que a torna um local de grande interesse geológico e turístico (SILVA et al., 2019).

Estes aspectos indicam o potencial significativo para o turismo de natureza, como é apresentado por Oliveira & Souza (2018), pautando a diversidade de atrativos e paisagens como fatores de motivação para turistas optarem por visitar o parque. Gontijo et al. (2021) destacam o ecoturismo, o turismo esportivo e o turismo de aventura com a realização de trilhas e caminhadas ecológicas, esportes de aventura e contemplação da paisagem. Embora com vários atrativos naturais relacionados ao escopo do geoturismo, este segmento não é totalmente contemplado nos materiais educativos e interpretativos do PARNA Serra do Cipó. Neste sentido, a discussão acerca da valorização dos elementos da geodiversidade apresenta caminhos para encontrar na RBSE os espaços para o desenvolvimento de uso público voltado aos aspectos da geodiversidade, como é proposto no geoturismo.

O geoturismo é uma forma específica de turismo de natureza que se concentra nos aspectos geológicos, geomorfológicos e paisagísticos de uma região, com o objetivo de promover a conservação desses elementos e aumentar o conhecimento das ciências da Terra (HOSE, 1995, 2004; RUCHKYS, 2007; NEWSOME & DOWLING, 2010). Este segmento turístico busca valorizar a importância da geodiversidade e proporcionar uma experiência de aprendizado significativa, corroborando com o conceito de ecoturismo. O geoturismo, portanto, não é considerado apenas como um segmento dentro do turismo de natureza, mas também como uma estratégia de mercado que oferece um considerável potencial educativo e ambiental. Essa abordagem visa proporcionar a interpretação da geodiversidade para turistas e comunidades locais, o que o torna uma das estratégias fundamentais para a promoção da geoconservação (BENTO & RODRIGUES, 2013).

A ideia da geoconservação a partir do geoturismo se apoia no processo de construção da percepção e educação ambiental, a fim de favorecer a comunicação dos valores associados à geodiversidade (MARQUES & BRILHA, 2017). Uma das abordagens de comunicação é a intepretação ambiental, que envolve visitas autoguiadas; utilização de geotrilhas e mirantes, visitas guiadas, geo-atividades e patrocínio de centros de visitantes de geossítios (OLIVEIRA, 2012; NEWSOME; DOWLING 2010). Neste sentido, essas iniciativas buscam conscientizar sobre a importância da proteção do geopatrimônio.

O termo geopatrimônio refere-se à concepção de herança ou registro de processos importantes na formação da história da Terra, estando associado a, pelo menos, um valor singular, didático, científico ou estético (BRILHA, 2005; BORBA, 2011; RUCHKYS et al., 2018; CHEN et al., 2020). O geopatrimônio é valorizado e protegido por meio de medidas de geoconservação, termo que ganhou projeção a partir dos anos 1980 e 1990, com o desenvolvimento de diversas iniciativas e mecanismos legais. A partir da década de 1990, os temas geodiversidade, geopatrimônio, geoconservação e geoturismo têm registrado um crescimento exponencial em relação a publicações, desenvolvimento teórico e metodológico (NASCIMENTO, SCHOBBENHAUS, & MEDINA, 2008; CHEN et al., 2020; HERRERA-FRANCO et al., 2020).

Apesar da significativa projeção alcançada, o segmento do geoturismo ainda enfrenta desafios cruciais no que diz respeito à geoconservação. Esses desafios estão relacionados à inconsistência do processo de identificação do geopatrimônio, à falta de uma abordagem transnacional na metodologia e à ausência de consenso na definição dos termos, o que tem afetado a qualidade dos resultados obtidos. Além disso, destaca-se a necessidade de uma legislação específica para o geopatrimônio, do fomento ao desenvolvimento de pesquisas e conservação, bem como do crescente interesse no valor estético da paisagem (WILLIANS et al. 2020).

De forma geral, no Brasil, o turismo de natureza é associado à prática do ecoturismo, embora atrativos naturais de relevância nacional e internacional estejam associados aos elementos da geodiversidade, como é o caso do PARNA Iguaçu. Neste contexto os valores da geodiversidade se mostram em sua maioria como um plano de fundo para os visitantes (MANTESSO-NETO et al., 2012). Apesar disso, existem no país exemplos onde a atividade turística está diretamente relacionada à atrativos ligados à geodiversidade. Alguns destes exemplos são os vários parques nacionais e estaduais que contemplam formações montanhosas, como o PARNA Itatiaia (MG/RJ), PARNA Serra dos Órgãos (RJ), PARNA da Chapada Diamantina (BA), PE Serra do Mar (SP), PARNA Serra do Caparaó (MG/ES).

A Lei n.º 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), estabelece critérios e normas para a criação, implementação e gestão das unidades de conservação em território brasileiro. Esta legislação assegura a realização de atividades recreativas e o turismo ecológico nestes espaços. Atualmente o sistema conta com cerca de 2.300 unidades registradas, distribuídas em todas as regiões do país. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (2022), somente no ano de 2021, o número de visitantes nas unidades de conservação ultrapassou 16,7 milhões de visitas. Este contexto demonstra que o Brasil possuiu um grande potencial geoturístico. Esse potencial se dá, principalmente, da geodiversidade do território, que viabiliza a prática do turismo de natureza. Dentre os espaços privilegiados para a prática do geoturismo estão áreas reconhecidas pela UNESCO como patrimônio: Patrimônio Mundial da Humanidade (WHS); Reserva da Biosfera (BR); Sítios Ramsar (RS) (SENA et al., 2022); Geoparques Globais (GG).

Considerando os espaços reconhecidos pela UNESCO, os GG têm a prática do geoturismo como força motriz para o desenvolvimento local, sendo necessária a confirmação de redes estabelecidas de cooperação para o reconhecimento do geoparque. No Brasil, existem cinco Geoparques Mundiais da UNESCO. O Geoparque Araripe, no Ceará, foi o primeiro a ser designado em 2006; dois tiveram sua indicação aprovada e foram incluídos em 2022, o Geoparque Seridó (Rio Grande do Norte) e o Geoparque Caminhos dos Cânions do Sul (Santa Catarina) e, em 2023, os parques de Caçapava e Quarta Colônia também foram designados pela UNESCO como Geoparques Mundiais.

O Serviço Geológico Brasileiro (CPRM) lançou em 2006 o Projeto Geoparques, com o objetivo de identificar e avaliar potenciais áreas de interesse geológico e turístico para a criação de geoparques no Brasil. O projeto listou 26 potenciais geoparques em diferentes regiões do país. Este estudo deu base para o Programa Geoparques do Brasil, que identificou e promove o desenvolvimento das áreas geológicas de destaque em todo o país. O programa tem como base os critérios e diretrizes estabelecidos pela UNESCO para a criação e gestão de geoparques. Atualmente o programa apresenta 14 propostas, que estão em diferentes estágios de desenvolvimento e avaliação (CPRM, 2006).

Para além dos geoparques, o geoturismo em áreas abrangidas pelo MAB pode ser desenvolvido por meio da educação direcionada aos elementos da geodiversidade, promovendo o conhecimento das características geológicas e geomorfológicas da área bem como o desenvolvimento de produtos turísticos a elas relacionados (BRZEZINSKA-WÓJCIK, 2021).

Com base no contexto apresentado, este estudo tem como objetivo avaliar o potencial para práticas de geoturismo no PARNA Serra do Cipó e identificar os riscos associados. A partir da análise espacial e avaliação de atrativos, busca-se contribuir para a gestão e valorização dos elementos geológicos, geomorfológicos e paisagísticos, bem como para sua utilização no âmbito da RBSE.

ÁREA DE ESTUDO

A RBSE abrange a Serra do Espinhaço Meridional (desde a região de Diamantina até a Serra do Cipó) e o Quadrilátero Ferrífero (QF) (Figura 1). De maneira geral a Serra do Espinhaço possui grande importância no tocante aos recursos hídricos, uma vez que abarca parte de três grandes bacias hidrográficas de relevância nacional: rio Doce, rio Jequitinhonha e rio São Francisco. O Quadrilátero Ferrífero é considerado uma das principais províncias metalogenéticas mundiais e foi onde se deu o início da ocupação do território de do Estado de Minas Gerais. Devido a essa importância geológica e para a história da mineração, Ruchkys (2007) demonstrou seu potencial para a criação de geoparque da UNESCO. Essa relevância para o geoturismo e geoconservação é vista não somente no QF, mas em todo o território da RBSE, que congrega importantes províncias geológicas e gemológicas, associadas a bacia do rio Jequitinhonha.

Figura 1
Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço. Fonte: Elaborado pelos autores.

A Serra do Cipó representa a faixa orogênica pré-cambriana mais extensa e contínua do território brasileiro (ALMEIDA-ABREU & RENGER, 2002). Sua gênese está relacionada aos processos de extensão crustal do Evento Transamazônico e do Ciclo Brasiliano, processos responsáveis pela formação de um rift que culminou na deposição dos quartzitos paleo/mesoproterozóicas do Supergrupo Espinhaço. A Tectônica Brasiliana, por sua vez, marcou o fim das atividades tectônicas que afetaram a plataforma continental brasileira levando a estruturação e deformação da Serra do Espinhaço (DUSSIN & DUSSIN, 1995). Na margem oeste da Serra do Cipó, no contato entre esta faixa orogênica e o Cráton do São Francisco, ocorrem os mármores do Grupo Bambuí, pertencentes à Formação Sete Lagoas (SOUZA et al., 2019). Na margem leste é observado um cinturão de cavalgamento com orientação oeste-leste constituído principalmente por filitos, formações ferríferas e quartzitos do Grupo Serro que bordeja toda a parte oriental da Serra do Cipó com altitude entre de 591m a 1704m (ALMEIDA; ABREU; RANGER, 2002).

Apesar da presença de formações ferríferas da Serra do Espinhaço, a região é reconhecida como um importante polo de turismo ecológico e tem suas origens fundadas no ciclo do ouro. Embora a Serra do Cipó em si não tenha sido um grande centro de extração de ouro, sua localização estratégica e a presença de rotas comerciais próximas fizeram com que a região desempenhasse um papel importante no contexto econômico e social da época (DELGADO & ROCHA, 2012). Enquanto as vilas de Serro, Diamantina, e Ouro Preto se estabeleceram devido aos recursos minerais, a região da Serra do Cipó se serviu como um importante centro de abastecimento alimentícios para os principais centros produtivos da capitania de Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX. Com o fim do ciclo ouro, e a transferência da capital do estado para Belo Horizonte em 1897, a região ficou economicamente estagnada. Este contexto se permaneceu até meados da década de 1990, quando uma série de investimentos voltados para turismo e infraestrutura foram realizados na região. Nas últimas décadas, a região tem sua economia alicerçada no turismo voltado para a região da Estrada Real, importante circuito turístico nacional (FERREIRA, 2010; GOULAR, 2009; INSTITUTO ESPINHAÇO, 2014; MINAS GERAIS, 2000).

A consolidação e estruturação do turismo na região são recentes, a atividade, no entanto, sempre fez parte da região da Serra do Cipó. Com a criação do PARNA Serra do Cipó durante a década de 1980 os atrativos naturais da região ganharam maior notoriedade e ascendeu a necessidade de conservação de seu patrimônio (MADEIRA, 2009). A UC está localizada a aproximadamente 98 km de distância de Belo Horizonte, e abrange os municípios de Jaboticatubas, Santana do Riacho, Itambé do Mato Dentro e Morro do Pilar. O potencial para o geoturismo no PARNA Serra do Cipó foi avaliado a partir da perspectiva dos visitantes por Fonseca et al. (2016), que a partir de entrevistas identificou que os visitantes podem ser considerados geoturistas "acidentais" e "curiosos", com potencial para se tornar "conscientes" sobre a relevância da geodiversidade do parque. O perfil geral demonstrou que 62% dos entrevistados responderam não ter a geologia como foco principal durante a visita e 46% não conhecerem o conceito de geoturismo. No entanto, 98% dos entrevistados disseram ter interesse em conhecer mais sobre a geologia e geomorfologia do atrativo.

METODOLOGIA

Este estudo teve como propósito avaliar o potencial geoturístico do PARNA Serra do Cipó a partir da metodologia proposta por Lima (2015). A abordagem apresentada pela autora associa a avaliação de sítios de interesse para a geodiversidade e a análise espacial do ranqueamento obtido. A avaliação se concentra na análise espacial integrada de três questões fundamentais relacionadas aos atrativos naturais da região: potencial didático (PD), potencial recreativo (PR) e risco de degradação (RD), com o objetivo final de avaliar o potencial geoturístico da área (PG). O potencial geoturístico é posteriormente analisado em relação ao uso público de trilhas do PARNA Serra do Cipó.

Para analisar o uso público das trilhas do parque foi criado um mapa de densidade de uso por meio da plataforma colaborativa online Wikiloc. Essa plataforma permite que usuários compartilhem, descubram e baixem trilhas para caminhadas, ciclismo, corrida e outras atividades ao ar livre em todo o mundo. Os dados de geolocalização das trilhas foram adquiridos em formato .kml e processados no software ArcGIS para realização de análise de densidade, resultando em um mapa de calor que evidencia a densidade de uso público em diferentes áreas do PARNA Cipó. Este produto é baseado em proposta metodológica desenvolvida por Sena e Alvarenga (2017).

Foi criado um banco de dados geográfico contendo informações sobre os atrativos do PARNA Serra do Cipó, os quais foram avaliados quantitativamente em relação ao potencial didático e recreativo. Cada atrativo foi avaliado em uma escala de 1 (baixo potencial) a 4 (alto potencial), levando em consideração os critérios como tempo de percurso, acessibilidade, sinalização, proximidade de outros atrativos, potencialidade didática e associação com elementos culturais ou ecológicos.

No caso do potencial didático, foi considerada também a variável geodiversidade dos atrativos, enquanto para avaliar o potencial recreativo foi adicionada a variável espetacularidade. A geodiversidade foi medida pelo número de diferentes elementos abióticos presentes em cada atrativo, enquanto a espetacularidade se baseou na beleza cênica de cada atrativo, considerando sua divulgação e contribuição para a imagem do PARNA em âmbito regional. Para avaliar o risco de degradação das trilhas do PARNA Cipó, foram consideradas as seguintes variáveis: tempo de percurso, acessibilidade e proximidade de zonas potencialmente degradadoras. É importante destacar que, mesmo se tratando de uma Unidade de Conservação inserida dentro de uma Área de Proteção Ambiental, ainda há um risco mínimo de degradação, principalmente quando não há restrição do número de visitantes.

Todos os critérios foram avaliados com uma pontuação de 1 (alto potencial de risco de degradação e, consequentemente, baixo potencial para o geoturismo) a 4 (baixo potencial de risco de degradação e, consequentemente, alto potencial para o geoturismo). Também foi atribuída uma ponderação a cada critério avaliado, esta ponderação se refere a relevância do critério analisado diante do potencial estudado, seguindo os pressupostos de Lima (2015) e Lima (2008) (Tabela 1). Para chegar à pontuação final, foi realizada a soma ponderada dos critérios avaliados. É importante ressaltar que na avaliação do risco de degradação, a lógica da pontuação é invertida em relação aos potenciais didático e recreativo. A totalização da pontuação obtida por cada atrativo em relação às variáveis é considerada para a definição do potencial geoturístico.

Tabela 1
Ponderação. Fonte: Adaptado de Lima (2008)

Mapas temáticos de potencial didático, potencial recreativo e risco de degradação foram utilizados para especializar a pontuação dos atrativos, utilizando a ponderação pelo inverso da distância (IDW). Posteriormente, os resultados foram classificados considerando três classes distintas: baixo, médio e alto. É importante ressaltar que a análise espacial dos atrativos para cada mapa temático (PD, PR e RD) considerou um raio de influência de 2 km, já que a concentração e proximidade dos atrativos tendem a formar corredores turísticos.

Foi realizado um processo de análise multicritério para obtenção do potencial geoturístico (PG) do PARNA Serra do Cipó. A análise considera a combinação e ponderação dos três mapas temáticos obtidos na etapa anterior, seguindo a equação:

P G = ( PD 45 % + PR 40 % + R D 15 % )

Os pesos para cada variável na análise consideram os estudos de Lima (2015) e Peñalver (2013). As autoras indicam os pesos a partir da relevância de cada variável para a representação conceitual e especial do geoturismo, tendo o PD e PR como componentes principais da análise.

Objetivando aprimorar a representação espacial dos resultados, recorreu-se à interpolação por Krigagem, com auxílio do software ArcGIS. Este método de interpolação estima valores de uma variável em locais sem dados disponíveis, dando suporte à análise espacial do potencial geoturístico. A técnica leva em conta a estrutura de dependência espacial dos dados, isto é, a correlação entre os valores da variável em diferentes locais. O mapa final foi dividido em três classes, as quais indicam o potencial geoturístico do PARNA Cipó: baixo, médio e alto.

RESULTADOS

O potencial geoturístico do PARNA-Cipó é o resultado da avaliação quantitativa dos valores didático, recreativo e do risco de degradação. A avaliação desses valores pressupõe critérios que são considerados importantes para o visitante e podem, ou não, favorecer a interpretação dos atrativos.

Conforme a experiência prévia e a análise dos documentos disponíveis no site do ICMBio foram identificadas treze áreas de visitação distribuídas em três roteiros turísticos; Vale do Rio Mascates, Vale Bocaina e Travessia Alto Palácio - Serra dos Alves. Todos os sítios da geodiversidade identificados foram avaliados quantitativamente e classificados conforme os critérios citados anteriormente (Tabela 2).

Tabela 2
Avaliação Quantitativa. Fonte: Elaborado pelos autores

A avaliação multicritérios destacou relações que eram previstas na avaliação do potencial de cada atrativo. Entre as relações se destaca a concentração dos sítios classificados com alto potencial didático e recreativo na porção oeste da UC, próximo à Portaria Areias e Portaria Retiro. É a região onde há maior concentração de atrativos e a maior diversidade geológica, possibilitando ao turista a contemplação de diferentes morfologias.

Estes resultados também foram influenciados pela avaliação dos critérios tempo de percurso, acessibilidade e proximidade com outros atrativos. Ambos reforçam os pressupostos apresentados por Brilha (2005), o qual aponta que o turista tende a explorar os atrativos mais acessíveis.

Outra observação é que a proximidade entre os atrativos tende a induzir o turista a conhecer atrativos localizados mais distantes da portaria (Figura 4). Pode-se dizer que o Cânion das Bandeirinhas é o retrato da combinação destes fatores. O atrativo está localizado cerca de 11 km de distância da Portaria Areias; contudo, a combinação destes fatores somada ao bom resultado da avaliação nos demais critérios levam o atrativo a apresentar alto potencial didático e recreativo.

Figura 2
Densidade de Uso. Fonte: Elaborado pela autora

Figura 3
Atrativos com alto potencial. Fonte: Elaborado pela autora

Figure 4
Panoramic view from Mirante do Bem, Serra do Cipó National Park, Minas Gerais. Photo: By the authors

Por outro lado, os resultados obtidos também destacam que, quanto maior a acessibilidade e menor o tempo de percurso, maior é o risco de degradação do geopatrimônio. Observa-se que os atrativos que apresentaram maior risco de degradação, estão localizados na borda oeste da UC. No entanto, destaca-se que os resultados também podem estar relacionados a outros fatores como a presença de áreas já degradadas ou com atividades potencialmente degradadoras, como a presença de fazendas e rodovias próximas aos limites da UC. Em sua maioria, tais fatores estão relacionados ao processo histórico de ocupação e desenvolvimento regional que favoreceu os investimentos de infraestrutura na face oeste da Serra do Cipó, onde predominam rodovias de grande circulação, enquanto a face leste ainda apresenta rodovias secundárias e com pouca capilaridade.

A avaliação quantitativa dos atrativos foi realizada de forma pontual, no entanto, a metodologia utilizada prevê uma análise espacial do potencial dos atrativos considerando um raio de influência de 2 km. Isso se deve à compreensão de que a proximidade e a concentração desses atrativos formam corredores turísticos. Tanto na análise pontual quanto na análise espacial, a interpolação dos resultados não resultou na formação de corredores turísticos propriamente ditos, mas sim na formação de manchas (Figura 3). No entanto, a espacialização do uso público (Figura 2) demonstra que há uma conexão entre os atrativos a partir das trilhas, que a intensidade de visitação varia também a partir da distância a ser percorrida pela visitante.

Figure 5
View of Lagoa da Capivara, in the Circuito das Lagoas, Serra do Cipó National Park, Minas Gerais. Photo: By the authors

Figure 6
View of Cânion das Bandeirinhas, Serra do Cipó National Park, Minas Gerais. Photo: By the authors

Figure 7
View of Vale do Travessão, Serra do Cipó National Park, Minas Gerais. Photo: Renata Aguilar

Observa-se que foram geradas 3 manchas com potencial didático: a primeira, situada na borda oeste da UC, abrange o Bambuzal, o Mirante do Bem e o Circuito das Lagoas. A segunda mancha compreende ao Cânion das Bandeirinhas e, pela distância, não apresenta comunicação com os demais atrativos; neste caso, a distância entre os atrativos se mostrou como uma barreira para a configuração de um corredor com potencial didático. A terceira mancha compreende ao Vale do Travessão; neste caso.

Na interpolação dos resultados obtidos no valor recreativo, observou-se a formação de 3 manchas com alto potencial recreativo. A primeira mancha está localizada a oeste da UC, mais restritiva, abrangendo apenas o Circuito das Lagoas e o Mirante do Bem. A segunda abrange apenas o Vale do Travessão e, a terceira, abrange apenas o Cânion das Bandeirinhas.

Quanto ao risco de degradação, observou-se apenas a formação de uma mancha de alto potencial que se concentra na face oeste da UC, abrangendo justamente os atrativos que apresentam maior facilidade de acesso.

Por fim, a análise espacial do potencial geoturístico mostrou a formação de duas manchas de alto potencial geoturístico. A primeira, localizada na Trilha do Vale Mascate, abrange o Circuito das Lagoas, o Mirante do Bem, o Córrego das Pedras e a Cachoeira Capão dos Palmitos. Já a segunda, localizada na Trilha do Vale Bocaina, abrange as Cachoeiras do Tombador, das Andorinhas e do Gavião.

Mais uma vez, a relação dos resultados obtidos na análise espacial ressalta a importância da acessibilidade, da proximidade entre os atrativos e a diversidade geológica para a formação de manchas e corredores de alto potencial geoturístico. Embora o Cânion das Bandeirinhas não tenha integrado as manchas de corredores geoturísticos, o atrativo é considerado relevante para uso didático e/ou recreativo. Assim, na pesquisa, foram selecionados como atrativos com alto potencial geoturístico, apenas aqueles que conseguiram alcançar um bom desempenho na relevância do potencial geoturístico. Entre eles estão o Mirante do Bem (Figura 4), o Circuito das Lagoas (Figura 5), o Cânion das Bandeirinhas (Figura 6) e o Vale do Travessão (Figura 7).

CONCLUSÃO

O Geoturismo vem apresentando um crescimento considerável em decorrência da sua capacidade de promover a conservação por meio da interação homem/ambiente. Consequentemente, os estudos que evolvem a temática tornam-se cada vez mais exigentes quanto a abordagem holística. Dessa forma, estudar o potencial geoturístico do PARNA-Cipó possibilitou a compreensão de tais relações, bem como a identificação dos atrativos que podem ser valorizados a partir das características associadas à geodiversidade.

A seleção da metodologia utilizada auxiliou no levantamento dos sítios da geodiversidade do PARNA-Cipó. A aplicação da metodologia proposta na pesquisa mostrou-se eficiente em uma primeira avaliação quantitativa dos sítios da geodiversidade. Fato que resultou na identificação dos sítios dotados de potencial para o desenvolvimento do geoturismo da UC e na identificação de relações e padrões espaciais que eram previstos frente à tendência de os turistas visitarem os sítios mais acessíveis e próximos um do outro. No entanto a distância entre os sítios se mostrou como o principal empecilho para a não configuração dos corredores turísticos na UC.

A avaliação do Risco de Degradação demonstrou que os sítios situados próximos a portaria são os mais vulneráveis. Pois, considerando os princípios da geoconservação e do geoturismo, o geopatrimônio e sítios de geodiversidade deveriam ser geridos a fim de diminuir os riscos associados à visitação, principalmente dos aspectos que compõe a paisagem. Para tanto, tornam-se necessário o fortalecimento de medidas preventivas como a prevenção de incêndios florestais e abertura de trilhas irregulares, algo que tem sido relatado nas redes oficiais da UC e que pode ser observado na própria análise de intensidade de uso.

Destaca-se também que além dos sítios apresentados na pesquisa, o PARNA-Cipó apresenta outros sítios que não estão disponíveis para visitantes, logo, o presente estudo representa apenas uma parcela do real potencial geoturístico da unidade de conservação. Contudo, torna -se necessário a realização de estudos mais aprofundados, especialmente aqueles referentes a construção de um inventário, a verificação de novos possíveis geossítios e a necessidade do desenvolvimento de atividades de valorização da geodiversidade em ambiente virtual, por exemplo.

Por fim, entende-se que a espacialização do potencial geoturístico do PARNA Serra do Cipó contribui na gestão territorial do parque, indicando áreas prioritárias para a implantação de iniciativas de geoturismo, bem como auxilia na identificação de áreas susceptíveis a riscos associados à essa atividade. A metodologia utilizada se mostrou efetiva para a representação quantitativa dos atrativos e considerando a associação da avaliação dos potenciais didático e recreativo ao uso público, foi possível identificar vetores prioritários para a instalação de recursos informativos para os visitantes. O mesmo princípio se aplica à análise conjunta do uso público com o risco de degradação, fomentando iniciativas para a geoconservação.

REFERÊNCIAS

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Editado por

  • Jader de Oliveira Santos
  • Lidriana de Souza Pinheiro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2023
  • Aceito
    20 Jul 2023
  • Publicado
    30 Jun 2023
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