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Reestrutur ação produtiva e subjetividade: análise interpretativa do significado do desemprego

Resumos

Neste trabalho, procurou-se desvendar as representações sociais elaboradas por trabalhadores em torno da perda do emprego. Para tanto, teceram-se algumas considerações sobre o processo de reestruturação produtiva, particularizando as mudanças ocorridas nas relações de trabalho, nas formas de mediação de conflitos e seus impactos na subjetividade humana. A natureza do fenômeno investigado imprimiu uma escolha teórico-metodológica cunhada nos pressupostos da abordagem interpretativa, optando-se, mais especificamente, por se analisar o significado da perda do emprego para os trabalhadores sob a ótica da teoria das representações sociais. Portanto, trata-se de estudo de natureza qualitativa, realizado em amostra de ex-operários de uma multinacional do setor metalúrgico-automobilístico, após sua reestruturação produtiva. As representações apreendidas acerca do desemprego convalidam a importância dessa questão social no desenvolvimento da subjetividade humana, principalmente como fonte de pressão e ameaça à cidadania.


The aim of the present study was to reveal the social representation developed by workers who lost their jobs. Then some theoretical consideration about the productive restructuring processes was developed, specially about the changes which has been occurring concerning the job relations, the conflict mediation ways and their impacts on human subjectivism. The nature of this phenomenon led to a theoretical and methodological choice based on the presupposition of the interpretative approach. The meaning of losing the job was specially analysed by the view of the social representation theory. So, this study got a qualitative nature and it was realized with a sample of exworkers of a metallurgical automotive multinational company that had passed through a productive restructuring process. The social representation learned from the experience of being unemployed reaffirm the importance of this social question in terms of developing the human subjectivism, specially as a source of pressure and threat for citizenship.


ARTIGOS ARTICLES

Reestrutur ação produtiva e subjetividade: análise interpretativa do significado do desemprego1 1 Uma primeira versão do presente trabalho foi apresentada no 27.º Encontro da Anpad, em 2003, na área Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho. Agradecimentos aos pares pelas importantes observações que permitiram a revisão e o enriquecimento das discussões teóricas. 2Tedesco e Campos (2001) fazem importante discussão da lógica de reestruturação produtiva na contemporaneidade e das estratégias da sociedade para a (sobre)vivência no mundo do trabalho atual. Apresentam o terceiro setor como sendo “um mecanismo social minimizador do desemprego e da impossibilidade convencional de obtenção de renda por uma parcela significativa da sociedade atual” [palavras iniciais]. 3O conceito foi construído com base nas discussões apresentadas por Guareschi e Jovchelovitch (1995). 4Ver importante discussão sobre a reestruturação produtiva e a desestruturação do mundo do trabalho em Werneck (2002). Partindo do cenário internacional para o cenário nacional, a autora apresenta com muita propriedade as evidências de um mundo do trabalho em mudança e aponta que, para o Brasil, aos desafios do novo contexto somam-se os problemas estruturais e históricos resultantes de um modelo de desenvolvimento fundamentado na exclusão e na marginalização de grandes contingentes populacionais. 5“As representações coletivas são matrizes que dão forma às práticas de que o próprio mundo social é construído” (p.17) e permite formular três tipos de relação com o mundo social: (a) a classificação e a decomposição, que dão origem aos padrões intelectuais, a partir dos quais a realidade é construída; (b) as práticas sociais, que exibem simbolicamente o status e a hierarquia consolidada no grupo social; (c) as formas institucionalizadas, que marcam a existência do grupo de modo visível e permanente. Essas formas de relação com o mundo social conduzem a pesquisa social a novos campos de estudo, dentre as quais destacam-se as identidades sociais como resultado de “lutas de representação” e insere a psicologia social como uma disciplina que pode oferecer importantes contribuições ao debate na ciência social. Ver Cardoso (2000). 6 A intensidade do crescimento econômico e as transformações estruturais ocorridas no cenário brasileiro no período pós II Guerra Mundial até os anos setenta, bem como os reflexos na estrutura do emprego formal no Brasil são discutidos por Mattoso (1995). 7 De acordo com os dados estatísticos disponibilizados pelo IBGE, observa-se que a população economicamente ativa (PEA), no Brasil, passou de 46,82% da população residente em 1950 para 60,97% em 1999, pressionando ainda mais os índices de desemprego. As taxas de desemprego total, especificamente nas regiões metropolitanas e Distrito Federal, medidas pelo Dieese, apontam níveis médios elevados e que se mantêm entre 19,37% (1998) e 21,78% (2003). O resultado desse contexto foi a redução drástica dos indicadores de emprego assalariado formal no Brasil e o aumento dos índices de desemprego na faixa da população em idade ativa. 8Ver importante discussão da percepção do adoecimento na realização do trabalho pelos funcionários no setor bancário em Tedesco e Campos (2001).

Daniel Gustavo FleigI; Maria Cecília PereiraII; Denize GrzybovskiIII; Mozar José de BritoIV

IProf. Faculdade do Litoral Paranaense (FALPAR)

IIMestranda em Adm. PPGA/UFLA

IIIProfª Univ.Passo Fundo/RS

IVProf. PPGA/UFLA

RESUMO

Neste trabalho, procurou-se desvendar as representações sociais elaboradas por trabalhadores em torno da perda do emprego. Para tanto, teceram-se algumas considerações sobre o processo de reestruturação produtiva, particularizando as mudanças ocorridas nas relações de trabalho, nas formas de mediação de conflitos e seus impactos na subjetividade humana. A natureza do fenômeno investigado imprimiu uma escolha teórico-metodológica cunhada nos pressupostos da abordagem interpretativa, optando-se, mais especificamente, por se analisar o significado da perda do emprego para os trabalhadores sob a ótica da teoria das representações sociais. Portanto, trata-se de estudo de natureza qualitativa, realizado em amostra de ex-operários de uma multinacional do setor metalúrgico-automobilístico, após sua reestruturação produtiva. As representações apreendidas acerca do desemprego convalidam a importância dessa questão social no desenvolvimento da subjetividade humana, principalmente como fonte de pressão e ameaça à cidadania.

ABSTRACT

The aim of the present study was to reveal the social representation developed by workers who lost their jobs. Then some theoretical consideration about the productive restructuring processes was developed, specially about the changes which has been occurring concerning the job relations, the conflict mediation ways and their impacts on human subjectivism. The nature of this phenomenon led to a theoretical and methodological choice based on the presupposition of the interpretative approach. The meaning of losing the job was specially analysed by the view of the social representation theory. So, this study got a qualitative nature and it was realized with a sample of exworkers of a metallurgical automotive multinational company that had passed through a productive restructuring process. The social representation learned from the experience of being unemployed reaffirm the importance of this social question in terms of developing the human subjectivism, specially as a source of pressure and threat for citizenship.

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  • 1
    Uma primeira versão do presente trabalho foi apresentada no 27.º Encontro da Anpad, em 2003, na área Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho. Agradecimentos aos pares pelas importantes observações que permitiram a revisão e o enriquecimento das discussões teóricas.
    2Tedesco e Campos (2001) fazem importante discussão da lógica de reestruturação produtiva na contemporaneidade e das estratégias da sociedade para a (sobre)vivência no mundo do trabalho atual. Apresentam o terceiro setor como sendo “um mecanismo social minimizador do desemprego e da impossibilidade convencional de obtenção de renda por uma parcela significativa da sociedade atual” [palavras iniciais].
    3O conceito foi construído com base nas discussões apresentadas por Guareschi e Jovchelovitch (1995).
    4Ver importante discussão sobre a reestruturação produtiva e a desestruturação do mundo do trabalho em Werneck (2002). Partindo do cenário internacional para o cenário nacional, a autora apresenta com muita propriedade as evidências de um mundo do trabalho em mudança e aponta que, para o Brasil, aos desafios do novo contexto somam-se os problemas estruturais e históricos resultantes de um modelo de desenvolvimento fundamentado na exclusão e na marginalização de grandes contingentes populacionais.
    5“As representações coletivas são matrizes que dão forma às práticas de que o próprio mundo social é construído” (p.17) e permite formular três tipos de relação com o mundo social: (a) a classificação e a decomposição, que dão origem aos padrões intelectuais, a partir dos quais a realidade é construída; (b) as práticas sociais, que exibem simbolicamente o status e a hierarquia consolidada no grupo social; (c) as formas institucionalizadas, que marcam a existência do grupo de modo visível e permanente. Essas formas de relação com o mundo social conduzem a pesquisa social a novos campos de estudo, dentre as quais destacam-se as identidades sociais como resultado de “lutas de representação” e insere a psicologia social como uma disciplina que pode oferecer importantes contribuições ao debate na ciência social. Ver Cardoso (2000).
    6 A intensidade do crescimento econômico e as transformações estruturais ocorridas no cenário brasileiro no período pós II Guerra Mundial até os anos setenta, bem como os reflexos na estrutura do emprego formal no Brasil são discutidos por Mattoso (1995).
    7 De acordo com os dados estatísticos disponibilizados pelo IBGE, observa-se que a população economicamente ativa (PEA), no Brasil, passou de 46,82% da população residente em 1950 para 60,97% em 1999, pressionando ainda mais os índices de desemprego. As taxas de desemprego total, especificamente nas regiões metropolitanas e Distrito Federal, medidas pelo Dieese, apontam níveis médios elevados e que se mantêm entre 19,37% (1998) e 21,78% (2003). O resultado desse contexto foi a redução drástica dos indicadores de emprego assalariado formal no Brasil e o aumento dos índices de desemprego na faixa da população em idade ativa.
    8Ver importante discussão da percepção do adoecimento na realização do trabalho pelos funcionários no setor bancário em Tedesco e Campos (2001).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Out 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2005
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