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Instrumentos de avaliação de qualidade de vida após transplante de medula óssea (TMO): uma revisão da literatura

Evaluation instruments of quality of life after bone marrow transplantation: a literature review

Resumos

O presente artigo apresenta uma revisão da literatura relativa à qualidade de vida após a realização de transplante de medula óssea (TMO), destacando-se as variáveis psicossociais e as características de personalidade envolvidas no processo de adaptação. Nesse contexto, apresenta algumas considerações sobre instrumentos de avaliação, utilizados na identificação de possíveis preditores de ajustamento psicossocial no sentido de ampliar a compreensão do significado psicológico do TMO na sobrevida dos pacientes. Os estudos desenvolvidos sugerem que a qualidade de vida dos pacientes pós-TMO está associada aos recursos pessoais disponíveis à adaptação, apontando para a necessidade de pesquisas longitudinais e prospectivas.

Transplante de Medula Óssea; Qualidade de Vida; Ajustamento Psicossocial; Avaliação Psicológica


This article presents a review of the literature concerning quality of life after bone marrow transplant (BMT) emphasizing psychosocial variables and personality characteristics involved in the adaptation process. Thus, analysis were reported about instruments of evaluation, used to identify predictors potential of psychosocial adjustment in order to improve a more depth understanding of psychological impact on quality of life to BMT survivors. The developed researches suggest that quality of life of survivors of BMT is associated with the personal resources related to adaptation, pointing towards the necessity of longitudinal and prospective studies.

Bone Marrow Transplantation; Quality of Life; Psychosocial Adjustment; Psychological Evaluation


Instrumentos de avaliação de qualidade de vida após transplante de medula óssea (TMO): uma revisão da literatura

Evaluation instruments of quality of life after bone marrow transplantation: a literature review

Ângela da Costa AlmeidaI; Sonia Regina LoureiroII

IUU

IIUSP RP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sonia Regina Loureiro Departamento de Neurologia Psiquiatria e Psicologia Médica da FMRP Avenida 9 de Julho, 980 Cep 14025-000 - Ribeirão Preto - São Paulo

RESUMO

O presente artigo apresenta uma revisão da literatura relativa à qualidade de vida após a realização de transplante de medula óssea (TMO), destacando-se as variáveis psicossociais e as características de personalidade envolvidas no processo de adaptação. Nesse contexto, apresenta algumas considerações sobre instrumentos de avaliação, utilizados na identificação de possíveis preditores de ajustamento psicossocial no sentido de ampliar a compreensão do significado psicológico do TMO na sobrevida dos pacientes. Os estudos desenvolvidos sugerem que a qualidade de vida dos pacientes pós-TMO está associada aos recursos pessoais disponíveis à adaptação, apontando para a necessidade de pesquisas longitudinais e prospectivas.

Palavras chave: Transplante de Medula Óssea - Qualidade de Vida - Ajustamento Psicossocial - Avaliação Psicológica.

ABSTRACT

This article presents a review of the literature concerning quality of life after bone marrow transplant (BMT) emphasizing psychosocial variables and personality characteristics involved in the adaptation process. Thus, analysis were reported about instruments of evaluation, used to identify predictors potential of psychosocial adjustment in order to improve a more depth understanding of psychological impact on quality of life to BMT survivors. The developed researches suggest that quality of life of survivors of BMT is associated with the personal resources related to adaptation, pointing towards the necessity of longitudinal and prospective studies.

Key Words: Bone Marrow Transplantation - Quality of Life - Psychosocial Adjustment - Psychological Evaluation.

O Transplante de Medula Óssea (TMO) como Modalidade Terapêutica - Implicações Gerais

O TMO é primariamente utilizado no tratamento de doenças malignas - como as leucemias, linfomas e alguns tumores sólidos - sendo também indicado para o tratamento de algumas doenças não-malignas, como a anemia aplástica e doenças hematológicas hereditárias (Lesko, 1990). Enquanto modalidade terapêutica, tem implicações físicas e psicossociais que só mais recentemente têm sido estudadas. Entre os componentes que avaliam a qualidade de vida dos pacientes submetidos ao TMO, em geral, estão o desempenho físico, o estado psicológico e a interação social.

Embora o TMO, segundo Andrykowski e cols. (1995), seja uma terapia para salvar vidas, o procedimento por si só está associado com um risco significativo de mortalidade. Os pacientes podem escolher por iniciar ou continuar um curso convencional de terapia que apresente baixo risco de mortalidade, mas com pouca ou nenhuma promessa de cura. Por outro lado, segundo estes autores, os pacientes podem escolher se submeter ao TMO, onde o risco de mortalidade é consideravelmente mais alto, mas que apresenta um maior potencial de cura da doença.

Além do risco de morte prematura, o TMO está associado com o risco significativo de morbidade física e psicossocial (Andrykowski, 1995). Pesquisas recentes têm documentado uma diversidade de efeitos psicossociais do TMO, incluindo estresse, baixa auto-estima, disfunção sexual, dificuldades nas relações sociais e relacionamento interpessoal, ansiedade, depressão, desemprego, limitação quanto às atividades recreativas, dificultando assim o processo de adaptação do paciente (Aaronsom, 1988;Belec, 1992; Baker, 1994; Whedon, 1994; Weiner, 1994;Wellish, 1994; Andrykowski, 1994a; Ferrei, 1995; Bush, 1995; Decker, 1995; Molassiotis, 1997 e outros).

Dadas as intensas demandas físicas e emocionais - indução do regime, imunossupressão, isolamento físico e social, hospitalização prolongada - associadas ao procedimento de TMO, bem como o seu crescente uso, enquanto modalidade terapêutica para uma variedade de doenças malignas e hematológicas, a qualidade de vida (QV) de pacientes submetidos ao TMO tem emergido como uma área crítica de estudo.

Objetiva-se, no presente estudo, revisar a literatura indexada da última década, selecionando-se artigos empíricos relativos a instrumentos de avaliação e QV pós-TMO, destacando-se contribuições relevantes na identificação de preditores de ajustamento psicossocial.

A Qualidade de Vida Pós-TMO - Aspectos Psicossociais

Um estudo realizado por Ferrei e cols. (1992a) teve por objetivos explorar o conceito de QV, sob a visão dos pacientes de TMO, e compreender as intervenções que poderiam melhorar a QV nesta população. A estrutura conceitual para esse estudo foi derivada do modelo de QV desenvolvido por Padilla e cols. (1990), que descreve como domínios de QV o bem-estar físico, bem-estar psicológico, interesse social e bem-estar espiritual. Os autores observam que contribuições anteriores na literatura têm explorado as conseqüências psicossociais do TMO (Haberman, 1993; Wolcott, 1986 e 1987), documentado os sintomas físicos associados ao mesmo (Deeg, 1984; Andrykowski, 1994b) e aplicado instrumentos de QV de outras áreas no TMO (Wingard, 1994; Andrykowski, 1994c). Entretanto, os autores identificaram poucas pesquisas que explorem o impacto específico do TMO na QV. Nessa perspectiva, vários autores levantaram as necessidades psicossociais e físicas dos pacientes transplantados de medula óssea. Brown e Kelly (1976) identificaram oito estágios no processo de TMO - desde o período pré-transplante à adaptação pós-transplante, a saber: decisão para aceitar o TMO; avaliação da internação e planejamento de cuidados; regime de isolamento / condicionamento; TMO propriamente dito; rejeição do enxerto X pega da medula; possível desenvolvimento de GVHD (graft-versus-host-disease - reação do enxerto contra o hospedeiro); preparação para alta; adaptação fora do hospital. Haberman (1988) identificou seis estágios do transplante e isolou três conceitos importantes para o paciente de TMO, incluindo manejo da incerteza, manejo das complicações do tratamento e retomada da autonomia. Andrykowski (1995) explorou a disfunção cognitiva relacionada à irradiação de corpo inteiro em uma amostra de 30 sujeitos. Complicações físicas e psiquiátricas do TMO têm sido documentadas por Folsom e Popkin (1987), incluindo respostas psicológicas ao transplante e complicações do sistema nervoso central, secundárias às medicações e tratamento. Wolcott e cols. (1986) exploraram a adaptação pós-TMO e concluíram que, embora a maioria dos pacientes tenham uma adaptação positiva, 15-20% requerem intervenção psiquiátrica. Estes investigadores revisaram também os efeitos psicológicos de medicações utilizadas no transplante. Mashberg e cols. (1989) estudaram o estado psicossexual em 100 pacientes pós-transplante, com diagnóstico inicial de leucemia, ou em quimioterapia. A disfunção sexual foi relacionada aos efeitos físicos da doença ou do tratamento tanto quanto ao rompimento da relação, causado pela doença grave e cuidado constante. Crianças submetidas ao TMO têm sido identificadas como de interesse especial na pesquisa de QV. Gardner e cols. (1977) e Patenaude e cols. (1979) exploraram o impacto do TMO na criança e na família, indicando que a reação dos pais ao transplante, bem como as dificuldades de adaptação pós-TMO, geram importantes conflitos no sistema familiar. O sucesso do TMO e as conseqüências de sobrevivência têm sido pesquisados em estudos relacionados à reabilitação do câncer, indicando que a sobrevida de pacientes com, no mínimo, cinco anos de pós-TMO é de aproximadamente 50%.

Ferrei e cols. (1992a) enfatizam que a compreensão do impacto do TMO na QV pode auxiliar na orientação dos pacientes que estão considerando tal procedimento como uma opção de tratamento. Atenção à QV pode conduzir mudanças nos protocolos atuais de médicos e enfermeiros ao longo de todas as fases do TMO - do pré-transplante à reabilitação a longo-prazo. Esses autores desenvolveram um estudo qualitativo com 119 pacientes de TMO, selecionados de um grupo de 833 transplantados. A amostra foi formada por sujeitos que tinham se submetido ao TMO entre os anos de 1976-1990, sendo que os mesmos deveriam ter 100 dias, no mínimo, pós-TMO e idade maior ou igual a 18 anos no momento da avaliação. Foram utilizados dois instrumentos -um abordando dados demográficos relacionados ao paciente e uma entrevista contendo seis questões abertas relacionadas ao significado de QV para os pacientes de TMO e o impacto do mesmo sobre a QV.

Baseando-se nos resultados obtidos, os investigadores desenvolveram um modelo conceituai (Ferrei e cols. 1992b), descrevendo o impacto do TMO na QV: 1) Bem-Estar Físico e Sintomas, englobando os seguintes aspectos: força e energia, atividades funcionais, distúrbios visuais/cataratas, resfriados recorrentes, infertilidade, GVHD crônico e nutrição; 2) Bem-Estar Psicológico - ansiedade, medo de recidiva, depressão, mudança de prioridades, cognição/atenção, segunda chance, sobrevida; 3) Bem-Estar Social - aparência, responsabilidade financeira, papéis e relacionamentos, afeição/ função sexual, atividades de lazer, retorno ao trabalho; 4) Bem- Estar Espiritual - esperança, desespero, religiosidade, força interna. Os autores concluíram que os pacientes valorizaram a saúde como o maior fator na QV, porém descreveram suas percepções de saúde e QV em dimensões que refletem o bem-estar físico, psicológico, espiritual e social. Os sujeitos sentiram que o TMO teve um impacto positivo na QV por dar a eles uma segunda chance. Conseqüências negativas da QV incluíram problemas reais como efeitos colaterais e o medo constante de recorrência da doença. Frente à decisão de se submeterem ao TMO, os pacientes sentiram que tiveram pouca escolha ou controle, pelo fato de o TMO ser a única alternativa. Pontuam, ainda, que é necessário pesquisas com amostras menores, usando métodos mais profundos, como a fenomenologia, para explorar o significado existencial e a experiência de transplante. Acrescentam a necessidade de uma abordagem interdisciplinar no manejo das múltiplas demandas do transplante e de sua sobrevida. Todavia, afirmam que os achados desse estudo têm servido como base de desenvolvimento de um instrumento quantitativo para medir QV em sobreviventes de TMO.

Instrumentos de Avaliação e a Capacidade Adaptativa

Visando predizer a adaptação psicológica e o enfrentamento no processo de TMO, através da análise de entrevistas e observações clínicas, Wellisch e Wolcott (1994) desenvolveram medidas sistemáticas a partir das quais identificaram sete variáveis psicossociais relacionadas a preditores do nível de ajustamento pós-TMO, a saber: 1) História psiquiátrica anterior; 2) Qualidade de suporte familiar/social; 3)História prévia de enfrentamento; 4) Enfrentamento da doença e tratamento; 5) Qualidade do afeto; 6) Estado mental (passado e presente) e, finalmente; 7) Predisposição para ansiedade antecipatória. Relatam que, de acordo com essas variáveis, o ajustamento psicossocial dos pacientes pode ser classificado em três níveis: nível I- bom ajustamento, nível II - ajustamento regular e nível III - ajustamento pobre.

Esses autores salientam que a psicoterapia pode ser mais útil nas fases de condicionamento quimioterápico, de infusão e enxertamento da medula, quando sentimentos de perda de controle, perda de integridade corporal e sentimentos somatopsíquicos são mais elevados.

As questões relativas ao enfrentamento e à capacidade adaptativa de pacientes com doenças crônicas severas têm sido um importante objeto de pesquisa. Weiner (1994) examinou a relação de estilos de enfrentamento com a QV em 32 adultos submetidos a TMO. A análise indicou que os escores de QV não foram significativos quanto à idade na época do tratamento, tempo de diagnóstico, tempo do último tratamento ou satisfação quanto aos cuidados de saúde. Entretanto, um estilo de enfrentamento passivo -caracterizado por aceitação, resignação, rendição -foi significativamente associado com escores mais baixos de QV. Esses pacientes tendem a aceitar mais passivamente as exigências de sua doença e a acreditar que têm pouco controle sobre o curso da mesma. Mostram-se mais suscetíveis a experimentar depressão e a interagir menos com membros da família e amigos. Esse estilo de enfrentamento pode estar relacionado com graus mais elevados de afeto negativo (por exemplo, depressão, ansiedade) e psicopatologia. Colon e cols. (1991), ao estudarem 100 pacientes que se submeteram ao TMO por leucemia aguda, encontraram que o humor depressivo pré-TMO era preditor de uma sobrevida mais curta pós-TMO, ao passo que um maior suporte social e a realização do TMO num estágio precoce da doença foram preditores de uma sobrevida mais longa. Greer e cols. (1989), encontraram, ainda, que o ajustamento mental de 69 pacientes com câncer de mama, estava relacionado ao tempo de sobrevida livre de recaída da doença. Observaram que as pacientes que responderam ao diagnóstico de câncer com espírito de luta tinham sobrevida mais longa, enquanto que aquelas que adotaram uma atitude de falta de esperança ou aceitação passiva evidenciaram sobrevida mais curta.

Nesse sentido, Jenkins e cols, (conforme citado por Andrykowski-1994b) entrevistaram 25 adultos e adolescentes mais velhos (3-67 meses pós-TMO) em relação às respostas psicológicas destes ao TMO, em vários estágios do processo. Reações depressivas correspondentes aos critérios do DSM III para episódios depressivos mais graves, foram relatados em 28% dos entrevistados no período da fase de preparação para o transplante. Não se detectou uma psicopatologia mais grave durante a hospitalização e o período imediatamente após a alta hospitalar. Futterman e cols. (1991) fizeram uma revisão de fichas psiquiátricas de 42 pacientes adultos no período anterior ao TMO. As avaliações foram obtidas para a determinação do nível de ajustamento psicossocial no momento da avaliação psiquiátrica, através de uma versão do Psychosocial Levels System (citado por Futterman e cols.,1991). Os resultados indicaram uma alta confiabilidade entre os avaliadores na determinação do ajuste social no período anterior ao TMO. Além disto, as avaliações de ajuste anterior ao TMO estão de acordo com avaliações globais independentes de ajustamento psicossocial durante o curso da hospitalização em virtude do TMO, sugerindo a utilidade destas como fator que pode prever os riscos dos pacientes para problemas de enfrentamento e adaptação durante o TMO. Gaston-Johanson e cols, (citados por Andrykowski-1994b) verificaram a dor, as estratégias de enfrentamento e aflição psicológica em 17 pacientes adultos que se submeteram a um transplante autólogo. Os dados foram coletados 2 dias antes do transplante e cinco, 10 e 20 dias após o mesmo. Os resultados indicaram que os pacientes tendiam a relatar uma dor persistente e de baixa intensidade, como também uma ansiedade de baixa para moderada durante o período do estudo. Em geral, os pacientes empregaram estratégias de enfrentamento inadequadas e evidenciaram pouca capacidade para controlar a dor. Os autores concluíram que a intensa correspondência entre a aflição e a dor pode criar um ciclo vicioso de estresse que, por sua vez, pode perpetuar e intensificar o sofrimento em um quadro de TMO.

Tschuschke e cols. (1994) observaram também que as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos pacientes são de alto valor prognóstico. Nesta pesquisa, os autores se ocuparam com diferentes questões, mas todas elas girando em torno de um ponto central, a saber: a contribuição de variáveis psíquicas relevantes no enfrentamento de vários tipos de leucemia.

Participaram da pesquisa 36 pacientes adultos que sofriam de leucemia, sendo utilizadas entrevistas semi-estruturadas abrangendo os seguintes conteúdos: o estado de saúde atual (como se sente o paciente); o surgimento da doença (sintomas, dores, a teoria do paciente sobre a gênese da doença); como ele soube do diagnóstico definitivo, a reação emocional em relação ao mesmo; os tratamentos feitos até então (quimioterapia, irradiação, TMO anterior); mudanças na família e na vida profissional em virtude da doença; a decisão de se submeter a um TMO (o processo da decisão); a procura e a escolha de um doador; os medos e fantasias em relação ao tratamento ao qual seria submetido, como a irradiação, a quimioterapia de alta dosagem e o isolamento; os contatos sociais e apoios (família, parentes, amigos, colegas e outros elementos da vida social); a confiança em relação à equipe hospitalar e medos em relação ao futuro, a médio e a longo prazo.

As questões foram analisadas de forma integral e sistemática, levando em consideração os 33 tipos de enfrentamento definidos pelo Ulmer Coping Manual (UCM - citado por Tschuschke e cols., 1994).

A fim de se conseguir um dimensionamento mais significativo dos 33 tipos de enfrentamento, foi pedido a quatro avaliadores independentes e treinados com o método e o manual, para fazerem uma avaliação, sobretudo uma avaliação por categoria em relação aos grupos que se mostraram significativos na taxonomia do enfrentamento. Os grupos e categorias do UCM são: A) Aceitação Passiva/Resignação, que abrange seis categorias a saber: evitar de forma ativa, esperar, resignação/falta de esperança, estoicismo/fatalismo, afastamento social, reclamar/ cismar; B) Distrair-se da doença, envolvendo sete categorias: atividade de distração, distração cognitiva, compensação, fantasias positivas, controle da irritação, pensamentos de desejo, satisfação do desejo; C) Estruturação cognitiva, abrangendo também sete categorias: antecipação, atribuição, humor, dar uma outra interpretação positiva, análise do problema, relativizar, dar um significado; D) Contactos sociais, envolvendo quatro categorias: altruísmo, apoio emocional, distração social, aprender um modelo; E) Colaboração, envolvendo também quatro categorias: colaboração ativa, procura por informações, aceitação/formação de compromisso, colaboração ativa; e finalmente, F) Atitude de luta, que abrange cinco categorias, a saber: iniciativa própria, otimismo/esperança, autocontrole, autovalorização, rebelião.

Ao considerarem as condições de enfrentamento, isto é, a maneira de se lidar e discutir a doença e o tratamento ameaçador no quadro do TMO, antes da intervenção, os autores observaram que os 36 pacientes entrevistados se caracterizaram, na média, por uma alta atitude de luta, uma atitude de cooperação, igualmente elevada também um alto grau de contato social. Estas estratégias prevaleceram sobre as outras. Os autores observaram, ainda, que houve diferenças significativas, entre os 5 estilos de enfrentamento e a distração da doença. A aceitação passiva/resignação, por sua vez, foi significativamente mais baixa que os contatos sociais, que a cooperação e que a atitude de luta. Como um grupo total (isto é, sem a divisão entre sobreviventes e não-sobreviventes) os pacientes que participaram no estudo mostraram um tipo de enfrentamento mais dinâmico e voltado para a doença com pouca resignação.

Entretanto, se os grupos forem considerados à parte, os não-sobreviventes mostram uma aceitação passiva/resignação estatisticamente mais significativa que o grupo de sobreviventes, ou seja, os autores constataram já antes da realização do TMO (e assim, antes do decurso ulterior da reabilitação e da doença e também antes de complicações futuras), uma diferença considerável na escala aceitação passiva/ resignação no comportamento de enfrentamento.

A variável prognóstico hematológico antes do TMO apresenta um quadro similar. Também aqui, os autores encontraram somente na escala aceitação passiva/resignação uma diferença fortemente significativa entre os pacientes com risco hematológico alto e pacientes com um risco considerado normal. Desse modo, os autores chamam a atenção para a necessidade de se considerar, no tempo de sobrevida pós-TMO, uma possível relação entre os esforços de enfrentamento e o tempo de sobrevivência. Enfatizam que a aceitação passiva/resignação ( categoria A) é -antes do TMO e assim, antes de todas as medidas de tratamento - um fator de prognóstico no que concerne ao tempo de sobrevivência. Desse modo, um alto grau de aceitação passiva/resignação está ligado intimamente com um prognóstico hematológico negativo. A associação entre um esforço de enfrentamento resignativo com um diagnóstico pouco favorável indica a existência de um enfrentamento dependente do prognóstico e que se manifesta especialmente ligado com a idade, uma vez que nesse estudo, os pacientes mais jovens se mostraram mais resignados em relação a um prognóstico negativo que pacientes mais velhos. Fatores específicos ligados ao sexo agem mais no campo do apoio social. As mulheres mostram um esforço de enfrentamento maior em relação à necessidade de apoio social, isto é, contatos sociais ( categoria D), que os homens no período antes do TMO. Entretanto, este fator, na amostra do estudo citado, não teve relação com o prognóstico.

Os autores observaram, ainda, que uma atitude de luta e cooperação foi tão forte em pacientes que não sobreviveram quanto naqueles que sobreviveram, com a diferença que os primeiros mostravam também um alto grau de resignação. De acordo com a visão dos autores, isto pode significar que os não-sobreviventes, no íntimo, consideravam o tratamento com ambivalência: aparentemente, eles mostravam uma atitude positiva, isto é, cooperavam, lutavam, mas no fundo não acreditavam na possibilidade de sucesso, mostrando assim uma clara resignação com a situação. Os resultados em relação ao comportamento de enfrentamento mostram uma situação psicológica mais agravada nestes pacientes, especialmente nos mais jovens. Nesse sentido, os autores enfatizam que o consentimento informado (Informed Consent) antes do TMO, tem uma grande importância e alcance no tratamento posterior. Desta maneira, é de suma importância a questão da ajuda psicológica e psicológica-terapêutica complementar durante o consentimento e no período seguinte.

Os autores enfatizam, ainda, que no estudo citado, foi possível identificar características no campo psicológico que podem distinguir sobreviventes e não-sobreviventes mesmo antes de se adotarem as medidas de tratamento. Assim, o período anterior ao TMO mostra-se de grande importância, visto que uma atitude de resignação está ligada com as chances de prognóstico, e na qual a idade parece ter um papel importante. Jovens pacientes com um diagnóstico não favorável se deixam levar mais facilmente por uma atitude de resignação que pacientes mais velhos e agindo assim, ao que parece, eles diminuem as chances de sobrevivência. Nesse sentido, os dados sugerem que um enfrentamento inadequado, como o resignativo e passivo, pode ter um efeito negativo em pacientes que foram submetidos a um TMO. Tal efeito pode agir sobre as possibilidades de sobrevivência dos pacientes ou pode agir sobre como o paciente se sente subjetivamente durante o isolamento e a reabilitação ulterior.

Os autores concluem por afirmar que as avaliações dos recursos de enfrentamento foram feitas com um grande número de detalhes e comparativamente, de uma forma mais objetiva, permitindo, deste modo, uma visão quase prospectiva, relativamente válida sobre o decurso ulterior da doença e da reabilitação.

Um estudo realizado por Andrykowski (1994c), teve como foco examinar a relação entre o tempo de sobrevida nos pacientes submetidos ao TMO e as variáveis psicossociais, pesquisadas previamente, a fim de analisar se as mesmas eram preditivas na sobrevida dos mesmos. Participaram desse estudo 42 sujeitos, cujo tempo pós-TMO variava de 0 a 7 meses. Pacientes reportando níveis de ansiedade mais elevados com sua doença evidenciaram uma sobrevida pós-TMO mais curta, ao passo que uma melhor qualidade de vida evidenciou uma tendência a estar associada com uma sobrevida mais longa. Esses resultados são consistentes com outros estudos que também encontraram maior QV como preditor de sobrevida mais longa (Ganz, 1991; Ruckdeschel, 1991;Coates, 1992), reforçando a necessidade de inclusão de medidas prospectivas de QV, em estudos futuros de sobrevida pós-TMO. Os dados indicaram, ainda, que o ajustamento mental do paciente ao câncer também foi preditor da duração da sobrevida. Entretanto, o autor aponta que este foi um estudo inicial, e como tal, encontrou uma relação entre atitude de ansiedade, devida ao câncer, com sobrevida mais curta, enfatizando que esses pacientes, tendem a encarar o TMO como uma provação física, com uma alta taxa de mortalidade, sendo, para muitos deles, sua última chance para a cura. Acrescenta que a literatura (Borysenko, 1982; Jemmott, 1984; Lotzova, 1986) sugere algumas hipóteses a partir das quais a ansiedade pode predizer a sobrevivência em pacientes submetidos a TMO.

Outros dois estudos examinaram os fatores de predição psicossocial em pacientes adultos que sobreviveram ao TMO. No primeiro estudo, Neuser e cols. apud Andrykowski (1994c), solicitaram a 35 adultos que preenchessem o questionário do Personality Research Form no momento de serem admitidos no hospital para o TMO. Os pacientes foram avaliados em quatro fatores de personalidade: 1) Realização-orientação versus representação de papel; 2) Ascendência; 3) Ajuda e educação; 4) Esforço para o reconhecimento e ajuda. As diferenças na sobrevivência após o TMO como uma função destes fatores de personalidade foram analisadas com a ajuda da análise de Kaplan-Meier (citado por Andrykowski,1994c), controlando-se a idade, o tipo de doença e o tipo de TMO. Os pacientes com maior número de pontos no ítem esforço para o reconhecimento e ajuda, tiveram a possibilidade mais alta de sobreviver após o TMO. Os pontos neste ítem provavelmente indicam uma dependência maior em relação a reforços interpessoais. Visto que a cooperação com as recomendações de autocuidado produz o reconhecimento social, os autores sugerem que o aumento da sobrevida nestes pacientes é o resultado de uma melhor cooperação com as recomendações médicas e o tratamento. No segundo estudo, Colon e cols. (conforme citados por Andrykowski - 1994c) passaram em revista as avaliações psiquiátricas feitas antes do TMO, em 100 pacientes adultos que sofriam de leucemia. Foram realizadas avaliações retrospectivas do apoio social, sendo consideradas, também, informações sobre a história psiquiátrica do paciente e de sua família, como também a presença de sintomas psiquiátricos mais salientes no momento da avaliação. As análises de sobrevivência de Kaplan-Meier revelaram que os pacientes com sintomas depressivos ou menos apoio social, no momento da avaliação antes do TMO, tiveram um índice de sobrevivência menor, após a TMO. Análises lineares indicaram que humores depressivos, apoio social e o estágio da doença no momento do TMO (primeira remissão versus outra) foram independentes de previsão sobre a possibilidade de se sobreviver um ano. Os autores especulam que humores depressivos e um baixo apoio social podem afetar a sobrevivência, diminuindo a probabilidade dos pacientes em cooperar adequadamente com as exigências do regime de autocuidado após o TMO.

Bush e cols. (1995), após revisão da literatura, observaram que as pesquisas mostram uma visão relativamente encorajadora de recuperação, indicando que uma subpopulação continua a experienciar complicações físicas e psicológicas. Entretanto, chamam a atenção para o fato de a maioria desses estudos não estenderem suas avaliações por mais de quatro anos pós-TMO e tipicamente envolverem amostras pequenas e estudos limitados, apoiando-se em medidas de QV genéricas com pouca relação, com fatores específicos do tratamento ou doença. Enfatiza que seu estudo é único em examinar uma ampla amostra de pacientes com uma sobrevida média de 10 anos pós-TMO, podendo estes serem considerados curados de sua doença primária e estáveis, funcional e psicologicamente. Tal estudo foi designado como uma pesquisa descritiva com a definição consensual de QV, composta por quatro áreas: a) funcionamento físico; b) funcionamento psicológico; c) funcionamento social e d) sintomas do tratamento/doença. Dos 423 sujeitos que estavam vivos na época da análise, 195 preencheram os critérios de inclusão - tempo mínimo de seis anos pós-transplante; ter, no mínimo, 18 anos na época em que foi realizado o TMO e não estar em recaída da doença primária - no entanto apenas 125 foram confirmados para o estudo. Bush e cols. (1995) desenvolveram sete instrumentos abrangendo as quatro áreas definidas acima: 1) "Disease, Treatment and Biodemographic Predictors "- inclui 26 itens, abrangendo questões relativas a salário, emprego, seguro de saúde, e questões padronizadas sobre idade, religião, estado civil, etc.; 2) "European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORCT)" - é um instrumento utilizado em pacientes com câncer, contendo seis escalas de funcionamento: funcionamento físico, social, emocional, cognitivo, desempenho de papéis, estado global de saúde e qualidade de vida; 3) "Late Complications of Bone Marrow Transplantation (BMT) Module" -o módulo foi desenvolvido pelo autor, sendo composto por 50 itens classificados por: Pele, Olhos, Boca/Esôfago, Articulações/Músculos, Problemas Pulmonares, Sexo, Disfunção Cognitiva, Infecção e Medo de Recaída/ Morte; 4) "Demands of BMT Recovery Inventory (DBMT)" - o instrumento quantifica o número e intensidade de demandas ou necessidades associadas com a recuperação a longo-prazo através de cinco dimensões: significado pessoal, relacionamentos sociais, auto-imagem, sintomas e tratamento. Embora as áreas social, psicológica e sintomatológica sejam indiretamente medidas, o instrumento abrange áreas mínimas a fim de medir aspectos mais qualitativos de recuperação. São ao todo 59 itens; 5) "Profile of Mood States (POMS)" - é composto de 65 itens que medem humor e distúrbio psicológico ao longo de seis dimensões: Tensão-Ansiedade, Depressão-Melancolia, Raiva-Hostilidade, Energia-Atividade, Fadiga-Inércia, Confusão-Desorientação; 6) "Ware Health Perceptions Questionnaire (WHPQ) " - contém 32 itens medindo seis dimensões: Saúde Atual, Saúde Anterior, Perspectiva de Saúde, Preocupação com a Saúde, Resistência-Vulnerabilidade e Rejeição do Papel de Doente; 7) "Long-Term BMT Recovery Questionnaire" - é composto por nove questões abertas, criadas pelos autores a fim de se obter informações sobre o restabelecimento da vida diária pós-TMO, demandas de recuperação, estratégias de enfrentamento, limitações impostas pelo TMO, problemas atuais de saúde, QV e preocupações sobre o futuro.

No EORTC e no "Late Complications of Bone Marrow Transplantation Module", as taxas de mais alta incidência foram: disfunção emocional, fadiga, problemas oculares, distúrbios de sono, dor, disfunção cognitiva, medo de recaída/morte, desconforto nas articulações e músculos. Nesses termos não houve diferença significativa entre homens e mulheres, com três exceções - os homens reportaram maiores problemas na boca/esôfago e maiores problemas pulmonares do que as mulheres, apresentando, ainda, mais perda de cabelo.

Com relação ao funcionamento sexual, 27% afirmaram estar insatisfeitos com sua aparência comparada ao que era antes do TMO. 36% estavam insatisfeitos com seu interesse sexual e disponibilidade para compartilhar intimidade. 23% dos homens e 32% das mulheres revelaram que não tinham problemas físicos que pudessem reduzir sua satisfação sexual. Apesar da alta incidência de alguns sintomas, 80% avaliaram sua QV global como boa-excelente, e 77% avaliaram seu estado global de saúde física como bom-excelente. Apenas 5% avaliaram ambos como pobre. O "Long-Term BMT Recovery Questionnaire" permitiu confirmar tais dados. Quando solicitados a compararem sua QV atual com a anterior (pré-TMO), 74% disseram que sua QV atual é a mesma ou melhor que antes e 88% disseram que os benefícios do transplante compensaram os efeitos colaterais.

No DBMT, 96% indicaram que as pessoas dão menos suporte com o passar do tempo e essa demanda foi a que mostrou causar mais sofrimento na sobrevida a longo-prazo. 90% indicaram que continuam a pensar sobre o valor de suas vidas, bem como em suas prioridades. A auto-imagem apareceu como uma preocupação, com 90% reportando alguma insatisfação com sua aparência física e 77% indicando o quê pensam sobre sua atração sexual.

No POMS os pacientes de TMO mostraram menos tensão, fadiga, confusão e estresse quando comparados com amostra de pacientes adultos com câncer ou universitários. Essa amostra de 125 adultos com média de 10 anos de sobrevida, foi ainda comparada com dados publicados de uma amostra de 16 adultos que tinham sobrevivido uma média de 4,3 anos pós-TMO (Andrykowski, 1989). Os sobreviventes de 10 anos reportaram menos tensão, fadiga, confusão e stress psicológico do que sobreviventes vivendo pela metade do tempo. Embora com diferença não-significativa, os sobreviventes de dez anos também demonstraram menos depressão e raiva, e mais vigor do que os sobreviventes a curto-prazo.

No WHPQ foi possível observar que homens e mulheres têm essencialmente as mesmas percepções sobre sua saúde, com uma exceção - ao contrário dos homens, as mulheres percebem sua saúde atual como melhor. Os pacientes de TMO percebiam sua saúde anterior como pior, sentiam-se mais suscetíveis à doença e mais preocupados com sua saúde do que a população geral. Entretanto, os pacientes de TMO estão mais inclinados a rejeitarem um papel de doente do que a população geral. Somente seis dos 125 pacientes avaliaram sua QV global e seu estado de saúde como pobres. O exame dos dados sugere que esta minoria experimentou sintomas e dificuldades relativamente graves a longo-prazo. Notou-se incidência mais alta, entre 80-100%, de dor generalizada, disfunção social e emocional, disfunção cognitiva e problemas oculares. Foram reveladas também, através dos arquivos médicos, algumas complicações clínicas a longo-prazo, incluindo toxicidades de GVHD crônico prolongado como, osteoporose, contrações, dor muscular, neuropatia e fadiga. Também houve casos evidentes de cataratas, perda da audição, disfunção sexual, e deficiência nas funções pulmonar e renal.

Interessante notar que nenhum dos resultados variou significativamente em função de variáveis biodemográficas, doença ou tratamento, ou seja, não houve diferença significativa quanto ao tipo de doença (maligna X não-maligna), tipo de TMO, ou regime de condicionamento.As únicas variáveis biodemográficas que foram significativamente correlacionadas com resultados de QV, foram idade na época do transplante e tempo pós-TMO. Pacientes com história de GVHD crônico tinham sido transplantados há muito mais tempo do que pacientes sem GVHD crônico. Surpreendentemente, aqueles reportaram mais satisfação com seu tratamento atual e com a evolução de sua recuperação, acreditando que seus problemas de saúde possam ser adequadamente manejados, do que pacientes livres de GVHD crônico.

Os autores concluem afirmando que, longe de serem uma carga improdutiva ou disfuncional na sociedade, mais de 90% dos sujeitos estavam conduzindo suas vidas com significado, com uma média de 10 anos pós-TMO. Praticamente todos tinham retornado à escola ou ao trabalho, sendo que 86% indicaram pouco ou nenhum medo de recaída. Não houve evidência de deterioração de QV com o passsar do tempo pós-transplante, pois a vida aos 16 anos pós-TMO se mostrou tão rica e satisfatória quanto a vida aos oito anos pós-TMO. Como um todo, os dados da pesquisa indicam que a incidência de algumas limitações na QV, especialmente sintomas físicos, estresse psicológico e demandas de recuperação, ainda se encontra relativamente alta numa média de 10 anos pós-transplante. Entretanto, os dados indicam também que a intensidade ou grau do estresse atribuído a tais complicações foi, para a maioria dos sujeitos, consistentemente baixa. Os mesmos pareceram considerar as complicações a longo-prazo mais como uma irritação habitual da vida diária do que como um ônus ou debilidade.

Em nosso meio, Mercadante (1993), estudando as relações psicológicas de pacientes atendidos no Ambulatório de Pré-Transplante de Medula Óssea do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (HCFM) de São Paulo- USP, através do procedimento de desenhos-estórias, observou na produção dos pacientes a presença de marcada ansiedade e depressão, e predominância da temática morte na expressão gráfica. Almeida (1998), utilizando-se de entrevistas, escalas e técnicas projetivas, avaliou pacientes adultos que se submeteram ao TMO no HCFM de Ribeirão Preto - USP. Nesse estudo, a análise das técnicas separadamente e a integração dos dados sob a forma de estudos de caso, sugeriram que o nível de adaptação pós-TMO guarda relações com o padrão prévio adaptativo, indicando que frente ao impacto do TMO as defesas com base na inibição e restrição tendem a ser exacerbadas como forma de ajustamento psicossocial.

Comentários Finais

À medida em que o TMO passou de uma terapia experimental para uma terapia convencional, houve uma evolução dos tipos de pesquisas conduzidas nesse âmbito. Embora o foco primário destas pesquisas sejam os aspectos biomédicos do TMO, o interesse em relação aos seus aspectos psicossociais tem crescido consideravelmente. É importante salientar que a revisão bibliográfica, ora apresentada, aponta de modo consensual para o TMO como um procedimento terapêutico invasivo de alta tecnologia, que pelas suas peculiaridades implica em hospitalização prolongada, extrema dependência da equipe hospitalar, efeitos colaterais físicos relacionados ao tratamento, estando associado a uma série de estressores psicológicos e físicos, incluindo isolamento, flutuações no estado clínico, risco de infecções e, consequentemente, a possibilidade de morte. Assim, os pacientes de TMO enfrentam uma situação de risco podendo evidenciar uma grande variedade de respostas emocionais e comportamentais induzidas pelo estresse que afetam diretamente a qualidade de vida.

A análise crítica da literatura sugere que os instrumentos desenvolvidos para avaliar a capacidade adaptativa e identificar os potenciais preditores de ajustamento permitiram ampliar a compreensão do impacto psicossocial causado pelo TMO. Não obstante, é possível notar que a maioria das pesquisas realizadas sobre a qualidade de vida pós-TMO tem utilizado como instrumentos de avaliação de grupos extensos de sujeitos, escalas, questionários e entrevistas, apontando para padrões adaptativos gerais, deixando como questionamento as condições individuais dos sujeitos como recurso de enfrentamento das situações envolvidas no pós-TMO. Além disso, a maioria dos estudos apontam para a necessidade de pesquisas longitudinais e prospectivas que possibilitem identificar indivíduos em risco no que concerne à capacidade de enfrentamento e adaptação.

Artigo Recebido para publicação em outubro de 1999

Aceito em julho de 2000

Recebeu suporte financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), da Fundação de Auxílio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto.

Este trabalho faz parte da Dissertação de Mestrado, intitulada: "Avaliação Psicológica e Qualidade de Vida de Pacientes Submetidos ao Transplante de Medula Óssea".

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  • Endereço para correspondência:
    Sonia Regina Loureiro
    Departamento de Neurologia
    Psiquiatria e Psicologia Médica da FMRP
    Avenida 9 de Julho, 980
    Cep 14025-000 - Ribeirão Preto - São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 1999

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2000
    • Recebido
      Out 1999
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av.Bandeirantes 3900 - Monte Alegre, 14040-901 Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 16) 3315-3829 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
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