Acessibilidade / Reportar erro

LENDO “O PAI DA MENINA MORTA” DURANTE A QUARENTENA

Reading “O pai da menina morta” During Quarantine

RESUMO

O ensaio busca analisar o romance O pai da menina morta (2018), de Tiago Ferro, considerando o modo como a pandemia de Covid-19 modificou o livro, trazendo à tona as relações entre natureza, tragédia e capitalismo. Igualmente, busca repensar os nexos entre vida, ficção e processo social presentes nesse romance.

PALAVRAS-CHAVE:
O pai da menina morta; pandemia; natureza; capitalismo

ABSTRACT

This essay seeks to analyze Tiago Ferro’s novel O pai da menina morta (2018), considering how the Covid-19 pandemic brought out the relations between nature, tragedy and capitalism, changing the meaning of the book. It also seeks to rethink the nexus between life, fiction and social process.

KEYWORDS:
O pai da menina morta; pandemic; nature; capitalism

Não é fácil escrever sobre O pai da menina morta (Ferro, 2018Ferro, Tiago. O pai da menina morta, São Paulo: Todavia, 2018.). A determinação real da perda, ao mesmo tempo que nos move, põe em suspenso o desejo de se aproximar da escrita e da experiência negativa do inabarcável nela contida. Como arriscar-se nesse “outro” (o narrador) cuja mera presença faz lembrar a fragilidade de tudo que brilha sob o sol? E como acolher a dor universal da perda quando as condições para morrer são, mais que nunca, desiguais? Decomposto, surpreso, liquidado, fodido, o sujeito invisível que ali fala tem algo de um fantasma ao mesmo tempo particular e coletivo, atravessado pela desgraça que não lhe estava predestinada pela origem, pela cor da pele, pelo gênero ou pela classe social. No leitor, a “má sorte” do Pai, a catástrofe que desmancha o mundo aparentemente sólido, o pingo trágico nos “is” da vida ajeitada criam um efeito imediato similar ao da tragédia. O “sentir com” o pobre herói sela o pacto de leitura enquanto a mão que não segura o livro bate na madeira. Não é simples estar na pele dos outros.

Não custa lembrar que, no contexto da tragédia antiga, a catástrofe era vocacionada a educar o espírito da plateia, pois lhe apresentava o problema da concorrência entre livre-arbítrio e destino no momento da constituição da pólis grega - isto é, no momento em que se formava a ideia de “cidadão” da pólis e, portanto, a de uma esfera pública para debate dos assuntos que a todos concernem. O senso comum sobre a tragédia como destino individual incontornável, diante do qual o homem nada pode, é, assim, uma invenção da indústria da consciência.1 1 Vale a pena voltar ao ensaio de Eisenstein (2002a) no qual o cineasta redefine o conceito de páthos a partir das bases materialistas de seus filmes. Também nesse contexto, o trágico não é um fim em si mesmo, mas ocasião para um salto, “a saída de si mesmo”. Um dos ganhos cognitivos da atual pandemia talvez seja a percepção de que falar em “tragédia pessoal” não deveria excluir sua localização social mais ampla. Algo que, quando pensamos nas classes baixas, é desde sempre palpável: para os pobres, os problemas da vida privada nunca são só da vida privada, tampouco podem se resolver apenas nesse âmbito; supõem enfrentamentos e lutas na esfera pública.

O livro de Tiago Ferro vem à cena no adiantado cenário de liquidação dessa esfera que, no Brasil, nem sequer chegou a existir nos moldes parciais das sociedades liberais europeias. Até onde pude observar, a tendência geral foi lê-lo como se sua matéria fosse apenas a catástrofe pessoal, embora o livro trate o tempo todo de buscar rastros coletivos, liames e vínculos com outras catástrofes que não só espelham a sua ou dela discrepam como também reverberam sobre ela. Penso, aliás, no quanto o trabalho de luto do autor, em parte exposto em redes sociais a seus amigos (no vago sentido que o termo ganha na internet), não confundiu a recepção do livro. Isto é, o quanto a indigente sociabilidade dos likes, que tem sido cada vez mais a nossa, não deu a uma parte de seus leitores (e dos não leitores que não tiveram “coragem” de ler o livro) a impressão de literatura e vida serem a mesma coisa, de que a organização formal, num caso desses, estaria em segundo plano. Pensada como forma, a exposição da dor pode trabalhar num sentido diferente, que tentarei sugerir.2 2 Não me arriscarei a entrar nos debates em torno da “autoficção”, hoje tema de especialistas. Considero, porém, que a análise do romance mostra a abrangência da representação do vivido. Assim como nos debates sobre limites entre ficção e documentário no cinema (hoje superados), penso que, num mundo no qual a verdade (de uma vida, do todo social) é algo a investigar, pois o sentido não é imanente ao viver, também as fronteiras entre autoficção e biografia ficam borradas.

Eisenstein sentiu a necessidade de lembrar o que considerava óbvio: a tristeza deve ser representada na arte. “Tristeza ‘em geral’ não existe. Tristeza é concreto; está sempre ligada a alguma coisa; tem portadores, quando personagens do filme se entristecem; tem consumidores, quando é representada de tal maneira que os espectadores se sentem tristes” (Eisenstein, 2002aEisenstein, Sergei. “Sobre a estrutura das coisas”. In: A forma do filme. Trad. Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002a, pp. 141-62., p. 141). Um primeiro aspecto formal que chama a atenção é, portanto, a relação entre o assunto do livro e o domínio das técnicas pelo autor, o que em contexto significa uma vitória do trabalho de luto, transposta ao trabalho literário. Uma autoexposição da técnica como uma ética, que faz contrapeso à autoexposição implicada na matéria do livro. Mas não se trata só disso.

O QUE VÊ O OLHAR ENTRISTECIDO

É possível que a tristeza leve a enxergar a realidade com menos feitiço. Esse ângulo a partir do qual o Pai da Menina Morta vê o mundo é o do desencanto e da desilusão, nos múltiplos sentidos dessas palavras. É também a angulação da insônia, da desconfiança dos sonhos, da anestesia que cria uma segunda pele. Sua bússola é o desinteresse por quase tudo que não seja reminiscência. Evidentemente não estou sugerindo que esse seria um bom programa de combate ao status quo; o futuro da humanidade está ameaçado não apenas pela falsa consciência e pelo fetiche, mas também por nossa prostração. Contudo, o olhar desiludido ensina. Lembra-nos, por exemplo, das obviedades deixadas pra lá. Do quanto a vida pautada pelas “urgências” diárias é vã. Ou do quanto a rotina sob o capitalismo tem mais a ver com uma craca de necessidades dispensáveis, com violências contínuas e com vazio do que com as potencialidades humanas.

Engolido pela desolação, o novo modo de olhar se torna um contraveneno da “normalidade”, em que a barbárie é encoberta pelo impulso ou pela imposição de continuar tocando a vida. O mundo para sob o olhar da dor. Por outro lado, na descrição do mundo opaco, esse ângulo é tão lúcido quanto limitado; a desilusão é, claro, incapaz de desviar sozinha o curso geral do presente, do qual o Pai talvez preferisse desistir. Como é de se esperar, sob o impacto da morte da filha, é difícil ter forças até mesmo para enfrentar a própria sensibilidade. A dor encontra pouco consolo nas drogas, no flerte com o suicídio, no desprezo pela babaquice do seu meio social. A oposição entre “antes” e “depois”, portanto, não é simples, visto que, se a terrível realidade a ocupar o imaginário do Pai se substitui ao mundo falso, desvelando-o, as lentes da perda inconsolável também barram (quase) todo impulso vital rumo à transformação desse mesmo mundo falso. De resto, a vivência do Pai dá igualmente notícia de uma sociedade na qual o isolamento, o não viver-com - sem falar na falta de tato -, é a regra, mesmo em situações extremas. O sofrimento no necroestado, alguém poderia observar, é incomunicável ainda que geral.

Narrar é sem dúvida um apesar de tudo. A narração não é, porém, idêntica à luta e ao sofrimento do personagem, ou não coincide inteiramente com eles. Se o foco narrativo está no Pai, o ponto de vista do livro resulta da interação entre a experiência vivida pela personagem, que por sua vez é, em parte, a do Autor, e os materiais convocados à página. Quer dizer, a consciência do Pai é mais ampla do que seu trajeto individual (não é uma consciência “em si”, mas “para si”), entre outras razões, porque o conjunto dos materiais que com ela interagem coloca-a em movimento para além da fermentação individual do trabalho de luto, relacionando-a ao mundo. O procedimento é recorrente no livro e voltaremos a ele. Vale notar, por ora, como o olhar do narrador aproxima temporalidades, lugares, experiências sociais. Um entre muitos exemplos possíveis: na passagem noturna por Cubatão, vista na infância, de dentro de um carro, o horror da história torna-se visceralmente seu, muito embora os próprios vidros fechados e o filtro da rememoração - isto é, a dupla camada de afastamento e de “proteção” - não deixem esquecer que as dores não são exatamente iguais, e seja como for não habitam a mesma geografia social. “Crianças nascendo mutiladas, sem fórceps, sem parquinho ou qualquer compensação. O corpo dela havia adquirido a textura fria de estátua de bronze. […]. É expressamente proibido amar depois de Auschwitz” (Ferro, 2018Ferro, Tiago. O pai da menina morta, São Paulo: Todavia, 2018., p. 19).

Para o narrador em luto há afinidade entre a dor pessoal, a barbárie com a qual seguimos vivendo e o amontoado de cadáveres e ruínas que se acumulam atrás e ao redor de nós. No estilo, essa ligação é representada pelos lapsos que juntam assuntos, lugares e tempos numa mesma sequência de orações, sem causalidade aparente. A percepção exponenciada (mesmo quando lhe servem de anestesia as drogas, o mergulho no sexo, no rock, na ioga ou no que aparecer pela frente) liga os pontos: além de mais visíveis, as atrocidades que viraram história, a tragédia anônima das violências cotidianas, a catástrofe pessoal aparecem como se formassem um contínuo na sensibilidade assoberbada do narrador, mas também no capitalismo (Benjamin, 1993Benjamin, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura - Obras escolhidas I). 6. ed. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993, pp. 222-32.).

Em outro trecho, no qual está presente o cruzamento entre temporalidades que o luto percorre, a fala da filha aponta para a afinidade eletiva entre a desolação de sua morte e as crueldades da História, que ele amorosamente tentava disfarçar para a criança. A presença ausente da menina dá alcance diferente às palavras, fazendo-as durar na reflexão, como se obrigasse ao olhar mais detido sobre as falsas aparências:

Num zoológico do Chile a Minha Filha fica com pena de um dos pinguins que na hora da alimentação nunca consegue pegar um peixe. Pai, não é verdade que neste nosso mundo não existe mais guerra, armas e violência?

Nunca mais terei permissão para voltar a Santiago. Não insista. A Zona contaminada pela radiação foi cercada e só poderá ser habitada novamente pelo Pai da Menina Morta em três mil e quinhentos anos. (Ferro, 2018Ferro, Tiago. O pai da menina morta, São Paulo: Todavia, 2018., p. 78)

A observação da Menina e a pergunta que dela deriva recriam nexos básicos entre o particular e o geral, desfazendo ilusões de óptica: a natureza no zoológico não é natureza, a competição por comida não é natural, e as armas, as guerras e as demais violências não são outro assunto. O olhar esperto e interessado nos outros (ingênuo, no bom sentido da palavra) reverbera no presente da sua ausência. Na confirmação de que o mundo não é um lugar bom, ressoam a injustiça de sua própria morte e mesmo a indicação de que, na contemporaneidade, a natureza não é bem natureza - a Menina morreu acometida por um vírus, que, se a pandemia de Covid-19 nos ensinou algo, está longe de ser apenas um “fato” da natureza. No caso, a tristeza parece reunir o que a felicidade no capitalismo separa.

PANDEMIA, FARMÁCIA, LITERATURA E SOCIEDADE

Durante a quarentena, achei que ler o romance sobre a perda de uma criança de classe média, morta por uma virose inimaginavelmente letal - quer dizer, ler o romance sobre o pai dessa criança morta -, tinha ganhado um novo sentido. De algum modo, o narrador-fantasma, atravessando o mundo sem a filha, me pareceu sintetizar a ameaça de enterrar os seus, a qual se generalizou, embora em graus diversos, numa sociedade em que a proteção da vida pode ser comprada - ao menos até certo limite. O infeliz encontro, promovido pela leitura, histórico entre a situação particular da perda de uma filha por um processo inflamatório (uma miocardite decorrente de um contágio viral por influenza b) e o espraiamento, em escala planetária, de uma ameaça viral similar (ou nem tanto, o que em nada altera o argumento) faz pensar. De que modo uma narrativa escrita sob circunstâncias diferentes poderia ser reinterpretada à luz de um evento posterior? Qual a atualidade desse romance num momento em que alterações no cotidiano fazem ver, sem poeira nos olhos, as relações entre “acaso”, “natureza”, liberdade de mercado, miséria e morte no ecossistema capitalista?3 3 A expressão “ecossistema capitalista” é de David Harvey (2019). Sobre natureza e capitalismo, ver também, entre outros, Kurz (1996) e Williams (2007).

Como procurei sugerir, o romance narra a mudança na percepção das qualidades de gestos, ações e palavras, antes fora de foco no contexto de “normalidade”. Mesmo o dado de conforto reverte-se em dura ironia quando os médicos não conseguem fazer nada, ou quando o Pai se martiriza pensando se não teria bastado tomar uma vacina para salvar a vida da menina. O real perde consistência, por assim dizer, diante do excesso de realidade que a morte de uma filha representa. No entanto, cria-se um intervalo no qual a percepção parece menos alienada.

De alguma maneira, no luto narrado pelo livro, tudo deixa de ter valor: o próprio valor é posto em xeque, restando dele o travo da equivalência geral despida de ornamentos e feitiços. Como se o conteúdo de verdade da equivalência geral, impressa a tudo e a todos pelo dinheiro, viesse à tona. No looping impulsionado por essa nudez, transita-se entre a indiferença e a dor. É como se, despido das ilusões de óptica corriqueiras, o interesse pelo mundo em sua hora presente e em seu futuro-do-mesmo, sem prejuízo da percepção exacerbada, ou justamente por causa dela, não sobrevivesse à perda da criança e à obnubilação do futuro transformável que toda criança representa.

Procurando testar a veracidade desta impressão - de que o livro cresceu com a pandemia, de que as catástrofes pessoais derivam da ordem coletiva -, lembrei-me dos escritos de MarxMarx, Karl . Sobre o suicídio . Trad. Rubens Enderle e Francisco Fontanella. São Paulo: Boitempo , 2006. sobre o suicídio, pautados pela busca de transformar angústias particulares em aprendizado e luta. Para o filósofo, comentando e remontando relatos presentes nas memórias de um ex-diretor dos arquivos da polícia francesa sob a Restauração, tratava-se de observar os modos pelos quais a violência social anula, em pessoas de estratos sociais diversos, o desejo de seguir vivendo. Ao autor de O capital interessou a possibilidade de uma crítica social soprada pela compreensão de que “o privado é político” (Löwy, 2006Löwy, Michael. “Um Marx insólito”. In: Marx, Karl. Sobre o suicídio. Trad. Rubens Enderle e Francisco Fontanella. São Paulo: Boitempo , 2006., p. 15, grifos do autor), no sentido de que experiências radicais servem, na ordem burguesa, para testemunhar uma forma de vida antinatural, como sintomas de sociedades enfermas.

Sem intenção de suprimir diferenças - suicídio e morte por doença não são a mesma coisa, nem o ciclo contemporâneo do capitalismo poderia ser igualado a anteriores -, poderíamos nos perguntar o que há de violência social na morte da Menina. As mediações para encurtar o aparentemente longo caminho entre uma coisa e outra talvez passassem pela reflexão sobre o direcionamento das pesquisas da indústria farmacêutica nas últimas décadas, sobre as relações entre mercado de ações e farmácia, entre dinheiro, miséria e contaminação viral, sobre o cálculo que racionaliza o nexo atual entre destruição (no Brasil de hoje, genocídio) e lucro. A meu ver, o livro sugere tal caminho, sobretudo se visto a partir da pandemia em curso. Todos sabem que é o capital, não o acaso, que define para onde se deslocam a pesquisa e o conhecimento específicos necessários à sua acumulação. (De modo sugestivo, o Conde Orlok, ao mudar seus investimentos, se desloca com seu caixão e não vê problema se isso levar à cidade uma legião pestilenta de ratos). Antes da pandemia, fazia tempo que a indústria farmacêutica não investia maciçamente em pesquisa de medicamentos antivirais e antibacterianos, porque, seguindo a mesma lógica de qualquer mercadoria, apostava em ramos mais rentáveis.

Adoecimento, farmacopeia e processo social são assuntos do livro, e a ligação entre eles responde em grande medida pelo modo de composição da obra. A montagem, relacionando trechos à primeira vista heterogêneos, aponta para continuidades efetivas. É o que se vê em uma sequência de fragmentos do livro (separados por títulos entre colchetes, à maneira de minicapítulos) composta por uma lista, um trecho sobre aulas num colégio de elite, com direito a uma retomada-relâmpago de eventos políticos das últimas décadas brasileiras, e um trecho sobre o futuro dos coleguinhas do Pai, ou sobre a educação e os horizontes da classe dirigente do país. Primeiro excerto:

[lista]

De tratamentos sem prescrição:

Novalgina

Tylenol

Benegrip

Descon

Buscopan

Plasil

Inhalante Yatropan

Cola de sapateiro

Benzina

Uísque

Dorflex

Mioflex A

Predsin

Lança-perfume

Cocaína

[…]

Acupuntura

Band-Aid

Ayahuasca

Viagra

[…]

Gaze

Canabis

Lacto-Purga

[…]

Colo de mãe

Ópio

Engov

Estomazil

Allegra

Cataflan

Benalet

Cartomante

Padre

Psicólogo

Advogado

Neosaldina

Aspirina

Chá de boldo

Coca-Cola

Tandrilax

Rinosoro

LSD

Massagem cardíaca

(Ferro, 2018Ferro, Tiago. O pai da menina morta, São Paulo: Todavia, 2018., pp. 28-9)

Não escapa ao leitor que a lista - na qual nada é tratamento, tampouco exige prescrição - começa com remédios “antigripais” e termina com a última tentativa médica de salvamento da Menina. No meio, os “expedientes” e paliativos vão se misturando a drogas ilícitas e incluem a consulta a profissionais liberais mais ou menos “úteis” post factum, quando a inexorabilidade da morte já se impôs. As drogas alucinógenas, por sua vez, remetem a diferentes estratos sociais, conforme seu valor de mercado e ambiente de circulação: a cola de sapateiro e a benzina, muito usadas por jovens em situação de rua, o lança-perfume do Carnaval da moçada, a bem mais cara cocaína, a ayahuasca da elite mística, emprestada de indígenas pauperizados, o Viagra de uma nova “terra em transe”, a democrática canabis, o caro ópio etc.

Vejamos o trecho seguinte, mais rapidamente reconhecível como “social”:

[casa das crianças]

A orientadora pedagógica do Pueri Domus entra na sala de aula e avisa que os alunos estão liberados para participar das manifestações contra o Collor. Sou o número 38 na lista de chamada. Caras-pintadas. Aproveito e volto para casa. Encontro o pessoal da rua e decidimos jogar bola. Mais de vinte anos depois a orientadora entra na sala de aula e libera os alunos para participar das manifestações contra Dilma. Mais de trinta anos antes a orientadora entra na sala de tortura e libera os alunos para participar das mortes dos guerrilheiros do Araguaia. (Ferro, 2018Ferro, Tiago. O pai da menina morta, São Paulo: Todavia, 2018., p. 29)

Mais um trecho:

[casa das crianças. ainda]

Meus amigos no Pueri falam que os mortos no Carandiru mereceram. Que tem mais é que matar mesmo. Me calo. A conversa acontece na arquibancada de cinco degraus da quadra descoberta principal. Mordo meu lanche de requeijão e peito de peru feito em casa e continuo assistindo ao jogo de futebol da final entre os times do terceiro colegial. Sai briga. Minhas filhas nunca vão estudar no Carandiru. Depois de formado, o R. vai ser um neurocirurgião-celebridade em um dos melhores hospitais do país. […] Depois de formado, o C. vai pular de emprego em emprego, sempre ganhando mais de cem salários mínimos em empresas de consultoria. Depois de gozar na cara de uma prostituta de luxo e deixar cinquenta reais de gorjeta, ele vai oferecer alguma dica de business ao dono da casa de diversão para adultos em Moema, como se estivesse revelando o endereço da caverna do Ali Babá. Ele não vai cobrar nada por isso. Depois de formado, o B. vai trabalhar numa ong em Israel. A mulher dele nunca vai desconfiar que uma vez por mês ele pratica tiro ao alvo palestino na fronteira com Gaza. Depois de formado, o D. vai ser prefeito de São Paulo. […] Uma noite eles vão todos se encontrar na casa de diversão para adultos em Moema e relembrar como foi bom estudar no Pueri e como o Brasil é mesmo uma merda. Naquela noite, o D. não vai conseguir ter uma ereção. (Ferro, 2018Ferro, Tiago. O pai da menina morta, São Paulo: Todavia, 2018., p. 30)

Ao juntar, com o pesponto do humor, fatos, atos e projeções à primeira vista dessemelhantes, a montagem desses trechos não deixa dúvida sobre o caráter da sociedade como uma rede de violências conectadas entre si. Passamos dos efeitos mais ou menos “inócuos” dos medicamentos autoprescritos às drogas ilícitas, mais ou menos perigosas, à atuação mais ou menos inútil de profissionais liberais (pois vão também de roldão na lista, quando nada poderia reverter a brutalidade da perda), ao colo de mãe, ao fundo verdadeiro de tudo isso, que é o fato de que precisamos deles - ou melhor, de tudo que estiver disponível, a despeito de nada servir - até por não termos a possibilidade de vivência coletiva de nossas perdas, por não termos auxílio real “mesmo pagando”, pois nesse caso não há nenhum serviço que possa ser comprado. O que se compra, no trecho seguinte e sobretudo no terceiro, é o futuro dos filhos da classe média-alta e da classe dirigente local - exceto se uma força maior estragar os planos, quando então as certezas da cena se desmantelam sob o olhar agora ferino e rebelde do narrador.

O menino, sempre meio de fora, não é estranho ao narrador, mas com ele cresceu, remontando os cacos e situando-se deliberadamente contra a corja-mirim dos vencedores. Esta crescerá destinada ao sucesso profissional e à falta de noção, de respeito pelos outros, de ética, de vergonha na cara (o neurocirurgião-celebridade, o prefeito desfilando de tênis importado, vestido de gari, o consultor dando dicas de Ali Babá para receber futuros favores sexuais ou só pra posar de “macho” no puteiro de luxo etc.), sem titubear na hora de estabelecer cumplicidades e subjugar a prostituta, que já deve estar acostumada e, afinal, recebe uma gorjeta gorda para seus padrões.

Como assinala o segundo fragmento, liberdade é para quem pode. Na ainda hoje vigente compreensão da democracia brasileira (mesmo transmutada em fascismo pouco depois da publicação do livro, em março de 2018), é possível engrossar o coro dos (des)contentes pelo que for, afinal, estes crescerão satisfeitos com a Ordem. A graça da confusão de temporalidades na figura da mesma orientadora pedagógica, para a qual “participar” é remar com a maré, termina de modo brechtiano na colaboração com a tortura de guerrilheiros comunistas; colaboração real, sob a cena inusitada, dado que a história é aceita e completada a cada passo pelos vencedores de ontem e de hoje. O menino prefere jogar bola a engajar-se nas tais ondas de protesto-adesão, o que soa simpático. A mesma simpatia, entretanto, não subsiste em relação à escola, que não se atreve a tomar posição política e, com isso, como sugere o deslocamento franqueado pelo humor agora terrível, faz uma declaração de posição política.

No terceiro fragmento, o menino que cabulou o(s) protesto(s) para jogar bola agora se cala diante da conclusão dos colegas de que os outros mereciam o extermínio. Come seu lanche e assiste a uma partida de futebol. “Minhas filhas nunca vão estudar no Carandiru.” A garantia de futuro, transformada em piada de humor sombrio e assim desmontada, supõe a distância temporal do narrador, cuja formação crítica por assim dizer se confirma no momento da morte de uma das filhas, quando a profecia falha, pois “não estudar no Carandiru”, não fazer parte da ralé que merece morrer, ao fim não garantiu a vida da menina. A perda individual é coletiva porque ele sabe, com ela, e desde cedo, o quanto valeria ter um mundo mais justo.

Ao relacionar os fragmentos/entradas, percebemos que a disparidade dos assuntos é apenas aparente. A lista de “tratamentos” diz respeito à radical dificuldade de seguir em frente. Vista em conjunto com os trechos seguintes, porém, as reverberações aumentam. A necessidade de se entorpecer, enlouquecer, alienar-se da cena presente, fazer uso de tudo que os profissionais souberem fazer por nós ou nos prescrever, embora nada resolva, teria algo a ver com a educação das classes dirigentes do país, com seu ódio pelos pobres/criminosos (entre os quais não se incluem os criminosos ricos, como a localização do presídio deixa claro). Também teria algo a ver com a necessidade de gozo, o agrado aos “pares” e a humilhação reservada aos trabalhadores e, no caso, às trabalhadoras.

Os três fragmentos colocam em presença a farmacopeia, a educação dos jovens destinados a “vencer” e a putaria (com o perdão das putas). Os maiores lucros da indústria farmacêutica mundial foram obtidos nas últimas décadas precisamente com o desenvolvimento de drogas destinadas a contornar a falta de vontade de viver nas condições das sociedades capitalistas contemporâneas: os antidepressivos, cuja vasta gama fala por si só, e os remédios usados no “tratamento”, por assim dizer, da disfunção erétil masculina (Viagra e similares). A relação entre os filões bilionários da psicofarmacêutica dispensaria comentários. Dizendo com todas as letras, a dificuldade de levantar da cama e a de erguer o pau falam alto sobre o caráter insuportável do dia a dia neoliberal, inclusive para as privilegiadas classes consumidoras. O conjunto desses fragmentos delineia, junto à falta de vontade do narrador de tocar a vida depois da perda da filha, a substância presente da vida dos ricos, da qual não vale a pena participar e à qual seria preciso dar cabo. Na noite passada na casa de diversão para adultos em Moema, não é mero acaso que um dos personagens não consiga ter uma ereção.4 4 Talvez a engraçada observação de Heloisa Buarque de Hollanda na edição em língua espanhola, de que Tiago atinge “o ponto G da linguagem”, nos dê uma pista sobre a relação entre linguagem e matéria no livro. Valeria pensar nas diferenças entre a liberdade prometida pela liberação de costumes nos anos pós-1968 e o imperativo categórico do gozo hoje. No meio do caminho estão as correntes pós-estruturalista e pós-moderna, para as quais a linguagem é apenas linguagem, o corpo, lugar do gozo, ao passo que o mundo flutua, deslizante, como na bolsa de valores. O narrador, a meu ver, está nos antípodas desse “não lugar”. Ver: Ferro, 2020.

MONTAGEM

O pai da menina morta trabalha com associações “livres” e materiais díspares, frequentemente estirados até o absurdo. Sensações, percepções, angústias, memórias próprias, coletivas, alheias, fotos, verbetes de dicionário, mensagens de pêsames, playlists, listas, palestras, quase-poemas, casos jornalísticos, sonhos, delírios misturam-se a materiais menos prováveis da perspectiva da teoria dos gêneros artísticos, como comunicados escolares, temperatura corporal, receita de suco, de música, de felicidade, inbox do Facebook, pedaços de e-mail, undelivered mail, anexos, apresentação de serviço funerário, atestado de óbito, entradas designadas por símbolos (++) etc. As associações são “livres” apenas entre aspas, pois o enunciado do conteúdo - a morte da filha - modifica de cara o enunciado da forma. Assim, o fluxo associativo tem menos de memória involuntária, coleção de cacos, que de uma sincronia assoberbada5 5 Para a ideia de “sincronia assoberbada”, inspiro-me livremente em Jameson (1985). - as dores do presente reunidas numa dor particular. Vale dizer, cada ato violento, parte de um todo, é sobrecarregado pela imagem de uma perda subjetiva irreparável, o que dá gravidade à brutalidade geral, percebida como intimamente sua, uma espécie de contraveneno da indiferença pelos outros. Seu contrapeso, ou melhor, seu par dialético é a autoconsciência narrativa construída pela montagem, procedimento central do livro, que sistematiza, racionalizando, o conjunto de assombros, digressões, persecuções, frangalhos, enquanto a recordação procura perdas que se pareçam com a sua, modos remotos de compartilhar socialmente a dor, encontrar novamente um corpo seu, lutar por uma vida que valha a pena. Para tanto, a montagem desorganiza a forma do romance burguês, borrando a trajetória individual, confrontada e ressignificada por uma ampla gama de materiais heterogêneos que, no entanto, quase sempre pertencem a uma extração social e a um circuito artístico-intelectual que não têm a bala perdida do “azar” como parte do pão diário. Nesse sentido, o romance, igualmente antiburguês, como estranhamento de um lugar protegido, de classe, começa pela morte também do Pai; ressuscitar da própria aniquilação será a tônica dos embates entre sonhos já desmanchados de autorrealização do “eu” e o pequeno mundo da classe média, no qual o cada-um-por-si fala alto.

Sintetizando o que tentei indicar, o livro me parece localizar socialmente a perda, ao reverberar, na diminuição da experiência da morte, que também é sua historicamente, contradições sociais mais amplas. O alto nível técnico que o “autor implícito” arregimenta remete assim a um conhecimento das lições de mestres da montagem, entre eles Eisenstein e Dublin, e à sua procura por uma gramática gestual, coletiva. Como pensar o funcionamento desse procedimento, a princípio revolucionário (isto é, no horizonte de expectativas das vanguardas, quando se entrevia um fim do capitalismo que não significasse também o do planeta), no âmbito de uma experiência de classe média? Um outro jeito de colocar a pergunta seria indagar o que a montagem produz nesse caso.6 6 Para diferentes formas e usos da montagem, ver Eisenstein (2002b), entre outros ensaios do autor.

A montagem interrompe. Recorta, repõe o vazio, recria continuidades, inventa com a cultura, com os pedaços de realidade e, mais que tudo, com uma coleção de absurdos reais visíveis à segunda vista; cria uma manta de referências para recobrir a carne moída do Pai. Sua prestidigitação não reside tanto na força dos materiais à disposição quanto no ato de fazê-los falar. Colocá-los em relação, transformando-os em peças de um mecanismo acordado.

Os nexos assim estabelecidos são muitos, e sua potência pode ser vista praticamente a cada fragmento, em suas ressonâncias e refrações com os demais. Indico aqui uma consequência da relação/dos choques entre as partes que me parece ser o principal resultado do procedimento-chave desse livro: ao buscar alargar as dimensões particulares do vivido, a montagem, vira e mexe, obriga a ver a desagregação geral. Em particular, traz à consciência a dessolidarização na qual se pauta o que hoje chamamos de sociedade. O “estraga-prazeres” é, assim, sua grande figura.7 7 Nesse sentido, mesmo o uso das maiúsculas (Pai, Menina Morta) parece apontar para tal figura do “estraga-prazeres”, universalizada pelo convívio social que nega a presença da morte. A ela corresponde o ponto de vista do romance.

Faça chuva ou faça sol, ele lembra a todos da morte, que carrega no corpo. É digno de pena, fodido, desgraçado, campeão do azar.

[quarta-feira]

Criança de oito anos, da classe média paulistana, com acesso às melhores escolas e hospitais, vítima de gripe. O apresentador do telejornal da noite precisa se esforçar para transmitir ao espectador que ele está realmente abalado com a história. Foram mais de vinte e sete anos fingindo na cara dura em rede nacional. Na volta pra casa ele vai chorar em silêncio no banco de trás do sedan preto da emissora enquanto escreve pra mãe dele avisando que o plano de saúde está pago. […] O motorista também viu a notícia. Depois de deixar o apresentador na casa de trezentos e quarenta metros quadrados de área construída no Morumbi, ele vai se despedir e começar a chorar treze segundos depois. O filho de dezesseis anos e a filha de sete do apresentador não vão entender por que o pai está especialmente carinhoso naquela noite. […] O motorista vai pegar na gaveta do criado-mudo uma foto velha e amassada nas pontas do filho dele de dezoito anos morto a tiros a três quadras de casa. O jornal noticiou o crime. Acerto de contas entre os traficantes locais. O apresentador não gosta que a cada noite troquem o motorista que o leva para casa. Isso não é bom. São todos uns tipos mal-encarados. O motorista e o apresentador, alguns segundos antes de dormir, vão pensar no pai da criança de oito anos […]. Coitado. Que Deus tenha piedade dele. Esse se fodeu. (Ferro, 2018Ferro, Tiago. O pai da menina morta, São Paulo: Todavia, 2018., pp. 14-5)

Todos se veem no Pai, temendo ser ou tornar-se ele. De alguma secreta maneira, concertada pela montagem, sua história destrói a ilusão de vida a salvo. Do apresentador que precisa fingir a dor que sente ao trabalhador que mora na periferia, que sabe na real o que é perda, aos mal-encarados todos que se revezam na tarefa de levar anonimamente o fingidor para casa sem criar vínculos nem trânsito entre patrão e empregado.

O estraga-prazeres é sempre mal-vindo, nas festas, no noticiário, por onde passa, porque sua mera presença interrompe o gozo incessante, atributo das classes protegidas do país. É mal-vindo também entre os não tão protegidos, a quem a mesma regra da cara-dura, do deus-tenha-piedade-se-fodeu, é repassada diuturnamente, enquanto aspiram ao descanso, ao descaso, à indiferença e ao gozo que a moeção diária lhes promete e lhes interdita. Ele não deixa esquecer a morte, que é também, no livro, a vida sob o capitalismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Benjamin, Walter. “Sobre o conceito de história”. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura - Obras escolhidas I). 6. ed. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1993, pp. 222-32.
  • Eisenstein, Sergei. “Sobre a estrutura das coisas”. In: A forma do filme Trad. Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002a, pp. 141-62.
  • ______. “Dickens, Griffith e nós”. In: A forma do filme. Trad. Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002b, pp. 176-224.
  • Ferro, Tiago. O pai da menina morta, São Paulo: Todavia, 2018.
  • ______. El padre de la niña muerta. Trad. para o espanhol de Diego Cepeda. Bogotá: Planeta, 2020.
  • Harvey, David. 17 contradições e o fim do capitalismo Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2016.
  • Jameson, Fredric. “Pós-modernidade e sociedade de consumo”. Trad. Vinícius Dantas. Novos Estudos Cebrap, n. 12, jun. 1985, pp. 16-26.
  • Kurz, Robert. “A biologização do social”. Trad. José Marcos Macedo. Folha de S.Paulo, São Paulo, Caderno Mais, 7/7/1996. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/7/07/mais!/13.html
    » https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/7/07/mais!/13.html
  • Löwy, Michael. “Um Marx insólito”. In: Marx, Karl. Sobre o suicídio Trad. Rubens Enderle e Francisco Fontanella. São Paulo: Boitempo , 2006.
  • Marx, Karl . Sobre o suicídio . Trad. Rubens Enderle e Francisco Fontanella. São Paulo: Boitempo , 2006.
  • Williams, Raymond. “Natureza”. In: Palavras-chave Trad. Sandra Guardini Vasconcelos. São Paulo: Boitempo , 2007, pp. 293-99.
  • 1
    Vale a pena voltar ao ensaio de Eisenstein (2002a)Eisenstein, Sergei. “Sobre a estrutura das coisas”. In: A forma do filme. Trad. Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002a, pp. 141-62. no qual o cineasta redefine o conceito de páthos a partir das bases materialistas de seus filmes. Também nesse contexto, o trágico não é um fim em si mesmo, mas ocasião para um salto, “a saída de si mesmo”.
  • 2
    Não me arriscarei a entrar nos debates em torno da “autoficção”, hoje tema de especialistas. Considero, porém, que a análise do romance mostra a abrangência da representação do vivido. Assim como nos debates sobre limites entre ficção e documentário no cinema (hoje superados), penso que, num mundo no qual a verdade (de uma vida, do todo social) é algo a investigar, pois o sentido não é imanente ao viver, também as fronteiras entre autoficção e biografia ficam borradas.
  • 3
    A expressão “ecossistema capitalista” é de David Harvey (2019). Sobre natureza e capitalismo, ver também, entre outros, Kurz (1996)Kurz, Robert. “A biologização do social”. Trad. José Marcos Macedo. Folha de S.Paulo, São Paulo, Caderno Mais, 7/7/1996. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/7/07/mais!/13.html.
    https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/7...
    e Williams (2007)Williams, Raymond. “Natureza”. In: Palavras-chave. Trad. Sandra Guardini Vasconcelos. São Paulo: Boitempo , 2007, pp. 293-99..
  • 4
    Talvez a engraçada observação de Heloisa Buarque de Hollanda na edição em língua espanhola, de que Tiago atinge “o ponto G da linguagem”, nos dê uma pista sobre a relação entre linguagem e matéria no livro. Valeria pensar nas diferenças entre a liberdade prometida pela liberação de costumes nos anos pós-1968 e o imperativo categórico do gozo hoje. No meio do caminho estão as correntes pós-estruturalista e pós-moderna, para as quais a linguagem é apenas linguagem, o corpo, lugar do gozo, ao passo que o mundo flutua, deslizante, como na bolsa de valores. O narrador, a meu ver, está nos antípodas desse “não lugar”. Ver: Ferro, 2020______. El padre de la niña muerta. Trad. para o espanhol de Diego Cepeda. Bogotá: Planeta, 2020..
  • 5
    Para a ideia de “sincronia assoberbada”, inspiro-me livremente em Jameson (1985)Jameson, Fredric. “Pós-modernidade e sociedade de consumo”. Trad. Vinícius Dantas. Novos Estudos Cebrap, n. 12, jun. 1985, pp. 16-26..
  • 6
    Para diferentes formas e usos da montagem, ver Eisenstein (2002b)______. “Dickens, Griffith e nós”. In: A forma do filme. Trad. Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002b, pp. 176-224., entre outros ensaios do autor.
  • 7
    Nesse sentido, mesmo o uso das maiúsculas (Pai, Menina Morta) parece apontar para tal figura do “estraga-prazeres”, universalizada pelo convívio social que nega a presença da morte.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2020
  • Aceito
    28 Abr 2021
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento Rua Morgado de Mateus, 615, CEP: 04015-902 São Paulo/SP, Brasil, Tel: (11) 5574-0399, Fax: (11) 5574-5928 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: novosestudos@cebrap.org.br