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Instabilidade e declínio dos orçamentos participativos em municípios no Brasil e em Portugal (2016-2019)1 1 Os resultados e discussões preliminares a este artigo foram apresentados no V Encontro Participação, Democracia e Políticas Públicas, na Sessão Temática nº 13 “Planejamento e orçamento público em contexto democrático: arranjos institucionais e desafios à participação social”, em 28 de abril de 2022. Agradecemos pelas pertinentes questões e sugestões apresentadas ao longo do evento. ,2 2 Agradecemos o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por via da bolsa de pesquisa 2021/04556-0, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do CNPq por via da bolsa de produtividade PQ 308710/2018-5. Um agradecimento especial às/os alunas/os integrantes do Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais (NPMS) da UFSC pela participação no levantamento de OPs no Brasil: Gabriel Scapini, Fernando Maccari, João Casara, Milena Belançon, Patrícia Schlemer, Nauama Barros, Nathalya Santos, Luana de Brito e Ana Julia Bonzanini Bernardi. Agradecemos também aos pareceristas anônimos e ao corpo editorial da Opinião Pública pelas contribuições que levaram à versão final deste artigo.

Instability and decline of participatory budgeting in Brazilian and Portuguese municipalities (2016-2019)

Inestabilidad y disminución del Presupuesto Participativo en municipalidades de Brasil y Portugal (2016-2019)

Instabilité et déclin des budgets participatifs dans les municipalités du Brésil et du Portugal (2016-2019)

Com o objetivo de analisar o fenômeno da diminuição de orçamentos participativos (OPs) municipais no Brasil e em Portugal, este artigo apresenta dados inéditos de ocorrência dessas instituições participativas comparando os anos de 2016 e 2019. Os resultados mostram que, embora tenha havido diminuição de casos nos dois países, a ocorrida no Brasil foi de intensidade significativamente maior, apresentando uma queda de mais de 80% de casos de OPs nesse período, enquanto Portugal de aproximadamente 22%. Mobilizando o campo das políticas publicas, este artigo discute a importância das alterações político-partidárias eleitorais e sugere que o abandono de OPs ocorre não apenas em função da troca de governos, mas está relacionado ao crescimento de formatos menos exigentes de participação – em um conjunto de fatores -, como são os casos das audiências públicas, no Brasil, e de modalidades setoriais de OPs, além dos aplicativos digitais, em Portugal.

orçamento participativo; declínio; participação; Brasil; Portugal


Abstract

To analyze the phenomenon of shrinking municipal participatory budgets (PBs) in Brazil and Portugal, the article presents unprecedented data on the occurrence of these participatory processes comparing the years of 2016 and 2019. The results find that, despite a decrease in cases in both countries, Brazil shows a drop of more than 80% in PB cases in this period, while the index in Portugal is of almost 22%. Mobilizing the theoretical field of public policies, the article discusses the importance of political-partisan electoral changes and suggests that the abandonment of PBs not only occurs due to the change of governments, among other elements, but also correlates to the effects of creation and growth of other less demanding formats of participation, such as public hearings in Brazil and sectorial modalities of PBs, in addition to digital modalities in Portugal.

participatory budgeting; decline; participation; Brazil; Portugal

Resumen

Para analizar el fenómeno de la disminución de los presupuestos participativos municipales (PP) en Brasil y Portugal, el artículo presenta datos inéditos sobre la ocurrencia de estas instituciones participativas comparando los años 2016 y 2019. Los resultados muestran que, a pesar de una disminución de casos en ambos países, Brasil presentó una caída de más de 80% de los casos de PP, y en Portugal el índice fue de 22%. Movilizando el campo de las políticas públicas, el artículo discute la importancia de los cambios político-partidistas electorales y sugiere que el abandono de los PP ocurre no solo por el cambio de gobierno, entre otros factores, sino también por los impactos de la creación y ascensión de otros formatos de participación menos exigentes, como audiencias públicas en Brasil, y modalidades sectoriales de PP, además de aplicaciones digitales, en Portugal.

presupuesto participativo; disminución; participación; Brasil; Portugal

Résumé

Afin d'analyser la baisse des budgets participatifs municipaux au Brésil et au Portugal, cet article présente des données inédites sur la conjoncture de ces institutions participatives par rapport aux années précédentes de 2016 et 2019. Malgré la diminution du nombre de cas dans les deux pays, les résultats montrent que le Brésil a enregistré une baisse de plus de 80% des cas de budgets participatifs, et au Portugal, environ 22%. À l'aide du domaine des politiques publiques, cet article discute l'importance des changements électoraux politico-partisans et il démontre que l'abandon des budgets participatifs survient non seulement en raison du changement de gouvernement, parmi d’autres facteurs, mais aussi en raison des impacts de la création et de l’augmentation d'autres moyens de participation moins exigeants, par exemple les audiences publiques au Brésil et les modalités sectorielles des budgets participatifs, outre des applications digitales, au Portugal.

budgets participatifs; baisse; participation; Brésil; Portugal

Introdução

Os estudos no campo da teoria democrática vêm reforçando a ideia de que uma sociedade é plenamente democrática quanto mais rica for em instâncias de participação da sociedade nos processos de discussão e de formulação de políticas públicas (Young, 2006Young, I. M. “Representação política, identidade e minorias”. Lua Nova, nº 67, p. 139-190, 2006.). O orçamento participativo (OP) tem sido considerado um exemplo no campo dos estudos sobre a teoria democrática e da participação política, seja por inovar as relações entre sociedade e Estado ao incorporar a população nos processos de definição das prioridades dos gastos públicos, seja pela sua expansão e sua diversificação ao longo das últimas décadas. Mais ou menos inspirados no modelo original, criado em Porto Alegre, no final da década de 1980, centenas de cidades e municípios, no Brasil e no mundo, passaram a adotar programas de OP. No Brasil, a expansão do programa ocorreu até meados da década de 2000, momento em que se estendeu para diversas regiões do país, alcançando abrangência nacional (Wampler, 2008Wampler, B. “A difusão do Orçamento Participativo brasileiro: ‘boas práticas’ devem ser promovidas?”. Opinião Pública, vol. 14, nº 1, p. 65-95, 2008.; Wampler; Goldfrank, 2022Wampler, B.; Goldfrank, B. The rise, spread, and decline of Brazil's Participatory Budgeting: the arc of a democractic innovation. Cham: Springer Nature, 2022.). A partir do final daquela década, nota-se um processo de declínio. Em que pese a dificuldade de precisão nos dados, foi registrada a ocorrência de aproximadamente 170 OPs em 2016, apontando um processo de queda que se aprofundou no período seguinte (2019), quando apresentou o patamar mais baixo de casos no país.

Em Portugal, do início dos programas em 2002 até 2019, mais de 40% dos municípios – 130 dos 308, somando continente e os arquipélagos de Açores e Madeira – presenciaram a realização de, no mínimo, um ciclo de OP em âmbito municipal, além de municípios que adotam processos setoriais, como OPs jovens e escolares e programas em níveis sublocais da administração pública, denominados freguesias (Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.). Portugal se tornou o único país do mundo a adotar o OP em todos os níveis de administração (nacional, regional e distrital), sem haver uma lei que obrigue a sua realização (Dias; Enríquez; Júlio, 2019). No entanto, percebe-se um processo de diminuição de OPs de nível municipal no país desde o pico de 2016, com uma queda de aproximadamente 22% até o final de 2019, sendo esse o nível de governo no qual o OP canaliza investimento absoluto significativamente maior em comparação às outras escalas ou a OPs setoriais (Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.). Mais recentemente, a pandemia de COVID-19 aumentou o impacto na execução dos processos, com uma suspensão superior a 50% no último biênio (Dias et al., 2021Dias, N. et al. (orgs.). Participatory Budgeting World Atlas 2020-2021. Cascais: Epopeia Books, 2021. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/atlas2020.html. Acesso em: 2 fev. 2022.
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; Maciel; Costa; Catapan, 2022).

Podem-se identificar, portanto, trajetórias bastante diferentes dos OPs no Brasil e em Portugal, seja pelos contextos de origem, seja pelas propostas e/ou pelos desenhos institucionais, ou ainda, pelos diferentes impactos e influências de atores políticos e sociais. Contudo, mesmo testemunhando momentos diferentes na criação e na diversificação dos OPs nos dois países, identifica-se em ambos a ocorrência de um processo de diminuição dos OPs municipais, ou seja, daquelas modalidades voltadas para a definição das obras no âmbito dos respectivos municípios e suas divisões territoriais, e que, para o caso brasileiro, parece estar mais próximo, atualmente, de um momento de “extinção”, salvo algumas poucas experiências que resistem às forças contrárias, por exemplo a do município de Araraquara5 5 Criado em 2001 (até 2008) e retomado em 2017, o OP do “município de Araraquara tem chamado atenção por resgatar um ideário de OP como ‘espinha dorsal’ de um projeto que visa inverter a lógica de poder, resgatando os ideais da participação popular”(Lüchmann; Martelli; Taborda, 2021). . Embora sejam encontradas mais experiências em andamento em Portugal, a instabilidade também é identificada naquele país, conforme será visto adiante. Diferentemente de outras modalidades participativas, como são os casos dos conselhos gestores de políticas públicas, bastante presentes no Brasil, que contam com importantes mecanismos e salvaguardas institucionais que lhes imprimem um caráter de estabilidade e permanência no tempo, os OPs surgem e desaparecem com muito mais frequência, a depender de motivações políticas e sociais. No caso brasileiro, esse movimento tem se caracterizado por um processo de declínio que, embora identificado a partir de 2004, se acentua dramaticamente a partir de 2016. Em Portugal, uma alta instabilidade institucional foi identificada antes da mais recente expansão (Alves; Allegretti, 2012Alves, M. L.; Allegretti, G. “(In)stability, a key element to understand participatory budgeting: Discussing Portuguese cases”. Journal of Public Deliberation, vol. 8, nº 2, p.1-19, 30 dez. 2012.) e se manteve inclusive nas últimas ondas de disseminação, com as experiências raramente ultrapassando quatro ciclos consecutivos e apresentando alta dependência da vontade política para sua realização (Dias et al., 2018Dias, N. et al. Participatory Budgeting in Portugal: stading between a hesitant political will and the impacts on public policies. Dias, N. (Org.). Hope for Democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Faro: Oficina, p. 257-274, 2018. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/hopefordemocracy.html. Acesso em: 6 ago. 2020.
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). Mesmo que o pico histórico de casos tenha sido atingido em 2016, percebe-se uma queda progressiva de OPs municipais no país desde então, dando sinais de arrefecimento desse programa participativo (Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.).

Diante disso, este artigo pretende analisar esse fenômeno da diminuição e abandono de OPs, a partir de um conjunto de dados inéditos de abrangência nacional, tanto no Brasil como em Portugal. A escolha desses dois países, em que pesem todas as suas diferenças, está relacionada a três fatores. Em primeiro lugar, pela vinculação deste artigo a um projeto mais amplo de pesquisa comparativa entre o Brasil e Portugal, resultante do convênio CAPES/FC6 6 Projeto intitulado “Novas modalidades de participação política: protestos e participação institucional no Brasil e em Portugal em perspectiva comparada” - Convênio CAPES/FCT, coordenado por Lígia Lüchmann (UFSC, Brasil) e Britta Baumgarten (ISCTE-IUL Instituto Universitário de Lisboa, Portugal). . No âmbito desse projeto, algumas questões sobre os OPs nos dois países foram analisadas, como: em que contextos os OPs dos dois países foram criados? Quais as características dos OPs no Brasil e em Portugal? É possível identificar um padrão institucional de OP nesses dois países? Quais os mecanismos de sua disseminação?7 7 Esse conjunto de questões foi objeto de várias publicações decorrentes do projeto, entre elas: Lüchmann; Baumgarten (2018); Falanga, R. et al. (2020); e Falanga; Lüchmann (2019).

Em segundo lugar, pelo fato de, assim como o Brasil, Portugal ser referência internacional de OP, em especial no contexto europeu. A pesquisa recente organizada por Dias et al. (2021)Dias, N. et al. (orgs.). Participatory Budgeting World Atlas 2020-2021. Cascais: Epopeia Books, 2021. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/atlas2020.html. Acesso em: 2 fev. 2022.
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constatou empiricamente que, para gestores e pesquisadores, Brasil e Portugal são vistos como os dois países de maior referência no contexto de disseminação e divulgação dos OPs no mundo. Neste segundo país, há destaque para o município de Cascais, que recebeu o prêmio de “boa prática”, em 2017, do URBACT, um programa europeu de aprendizagem e troca de experiências na promoção do desenvolvimento urbano integrado e sustentável, e que, mais recentemente, teve seu Orçamento Participativo reconhecido pelo júri do prêmio GIFT (Iniciativa Global para a Transparência Fiscal), entidade internacional liderada pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, entre outras entidades.

Em terceiro lugar, pela disponibilidade de dados de OPs, em âmbito nacional, para os dois países, no ano de 2019, mesmo que resultantes de pesquisas individuais8 8 No caso de Portugal, trata-se da dissertação de mestrado intitulada “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”, orientada pelo Prof. Dr. Elson Manoel Pereira e defendida em agosto de 2020 por Rodrigo Sartori Bogo, junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina; e no Brasil, das pesquisas coordenadas por Lígia Lüchmann: “Interfaces das interfaces socioestatais: orçamentos participativos no Brasil e em Portugal (PQ/CNPq),e “Novas modalidades de participação política: protestos e participação institucional no Brasil e em Portugal em perspectiva comparada” - Convênio CAPES/FCT. . O diálogo entre essas pesquisas suscitou diversas questões que motivaram a elaboração deste artigo, dentre elas, a identificação de uma certa convergência nos períodos de criação e ampliação de casos de OPs nos dois países: 15 anos no Brasil (1989 a 2004) e 14 em Portugal (2002 a 2016). Além disso, mesmo que o processo de disseminação em Portugal seja bem mais recente, o que é compreensível se comparado ao Brasil, ambos os países têm testemunhado, após um período aproximado de 15 anos, um processo de declínio de casos de OPs. Assim, além do grau de abrangência (nacional), os dados levantados instigam, em diálogo com a literatura, o aprofundamento dos debates acerca dos fatores de maior ou menor sucesso e/ou durabilidade de instituições participativas, como são os casos de OPs.

Para analisar essa problemática, o artigo dialoga com a literatura do campo das políticas públicas, em especial com as contribuiçãos para a interpretação do fenômeno da extinção de políticas. São diversas as dimensões apresentadas na literatura, sejam relacionadas às diferenças de objetivos e desenhos institucionais dos OPs; aos impactos e influências político–partidárias - em boa medida, mas não apenas, determinadas pela volatilidade e pela vulnerabilidade política; aos problemas relacionados a recursos para o atendimento das demandas; às questões de legitimidade e de incorporação social e institucional, entre outras. Diante das dificuldades de dados relacionados a todas essas dimensões, enfoca-se, aqui, mais detidamente nos impactos das mudanças políticas eleitorais, apontando, outrossim, elementos relacionados a uma questão pouco tratada na literatura, qual seja, a criação ou substituição dos OPs por outros espaços e mecanismos participativos, em especial as audiências públicas, no caso do Brasil, e os OPs setoriais de cunho jovem bem como as plataformas digitais para participação ou consulta, normalmente associadas a temas voltados ao urbanismo, em Portugal.

De fato, no Brasil, a literatura tem sugerido alguma relação entre a queda de OPs e a expansão de outras instituições participativas, a exemplo dos conselhos gestores e das conferências de políticas públicas. Como analisado por Lüchmann, Romão e Borba (2018), essa expansão, além da criação de novos modelos e dispositivos participativos - a exemplo das plataformas digitais que, em diversos casos, apresentam limitações em termos de competência deliberativa -, concorre com programas mais abrangentes e complexos como são os casos de OPs. A disseminação dos conselhos gestores pelo país nas últimas décadas é um exemplo nesse sentido, somando mais de 60 mil conselhos em diferentes áreas de políticas públicas, de acordo com dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic).

No campo mais específico de políticas orçamentárias, um exemplo é o das audiências públicas, que apresenta duas características principais: a sua obrigatoriedade legal no que diz respeito à aprovação dos orçamentos governamentais; e a sua natureza consultiva, aliviando o compromisso de vinculação de gastos às demandas definidas em arenas participativas. As audiências públicas são encontros presenciais, de caráter consultivo, que abrem a possibilidade de fala dos participantes da sociedade, geralmente após a apresentação dos dados do orçamento realizada por membros do governo. Assim, a expansão das audiências públicas identificada na nossa pesquisa parece contar também como um elemento que, se não elimina a implementação de programas de OPs, torna-os secundários em face de modalidades menos complexas e exigentes de participação, cujas limitações em termos de competência deliberativa são um forte incentivo de adoção por parte dos governos. No caso dos OPs jovens e das plataformas digitais, esses modelos também são menos desafiadores politicamente para os governantes que o implementam, demandando menos recursos para investimento em comparação com os OPs municipais, o que pode ser uma das principais justificativas para sua aceitação por lideranças locais.

Visando, portanto, compreender processos de diminuição e abandono de OPs nos dois países, este artigo reúne os dados decorrentes de dois levantamentos que, separadamente, mapearam informações acerca da ocorrência de OPs no ano de 2019, comparando-as com os dados disponíveis em 2016. Para o caso brasileiro, a pesquisa buscou confrontar os dados de ocorrência de OPs relativos ao período de 2012-20169 9 As fontes dos dados de 2016 foram retiradas da pesquisa da Rede Brasileira de OP (2016), do banco de dados de Spada (Participedia) e de informações colhidas em sites das prefeituras. Convém destacar que o banco de dados da Rede OP apresenta limitações em razão da ausência de uma definição mais rigorosa de OP, mas são os dados de abrangência nacional que temos disponíveis para o período, uma vez que eles incorporam municípios menores, diferentemente da pesquisa de Spada, centrada nos municípios acima de 50.000 habitantes. com os obtidos por um levantamento realizado, em 2019, junto a todos os municípios do país. Esses dados foram coletados nos sites das prefeituras, buscando identificar qualquer sinalização ou evidência de adoção de OP. A identificação dos partidos das/os governantes foi realizada a partir dos dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A partir desse mapeamento, foram feitos contatos telefônicos com algumas prefeituras10 10 Importante revelar as dificuldades de realização desses contatos, em grande parte em função da ausência de registros documentais e de mudanças nos quadros dos governos. visando refinar os dados, tendo em vista a confirmação da adequação dos programas de OP aos seguintes critérios: tratar do destino de recursos orçamentários do governo; apresentar competência deliberativa, e portanto, decisória; ocorrer em ciclos (anuais ou bianuais) que contam com assembleias territoriais locais e/ou regionais; e adotar mecanismos de controle, acompanhamento e prestação de contas. Importa ressaltar que, durante o processo de mapeamento dos OPs, saltou aos olhos a ocorrência de chamadas, nos sites das prefeituras, para a realização de audiências públicas voltadas para a discussão dos orçamentos municipais. Assim, embora não haja o registro sistemático da realização dessas audiências por não ter sido previsto no desenho da pesquisa, verificou-se que a sua ocorrência foi um fenômeno generalizado nos municípios do país em 2019.

No caso de Portugal, os dados estão amplamente embasados no observatório online de práticas participativas mantido pela Rede de Autarquias Participativas (RAP), conhecido como Portugal Participa11 11 Disponível em: <http://portugalparticipa.pt/Monitoring. Acesso em: 8 dez. 2022. , e que fornece informações acerca dos status das experiências, ciclos de realização, valores investidos, dentre outras questões relevantes. De forma complementar, portais institucionais das câmaras municipais e dos próprios OPs serviram como formas de validação ou aprofundamento dos dados, dando maior confiabilidade a eles. Em adição, dados sociais e políticos relevantes foram obtidos na Base de Dados de Portugal Contemporâneo (PORDATA)12 12 Disponível em: <https://www.pordata.pt/Home. Último acesso em: 8 dez. 2022. , dando suporte para parte das análises realizadas. Parte dos tratamentos estatísticos – representado majoritariamente por tabelas e gráficos, realizados na plataforma Microsoft Excel – e espacial – produtos cartográficos desenvolvidos no software QGIS – foram coletados a partir da pesquisa de Bogo (2020)Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020., com enfoque amplo nos OPs lusitanos de nível municipal.

Este artigo está dividido em duas partes, além desta introdução e das conclusões. Na primeira, intitulada “Instabilidade e abandono de políticas participativas”, apresenta algumas dimensões analíticas relacionadas aos temas da instabilidade e do abandono/extinção de políticas participativas. Na segunda parte, chamada “O processo de adoção, expansão e abandono dos OPs municipais no Brasil e em Portugal”, apresenta um breve panorama dos processos de criação e expansão dos OPs nos dois países, seguido da apresentação dos dados relativos aos anos de 2016 e de 2019, privilegiando também, em diálogo com a literatura, os partidos políticos que adotaram OPs nos dois períodos.

Instabilidade e abandono de políticas participativas

O orçamento participativo é considerado uma das mais importantes inovações democráticas no mundo contemporâneo, entendidas como “(...) institutions that have been specifically designed to increase and deepen citizen participation in the political decision-making process” (Smith, 2009Smith, G. Democratic innovations: designing institutions for citizen participation. Cambridge: Cambridge University Press, 2009., p. 1). Constituindo-se como um modelo de gestão que oportuniza a participação da população nos processos de discussão e de definição da aplicação dos recursos orçamentários governamentais, a implementação do OP, no Brasil, está mais diretamente vinculada à conquista de prefeituras por setores do Partido dos Trabalhadores13 13 Embora diversos partidos tenham, de forma diferenciada, implementado programas participativos e, em alguns casos, antes mesmo da redemocratização (exemplo paradigmático de Lages), a centralidade do PT nesse processo diz respeito ao seu programa, cuja ênfase na “democracia popular” marcou o eixo norteador do “modo petista de governar” (Meneguello, 1989). Foi com a vitória do PT nas eleições de 1988, na capital gaúcha, que efetivamente se instituiu o modelo do OP conhecido internacionalmente. . Trata-se de um modelo de administração que apresenta como premissa básica o fato de que a população deve, não apenas, ser consultada quanto às demandas de investimento do poder público, como também capacitada para deliberar acerca das prioridades, participando ativamente na definição, execução e controle de partes do orçamento público.

Do Brasil para Portugal, houve significativas alterações em relação ao formato de aplicação do OP e ao seu significado. Ainda que algumas raízes das experiências fundantes tenham se mantido, em especial a tomada de decisão direta sobre a destinação de recursos públicos por parte da população, as similitudes não vão muito além. Nos anos que passaram entre o surgimento e a inserção do programa na realidade portuguesa, aspectos como a inversão de prioridades dos gastos públicos e a posição do OP como política urbana de fomento à participação popular e à justiça social foram substituídos por outros elementos, dentre eles a necessidade de maior eficácia administrativa da gestão pública em nível local, a melhoria da transparência em relação aos investimentos e o aumento na confiança da população junto às lideranças municipais (Allegretti; Dias, 2015Allegretti, G.; Dias, N. Participação e cidadania. In: Sousa, L. et al. (orgs.). A reforma do poder local em debate. Lisboa: ICS, p. 185-191, 2015.; Lüchmann; Falanga; Nicoletti, 2018). Dessa forma, ainda que algumas experiências tenham se colocado como de maior robustez – especialmente em Cascais e Lisboa –, a maioria dos OPs municipais em Portugal apresenta um perfil bem delimitado de atores envolvidos e representa mais a ideia de “laboratórios de participação” (Dias et al., 2018Dias, N. et al. Participatory Budgeting in Portugal: stading between a hesitant political will and the impacts on public policies. Dias, N. (Org.). Hope for Democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Faro: Oficina, p. 257-274, 2018. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/hopefordemocracy.html. Acesso em: 6 ago. 2020.
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; Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.).

Convém destacar que, tanto no Brasil como em Portugal, os OPs não contam com competências legalmente estabelecidas, e que, se, por um lado, essa ausência de amarras jurídicas lhes confere maior flexibilidade institucional, incluindo-se a possibilidade de se constituírem enquanto processos nos quais as regras são definidas a partir da interação entre os atores participantes, por outro, os torna mais vulneráveis às estratégias, interesses e projetos de governos eleitos (Borba; Lüchmann, 2007Borba, J.; Lüchmann, L. (orgs.). Orçamento participativo: análise das experiências desenvolvidas em Santa Catarina. 1ª ed. Florianópolis: Insular, 2007.).

É nessa perspectiva que a vontade política passa a ser considerada uma variável importante na implementação e/ou extinção de orçamentos participativos, o que diz respeito tanto à centralidade e à prioridade dadas aos espaços participativos pelo Executivo como ao comprometimento governamental em proporcionar condições para a sua efetivação14 14 O comprometimento dos Executivos na implantação e na sustentação da participação está relacionado não apenas com a sua centralidade no conjunto das ações governamentais, como também ao montante de recursos – humanos e materiais – que são destinados ao processo. Assim, o lugar que as instituições participativas ocupam na estrutura administrativa, o montante de recursos destinados à viabilidade de processos participativos, o compromisso e o respeito com as deliberações participativas, a participação e o envolvimento de representantes da administração, a promoção de medidas de capacitação de participantes, e a garantia de infraestrutura institucional são alguns dos indicadores dessa variável destinada a medir o grau de comprometimento governamental (Lüchmann, 2014; Borba; Lüchmann, 2007). . Um dos principais fundamentos teóricos dessa variável descansa nos pressupostos da vertente que analisa a “estrutura de oportunidades políticas”. De acordo com Velásquez (1999)Velásquez, F. A observadoria cidadã na Colômbia – em busca de novas relações entre o Estado e a sociedade civil. In: Bresser-Pereira, L. C.; Grau, N. C. (orgs.). O Público não estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, p. 257-291, 1999., o fator central para a implementação de um controle social de gestão pública pautado na ação coletiva de caráter cooperativo é, entre outros, a estrutura de oportunidades políticas, ou seja, o grau de abertura, vontade e comprometimento do sistema político às demandas de participação. Sidney Tarrow é um dos autores centrais do conceito de “estrutura de oportunidades políticas” (EOP). Para Tarrow (2009), as oportunidades políticas são dimensões do sistema político que interferem na ação política, mas não podem ser tomadas como um invariant model inevitable. Em outras palavras, se elas oportunizam, não determinam os rumos das ações (Borba; Lüchmann, 2007Borba, J.; Lüchmann, L. (orgs.). Orçamento participativo: análise das experiências desenvolvidas em Santa Catarina. 1ª ed. Florianópolis: Insular, 2007.). Elementos como a ideologia e o projeto político partidário dos governantes, as capacidades estatais e as correlações de força, conflito e cooperação entre os diversos atores e arenas políticas (Executivo, Legislativo e partidos políticos) (Souza, 2015Souza, L. A. M. “Do local para o nacional: o Orçamento Participativo (OP) e a institucionalização da participação popular ao longo da história do Partido dos Trabalhadores (PT)”. Interseções - Revista de Estudos Interdisciplinares, vol. 17, p. 251-272, 2015.) e sociais são também dimensões analíticas centrais.

Tais elementos tornam o OP mais “vulnerável” às dinâmicas políticas do que outros processos participativos institucionalizados. Como ressaltado por Alves e Allegretti (2012)Alves, M. L.; Allegretti, G. “(In)stability, a key element to understand participatory budgeting: Discussing Portuguese cases”. Journal of Public Deliberation, vol. 8, nº 2, p.1-19, 30 dez. 2012., de maneira geral os OPs figuram muito mais como uma política pública que, diferentemente de outros instrumentos institucionais, a exemplo das eleições, carecem da estabilidade dada pela proteção de arcabouços normativos de base legal.

No campo de estudos das políticas públicas, encontra-se um conjunto de fatores relacionados aos processos de constituição, implementação e extinção dessas políticas. Inspirados no modelo de Kingdon (2003)Kingdon, J. W. Agendas, alternatives, and public policies. New York: Longman, 2003., Souza e Secchi (2015)Souza, Y. H.; Secchi, L. “Extinção de políticas públicas: síntese teórica sobre a fase esquecida do policy cycle”. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, vol. 20, nº 66, p. 75-93, jan./jun. 2015. analisam a extinção de políticas públicas a partir dos três fluxos: fluxo de problema, fluxo de soluções e fluxo do ambiente político - como a pressão da mídia e da opinião pública, mudanças na administração e no governo, ideologia política, imperativos financeiros e eficiência organizacional. No caso da extinção dos OPs, o fluxo do ambiente político torna-se elemento central, mas dependente também da trajetória e do grau de incorporação institucional e social. Como analisado por Fedozzi, Furtado e Rangel (2018, p. 114), a possibilidade de extinção aumenta quando o programa não firma “raízes mais profundas na sociedade civil e nas comunidades locais. Isto é, quando sua legitimidade não é forte o suficiente para impedir sua extinção por novas coalizões políticas”, diminuindo os custos políticos da descontinuidade. Vale destaque também para a importância da incorporação dos agentes e instituições políticas, como analisado por Falleti e Riofrancos (2018)Falleti, T; Riofrancos, T. “Endogenous participation: strengthening prior consultation in extractive economies”. World Politics, 70, nº. 1. p 86–121, jan. 2018. ao proporem uma teoria endógena da participação. De acordo com as autoras, a força das instituições participativas (definida ao longo das dimensões de legitimidade, eficácia e aplicação) depende tanto do processo de mobilização social que dá origem à instituição, quanto da incorporação política, via partidos políticos e instituições do Estado, no processo subsequente de desenvolvimento institucional (Falleti; Riofrancos, 2018Falleti, T; Riofrancos, T. “Endogenous participation: strengthening prior consultation in extractive economies”. World Politics, 70, nº. 1. p 86–121, jan. 2018.).

Assim, força, fraqueza, instabilidade e/ou extinção de políticas participativas, como são os casos de OPs, dependem de diversos fatores, com destaque à conformação dos governos. No plano da extinção, pelo menos dois processos são destacados na literatura (Souza; Secchi, 2015Souza, Y. H.; Secchi, L. “Extinção de políticas públicas: síntese teórica sobre a fase esquecida do policy cycle”. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, vol. 20, nº 66, p. 75-93, jan./jun. 2015.): os graduais, ocorridos por meio de medidas e mecanismos que vão esvaziando os propósitos, capacidades e recursos da política pública; e as extinções repentinas. Alguns estudos apontam como programas de OPs vêm sofrendo alterações graduais no decorrer do tempo, desidratando o seu potencial participativo. O caso mais paradigmático é o de Porto Alegre, cujo processo de enfraquecimento, derivado de mudanças políticas e organizacionais (Nuñez, 2018Nuñez, T. Porto Alegre, from a role model to a crisis. In: Dias, N. (org.). Hope for democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Faro: Oficina, p. 517-535, 2018.), desembocou em sua suspensão no ano de 2017. Voltado para a análise das alterações sofridas pelo OP na cidade de Belo Horizonte, Montambeault (2019) ressalta como essa política participativa, em vigência desde 1993, vem suavizando os objetivos e dinâmicas originais por meio de mudanças institucionais que, muitas vezes, são camufladas por uma aparente continuidade, como são os exemplos da diminuição de recursos destinados ao OP, os atrasos na entrega das obras, a implementação do OP digital15 15 De acordo com a autora, se, por um lado, o OP digital alcançou muito mais moradores, por outro, ele acabou impactando negativamente a sua dinâmica deliberativa baseada nos encontros regionais face a face, enfraquecendo os elementos da discussão pública sobre os problemas da cidade. e a criação de outros programas ou fóruns de consulta, em paralelo ao OP.

Em estudo sobre os OPs portugueses, Alves e Allegretti (2012)Alves, M. L.; Allegretti, G. “(In)stability, a key element to understand participatory budgeting: Discussing Portuguese cases”. Journal of Public Deliberation, vol. 8, nº 2, p.1-19, 30 dez. 2012. destacam os processos de volatilidade e fragilidade desses programas. Os autores consideram que OPs em continuidade podem apresentar características de intensidade (Marquetti, 2007Marquetti, A. Experiências de Orçamento Participativo no Brasil: uma proposta de classificação. In: Dagnino, E.; Tatagiba, L. (orgs.). Democracia, sociedade civil e participação. Chapecó: Argos, p. 77-96, 2007.) ou de melhorias progressivas, assim como de estabilidade ou de perda de qualidade com o decorrer dos ciclos. Estas últimas duas situações remetem à volatilidade, ou seja, sinais de que a experiência vem enfraquecendo e perdendo qualidade no decorrer do tempo, o que pode ser percebido a partir de vários indicadores16 16 Como, por exemplo, abertura para a participação cidadã, formatos para a tomada de decisão, investimentos absolutos e relativos canalizados pelo OP, dentre outros. . Esse cenário pode, por sua vez, levar à fragilidade, que pode conduzir ao momento em que o OP é descontinuado. O abandono (que deve ser sempre questionado, se temporário ou definitivo) pode ser prematuro – quando o instrumento é sequer iniciado – ou posterior, seja por atos oficiais, quando o OP é anunciado como finalizado ou interrompido pela própria administração pública ou órgão competente; ou por omissão, quando o processo simplesmente desaparece, sem manifestação do poder público, normalmente em gestão distinta à anterior. O caso de Lisboa pode ser interpretado como um que se iniciou com melhorias progressivas, especialmente em seu desenho institucional, mas que foi perdendo centralidade mais recentemente, em termos de investimento (com um corte de 50% dos recursos) e de diminuição da participação, apontando claros indícios de volatilidade (Allegretti; Dias; Antunes, 2016), que culminaram na sua suspensão (entre 2020 e 2021, quando foi retomado), justificada pela pandemia de COVID-19 (CML, s/d).

Alterações mais bruscas ou repentinas ocorrem, frequentemente, mas não apenas, em função da troca de governos. Nossa pesquisa encontrou vários casos de extinção de OP em governos de continuidade político-partidária, confirmando outros estudos. Questões relacionadas a crises econômicas e falta de recursos (Bezerra; Junqueira, 2022Bezerra, C. P.; Junqueira, M. O. “Why has Participatory Budgeting declined in Brazil?”. Brazilian Political Science Review, vol. 16, n° 2, p. 1-33, 2022.) e aos formatos dos OPs, se consultivos ou deliberativos17 17 É comum que tais formatos sejam conhecidos na literatura sobre OPs portugueses como “co-decisório” (co-decisional), o que é visto, por exemplo, em Alves e Allegretti (2012). Aqui, optamos pelo termo “deliberativo”, mais amplo, que congrega tanto os modelos brasileiros quanto portugueses. (Alves; Allegretti, 2012Alves, M. L.; Allegretti, G. “(In)stability, a key element to understand participatory budgeting: Discussing Portuguese cases”. Journal of Public Deliberation, vol. 8, nº 2, p.1-19, 30 dez. 2012.), são importantes também nesse sentido. Um outro elemento de destaque diz respeito ao ambiente político. No caso brasileiro, a ascensão de forças conservadoras e o declínio do PT, expresso em especial nos últimos processos eleitorais, conformam um quadro que acirra o declínio de programas participativos como o OP. Por outro lado, outros formatos menos exigentes de participação passam crescentemente a tomar corpo nos diferentes municípios do país, como são os casos das audiências públicas que, previstas por leis – a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o Estatuto da Cidade – trouxeram, conforme ressaltado por Fonseca (2003Fonseca, G. N. “A participação popular na administração pública. Audiências públicas na elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos dos municípios”. Revista de Informação Legislativa, vol. 40, nº 160, p. 291-305, out/dez. 2003., p. 291), “uma novidade para os entes federados, notadamente para os municípios: a necessidade de realizarem audiências e consultas públicas para a elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos”.

No caso de Portugal, é notória a importância da ascensão do Partido Socialista (PS) nas eleições autárquicas da última década (PORDATA, 2020Base De Dados De Portugal Contemporâneo (PORDATA). Resultados nas eleições para as Câmaras Municipais: eleitos por partido político, coligação ou grupos de cidadãos, 2020. Disponível em: <https://www.pordata.pt/Municipios/Resultados+nas+elei%c3%a7%c3%b5es+para+as+C%c3%a2maras+Municipais+eleitos+por+partido+pol%c3%adtico++coliga%c3%a7%c3%a3o+ou+grupos+de+cidad%c3%a3os-650. Acesso em: 14 ago. 2021.
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), acompanhada pela chegada de António Costa ao cargo de primeiro-ministro, sendo este um dos principais nomes associados ao orçamento participativo de Lisboa (Allegretti; Tang; Secchi, 2016). Além do fato de os partidos de cunho progressista estarem “em alta” naquele país (Santos, 2018Santos, B. S. Pneumatóforo: escritos políticos (1981-2018). Coimbra: Almedina, 2018.), exercendo uma influência significativa na adoção e na expansão dos OPs nos últimos anos, foram identificados outros elementos políticos que podem ser explicativos para a queda dos programas no período de 2016 a 2019, quais sejam: os problemas envolvendo o OP nacional - com contestações acerca da execução das obras e sua transparência (Público, 2021Público. “Orçamento Participativo Portugal deverá funcionar com novo modelo: em 55 projectos aprovados em 2018, 14 não tiveram cumprimento. A verba disponível era de cinco milhões de euros”. Público, Lisboa, 2 fev. 2021. Disponível em: <https://www.publico.pt/2021/02/02/politica/noticia/orcamento-participativo-portugal-devera-funcionar-novo-modelo-1949027. Acesso em: 14 ago. 2021.
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) -; a forte vinculação dos OPs municipais à lógica eleitoral (Figura 1); a influência dos organismos e redes internacionais, na linha da “boa governança”, e com pouco enraizamento local; e a baixa capacidade de impacto desses OPs por conta dos ínfimos investimentos, com possíveis consequências negativas na credibilidade do programa e, consequentemente, da participação nele (Dias et al., 2018Dias, N. et al. Participatory Budgeting in Portugal: stading between a hesitant political will and the impacts on public policies. Dias, N. (Org.). Hope for Democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Faro: Oficina, p. 257-274, 2018. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/hopefordemocracy.html. Acesso em: 6 ago. 2020.
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; Lüchmann; Falanga; Nicoletti, 2018; Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.). Além disso, a transição para plataformas digitais de participação e o foco em OPs setoriais (especificamente para os jovens), em Portugal, também parecem convergir para a instabilidade e/ou extinção de programas de OP municipais, como demonstrado a seguir.

Figura 1
: Número de OPs municipais criados em relação ao ano das eleições autárquicas

O processo de adoção, expansão e abandono dos OPs municipais, no Brasil e em Portugal

Se o Brasil serviu de exemplo e de modelo no processo de difusão internacional do orçamento participativo, nos últimos anos o país vem perdendo espaço nos encontros e debates sobre as inovações democráticas no mundo, que, por sua vez, testemunha, nas décadas mais recentes, um processo de disseminação do OP nos diferentes continentes. De acordo com Dias, Enríquez e Júlio (2019), em torno de 12 mil programas de OP estariam em desenvolvimento no mundo, embora essa expansão tenha sido acompanhada por uma perda considerável da dimensão transformadora da proposta original de OP, apresentando propósitos bem menos ambiciosos no que diz respeito à promoção de inclusão política, empoderamento e justiça social. Além disso, no plano internacional, os estudos indicam que houve uma variação nas bases (atores e instituições) que vêm promovendo o OP. Se essa inovação está fortemente baseada, para os casos brasileiros, nas plataformas e iniciativas dos partidos que lograram êxito eleitoral, com destaque para o PT, a sua expansão internacional tem sido acompanhada também pela entrada de novos atores na adoção de experiências de OPs, em especial o Banco Mundial e outras agências internacionais, e que passaram a implementar e/ou fomentar o OP em diferentes partes do mundo, impulsionando uma tendência de neutralização política que tem desafiado a construção de análises mais sólidas no tocante aos impactos democráticos dessas práticas (Sintomer et al., 2012Sintomer, Y. et al. Aprendendo com o Sul: O Orçamento Participativo no mundo - um convite à cooperação global. Bona: Engagement Global GGMBH, 2012.). Além disso, os estudos indicam a implementação de OPs por iniciativa de outros setores políticos e sociais, a exemplo de vereadores, como as experiências de Chicago, originada por um vereador (Secondo; Lerner, 2011Secondo, D.; Lerner, J. “Our money, our decision. Participatory Budgeting takes root in New York City”. Social Policy, winter edition, p. 22-25, 2011.), e de Florianópolis, por cinco vereadores (Cataneo, 2021Cataneo, F. B. “O desenho institucional do Orçamento Legislativo Participativo de Florianópolis: um estudo de caso sobre uma inovação democrática local”. Dissertação de Mestrado em Sociologia e Ciência Política, UFSC, Florianópolis, 2021.; Gonzaga, 2021Gonzaga, B. F. “Participação cidadã no processo orçamentário municipal: um estudo sobre o Orçamento Legislativo Participativo de Florianópolis”. Dissertação de Mestrado em Administração, UDESC, Florianópolis, 2021.); e de setores da sociedade civil, como a experiência de Guelph, no Canadá (Pinnington; Lerner; Schugurensky, 2009) e de vários casos de coordenação de Ongs, além ainda de outras modalidades que transcendem a sua expressão territorial vinculada aos executivos municipais.

No caso brasileiro, são poucos os casos de outras modalidades de OPs, a exemplo de OPs digitais e setoriais (como o de habitação e jovem, em Belo Horizonte), e mais recentemente a implementação do Orçamento Legislativo Participativo (OLP), em Florianópolis (Cataneo, 2021Cataneo, F. B. “O desenho institucional do Orçamento Legislativo Participativo de Florianópolis: um estudo de caso sobre uma inovação democrática local”. Dissertação de Mestrado em Sociologia e Ciência Política, UFSC, Florianópolis, 2021.; Gonzaga, 2021Gonzaga, B. F. “Participação cidadã no processo orçamentário municipal: um estudo sobre o Orçamento Legislativo Participativo de Florianópolis”. Dissertação de Mestrado em Administração, UDESC, Florianópolis, 2021.). Já em Portugal, ressalta-se a implementação da lei nacional que torna obrigatória a realização de “micro-OPs” em todas as escolas públicas lusitanas (Abrantes; Lopes; Batista, 2018) e a expansão acentuada dos processos focados na articulação da população jovem no nível local (Dias et al., 2018Dias, N. et al. Participatory Budgeting in Portugal: stading between a hesitant political will and the impacts on public policies. Dias, N. (Org.). Hope for Democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Faro: Oficina, p. 257-274, 2018. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/hopefordemocracy.html. Acesso em: 6 ago. 2020.
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), além de casos mais singulares como o de caráter universitário (em Cascais), os realizados por associações profissionais (não territorializados) e o primeiro OP transnacional, entre os municípios de Cerveira (Portugal) e Tomiño (Espanha) (Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.).

Em que pese esse processo de expansão e de pluralização de OPs, o modelo territorial de base municipal continua a ser o mais expressivo, seguindo o modelo original do Brasil, embora distanciando-se dele significativamente. Convém ressaltar que a implementação do OP no Brasil ocorreu em um momento de redemocratização do país que, marcado pela Constituição de 1988, testemunhou a ampliação e a diversificação das práticas e modalidades de participação política, como os movimentos sociais e sindicais, a militância partidária e a criação – e regulamentação - de diversos mecanismos institucionais de participação - entre eles, o plebiscito, o referendo, as audiências públicas, os conselhos e as conferências de políticas públicas. Destaque-se ainda a importância do retorno das eleições e da instituição do multipartidarismo no país. Naquele contexto, o OP surge como iniciativa do Partido dos Trabalhadores que venceu as eleições de 1988 em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.

Alguns estudos (Fedozzi; Lima, 2013Fedozzi, L. J.; Lima, K. C. Os Orçamentos Participativos no Brasil. In: Dias, N. (org.) Esperança Democrática: 25 anos de Orçamentos Participativos no Mundo. São Brás de Alportel: In Loco, p. 151-162. 2013.; Avritzer; Vaz, 2014) analisaram a expansão nacional dos OPs no decorrer do tempo. Se, no período de 1989 a 1996, ocorreu uma concentração de casos nas regiões sul e sudeste do país, o movimento de distribuição espacial dos OPs registrou uma expansão significativa de casos no norte e no nordeste, alcançando abrangência nacional nos períodos subsequentes, em especial de 2001 a 2008 (Avritzer; Vaz, 2014).

A essa expansão, soma-se também uma diversificação político-partidária na implementação de OPs. Wampler (2008)Wampler, B. “A difusão do Orçamento Participativo brasileiro: ‘boas práticas’ devem ser promovidas?”. Opinião Pública, vol. 14, nº 1, p. 65-95, 2008. identificou duas fases desse processo: a primeira (de 1989 a 1996) contou com o predomínio do PT na sua implementação; a segunda (de 1997 a 2004) apresentou um declínio da preponderância do PT e um aumento da presença de outros partidos políticos na adoção de programas de OP. Em que pese essa pluralização, estudos como o de Spada (2014)Spada, P. The diffusion of participatory governance innovations: a panel data analysis of the adoption and survival of Participatory Budgeting in Brazil. Chicago: Latin American Studies Association Conference, p. 1-53, 2014. e Lüchmann, Romão e Borba (2018) apontam para um processo de diminuição dos programas a partir de meados dos anos 2000. Na Figura 2, abaixo, é possivel visualisar os dados de adoção do OP em cidades com mais de 100.000 habitantes, no período de 1989 a 2016.

Figura 2
: Programas de OP em cidades com mais de 100.000 habitantes (Brasil)

Analisando as cidades com mais de 50.000 habitantes, Spada (2014)Spada, P. The diffusion of participatory governance innovations: a panel data analysis of the adoption and survival of Participatory Budgeting in Brazil. Chicago: Latin American Studies Association Conference, p. 1-53, 2014. também notou que, após um pico de implementação de OPs no período de 2001 a 2004, ocorreu uma sensível redução de casos nos anos seguintes. De acordo com o autor, essa queda está relacionada à mudança de orientação do Partido dos Trabalhadores (PT) após a vitória nas eleições presidenciais de 2002, quando setores do partido abandonam o orçamento participativo como estratégia política. Essa via interpretativa também é encontrada no trabalho de Souza (2015)Souza, L. A. M. “Do local para o nacional: o Orçamento Participativo (OP) e a institucionalização da participação popular ao longo da história do Partido dos Trabalhadores (PT)”. Interseções - Revista de Estudos Interdisciplinares, vol. 17, p. 251-272, 2015., ao apontar para o fato de o PT ter mudado suas estratégias político-eleitorais e político-institucionais quando alcançou a esfera de governo federal, priorizando outras modalidades participativas, a exemplo dos conselhos e conferências nacionais de políticas públicas19 19 Foram realizadas 93 conferências entre 2003 e 2016, em diversos setores de políticas públicas e direitos, em processos que provocaram milhares de conferências municipais e centenas de conferências estaduais (Lüchmann; Romão; Borba, 2018). . Além disso, alguns estudos também ressaltam o efeito negativo das coligações partidárias e/ou das bases de apoio governamental, na adoção de OPs, em boa medida estendidas para diferentes partidos em nome da “governabilidade” (Lüchmann; Romão; Borba, 2018), bem como as possíveis influências das orientações ideológicas diferenciadas no interior das facções que compõem o PT (Santos; Tanscheit; Ventura, 2020).

No caso de Portugal, embora a década de 1990 registre algumas práticas participativas realizadas pelas administrações locais em parceria com os cidadãos, como as “autarquias participadas” e os “planos estratégicos”, além de algumas experiências de “Agendas 21” (Lüchmann; Falanga; Nicoletti, 2018), o OP se dissemina no país a partir de 2006, com ampla expansão após 2014. Exceção feita em alguns casos consultivos impulsionados pelo Partido Comunista Português (PCP), sendo o OP de Palmela, criado em 2002, o de maior importância dos anos iniciais (Santos; Batel; Gonçalves, 2018). Diferentemente do Brasil, setores acadêmicos e da sociedade civil tiveram um papel central nesse processo, em especial o Centro de Estudos Sociais de Coimbra e a Associação In-Loco, tendo destaque nas terceira e quarta ondas de disseminação (Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.).

Convém ressaltar que do ponto de vista político, os últimos processos eleitorais têm demonstrado, naquele país, uma crescente desconfiança dos cidadãos para com o sistema representativo, além de desconfiança interpessoal (Feijó, 2017Feijó, R. G. Democracia: linhagens e configurações de um conceito impuro. Porto: Afrontamento, 2017.). Nas últimas eleições autárquicas (2017), essa tendência foi confirmada com a abstenção atingindo o índice de 45%20 20 Para comparação, o menor percentual já registrado nas eleições autárquicas foi em 1979, quando pouco mais de 26% dos eleitores habilitados não foram às urnas. da população com direito a voto (PORDATA, 2020Base De Dados De Portugal Contemporâneo (PORDATA). Resultados nas eleições para as Câmaras Municipais: eleitos por partido político, coligação ou grupos de cidadãos, 2020. Disponível em: <https://www.pordata.pt/Municipios/Resultados+nas+elei%c3%a7%c3%b5es+para+as+C%c3%a2maras+Municipais+eleitos+por+partido+pol%c3%adtico++coliga%c3%a7%c3%a3o+ou+grupos+de+cidad%c3%a3os-650. Acesso em: 14 ago. 2021.
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). Esse fenômeno está relacionado ao contexto de crise financeira que o país e a Europa atravessaram entre a primeira e segunda décadas do século XXI, cujas feridas continuam abertas, sobretudo no interior português21 21 Perante essa situação o atual governo aprovou o novo Programa Nacional para a Coesão Territorial que visa dinamizar o interior do país, com mais de 160 medidas, entre as quais benefícios fiscais para as empresas e reabertura de serviços públicos, como tribunais, apresentada em detalhes em: <http://www.portugal.gov.pt/pt/o-governo/pnct/pnct.aspx> Último acesso em: 08 dez. 2022 A publicação organizada por Sousa et al. (2015) discutem de forma aprofundada, e sob várias óticas, questões sobre a gestão pública em Portugal. .

A difusão dos OPs em Portugal deve, então, ser entendida à luz da chamada “crise da democracia representativa”, particularmente visível até 2015, com efeitos na distribuição regressiva dos recursos e, também, na reorganização de competências e transferências de atribuições da administração central para as câmaras municipais. As restrições orçamentárias das autarquias têm mobilizado novas formas de aproximação com as populações locais, e o OP passa a ter relevância, nos últimos 15 anos, em programas políticos de forças partidárias diferentes (Falanga; Lüchmann, 2019).

Em Portugal, a literatura científica tem analisado o processo de expansão dos OPs a partir de quatro fases distintas, com diferentes graus de influência e até de sobreposição22 22 Conforme os argumentos de Souza (2006), fenômenos socioespaciais, como o OP, devem ser interpretados de forma contínua. Isso nos permite compreender que as diferentes gerações de OP, nos dois países, não são formadas unicamente por rupturas, mas também por continuidades, descontinuidades e justaposições. entre elas. A primeira, já citada aqui, envolve especialmente as experiências de matriz consultiva capitaneadas pelo PCP, com evidente regionalização no sul do país. Atualmente, tal modelo está quase extinto no país (Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.), mas Palmela segue relevante por sua alta capacidade na formação de laços comunitários (Santos; Batel; Gonçalves, 2018). Foi na segunda geração que os processos deliberativos, nos quais a população apresenta propostas e depois vota diretamente nos projetos, começaram a se tornar majoritários. O ponto de inflexão se deu quando Lisboa iniciou, em 2007, o processo, tornando-se a primeira capital europeia a executar um OP desse tipo em todo o seu território municipal, aplicando mais de 5 milhões de euros na edição de 2008 (Lüchmann; Falanga; Nicoletti, 2018).

De acordo com Allegretti, Dias e Antunes (2016) e Dias et al. (2018)Dias, N. et al. Participatory Budgeting in Portugal: stading between a hesitant political will and the impacts on public policies. Dias, N. (Org.). Hope for Democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Faro: Oficina, p. 257-274, 2018. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/hopefordemocracy.html. Acesso em: 6 ago. 2020.
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, uma terceira onda foi iniciada poucos anos depois, em 2011. Naquele momento, a experiência de referência foi a executada pelo município de Cascais, localizada na área metropolitana de Lisboa, que “aproveitou” a proximidade da capital para identificar seus avanços e limites, compondo um desenho institucional mais robusto, que veio a se tornar o mais notório processo participativo do país em razão dos altos índices de participação nas votações, alta coesão social em torno da iniciativa e valores empregados em comparação com outros casos portugueses (Falanga et al., 2020Falanga, R., et al. “Participatory budgets in Canoas (Brazil) and Cascais (Portugal). A comparative analysis of the drivers of success”. Journal of Civil Society, vol. 16, p. 273-293, 2020.). O modelo cascaense, que articula assembleias presenciais territorializadas com plataformas online para votação e acompanhamento dos projetos, acabou por fomentar a aplicação de tal formato híbrido por todo o país, ao passo que o OP começou a ser amplamente divulgado por gestores locais, consultores profissionais e comunidades científicas.

Já a quarta e última onda, como identificada por Bogo (2020)Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020., consolida-se como uma amálgama das duas anteriores em termos de desenho institucional e não apresenta uma experiência fundante23 23 No entanto, alguns casos já apresentam certa notoriedade, como Águeda (Cabannes, 2020) e Torres Vedras (Santos; Batel; Gonçalves, 2018), por exemplo. , mas contém algumas características particulares, como a forte expansão em municípios do norte português, historicamente associado a governos de direita e centro-direita; a centralidade de formatos focados na população jovem; o scaling-up institucional do OP, com processos executados nos níveis regional e nacional da administração pública; e a inserção do modelo escolar por conta da aprovação de lei nacional24 24 Despacho nº 436-A, de 6 de janeiro de 2017, que aprova “(...) o Orçamento Participativo das Escolas que tem como objetivos contribuir para as comemorações do Dia do Estudante e estimular a participação cívica e democrática dos estudantes.” (PORTUGAL, 2017, p. 738-2). . Há, portanto, um momento de grande aceitação social e política do instrumento em Portugal, apesar de se perceber, mais recentemente, um processo de diminuição no número de experiências, após o pico histórico de 2016.

Esse fenômeno recente, ainda que não comparável ao presenciado no Brasil – que remete a uma quase extinção do modelo de OP como é conhecido, o que será visto a seguir – levanta alguns questionamentos sobre a qualidade e a efetividade desse canal participativo na maior parte dos municípios em que é executado. Já que, como afirmado por Dias et al. (2018)Dias, N. et al. Participatory Budgeting in Portugal: stading between a hesitant political will and the impacts on public policies. Dias, N. (Org.). Hope for Democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Faro: Oficina, p. 257-274, 2018. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/hopefordemocracy.html. Acesso em: 6 ago. 2020.
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, a maior motivação para implementação de OPs em Portugal é a vontade política, é nos campos institucional e político-partidário que aparecem algumas evidências em relação ao que justifica o processo de suspensão e extinção, especialmente o mais recente, não avaliado por Alves e Allegretti (2012)Alves, M. L.; Allegretti, G. “(In)stability, a key element to understand participatory budgeting: Discussing Portuguese cases”. Journal of Public Deliberation, vol. 8, nº 2, p.1-19, 30 dez. 2012.. Um importante dado pode ser visto na comparação entre as Figuras 3 e 4, a seguir, que tornam claro que, desde 2016, enquanto os processos de OP municipal vêm caindo progressivamente no país (Figura 3), os OPs voltados à população jovem crescem (Figura 4), aparentando uma leve transição associada à quarta geração de experiências (Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.). Como posto por Allegretti e Copello (2018)Allegretti, G.; Copello, K. Winding around money issues. What's new in PB and which windows of opportunity are being opened. In: Dias, N. (org.). Hope for democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Portugal: Oficina, p. 35-53, 2018., esse modelo é menos desafiador politicamente para os governantes que o implementam e também demanda menos recursos para investimento em comparação com o formato padrão, o que pode ser uma das principais justificativas para sua aceitação por lideranças locais.

Figura 3
: Número de OPs municipais em atividade em Portugal, por ano

Figura 4
: Número de OPs jovens em atividade em Portugal, por ano

A seguir, é possível ver, mais detidamente, os dados referentes aos anos de 2016 e 2019, nos dois países, lembrando que, diferentemente do Brasil, em Portugal as últimas eleições municipais ocorreram nos anos de 2013 e 2017. As Figuras 5 e 6 apontam os dados gerais de incidência de OPs nos dois anos, nos dois países, por porte populacional. Para tal indicação, utilizou-se a classificação demográfica proposta por Costa (2002)Costa, E. M. da. “Cidades médias: contributos para sua definição”. Finisterra, Lisboa, vol. 37, nº 74, p. 101-128, dez. 2002.25 25 A proposta de classificação da autora é a seguinte: cidades pequenas (até 20 mil habitantes), médias (de 20 a 100 mil) e grandes (acima de 100 mil). , baseada no contexto português, permitindo uma comparação direta com as experiências brasileiras, apesar das latentes diferenças entre as redes urbanas de ambos os países26 26 Para uma classificação de hierarquia urbana composta a partir da realidade brasileira, ver IBGE (2020). .

Figura 5
: Ocorrência de OPs no Brasil (2016 e 2019), por dimensão municipal

Figura 6
: Ocorrência de OPs em Portugal (2016 e 2019), por dimensão municipal[27]

Como é possível perceber, a queda de OPs realizados pelos municípios no Brasil alcançou, em 2019, mais de 80% (de 172 casos, em 2016, para 32, em 2019), atingindo o patamar mais baixo de ocorrência de OPs desde a primeira onda (1989 a 1996). No que diz respeito ao porte populacional, a maior baixa ocorreu nos municípios pequenos, com uma queda de aproximadamente 90%, seguida pelos municípios médios (60%) e os grandes (aproximadamente 40%), sendo esta última também a faixa com maior surgimento de novos processos no período, com quatro, contra dois e um de municípios médios e pequenos, respectivamente. Em Portugal, embora a diminuição geral dos OPs apresente um número bem mais modesto - de aproximadamente 22% contando a totalidade dos casos municipais, sua distribuição não é homogênea entre as dimensões demográficas. Assim como no caso brasileiro, ocorreu uma queda mais acentuada nos municípios pequenos e médios, em torno de 32% em ambas as faixas, associada também aos do interior e menos urbanizados (como apresentado adiante). Em contrapartida, houve um aumento de 33% no número de OPs nos municípios mais populosos, o que pode dar algumas pistas em relação à sua maior estabilidade: tais municípios tendem a ter mais recursos e capacidade técnico-administrativa em termos de gestão urbana (Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.).

Analisando em termos regionais e geográficos, ambos os países apresentam históricos próprios de evolução e distribuição territorial dos programas, atrelados aos seus processos de disseminação apresentados anteriormente. No caso brasileiro, o surgimento em Porto Alegre e a expansão associada ao direcionamento dado pelo PT, em suas prefeituras, causaram uma regionalização mais forte nas macrorregiões sul e sudeste do país (Wampler, 2008Wampler, B. “A difusão do Orçamento Participativo brasileiro: ‘boas práticas’ devem ser promovidas?”. Opinião Pública, vol. 14, nº 1, p. 65-95, 2008.; Wampler; Goldfrank, 2022Wampler, B.; Goldfrank, B. The rise, spread, and decline of Brazil's Participatory Budgeting: the arc of a democractic innovation. Cham: Springer Nature, 2022.), expandindo-se posteriormente para o norte e o nordeste, enquanto a decadência de processos já se fazia evidente na porção meridional do Brasil (Lüchmann; Romão; Borba, 2018). No entanto, como nos mostra o mapa da Figura 7, ainda assim a maior parte dos OPs em 2016 ocorria nos estados do centro-sul, com destaque para o noroeste gaúcho e municípios da macrometrópole paulista. A diminuição em relação aos períodos anteriores já era vista nesse recorte temporal, mas ainda assim o OP fomentado pelos poderes locais estava presente na maior parte das unidades da federação brasileira. Em 2019, no entanto, nota-se espacialmente a queda abrupta já relatada, ausentando-se completamente no norte e centro-oeste, assim como apresentando declínio evidente em estados importantes como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Bahia, por exemplo. Trata-se de reflexos espaciais da perda de centralidade recente do OP para os gestores de municípios brasileiros em razão dos fenômenos aqui analisados.

Figura 7
: OPs municipais ocorrendo no Brasil, em 2016 e 2019

Em Portugal, ainda que não haja comparação entre o grau de diminuição nos OPs executados pelos poderes municipais relativamente ao Brasil, é evidente uma regionalização da sua suspensão e do surgimento de novos OPs no período 2016-2019 (Figura 8). Enquanto ocorreu uma ampliação do número de processos ativos no “corredor” litorâneo entre as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, caracterizado por municípios mais densos e urbanizados – fenômeno analisado por Bogo (2020)Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020. –, nos distritos interioranos, próximos à fronteira com a Espanha, houve uma diminuição significativa das experiências. Trata-se de municípios majoritariamente de pequena população, baixa densidade e compostos por relações espaciais rurais, o que nos faz pensar que, no contexto lusitano, a maior capacidade técnico-administrativa de prefeituras (“concelhos”) mais urbanizadas e populosas tem potencial de formar OPs mais estáveis, o que pode ser acompanhado por fatores geográficos, como a proximidade com Lisboa ou o hub de processos no Algarve, no extremo sul.

Figura 8
: OPs municipais ocorrendo em Portugal, em 2016 e 2019

Abaixo é apresentada a relação entre partidos que venceram as eleições e a incidência de OP, nos dois países, conforme as Figuras 9 e 10:

Figura 9
: Frequência de OPs municipais por partido no Brasil, período 2016-2019 (%)

Figura 10
: Frequência de OPs municipais por partido em Portugal, período 2016-2019 (%)

As figuras acima deixam evidente o processo de instabilidade – e, de forma mais intensa, de diminuição no caso brasileiro – com diferenças e semelhanças notáveis entre os países. Respectivamente, destaca-se, mais uma vez, a queda vertiginosa de processos entre os municípios brasileiros (Figura 9): enquanto, em Portugal (Figura 10), a diminuição nos processos de OP no período 2016-2019 ocorre de maneira muito mais sutil. Um aspecto que chama a atenção é o impacto da recente derrocada do PT, algo já discutido pela literatura (Lüchmann; Romão; Borba, 2018; Wampler; Goldfrank, 2022Wampler, B.; Goldfrank, B. The rise, spread, and decline of Brazil's Participatory Budgeting: the arc of a democractic innovation. Cham: Springer Nature, 2022.) e que a coleta realizada nesta pesquisa evidencia empiricamente. Principal fomentador do OP nas cidades brasileiras desde o início, e com um grau de centralidade partidária não identificado em nenhum outro país da América Latina (Goldfrank, 2006Goldfrank, B. “Los procesos de ‘presupuesto participativo’ en América Latina: éxito, fracaso y cambio”. Revista de Ciencia Política, vol. 26, nº 2, p. 3-28, dez. 2006.) ou Europa (Sintomer et al., 2012Sintomer, Y. et al. Aprendendo com o Sul: O Orçamento Participativo no mundo - um convite à cooperação global. Bona: Engagement Global GGMBH, 2012.), o PT, que liderava com aproximadamente 60% dos casos de OP em 2016, registrou menos de 20% em 2019, ao passo que o PSDB, que ocupava o quinto lugar no número de casos de OPs em 2016 (4%), assumiu a liderança em 2019, com 25% dos casos. Observa-se também, nesse período, a diminuição no número de partidos que adotaram o OP e a queda no número de casos nos outros partidos de centro-esquerda (PDT e PSB) e de centro (MBD), à exceção do PSDB e do PSD, partidos de centro e centro-direita, conforme classificação de Scheeffer (2018)Scheeffer, F. Esquerda e direita hoje: uma análise das votações na Câmara dos Deputados. Curitiba: Appris, 2018..

Já em Portugal, a característica de menor pluripartidarismo nos poderes locais, em comparação ao Brasil, e a manutenção de partidos catch-all, como os próprios PS e PPD/PSD (Jalali, 2007Jalali, C. Partidos e democracia em Portugal: 1974-2005. Lisboa: ICS, 2007.), geram uma configuração diferente de panorama. O que fica claro, mesmo com a queda recente – que pode significar um arrefecimento da tendência ou uma mudança no enfoque da participação – é a importância do Partido Socialista no atual contexto dos OPs portugueses, estando muito vinculado à expansão da quarta onda, ainda que não exclusivamente (Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.). Como outros investigadores afirmam, não é possível comparar a centralidade petista com a de qualquer partido lusitano (Alves; Allegretti, 2012Alves, M. L.; Allegretti, G. “(In)stability, a key element to understand participatory budgeting: Discussing Portuguese cases”. Journal of Public Deliberation, vol. 8, nº 2, p.1-19, 30 dez. 2012.; Lüchmann; Falanga; Nicoletti, 2018), mas a atuação do PS não é desprezível, e os números mostram o seu grau de importância, tanto no pico histórico como mais recentemente. Além disso, são perceptíveis o isolamento do PCP-PEV, principal responsável pela primeira onda de OPs (Dias et al., 2018Dias, N. et al. Participatory Budgeting in Portugal: stading between a hesitant political will and the impacts on public policies. Dias, N. (Org.). Hope for Democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Faro: Oficina, p. 257-274, 2018. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/hopefordemocracy.html. Acesso em: 6 ago. 2020.
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), hoje em poucos casos consultivos (dois, o equivalente a 8% de suas prefeituras); e também o destaque dos processos capitaneados por movimentos independentes, mostrando um possível aumento da confiança da sociedade civil não partidarizada em tal instrumento de gestão urbana28 28 Aproximadamente 22% dos municípios governados por grupos independentes tinham um OP ativo em 2019, proporação equivalente à do PS (em torno de 23%). Para comparação, essa taxa é de 16% para o PPD/PSD (com coligações). .

No entanto, em que pese a importância da dimensão partidária,foram observados vários casos de extinção do OP, mesmo em realidades de continuidade partidária no poder, inclusive de reeleição da/o prefeita/o, conforme os dados das Figuras 11 e 12, a seguir:

Figura 11
: Status dos OPs municipais brasileiros de acordo com a mudança ou continuidade do partido na gestão municipal (2016-2019)

Figura 12
: Status dos OPs municipais portugueses de acordo a mudança ou continuidade do partido (2016-2019)

Como se vê na Figura 11, para o caso brasileiro, a grande maioria (125 casos) dos OPs foi descontinuada após a troca do partido/prefeito/a, o que confere potência para a dimensão da vontade política. Destacam-se os 78 casos de OPs que foram extintos com a derrota eleitoral do PT nas eleições de 2016. Dignos de nota também são os casos de reeleição, encontrando 24 casos de descontinuidade do OP em cidades que reelegeram a/o prefeita/o, sendo 13 do PT, e os outros divididos entre MDB, PB, PPS, PDT e PSDB. Em menor número, foram encontrados casos de criação de OPs com a troca de partido/prefeito/a (6 casos) e de manutenção do OP, mesmo com a mudança na administração (19 casos). Entre os casos curiosos, registram-se os de Pontal/SP, cujo governo do PSB, reeleito em 2019, iniciou o OP apenas na segunda gestão, e do município de Picuí/RS, que, antes governado pelo DEM (2016), descontinuou o OP com a chegada do PT, em 2019. Registra-se também o fato de que, com algumas exceções como os pequenos municípios de Santo Antônio da Palma/RS e Casca/RS, os OPs que são mantidos mesmo com troca de prefeitos são os que ocorrem em cidades médias, grandes ou metrópoles, a exemplo de João Pessoa, Guarulhos, Porto Alegre e Belo Horizonte.

A demonstração gráfica dada pela Figura 12, e os dados a ela vinculados, confirmam a diferença entre os dois estudos de caso e o fenômeno identificado uma década atrás por pesquisadores em Portugal, quando o OP era muito menos disseminado naquele país, visto que a instabilidade

(...) cannot be clearly connected to traditional explanatory processes, such as electoral overturns of the ruling party. (...) Unlike in other countries, such as Brazil, where studies have shown a tight link between the fragility of PBs and the political setting, in Portugal almost all the abandoned experiments were interrupted by the same party/coalition (and often under the same mayor) that started participatory budgeting. Such an observation should not drive us to the conclusion that in Portugal that parties do not matter... (Alves; Allegretti, 2012Alves, M. L.; Allegretti, G. “(In)stability, a key element to understand participatory budgeting: Discussing Portuguese cases”. Journal of Public Deliberation, vol. 8, nº 2, p.1-19, 30 dez. 2012., p. 17)

Isso é evidente nos números. Dos OPs descontinuados (32) em municípios portugueses, no período 2016-2019, 26 (mais de 80%) estavam sob gestões em que não houve mudança do presidente da câmara, e seis em gestões nas quais houve a troca de presidente. Isso suscita outros questionamentos e abordagens dos números. Primeiro, há uma relação direta entre o maior número de interrupções sob o mesmo gestor e a tradição do governo local em Portugal de haver uma baixa transição de poder, permitindo várias reeleições de líderes ou partidos/coalizões (Ruel, 2015Ruel, T. Constrangimentos ao pluralismo II: sobre a longevidade no poder e os riscos associados. In: Sousa, L., et al. (orgs.). A reforma do poder local em debate. Lisboa: ICS, p. 81-86, 2015.). Outros dados também mostram essa relação: 79 dos municípios com OP analisados tiveram reeleição em 2017, contra 14 em que houve troca de prefeitos29 29 O que abre lacunas na investigação científica para saber se há benefício político na realização do orçamento participativo, algo anteriormente levantado por Dias et al. (2018). . Ainda que a relevância seja menor, como ressaltam os Alves e Allegretti (2012)Alves, M. L.; Allegretti, G. “(In)stability, a key element to understand participatory budgeting: Discussing Portuguese cases”. Journal of Public Deliberation, vol. 8, nº 2, p.1-19, 30 dez. 2012., os partidos e gestores seguem importantes visto que, além da expansão capitaneada principalmente pelo PS, o grau de suspensão é maior quando há troca de gestão – aproximadamente 43%, contra 33% sem haver troca. Portanto, a instabilidade tende a estar atrelada à lógica eleitoral (ver Figura 1), que faz com que, ao deixar de ser estratégico para os líderes locais – seja por baixa participação, credibilidade, recursos ou outros fatores –, o OP seja suspenso, evidenciando a importância da vontade política no país lusitano, conforme destacado por Dias et al. (2018)Dias, N. et al. Participatory Budgeting in Portugal: stading between a hesitant political will and the impacts on public policies. Dias, N. (Org.). Hope for Democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Faro: Oficina, p. 257-274, 2018. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/hopefordemocracy.html. Acesso em: 6 ago. 2020.
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.

Logo, o que a quantificação parece nos mostrar é que, destarte os processos de maior destaque e consolidação – como são os casos de Cascais, Lisboa ou Águeda, por exemplo –, a grande maioria dos OPs portugueses apresenta fragilidades deliberativas, de participação e de recursos. Associando-se ao que já foi discutido, é perceptível que, apesar da importância (não exclusiva) do PS para que o OP atingisse o patamar alcançado em Portugal, a afiliação político-ideológica é pouco relevante estatisticamente para explicar a manutenção ou não desses programas participativos, assim como a continuidade do mandatário. Como visto, o ciclo eleitoral como um todo deve ser considerado, mas o registro de Allegretti e Copello (2018)Allegretti, G.; Copello, K. Winding around money issues. What's new in PB and which windows of opportunity are being opened. In: Dias, N. (org.). Hope for democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Portugal: Oficina, p. 35-53, 2018. acerca do fenômeno global de expansão de modelos de participação mais frágil e com maior segurança política para os autarcas é também bastante aparente em Portugal.

Ou seja, os casos de OP em Portugal são bem distantes do modelo original de Porto Alegre e mais próximos de modalidades de consulta – presencial e/ou digital, com listagem e votação de prioridades, geralmente com baixos recursos. Esse modelo simplificado de OP pode ser um dos fatores explicativos de sua maior permanência, em comparação ao que acontece no Brasil, que também passa crescentemente a adotar outras modalidades de participação, com destaque às audiências públicas, bem menos exigentes e de caráter consultivo. No caso do Brasil, a pesquisa sobre os OPs nos sites dos governos municipais encontrou, em 2019, muitas chamadas para audiências públicas, identificando pelo menos quatro modalidades, apresentadas a seguir em ordem de prevalência nos sites das administrações municipais, quais sejam:

  1. as audiências públicas tradicionais (AP), que visam atender à obrigatoriedade requerida por lei30 30 Como analisado por Peres (2020, p, p. 02), “O capítulo IV do Estatuto da Cidade, que trata especificamente da gestão democrática da cidade, no artigo 44 determina que: ‘no âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa (...) incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal’. Neste sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 2000) no capítulo IX determina que a gestão fiscal deve ser dotada detransparência e que esta transparência deve ser assegurada por meio do ‘incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei dediretrizes orçamentárias e orçamentos’ (art. 48 inciso I)”. . Essa foi a modalidade verificada na maioria dos municípios pesquisados31 31 Como alertado anteriormente, a pesquisa não sistematizou (para todos os municípios do país) os dados das chamadas dessas audiências, muito embora a sua ocorrência tenha saltado aos olhos. O mapeamento mais sistemático desse fenômeno, a partir de 2020, foi impossibilitado em função da Covid-19. ;

  2. as modalidades participativas que, denominadas de OP, são, de fato, modalidades que seguem o padrão das audiências públicas, em desacordo com os critérios mínimos que fundamentam o instrumento aqui analisado;

  3. as modalidades de audiências públicas que incorporam alguns elementos do orçamento participativo, como a regionalização da cidade e a realização de encontros e assembleias de bairro ou regionais. Em que pese a maior descentralização e complexidade organizacional, são modalidades consultivas, tendo em vista ouvir as prioridades da população em conformidade com a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) e com a Lei Orçamentária Anual (LOA);

  4. as consultas por meio digital. Em geral, o formato é o mesmo: a disponibilização de um formulário, no site da prefeitura, no qual, após a sua identificação, o/a cidadão/ã pode enviar sugestões de obras e serviços ou votar em áreas de prioridade elencadas.

Assim, as audiências públicas vêm se impondo como uma modalidade de participação que, obrigatória por lei, serve como substituta de programas de OPs mais robustos e com competência deliberativa. De acordo com Zorzal e Carlos (2017Zorzal, G; Carlos, E. “Audiências públicas do Legislativo estadual: fatores endógenos e exógenos na análise da efetividade da participação”. Revista de Sociologia e Política, vol. 25, nº 64, p. 23-46, 2017., p. 29), nas audiências públicas, a centralização política na condução de todo o processo marca uma concentração de poder que “favorece decisões arbitradas pela lógica político-partidária e eleitoral”. Além disso, as autoras identificaram falta de igualdade deliberativa e de informação, maior número de representantes governamentais, baixo número de participantes sociais e concentração territorial.

No caso de Portugal, como demonstrado pelos dados primários apresentados e pelas análises de outros pesquisadores, a adoção e a aceitação do orçamento participativo apresentam maior robustez se comparadas às verificadas no Brasil, apesar das diferenças claras entre os modelos aplicados e os significados atribuídos ao instrumento (Lüchmann; Falanga; Nicoletti, 2018; Dias; Enríquez; Júlio, 2019). No entanto, como discutido no decorrer deste artigo, apesar do auge recente, existem evidências de um relativo arrefecimento da “euforia” no fomento de OPs pelos municípios lusitanos, antes mesmo do impacto causado pela pandemia de COVID-19. Além dos variados motivos apresentados aqui, outros instrumentos e modalidades de participação estão substituindo ou se sobrepondo ao OP municipal, com destaque para dois tipos principais, quais sejam, as modalidades digitais de participação associadas ao conceito de e-democracy (Allegretti; Tang; Secchi, 2016), que variam muito em seus objetivos e desenhos; e os orçamentos participativos setoriais.

Apesar de Portugal apresentar uma elevada digital divide para os padrões europeus, com destaque para as diferenças entre jovens/idosos e áreas urbanas/rurais (Lapa et al., 2018Lapa, T., et al. As desigualdades digitais e a sociedade portuguesa: divisão, continuidades e mudanças. In: Carmo, R. M., et al. (orgs.). Desigualdades sociais: Portugal e a Europa. Lisboa: Mundos Sociais, p. 257-270, 2018.; Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.), os instrumentos digitais de participação são de implementação mais fácil, ágil e barata, além de permitirem maior integração entre os dados fornecidos pelos cidadãos. Os principais exemplos nacionais são o sistema participativo desenvolvido em Cascais (Lüchmann; Martelli; Taborda, 2021), com os aplicativos Fix Cascais e City Points32 32 Fix Cascais é um aplicativo em que os moradores reportam “diferentes tipos de situações em espaços públicos, como calçada danificada, sinalização de trânsito mal colocada ou avariada, necessidade de limpeza de rua, etc. A participação pode ser feita através da página ou da aplicação móvel, disponível em versão Android e IOS e também em: www.cascais.pt/fixcascais” (Dias; Sousa, 2017, p, p.18). City Points é um app desenvolvido pela câmara de Cascais em parceria com a empresa InnoWave Technologies, como um incentivo à participação, premiando atividades como a reciclagem, o uso de transportes públicos ou bicicletas, e votação no orçamento participativo. , e o Portal da Cidadania Participativa de Lisboa (CML, s/d), que soma o OP a consultas públicas (Lisboa em Debate) e o aplicativo Na Minha Rua33 33 Na Minha Rua é um “Portal de ocorrências onde pode participar problemas em espaços públicos, equipamentos municipais e higiene urbana que necessitem da intervenção da Câmara Municipal de Lisboa ou das Juntas de Freguesia”. Disponível em: < https://naminharualx.cm-lisboa.pt/. Acesso em: 30 jul. 2021. . Porém, diferentemente desses dois municípios que consolidaram uma recente tradição participativa, isso não se observa na maior parte dos casos portugueses, nos quais essas modalidades digitais já estão mais proliferadas do que o OP municipal, conforme identificado no processo de coleta dos dados primários. Alguns exemplos são as plataformas Ágora e Domus Social, no Porto34 34 Disponível em: <https://www.cm-porto.pt/. Acesso em: 24 ago. 2021. ; Sintra Resolve, em Sintra35 35 Disponível em: <http://www.sintraresolve.pt/. Acesso em: 24 ago. 2021. ; e Aqui Decides Tu!, em Santa Maria da Feira36 36 Disponível em: <http://www.portugalparticipa.pt/Monitoring/Details/82302d87-92ac-41f6-8e9b-a8f20db87037. Acesso em: 24 ago. 2021. – municípios sem orçamento participativo.

A esse processo se soma a ascensão dos orçamentos participativos setoriais, especificamente os de cunho jovem, conforme os dados anteriormente apresentados. Dias (2011)Dias, N. Da crise da democracia liberal aos novos experimentalismos democráticos: os Orçamentos Participativos. In: Cunha, T. (org.). Ensaios pela democracia, justiça, dignidade e bem viver. Porto: Afrontamento, p. 153-173, 2011. e Lüchmann, Martelli e Taborda (2021) já ressaltaram a importância do aprendizado político e cidadão desses instrumentos, que podem dar resultados muito positivos no médio-longo prazo em termos de desenvolvimento cívico local. No entanto, como consideram Allegretti e Copello (2018)Allegretti, G.; Copello, K. Winding around money issues. What's new in PB and which windows of opportunity are being opened. In: Dias, N. (org.). Hope for democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Portugal: Oficina, p. 35-53, 2018., esses modelos são menos desafiadores politicamente para os gestores e demandam menor envolvimento da sociedade como um todo no processo. Outra questão são os valores irrisórios concedidos pelos municípios para esses processos (Bogo, 2020Bogo, R. S. “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”. Dissertação de Mestrado em Geografia, Departamento de Geociências, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2020.), fazendo com que os OPJs tenham pouco poder transformador da cidade e sejam somente “laboratórios de participação” (o que, ressalte-se, não é em si negativo), com baixo grau de participação e deliberação.

Diante do exposto, é possível identificar que, embora as trajetórias dos OPs no Brasil e em Portugal sejam bastante diferentes, pelos contextos de origem, recursos, objetivos, propostas, desenhos institucionais, ou ainda, pelos diferentes impactos e influências de atores políticos e sociais, foram encontrados, com pesos variados, alguns elementos que sugerem a ocorrência de influências que são comuns aos dois países. Entre eles, o peso da influência partidária, com destaque ao PT, no Brasil, mas também, mesmo que em menor medida, ao PS em Portugal; e a introdução de outras modalidades de participação, com destaque às audiências públicas de caráter consultivo, no Brasil, e aos aplicativos (de uso individual) e OPs setoriais, em Portugal. Nos dois casos se identificou um processo de substituição dos OPs por modalidades menos exigentes e menos compromissadas com os princípios da inclusão e da deliberação democráticas.

Considerações finais

Com o objetivo de analisar de forma comparativa o fenômeno de diminuição e abandono de OPs no Brasil e em Portugal, em diálogo com a literatura do campo das políticas púlicas, este artigo apresentou os dados de ocorrência de OPs, nos anos de 2016 e 2019, em municípios dos dois países, apontando variações nas frequências de diminuição de casos, com destaque para o Brasil, que apresentou uma queda de mais de 80% de casos de abandono e/ou descontinuidade de OPs. Diante disso, mobilizou referências no campo de debates sobre a extinção de políticas publicas, destacando o peso do ambiente político, em especial as alterações político-partidárias decorrentes do processo eleitoral.

De fato, nossos dados demonstram que alterações mais bruscas ou repentinas ocorrem, frequentemente, mas não exclusivamente, em função da troca de governos. Foram identificados, para os dois países, vários casos de extinção de OP em governos de continuidade político-partidária, com destaque para as efetivadas em gestões do PT, no Brasil, e do PS, em Portugal. Questões relacionadas a crises econômicas e falta de recursos, aos formatos, competências e desenhos dos OPs - em especial se são consultivos ou deliberativos -, e aos cálculos e estratégias político-eleitorais vêm sendo mobilizadas, na literatura, tendo em vista a compreensão desse fenômeno que, como visto, tem início em década anterior no caso brasileiro (final da década de 1980 no Brasil, e início da década de 2000 em Portugal). O ambiente político, tanto no âmbito nacional como no local, constitui-se um elemento de destaque nessa análise. De um lado, a ascensão do PT ao governo federal, no Brasil, foi apontada como um dos fatores de enfraquecimento dos OPs em nível local; e de outro, a ascensão de forças conservadoras e o declínio do PT, expresso em especial nos últimos processos eleitorais municipais, conformaram um quadro que acirrou a diminuição de programas participativos como o OP. Além disso, outros formatos menos exigentes de participação passam crescentemente a tomar corpo nos diferentes municípios do país, como são os casos das audiências públicas previstas por lei que, além de simplificarem as complexas dinâmicas participativas do modelo exemplar de OP, garantem uma concentração de poder na esfera político-institucional.

No que diz respeito a Portugal, embora em contexto político contrário ao brasileiro, em especial pelo peso político do PS, há também uma importante relação entre os planos nacional e local, além da igualmente crescente interferência da substituição dos OPs municipais por outras modalidades de OP, com destaque aos setoriais, e outras modalidades de participação, em especial os aplicativos digitais de caráter individual. No caso das influências de âmbito nacional, se por um lado o governo de António Costa, um dos principais nomes associados ao orçamento participativo de Lisboa, tem sido elemento de motivação para a implementação de OPs nos planos locais, por outro lado, problemas referentes ao OP nacional, a exemplo do baixo índice de execução dos projetos eleitos e a pouca transparência, e as iniciativas nacionais de enfoque nos OPs setoriais, com destaque aos jovens, vêm também impactando, em alguma medida, na diminuição de casos de OP municipal. Nesse sentido, a transição para plataformas digitais de participação e o foco em OPs setoriais (especificamente para os jovens), em Portugal, também parecem convergir para a instabilidade e/ou extinção de programas de OP municipais naquele país, embora em números bem mais modestos do que se observa no Brasil.

Assim, em que pesem todas as diferenças de contextos de origem, expansão e diminuição dos casos de OPs nos dois países, as dimensões relacionadas às volatilidades e vulnerabilidades políticas permanecem centrais, o que implica maiores cuidados na emissão de diagnósticos e/ou prognósticos mais consistentes sobre o futuro dos OPs, aqui e alhures. Afinal, como analisado pela literatura, é recorrente programas como o OP serem abandonados e retomados após algum tempo (Alves; Allegretti, 2012Alves, M. L.; Allegretti, G. “(In)stability, a key element to understand participatory budgeting: Discussing Portuguese cases”. Journal of Public Deliberation, vol. 8, nº 2, p.1-19, 30 dez. 2012.; Allegretti; Copello, 2018Allegretti, G.; Copello, K. Winding around money issues. What's new in PB and which windows of opportunity are being opened. In: Dias, N. (org.). Hope for democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Portugal: Oficina, p. 35-53, 2018.).

Por fim, reforça-se a janela temporal desta pesquisa, que não contempla as consequências da pandemia de COVID-19 nos processos participativos, algo sentido em ambos os países aqui estudados e também no resto do mundo. Trabalhos como os de Annunziata, Arena e Franchino (2021), na Argentina; Poplawski (2020)Poplawski, M. “COVID-19 and contact-free democracy: experiences from Poland”. Przegląd Prawa Konstytucyjnego, vol. 58, nº 6, p. 603-614, dez. 2020., na Polônia; Falanga (2020)Falanga, R. Citizen participation during the COVID-19 pandemic: insights from local practices in European cities. Friedrich Ebert Stiftung: Democracy and human rights series, 2020. Disponível em: <https://repositorio.ul.pt/handle/10451/45726. Acesso em: 27 ago. 2021.
https://repositorio.ul.pt/handle/10451/4...
, tratando do continente europeu; e Dias et al. (2021)Dias, N. et al. (orgs.). Participatory Budgeting World Atlas 2020-2021. Cascais: Epopeia Books, 2021. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/atlas2020.html. Acesso em: 2 fev. 2022.
https://www.oficina.org.pt/atlas2020.htm...
, na escala global, são exemplos relevantes das possibilidades de estudo dessa temática. Incentiva-se a necessidade de explorar tal linha de pesquisa também no Brasil, especialmente pelas estratégias necessárias para que a participação institucionalizada siga ocorrendo durante os momentos de isolamento social e altas taxas de infecção, com potencial para mudar os instrumentos participativos, em sua forma e conteúdo.

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    » https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais
  • 1
    Os resultados e discussões preliminares a este artigo foram apresentados no V Encontro Participação, Democracia e Políticas Públicas, na Sessão Temática nº 13 “Planejamento e orçamento público em contexto democrático: arranjos institucionais e desafios à participação social”, em 28 de abril de 2022. Agradecemos pelas pertinentes questões e sugestões apresentadas ao longo do evento.
  • 5
    Criado em 2001 (até 2008) e retomado em 2017, o OP do “município de Araraquara tem chamado atenção por resgatar um ideário de OP como ‘espinha dorsal’ de um projeto que visa inverter a lógica de poder, resgatando os ideais da participação popular”(Lüchmann; Martelli; Taborda, 2021).
  • 6
    Projeto intitulado “Novas modalidades de participação política: protestos e participação institucional no Brasil e em Portugal em perspectiva comparada” - Convênio CAPES/FCT, coordenado por Lígia Lüchmann (UFSC, Brasil) e Britta Baumgarten (ISCTE-IUL Instituto Universitário de Lisboa, Portugal).
  • 7
    Esse conjunto de questões foi objeto de várias publicações decorrentes do projeto, entre elas: Lüchmann; Baumgarten (2018); Falanga, R. et al. (2020); e Falanga; Lüchmann (2019).
  • 8
    No caso de Portugal, trata-se da dissertação de mestrado intitulada “A evolução e distribuição territorial do orçamento participativo em Portugal”, orientada pelo Prof. Dr. Elson Manoel Pereira e defendida em agosto de 2020 por Rodrigo Sartori Bogo, junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina; e no Brasil, das pesquisas coordenadas por Lígia Lüchmann: “Interfaces das interfaces socioestatais: orçamentos participativos no Brasil e em Portugal (PQ/CNPq),e “Novas modalidades de participação política: protestos e participação institucional no Brasil e em Portugal em perspectiva comparada” - Convênio CAPES/FCT.
  • 9
    As fontes dos dados de 2016 foram retiradas da pesquisa da Rede Brasileira de OP (2016), do banco de dados de Spada (Participedia) e de informações colhidas em sites das prefeituras. Convém destacar que o banco de dados da Rede OP apresenta limitações em razão da ausência de uma definição mais rigorosa de OP, mas são os dados de abrangência nacional que temos disponíveis para o período, uma vez que eles incorporam municípios menores, diferentemente da pesquisa de Spada, centrada nos municípios acima de 50.000 habitantes.
  • 10
    Importante revelar as dificuldades de realização desses contatos, em grande parte em função da ausência de registros documentais e de mudanças nos quadros dos governos.
  • 11
    Disponível em: <http://portugalparticipa.pt/Monitoring. Acesso em: 8 dez. 2022.
  • 12
    Disponível em: <https://www.pordata.pt/Home. Último acesso em: 8 dez. 2022.
  • 13
    Embora diversos partidos tenham, de forma diferenciada, implementado programas participativos e, em alguns casos, antes mesmo da redemocratização (exemplo paradigmático de Lages), a centralidade do PT nesse processo diz respeito ao seu programa, cuja ênfase na “democracia popular” marcou o eixo norteador do “modo petista de governar” (Meneguello, 1989)Meneguello, R. PT: a formação de um partido, 1979-1982. São Paulo: Paz e Terra, 1989.. Foi com a vitória do PT nas eleições de 1988, na capital gaúcha, que efetivamente se instituiu o modelo do OP conhecido internacionalmente.
  • 14
    O comprometimento dos Executivos na implantação e na sustentação da participação está relacionado não apenas com a sua centralidade no conjunto das ações governamentais, como também ao montante de recursos – humanos e materiais – que são destinados ao processo. Assim, o lugar que as instituições participativas ocupam na estrutura administrativa, o montante de recursos destinados à viabilidade de processos participativos, o compromisso e o respeito com as deliberações participativas, a participação e o envolvimento de representantes da administração, a promoção de medidas de capacitação de participantes, e a garantia de infraestrutura institucional são alguns dos indicadores dessa variável destinada a medir o grau de comprometimento governamental (Lüchmann, 2014Lüchmann, L. H. H. “25 anos de Orçamento Participativo: algumas reflexões analíticas”. Política & Sociedade, vol. 13, nº 28, p. 167-197, 2014.; Borba; Lüchmann, 2007)Borba, J.; Lüchmann, L. (orgs.). Orçamento participativo: análise das experiências desenvolvidas em Santa Catarina. 1ª ed. Florianópolis: Insular, 2007..
  • 15
    De acordo com a autora, se, por um lado, o OP digital alcançou muito mais moradores, por outro, ele acabou impactando negativamente a sua dinâmica deliberativa baseada nos encontros regionais face a face, enfraquecendo os elementos da discussão pública sobre os problemas da cidade.
  • 16
    Como, por exemplo, abertura para a participação cidadã, formatos para a tomada de decisão, investimentos absolutos e relativos canalizados pelo OP, dentre outros.
  • 17
    É comum que tais formatos sejam conhecidos na literatura sobre OPs portugueses como “co-decisório” (co-decisional), o que é visto, por exemplo, em Alves e Allegretti (2012)Alves, M. L.; Allegretti, G. “(In)stability, a key element to understand participatory budgeting: Discussing Portuguese cases”. Journal of Public Deliberation, vol. 8, nº 2, p.1-19, 30 dez. 2012.. Aqui, optamos pelo termo “deliberativo”, mais amplo, que congrega tanto os modelos brasileiros quanto portugueses.
  • 18
    Dados obtidos da compilação realizada por Paolo Spada, que agrega os estudos de Ribeiro e De Grazia (2003) para o período de 1997-2000, Avritzer e Wampler (2008)Avritzer, L.; Wampler, B. The expansion of Participatory Budgeting in Brazil: an analysis of the successful cases based upon design and socio-economic indicators. Research Report. The World Bank; MDP - Municipal Development Program (Mozambique), 2008. para o período de 2001-2004, e outros anos anteriores, além dos dados do próprio pesquisador para o período de 2008-2012. Os dados de 2016 são decorrentes de levantamento em sites das prefeituras, da pesquisa da Rede Brasileira de OP (2016) e do banco de dados de Spada (Participedia). O número das cidades com OP, em 2016, ficou abaixo dos dados identificados por Lüchmann, Romão e Borba (2018), que registraram 73 casos.
  • 19
    Foram realizadas 93 conferências entre 2003 e 2016, em diversos setores de políticas públicas e direitos, em processos que provocaram milhares de conferências municipais e centenas de conferências estaduais (Lüchmann; Romão; Borba, 2018).
  • 20
    Para comparação, o menor percentual já registrado nas eleições autárquicas foi em 1979, quando pouco mais de 26% dos eleitores habilitados não foram às urnas.
  • 21
    Perante essa situação o atual governo aprovou o novo Programa Nacional para a Coesão Territorial que visa dinamizar o interior do país, com mais de 160 medidas, entre as quais benefícios fiscais para as empresas e reabertura de serviços públicos, como tribunais, apresentada em detalhes em: <http://www.portugal.gov.pt/pt/o-governo/pnct/pnct.aspx> Último acesso em: 08 dez. 2022 A publicação organizada por Sousa et al. (2015)Sousa, L., et al. (orgs.). A reforma do poder local em debate. Lisboa: ICS, 2015. discutem de forma aprofundada, e sob várias óticas, questões sobre a gestão pública em Portugal.
  • 22
    Conforme os argumentos de Souza (2006)Souza, M. L. A prisão e a ágora: reflexões em torno da democratização do planejamento e da gestão das cidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006., fenômenos socioespaciais, como o OP, devem ser interpretados de forma contínua. Isso nos permite compreender que as diferentes gerações de OP, nos dois países, não são formadas unicamente por rupturas, mas também por continuidades, descontinuidades e justaposições.
  • 23
    No entanto, alguns casos já apresentam certa notoriedade, como Águeda (Cabannes, 2020)Cabannes, Y. Contributions of Participatory Budgeting to climate change adaptation and mitigation: current local practices around the world & lessons from the field. Barcelona: IOPD, 2020. e Torres Vedras (Santos; Batel; Gonçalves, 2018), por exemplo.
  • 24
    Despacho nº 436-A, de 6 de janeiro de 2017, que aprova “(...) o Orçamento Participativo das Escolas que tem como objetivos contribuir para as comemorações do Dia do Estudante e estimular a participação cívica e democrática dos estudantes.” (PORTUGAL, 2017, p. 738-2).
  • 25
    A proposta de classificação da autora é a seguinte: cidades pequenas (até 20 mil habitantes), médias (de 20 a 100 mil) e grandes (acima de 100 mil).
  • 26
    Para uma classificação de hierarquia urbana composta a partir da realidade brasileira, ver IBGE (2020)IBGE - INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Regiões de Influência das Cidades 2018. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101728. Acesso em: 21 ago. 2021.
    https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
    .
  • 27
    De acordo com a descrição de Costa (2002)Costa, E. M. da. “Cidades médias: contributos para sua definição”. Finisterra, Lisboa, vol. 37, nº 74, p. 101-128, dez. 2002., quando considerada somente a dimensão demográfica, a classificação para Portugal seria: cidades pequenas (até 20 mil habitantes), médias (de 20 a 100 mil) e grandes (acima de 100 mil).
  • 28
    Aproximadamente 22% dos municípios governados por grupos independentes tinham um OP ativo em 2019, proporação equivalente à do PS (em torno de 23%). Para comparação, essa taxa é de 16% para o PPD/PSD (com coligações).
  • 29
    O que abre lacunas na investigação científica para saber se há benefício político na realização do orçamento participativo, algo anteriormente levantado por Dias et al. (2018)Dias, N. et al. Participatory Budgeting in Portugal: stading between a hesitant political will and the impacts on public policies. Dias, N. (Org.). Hope for Democracy: 30 years of Participatory Budgeting worldwide. Faro: Oficina, p. 257-274, 2018. Disponível em: <https://www.oficina.org.pt/hopefordemocracy.html. Acesso em: 6 ago. 2020.
    https://www.oficina.org.pt/hopefordemocr...
    .
  • 30
    Como analisado por Peres (2020, pPeres, U. D. “Dificuldades institucionais e econômicas para o orçamento participativo em municípios brasileiros”. Cadernos CRH, vol. 33, p. 1-20 2020., p. 02), “O capítulo IV do Estatuto da Cidade, que trata especificamente da gestão democrática da cidade, no artigo 44 determina que: ‘no âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa (...) incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal’. Neste sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 2000) no capítulo IX determina que a gestão fiscal deve ser dotada detransparência e que esta transparência deve ser assegurada por meio do ‘incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei dediretrizes orçamentárias e orçamentos’ (art. 48 inciso I)”.
  • 31
    Como alertado anteriormente, a pesquisa não sistematizou (para todos os municípios do país) os dados das chamadas dessas audiências, muito embora a sua ocorrência tenha saltado aos olhos. O mapeamento mais sistemático desse fenômeno, a partir de 2020, foi impossibilitado em função da Covid-19.
  • 32
    Fix Cascais é um aplicativo em que os moradores reportam “diferentes tipos de situações em espaços públicos, como calçada danificada, sinalização de trânsito mal colocada ou avariada, necessidade de limpeza de rua, etc. A participação pode ser feita através da página ou da aplicação móvel, disponível em versão Android e IOS e também em: www.cascais.pt/fixcascais” (Dias; Sousa, 2017, pDias, N.; Sousa, V. D. A cidade começa nas pessoas. Cascais: Câmara Municipal de Cascais, 2017., p.18). City Points é um app desenvolvido pela câmara de Cascais em parceria com a empresa InnoWave Technologies, como um incentivo à participação, premiando atividades como a reciclagem, o uso de transportes públicos ou bicicletas, e votação no orçamento participativo.
  • 33
    Na Minha Rua é um “Portal de ocorrências onde pode participar problemas em espaços públicos, equipamentos municipais e higiene urbana que necessitem da intervenção da Câmara Municipal de Lisboa ou das Juntas de Freguesia”. Disponível em: < https://naminharualx.cm-lisboa.pt/. Acesso em: 30 jul. 2021.
  • 34
    Disponível em: <https://www.cm-porto.pt/. Acesso em: 24 ago. 2021.
  • 35
    Disponível em: <http://www.sintraresolve.pt/. Acesso em: 24 ago. 2021.
  • 36
  • 2
    Agradecemos o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) por via da bolsa de pesquisa 2021/04556-0, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do CNPq por via da bolsa de produtividade PQ 308710/2018-5. Um agradecimento especial às/os alunas/os integrantes do Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais (NPMS) da UFSC pela participação no levantamento de OPs no Brasil: Gabriel Scapini, Fernando Maccari, João Casara, Milena Belançon, Patrícia Schlemer, Nauama Barros, Nathalya Santos, Luana de Brito e Ana Julia Bonzanini Bernardi. Agradecemos também aos pareceristas anônimos e ao corpo editorial da Opinião Pública pelas contribuições que levaram à versão final deste artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    8 Set 2021
  • Aceito
    11 Ago 2022
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