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Violência por Parceiro Íntimo Entre Homens que se Relacionam com Homens

Intimate Partner Violence Among Men Who Relate with Men

Violencia de Pareja Íntima entre Hombres que Tienen Relaciones con Hombres

Resumo

A violência por parceiro íntimo (VPI) consiste em atos que ameacem causar ou efetivamente causem danos em um parceiro dentro de uma relação afetivo-sexual, independente da configuração ou tempo do relacionamento ou de haver coabitação ou não entre as partes. Nas relações homossexuais, a VPI é invisibilizada de diversas maneiras, mesmo sendo reconhecida como uma grave violação de direitos humanos. O estudo objetivou compreender os significados da VPI para um grupo de homens que se relacionam com homens (HRH). Participaram da pesquisa oito HRH, selecionados através da técnica “bola de neve”, utilizada devido à sensibilidade do tema, considerando os estigmas de ser HRH. Os dados foram obtidos através de entrevista semiestruturada e foram analisados pela Análise Temática. Como resultados, foram construídas seis categorias: 1º) O armário; 2º) Homofobia 3º) Racismo, poder e vulnerabilidade a VPI; 4º) Sexualidade; 5º) Infidelidade; 6º) HIV, que discutem a interseccionalidade de diversas formas de opressão na produção de VPI entre HRH. Conclui-se que a VPI vivenciada por esse grupo é influenciada por diversos fatores que envolvem a interseccionalidade de vários marcadores sociais, como os estereótipos de masculinidade em relação a hipersexualização e infidelidade, a homofobia como fator direto do estresse minoritário, o racismo que hierarquiza os corpos e invisibiliza o afeto de homens negros, e o estigma de HIV no imaginário social.

Palavras-chave:
Homens que se Relacionam com Homens; Violência por Parceiro Íntimo; Masculinidades; Relação de Poder; Estresse Minoritário

Abstract

Intimate partner violence (IPV) consists of acts that threaten to harm or actually harm to a partner within an affective-sexual relationship, regardless of the configuration or duration of the relationship or whether or not there is cohabitation between the parties. In homosexual relationships, IPV is made invisible in several ways, even though it is recognized as a serious violation of human rights. The study aimed to understand the meanings of IPV for a group of men in same sex relationships (MSSR). Eight MSSR participated in the research, selected by snowball sampling, used due to the topic’s sensitivity, considering the stigmas involved in being MSSR. Data were constructed via semi-structured interviews and analyzed using Thematic Analysis. As a result, six categories were constructed: 1) The closet persons; 2) Homophobia; 3) Racism, power, and vulnerability to IPV; 4) Sexuality; 5) Infidelity; 6) HIV, which discuss the intersectionality of various forms of oppression in the production of IPV among MSSR. Thus, the IPV experienced by this group is influenced by several factors that involve the intersectionality between different social markers, such as stereotypes of masculinity in relation to hypersexualization and infidelity, homophobia as a direct factor of minority stress, the racism that hierarchizes bodies and makes the affection of Black men and the stigma of HIV invisible in the social imaginary.

Keywords:
Men Who Relate With Men; Intimate Partner Violence; Masculinities; Power Relationship; Minority Stress

Resumen

La violencia de pareja (VP) consiste en actos que amenazan con causar o de hecho causan daño a una pareja dentro de una relación afectivo-sexual, independientemente de la configuración o duración de la relación o de si existe o no cohabitación entre las partes. En las relaciones homosexuales, la VP se invisibiliza de varias formas, a pesar de que se reconoce como una grave violación de los derechos humanos. Este estudio tuvo como objetivo comprender los significados de VP para un grupo de hombres que se relacionan con hombres (HRH). Ocho HRH participaron de la investigación, seleccionados mediante la técnica de “bola de nieve”, utilizada debido a la sensibilidad del tema, considerando los estigmas de ser HRH. Los datos se construyeron mediante entrevistas semiestructuradas y se sometieron a análisis temático. Como resultado se construyeron seis categorías: 1.ª) El armario; 2.º) Homofobia; 3.º) Racismo, poder y vulnerabilidad a la VP; 4.º) Sexualidad; 5.º) Infidelidad; 6.ª) HIV; que discuten la interseccionalidad de diferentes formas de opresión en la producción de VP entre HRH. Se concluye que la VP vivida por este grupo está influida por varios factores que involucran la interseccionalidad entre distintos marcadores sociales, como los estereotipos de masculinidad en relación con la hipersexualización y la infidelidad, la homofobia como factor directo de estrés minoritario, el racismo que jerarquiza cuerpos e invisibiliza en el imaginario social el afecto de los hombres negros y el estigma del HIV en el imaginario social.

Palabras clave:
Hombres que Tienen Relaciones con Hombres; Violencia de Pareja; Masculinidades; Relación de Poder; Estrés de las Minorías

Introdução

A violência por parceiro íntimo (VPI) consiste em qualquer ato de violência que cause danos em uma relação íntima independente das características da relação, durante ou pós-relacionamento (Garcia & Silva, 2018Garcia, L. P., & Silva, G. D. M. (2018). Violência por parceiro íntimo: Perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cadernos de Saúde Pública , 34(4), 1-12. https://doi.org/10.1590/0102-311X00062317
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). Nesse sentido, abordarei a VPI entre homens que se relacionam com homens (HRH). Opto por essa terminologia para fugir de reducionismos que envolvem relacionamentos íntimos dissidentes da heterossexualidade. Assim, considero não somente a prática sexual (como comumente se observa com o termo “homem que faz sexo com homem” - HSH), mas o entrelaçamento dos parceiros a partir de vínculos sexuais, afetivos e socioculturais e incluo HRH independentemente de sua orientação sexual (Mora et al., 2018Mora, C., Brigeiro, M., & Monteiro, S. (2018). A testagem do HIV entre “HSH”: Tecnologias de prevenção, moralidade sexual e autovigilância sorológica. Physis, 28(2), Artigo e280204. https://doi.org/10.1590/S0103-73312018280204
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).

Neste estudo, é reconhecida uma pluralidade nas formas de “ser/estar homem” a depender de contextos sociais e históricos. Abdico da ideia de uma suposta “crise de masculinidade” por entender que para ter entrado em crise, deveria existir uma masculinidade padrão, que entrou em ruptura e precisaria ser reconstruída para voltar a “normalidade” (Silva, 2006Silva, S. G. (2006). A crise da masculinidade: Uma crítica à identidade de gênero e à literatura masculinista. Psicologia, Ciência e Profissão, 26(1), 118-131. https://doi.org/10.1590/S1414-98932006000100011
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). A visão sobre gênero aqui adotada corrobora a de Butler (2003Butler, J. (2003). Problemas de gênero: Feminismo e a subversão da identidade. Civilização Brasileira.), que explica que este supera a impressão dos signos sociais sobre as características biológicas. Antes, o gênero faz as características biológicas e, assim, mesmo o dito “biológico” também é socialmente estruturado. Essa estruturação se dá pela performatividade, uma forma de repetição de significados sobre masculinidade e/ou feminilidade que tem um efeito social de nos tornar homens ou mulheres.

A VPI ocorre no contexto de uma relação íntima, que consiste no contato afetivo-sexual entre os sujeitos. Elas podem ser duradouras ou não (Alves-Silva et al., 2016Alves-Silva, J. D., Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2016). Conjugalidade e casamentos de longa duração na literatura científica. Contextos Clínicos, 9(1), 32-50. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cclin/v9n1/v9n1a04.pdf
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). Podem ocorrer desde um contato sexual “sem compromisso” de continuidade e podem chegar até vínculos duradouros com modificações sociais na vida dos parceiros, geralmente sendo norteadas pela monogamia (Souza et al., 2020Souza, D. C., Silva, I. R., & Honorato, E. J. S. (2020). Violência na intimidade de jovens: Reflexões a luz da literatura. Interfaces Científicas: Humanas e Sociais, 8(3), 37-50. https://doi.org/10.17564/2316-3801.2020v8n3p37-50
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), que se tornou norma, a chamada mononormatividade. Porto (2018Porto, D. (2018). Mononormatividade, intimidade e cidadania. Direito GV, 14(2), 654-681. https://doi.org/10.1590/2317-6172201825
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) explica a mononormatividade como a imposição da monogamia como compulsória, explicitada na cultura, aparentando ser um sistema “onipresente” e natural para relacionamentos conjugais na esfera pública, que detém privilégios aos que se adequam a ela (como acesso a direitos, bens ou uma “superioridade social” em relação às outras formas de relacionamentos).

Já os relacionamentos entre pessoas do mesmo gênero se encontram em um contexto de estresse minoritário, que diz respeito ao excesso de estresse ao qual indivíduos de categorias sociais estigmatizadas são expostos como resultado de sua posição minoritária (Meyer, 2003Meyer, I. H. (2003). Prejudice, social stress, and mental health in lesbian, gay, and bisexual populations: Conceptual issues and research evidence. Psychological Bulletin, 129(5), 674-697. https://dx.doi.org/10.1037%2F0033-2909.129.5.674
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). Apesar de sempre existirem, as relações entre pessoas do mesmo gênero só foram reconhecidas pelo poder público no Brasil em 2011, quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homossexual como entidade familiar. Mesmo assim, homossexuais ainda enfrentam barreiras sociais para o reconhecimento e efetivação do vínculo social de suas relações íntimas perante o Estado.

Cezario et al. (2015Cezario, A. C. F., Fonseca, D. S., Lopes, N. C., & Lourenço, L. M. (2015). Violência entre parceiros íntimos: Uma comparação dos índices em relacionamentos hetero e homossexuais. Temas em psicologia, 23(3), 565-575. http://dx.doi.org/10.9788/TP2015.3-04
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) explicam que as pesquisas sobre VPI focam em relacionamentos heterossexuais. Comparativamente, estudos de VPI homossexual são bem menos expressivos. Além disso, de acordo com Chong et al. (2013Chong, E. S. K., Mak, W. W. S., & Kwong, M. M. F. (2013). Risk and protective factors of same-sex intimate partner violence in Hong Kong. Journal of Interpersonal Violence, 28(7), 1476-1497. https://doi.org/10.1177%2F0886260512468229
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), discriminações homofóbicas aliadas aos estereótipos advindos das categorias de gênero, podem gerar mitos sobre a VPI entre parceiros do mesmo gênero, como a percepção de que homens não podem ser vítimas na intimidade ou que os parceiros homossexuais conseguem deixar o ciclo de violência de forma mais fácil, já que seriam promíscuos. Isso pode minimizar a gravidade da VPI em uma relação homossexual e dificultar ou mesmo impedir que essas pessoas reconheçam e denunciem a violência em relacionamentos abusivos.

De acordo com Souza et al. (2022Souza, D. C., Silva, I. R., & Honorato, E. J. S. (2022). Relaciones abusivas: Significaciones atribuidas por jóvenes universitarios de Manaos. Última Década, 30(58), 226-256. https://ultimadecada.uchile.cl/index.php/UD/article/view/67288
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), um relacionamento abusivo é aquele em que há a presença de várias formas de violência de maneira naturalizada, cotidiana e institucionalizada, sendo permeado, por exemplo, pelo excesso de controle que um parceiro tenta exercer sobre o outro. Entendendo a complexidade da questão, podemos compreender a VPI como sendo exercida em uma relação de poder. De acordo com Foucault (2021Foucault, M. (2021). Microfísica do poder. Paz & Terra.), o poder é exercido de maneira microssocial, ou seja, nas relações entre as pessoas, e se estabelece por meio da disciplina, como um conjunto de relações que produz assimetrias, como opressor-oprimido. No caso da VPI, podemos compreender que as relações de poder aqui podem se basear em assimetrias de gênero, raça, classe e outras categorias sociais que produzem subjetividade.

Avançando na discussão, de acordo com Stephenson & Finneran (2016Stephenson, R., & Finneran, C. (2016). Minority stress and intimate partner violence among gay and bisexual men in Atlanta. American Journal of Men’s Health, 11(4), 952-961. https://doi.org/10.1177/1557988316677506
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), HRH podem experimentar taxas de abuso semelhantes às das mulheres heterossexuais. Na pesquisa de Stephenson et al. (2014Stephenson, R., Hast, M., Finneran, C., & Sineath, C. R. (2014). Intimate partner, familial and community violence among men who have sex with men in Namibia. Culture, Health & Sexuality , 16(5), 473-487. https://doi.org/10.1080/13691058.2014.889753
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), as experiências de VPI foram generalizadas entre todos os 52 HRH participantes. Já Strasser et al. (2012Strasser, S., Smith, M., Pendrick-Denney, D., Boos-Beddington, S., Chen, K., & McCarty, F. (2012). Feasibility study of social media to reduce intimate partner violence among gay men in metro Atlanta, Georgia. Western Journal of Emergency Medicine, 13(3), 298-304. https://dx.doi.org/10.5811%2Fwestjem.2012.3.11783
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) explicam que HRH têm duas vezes mais probabilidade de sofrer abuso do que os homens em relacionamentos heterossexuais e a experiência de VPI parece normalizada entre HRH, sendo o que se espera ao entrar em um relacionamento íntimo com outro homem. Edwards et al. (2015Edwards, K. M., Sylaska, K. M., Barry, J. E., Moynihan, M. M., Banyard, V. L., Cohn, E. S., Walsh, W. A., & Ward, S. K. (2015). Physical dating violence, sexual violence, and unwanted pursuit victimization: A comparison of incidence rates among sexual-minority and heterosexual college students. Journal of Interpersonal Violence , 30(4), 580-600. https://doi.org/10.1177/0886260514535260
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) sugeriram ainda que HRH podem apresentar taxas significativas de vitimação sexual em relacionamentos e isso é especialmente problemático no contexto da HIV/aids, pois, de acordo com White & Stephenson (2014White, D., & Stephenson, R. (2014). Correlates of Perceived HIV Prevalence and Associations with HIV Testing Behavior Among Men Who Have Sex with Men in the United States. American Journal of Men’s Health , 10(2), 90-99. https://doi.org/10.1177/1557988314556672
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), a dinâmica do relacionamento abusivo pode tornar difícil para HRH negociar práticas sexuais mais seguras, como o uso de preservativo. Além do mais, de acordo com Barros et al. (2011Barros, C., Schraiber, L. B., & França-Junior, I. (2011). Associação entre violência por parceiro íntimo contra a mulher e infecção por HIV. Revista de Saúde Pública, 45(2), 365-372. https://doi.org/10.1590/S0034-89102011005000008
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), pessoas em situação de VPI podem ter risco aumentado para infecção por HIV.

No Brasil, em relação à VPI, a Lei nº 11.340/2006Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (2006, 7 de agosto). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
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, conhecida como Lei Maria da Penha (LMP), tipifica a punição da violência contra a mulher em diversas esferas, dentre elas a íntima, mas não cita possibilidade de proteção a HRH vitimados na intimidade. O tema é motivo de discussões no Direito brasileiro e divide opiniões dos juristas. De modo geral, observamos que o enquadre ou não da VPI de HRH na LMP depende da abertura a diversidade de quem opera o direito e a falta de políticas para a VPI homossexual, aliado ao preconceito, faz com que sejam incertos os dados sobre VPI nessas relações. Dessa maneira, pessoas em relacionamentos do mesmo gênero têm muito mais dificuldades de procurar serviços de proteção nesses casos (Stiles-Shields & Carroll, 2014Stiles-Shields, C., & Carroll, R. A. (2014). Same-sex domestic violence: Prevalence, unique aspects, and clinical implications. Journal of Sex & Marital Therapy, 41(6), 636-648. https://doi.org/10.1080/0092623x.2014.958792
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) e no Brasil, esses serviços são inexistentes para HRH, de modo que a violência vivida pode nem chegar a ser denunciada.

Dessa forma, considerando que as relações íntimas são entrelaçadas por contextos e normas sociais, históricas e por atravessamentos políticos e judiciais, o objetivo desta pesquisa foi compreender os significados da VPI para um grupo de HRH em Manaus. Neste estudo, corroboro a compreensão de significados trazida por Souza (2018Souza, D. C. (2018). Relacionamentos abusivos: Significados atribuídos por jovens acadêmicos da UFAM [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. Biblioteca Digital de Teses e Dissertações Ufam. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/6809
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), no qual estes são concepções sociais e históricas compartilhadas por um grupo.

Método

O estudo é qualitativo (Creswell & Creswell, 2021Creswell, J. W., & Creswell, J. D. (2021). Projeto de pesquisa: Métodos qualitativo, quantitativo e misto. Artmed.; González, 2020González, F. E. (2020). Reflexões sobre alguns conceitos da pesquisa qualitativa. Revista Pesquisa Qualitativa, 8(17), 155-183. https://doi.org/10.33361/RPQ.2020.v.8.n.17.322
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) e foi realizado em Manaus, Amazonas. Oito HRH participaram da pesquisa. Foram incluídos HRH (independente de sua orientação sexual) a partir de 18 anos e que vivenciaram VPI de maneira perpetrada ou vitimada em uma relação íntima com outro homem. Excluímos HRH portadores de algum transtorno mental ou neurológico que impedia sua participação. Para respeitar o sigilo dos participantes, os nomeamos de P1 (participante 1) até P8 (participante 8).

Encontramos os participantes através da técnica da bola de neve, onde os indivíduos selecionados para a pesquisa convidam novos participantes. Ela é útil para se estudar populações de difícil acesso (Bockorni & Gomes, 2021Bockorni, B. R. S., & Gomes, A. F. (2021). A amostragem em snowball (bola de neve) em uma pesquisa qualitativa no campo da administração. Revista de Ciências Empresariais da UNIPAR, 22(1), 105-117. https://doi.org/10.25110/receu.v22i1.8346
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), como é o caso dos HRH. A pesquisa foi divulgada nas redes sociais e os interessados entraram em contato com o pesquisador para receber informações. A construção dos dados se deu através da entrevista semiestruturada, onde o pesquisador teve um roteiro a cobrir na interação com o entrevistado (Marconi & Lakatos, 2021Marconi, M. A., & Lakatos, E. M. (2021). Técnicas de pesquisa. Atlas.). Os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) para assinatura. As entrevistas ocorreram em local reservado, que respeitasse o sigilo das informações, sendo previamente acordado entre pesquisador e participante, considerando as regras de distanciamento social por conta da pandemia de covid-19 e tiveram duração em torno de uma hora e foram gravadas mediante a autorização do participante. A construção dos dados ocorreu no mês de agosto de 2020 e foi encerrada quando os objetivos da pesquisa foram atingidos, a partir da saturação dos dados em pesquisa qualitativa (Minayo, 2017Minayo, M. C. S. (2017). Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: Consensos e controvérsias. Revista Pesquisa Qualitativa , 5(7), 1-12. https://editora.sepq.org.br/rpq/article/view/82/59.
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).

Os dados foram analisados a partir da Análise Temática (AT) de Braun & Clarke (2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. http://dx.doi.org/10.1191/1478088706qp063oa
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), que identifica, interpreta e relata padrões, oferecendo uma organização rica em detalhes, sendo composta por 6 fases: 1º) - Familiarização com os dados - a transcrição e revisão; 2º) Geração de códigos, destacando sistematicamente dados relevantes no texto; 3º) - Busca de temas, reunindo os códigos em possíveis temas; 4º) Revisão dos temas - verificação se os potenciais temas se encaixam no escopo do banco de dados; 5º) Definição dos temas - nomeação e refinação dos detalhes de cada tema; e 6º) Produção do relatório - a discussão dos dados. Ao entender a construção contextual e multicausal do conhecimento, aliado a AT, utilizei a interseccionalidade como operador teórico-analítico. Essa diz respeito à interação entre dois ou mais eixos de opressão na experiência do sujeito (Táboas, 2021Táboas, I. D. M. Z. (2021). Apontamentos materialistas à interseccionalidade. Revista Estudos Feministas , 29(1), Artigo e76725. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n176725
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). Dessa maneira, posso refletir sobre as complexidades que envolvem a produção de VPI nessas relações.

Foram seguidas as Resoluções nº 466/2012Conselho Nacional de Saúde. (2012, 12 de dezembro). Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
e 510/2016Conselho Nacional de Saúde. (2016, 7 de abril). Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que norteiam a pesquisa com seres humanos no Brasil. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina sob o código CAAE: 35713920.4.0000.0121 e foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Breve caracterização dos participantes

Dos oito HRH, quatro (P1, P2, P4 e P5) não nasceram no Amazonas, dois sendo naturais de Porto Alegre (RS), um de Belo Horizonte (MG) e outro de Belém (PA). Três deles se mudaram para Manaus em busca de melhores condições de vida, enquanto P4 se mudou para Manaus para morar com seu parceiro, com o qual coabita até hoje, mesmo a relação já tendo acabado. Quatro HRH se autodeclararam brancos e quatro negros. As categorias de raça e etnia aqui discutidas foram designadas de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2013Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2013). Características étnico-raciais da população: Classificação e identidades. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv63405.pdf
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).

O IBGE (2018Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2018). POF: Pesquisa de Orçamentos Familiares. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao/9050-pesquisa-de-orcamentos-familiares.html?=&t=o-que-e
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) divide a população brasileira em cinco classes sociais de acordo com o rendimento familiar em salários-mínimos: a classe E, famílias que recebem até dois salários-mínimos; a classe D, indo de mais de dois até cinco salários; a classe C, indo de mais de cinco até dez salários; a classe B, compreendendo quem ganha mais de dez até vinte salários-mínimos e a classe A, quem recebe mais de vinte salários-mínimos. Nenhum dos participantes atingiu a classe A, suas rendas giram em torno das classes E até a classe B.

Sete participantes se declararam homossexuais e um bissexual. A orientação sexual diz respeito ao envolvimento durável emocional, amoroso e/ou atração sexual por homens, mulheres ou por ambos os sexos. A bissexualidade consiste na atração sexual e/ou envolvimento emocional ou amoroso por pessoas de ambos os sexos e a homossexualidade é a atração sexual e/ou envolvimento emocional ou amoroso por pessoas do mesmo sexo (Zani & Terra, 2019Zani, L. F., & Terra, M. F. (2019). Conhecimentos sobre identidade de gênero e orientação sexual entre graduandos/as de enfermagem. Journal of Health NPEPS, 4(2), 167-179. https://periodicos.unemat.br/index.php/jhnpeps/article/view/3649
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).

Sete participantes se encontravam solteiros no momento da entrevista, um deles (P3) se encontrava em um relacionamento estável. Diante disso, as experiências de VPI relatadas foram de relacionamentos passados e todos eram “assumidos” no momento da entrevista, ou seja, não escondiam sua identidade sexual.

Cinco participantes possuíam o ensino superior completo, um cursava o ensino superior e outro tinha o ensino médio completo. De acordo com o Relatório do Seminário Nacional de Saúde LGBT (Ministério da Saúde, 2015Ministério da Saúde. (2015). Relatório do Seminário Nacional de Saúde LGBT. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_semniario_nacional_saude_lgbt.pdf
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
), homossexuais podem usar a educação como uma forma de fugir do preconceito, o que faz com que essas pessoas busquem mais escolarização que heterossexuais; isso teria como consequência, por exemplo, uma melhor qualificação profissional para alguns sujeitos dessa população. Em relação à identidade de gênero, todos os participantes se declararam cisgêneros. A cisgeneridade corresponde à identificação com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer (Zani & Terra, 2019Zani, L. F., & Terra, M. F. (2019). Conhecimentos sobre identidade de gênero e orientação sexual entre graduandos/as de enfermagem. Journal of Health NPEPS, 4(2), 167-179. https://periodicos.unemat.br/index.php/jhnpeps/article/view/3649
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). Nenhum dos participantes declarou ter alguma deficiência.

Cinco participantes relataram estar desempregados e faziam trabalhos informais para obter renda. As principais atividades eram ser motorista de aplicativo (P8), freelancer de criação de arte e propaganda (P3, P4 e P7) e educação social (P1). Os que tinham ocupação formal correspondiam a áreas da saúde: P6, como médico, P5 como enfermeiro, mas que atuava como coordenador de um abrigo para LGBT em situação de vulnerabilidade e P2 que é professor de ensino básico. Logo abaixo estão discutidas as categorias construídas a partir das entrevistas realizadas.

Resultados e discussão

O armário

O “armário” é um regime de controle da sexualidade caracterizado por um conjunto de normas nem sempre explícitas, mas rigidamente instituídas, que faz do espaço público sinônimo de heterossexualidade, marginalizando ao segredo as relações homossexuais. A permanência no armário tem sido indicada como um fator de risco à saúde mental de HRH a partir dos estressores que pessoas vivenciam para se manterem lá (Coelho & Barros, 2021Coelho, G. G., & Barros, J. H. O. (2021). A “saída do armário” de homens cis gays: Uma revisão sistemática de produções brasileiras. Sociedade em Debate, 27(1), 150-165. https://doi.org/10.47208/sd.v27i1.2826
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).

P8, homossexual, filho de religiosos protestantes, tinha uma convivência familiar baseada em preceitos cristãos. No momento da entrevista, ele tinha sua identidade sexual divulgada, mas no passado, ao “estar no armário”, relatou que um dos episódios de VPI com seu parceiro esteve relacionado a ameaça de exposição de sua orientação sexual a sua família:

foi devido a ele ter foto minhas íntimas e usar essas fotos pra fazer chantagem contra mim, eu o estava devendo e ele dizia que se eu não pagasse, ele ia mostrar aquelas fotos pros meus pais e naquele momento eles não sabiam que eu namorava com ele. Aí eu fiquei atordoado, com muita raiva, dei um soco na cara dele (P8).

Cabe destacar que, no episódio citado, a relação íntima entre os dois já havia se encerrado e P8 viveu uma VPI descrita por Carvalho et al. (2011Carvalho, A. F., Lewis, R. J., Derlega, V. J., Winstead, B. A., & Viggiano, C. (2011). Internalized Sexual Minority Stressors and Same-Sex Intimate Partner Violence. Journal of Family Violence, 26(7), 501-509. https://doi.org/10.1007/s10896-011-9384-2
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) em que ameaças da revelação da identidade sexual são formas de VPI nas relações homossexuais de forte impacto nas vítimas. Não existe algo parecido na heterossexualidade. A apreensão se dá porque as redes de apoio de HRH podem não ser receptivas em relação a sua orientação sexual. Essa VPI pode levar a respostas também violentas na relação, especialmente quando se lida com um parceiro que tem sua identidade sexual revelada e aceita, o que cria uma desigualdade de poder na relação (Woodyatt & Stephenson, 2016Woodyatt, C. R., & Stephenson, R. (2016). Emotional intimate partner violence experienced by men in same-sex relationships. Culture, Health & Sexuality , 18(10), 1137-1149. https://dx.doi.org/10.1080%2F13691058.2016.1175027
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). O ambiente familiar de P8 não era dos mais receptivos a homossexualidade e isso aponta para o que Goldenberg et al. (2016Goldenberg, T., Stephenson, R., Freeland, R., Finneran, C., & Hadley, C. (2016). ”Struggling to be the alpha”: Sources of tension and intimate partner violence in same-sex relationships between men. Culture, Health & Sexuality, 18(8), 875-889. https://doi.org/10.1080/13691058.2016.1144791
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) discutem, ao explicarem que o ambiente hostil em que homossexuais vivem pode colaborar para a VPI em seus relacionamentos devido ao estresse minoritário que reverbera na intimidade. Ainda é possível observar a intersecção entre classe e gênero na produção da VPI nesse caso. Observemos que o motivo da ameaça foi uma dívida de P8 para com seu parceiro, que recorreu à agressividade, como aspecto de performatividade de masculinidade como resposta.

A fala de P8 também aponta para Stiles-Shields & Carroll (2014Stiles-Shields, C., & Carroll, R. A. (2014). Same-sex domestic violence: Prevalence, unique aspects, and clinical implications. Journal of Sex & Marital Therapy, 41(6), 636-648. https://doi.org/10.1080/0092623x.2014.958792
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), quando é discutido que a VPI entre homossexuais funciona como um duplo armário, pois nesse caso, não existe somente o armário da orientação sexual, mas também o da VPI, e ainda pode-se acrescentar um terceiro armário, que seria o da relação amorosa. Se P8 relatasse o ocorrido a sua família, necessariamente também estaria relatando sua orientação sexual, o que representava risco por conta do contexto familiar. Strasser et al. (2012Strasser, S., Smith, M., Pendrick-Denney, D., Boos-Beddington, S., Chen, K., & McCarty, F. (2012). Feasibility study of social media to reduce intimate partner violence among gay men in metro Atlanta, Georgia. Western Journal of Emergency Medicine, 13(3), 298-304. https://dx.doi.org/10.5811%2Fwestjem.2012.3.11783
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) explicam que muitos HRH podem só ter seu parceiro íntimo como fonte de apoio social, o que pode contribuir para a permanência em um relacionamento abusivo, e isso ocorreu na situação de P8, pois mesmo após a situação de VPI descrita, ele permaneceu na relação. Observamos então, a interseccionalidade entre discriminação familiar e o estresse social baseado no armário operando juntos na produção de VPI.

Homofobia

Esse termo é utilizado para definir a violência contra indivíduos que ameacem a hierarquia imposta pela heteronormatividade, sejam eles homossexuais ou não (Souza et al., 2019Souza, D. C., Duque, A. N., Castro, I. G., & Mesquita, I. S. (2019). A produção literária sobre homofobia internalizada. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, 2(1), 192-201. https://doi.org/10.31560/2595-3206.2019.5.9937
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). Sujeitos que rompem com a heteronorma estão expostos a tensões com diversas consequências para sua saúde e relacionamentos (Sobral et al., 2019Sobral, H. S., Silva, M. L. V., & Fernandes, S. C. S. (2019). Homofobia: O que a psicologia brasileira tem a dizer? Revista CES Psicología, 12(3), 20-34. https://doi.org/10.21615/cesp.12.3.2
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). O contexto relatado por P5 nos dá pistas sobre:

quando fomos morar junto, ele entrou pra Marinha . . . ele chegava estressado e jogava tudo em cima de mim . . . começamos a ter brigas muito sérias por causa disso . . . culpa, eu entendia que o pessoal lá era escroto por ele ser gay . . . quando teve uma formatura, eu bati uma foto com ele e ele foi chamado à atenção por essa foto (P5).

As forças armadas apresentam uma série de formas disciplinares enraizadas nas características da masculinidade tradicional. O militar homossexual sofre perseguições e punições (que muitas vezes são simbólicas e camufladas) dentro dessas instituições por conta da sua homossexualidade, seja ela aberta ou não (Brito Júnior, 2019Brito Júnior, J. F. (2019). “Na verdade, eu sobrevivi”: A homossexualidade no Exército Brasileiro. Holos, 3(5), 75-89. https://periodicos.uff.br/hoplos/article/view/41168
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). Pode-se observar a homofobia agindo como forma disciplinar interseccionada com as masculinidades. A situação corrobora o que Connell & Messerschmidt (2013Connell, R. W., & Messerschmidt, J. W. (2013). Masculinidade hegemônica: Repensando o conceito. Estudos Feministas, 21(1), 241-282. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
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) discutem, ao colocarem as masculinidades (supostamente) homossexuais como subordinadas às masculinidades heterossexuais. É possível observar isso na formatura do parceiro de P5, onde uma foto causou uma tentativa de disciplinarização e docilização do seu parceiro.

Racismo

Para Foucault (2004Foucault, M. (2004). Ética, sexualidade e política. Forense Universitária.) o racismo é um elemento constitutivo de biopoder, originário no genocídio colonizador, ligado ao discurso médico, onde haveria corpos “biologicamente” ligados a criminalidade/loucura. Para Kimmel (1998Kimmel, M. S. (1998). A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas. Horizontes Antropológicos, 4(9), 103-117. https://doi.org/10.1590/S0104-71831998000200007
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), as masculinidades estão fundamentadas em relações de poder que também envolvem relações raciais. Observemos P4, homem branco, relatando seu envolvimento com homens negros:

Eu sempre gostei de negros . . . eu não me vi em posição de poder perante a isso e isso é um problema porque eu não me vejo em posição de poder, mas eu estou (P4).

Kimmel (1998Kimmel, M. S. (1998). A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas. Horizontes Antropológicos, 4(9), 103-117. https://doi.org/10.1590/S0104-71831998000200007
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) explica que o poder das masculinidades é frequentemente algo invisível aos homens cuja ordem de gênero é privilegiada em relação àqueles que não são. É possível então, observar que a dinâmica de raça pode auxiliar na estrutura de poder dentro da relação íntima, onde na fala de P4, ele não conseguia observar que a raça estabelecia uma discrepância de poder na intimidade. Ademais, para Connell & Messerschmidt (2013Connell, R. W., & Messerschmidt, J. W. (2013). Masculinidade hegemônica: Repensando o conceito. Estudos Feministas, 21(1), 241-282. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
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), as masculinidades negras estão em posição de marginalização baseada em sua raça, estando vulneráveis a diversas formas de violência, incluindo a VPI. Podemos observar o encontro entre gênero/raça auxiliando na subjetivação da atração sexual de P4, podendo culminar em várias formas de VPI. O próximo tópico nos auxilia nessa compreensão.

Sexualidade

Foucault (2004Foucault, M. (2004). Ética, sexualidade e política. Forense Universitária.) explica que as “verdades” produzidas em relação à sexualidade tornaram-se um problema no Ocidente, uma vez que levaram à repressão e ao seu exercício violento. Essa produção de verdades (dispositivo da sexualidade) justificou a patologização da homossexualidade, a discriminação contra mulheres, negros e outras minorias. Foi desenvolvida no ocidente a “verdade” de que o sexo é um fenômeno com base instintiva. Mas esse dispositivo é historicamente aplicado à sexualidade masculina. Então o ato sexual se torna uma forma de expressão “natural” da necessidade do macho de controlar a fêmea e a noção de que o homem possui impulsos sexuais “insaciáveis” é utilizado para organizar as relações íntimas.

A fala de P5 nos mostra um contexto de violência sexual:

foram umas três vezes, de [a penetração] machucar, e ele me segurar, forçar e continuar até gozar, então foi estupro . . . eu ficava meio paralisado. Quando aconteceu essa situação, depois ele foi pro banheiro como se nada tivesse ocorrido e eu fui junto . . . eu estava paralisado: “Meu Deus a pessoa que amo me abusou”. A gente conversou e eu falei pra ele que ele tinha forçado, foi uma briga sem fim, um escândalo, ele não aceitou e surtou, eu tentei acalmar, ele me segurava e nisso a gente se agrediu fisicamente . . . no fim eu tive que falar que não tinha passado por isso, tive que aceitar a culpa de “não, você não abusou de mim” pra apaziguar a situação (P5).

As violências sexuais são formas de VPI comuns entre HRH, funcionando como uma confirmação da masculinidade daquele que é violento (Newcomb & Mustanski, 2015Newcomb, M. E., & Mustanski, B. (2015). Developmental change in the effects of sexual partner and relationship characteristics on sexual risk behavior in young men who have sex with men. AIDS and Behavior , 20(6), 1284-1294. https://dx.doi.org/10.1007%2Fs10461-015-1046-6
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). O relatado pode ser chamado de estupro conjugal, que é a violência sexual empregada na união afetiva em qualquer instância, praticada pelo seu parceiro, mediante violência física, psicológica ou moral (Barbosa & Tessmann, 2015Barbosa, C., & Tessmann, D. F. (2015). Violência sexual nas relações conjugais e a possibilidade de configurar-se crime de estupro marital. http://www.ienomat.com.br/revistas/judicare_arquivos/journals/1/articles/65/public/65-416-1-PB.pdf
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). No relato, podemos observar a interação entre duas masculinidades descritas por Connell & Messerschmidt (2013Connell, R. W., & Messerschmidt, J. W. (2013). Masculinidade hegemônica: Repensando o conceito. Estudos Feministas, 21(1), 241-282. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
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). P5, por ser um homem negro passivo (o que é penetrado) na relação, precisaria se submeter ao seu parceiro ativo (o que penetra) branco.

O diálogo com o seu parceiro sobre o ocorrido aponta para algo comum nas violências sexuais, que é a culpabilização da vítima. P5 relatou que seu parceiro desconsiderou sua sensação de VPI, e que discutir sobre desencadeou VPI física. A percepção de P5 sobre seu parceiro naquele momento era que ele acreditava não ter feito “nada demais”, pois se você está em uma relação amorosa, é seu dever servir o outro sexualmente. Observamos o dispositivo da sexualidade em ação produzindo verdades através da performatividade de masculinidade, que influencia na socialização masculina para o uso da violência inclusive no ato sexual. É importante ainda que entendamos que a posição passiva na relação sexual é cercada de estigmas, muitas vezes vista de forma inferior e feminilizada (Misse, 2007Misse, M. (2007) O estigma do passivo sexual: Um símbolo de estigma no discurso cotidiano. Booklink; UFRJ.). Esse processo influencia na construção da ideia do “homem gay” e da “bixa”, em que o homem é o masculino e viril, o ativo que penetra, e a bixa é a feminina e passiva (Fry, 1982Fry, P. (1982). Para inglês ver: Identidade e política na cultura brasileira. Zahar.). Dessa forma, observamos a interseccionalidade gênero/raça/posição sexual na produção de VPI sexual.

A fala demonstra como P5 “aceitou” o que vivenciou para que a situação de VPI física se dissipasse e o relacionamento não acabasse. Ter que “aceitar” a violência sexual sofrida para evitar maiores retaliações é uma experiência comumente relatada por pessoas assim vitimizadas (Costa et al. 2020Costa, S. F., Taquette, S. R., Moraes, C. L., Souza, L. M. B. M., & Moura, M. P. (2020). Contradições acerca da violência sexual na percepção de adolescentes e sua desconexão da lei que tipifica o “estupro de vulnerável”. Cadernos de Saúde Pública, 36(11), 1-13. https://doi.org/10.1590/0102-311X00218019
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).

P5 continua nos dando pistas sobre VPI sexual entre HRH:

tem essa percepção de estimular que o sexo seja agressivo, de o ativo machucar a pessoa, o sexo forte não necessariamente é um sexo mais prazeroso. Isso pode ser relacionado a pornografia e muitas vezes tá ligado a abuso, do cara pegar o passivo e dar na cara dele. . . você acaba crescendo com a ideia de que tem que ser igual a esse passivo, submisso, que apanha e que só assim terá prazer e o ativo é violento (P5).

A pornografia é o exercício sexual que foge aos padrões da sexualidade moralmente aceitas e objetiva a obtenção de prazer por meio da atividade sexual representada (Borges & Tilio, 2019Borges, M. T., & Tilio, R. (2019). Consumo de pornografia midiática e masculinidade. Revista Periódicus, 10(1), 402-426. https://doi.org/10.9771/peri.v1i10.25851
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). Córdoba & Ibarra-Casals (2020Córdoba, M. G., & Ibarra-Casals, D. (2020). Pornografia e masculinidades em tempos de COVID-19. Subjetividade e Processos Cognitivos, 24(2), 178-197. http://dspace.uces.edu.ar:8180/xmlui/handle/123456789/5712
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) explicam que a violência sexual estimulada pela pornografia se relaciona com a autoafirmação da identidade masculina, performatizada no predatismo sexual, sendo por meio da pornografia violenta que homens aprendem suas referências sexuais e as performatizam em suas relações. A pornografia enquanto dispositivo da sexualidade ocupa espaço significativo na produção e circulação de valores, modelos de corpos e comportamentos, influenciando no modo como o sujeito se percebe na relação com o outro (Foucault, 2004Foucault, M. (2004). Ética, sexualidade e política. Forense Universitária.).

Esse processo de subjetivação pode ser observado na fala de P3:

a gente fica se hipersexualizando o tempo todo, a gente hipersexualiza o pau grande, o homem bombado, por que a gente tá falando de corpo e órgãos genitais vistos na pornografia.

A reflexão de P3, ao trazer a hiper sexualização pode apontar para o reforço da masculinidade hegemônica, já que de acordo com Connell & Messerschmidt (2013Connell, R. W., & Messerschmidt, J. W. (2013). Masculinidade hegemônica: Repensando o conceito. Estudos Feministas, 21(1), 241-282. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
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) essa masculinidade precisa ser o tempo todo confirmada (performatizada) para que não saia de sua posição hegemônica. O “pau grande” e o “homem bombado” ganham significados de gênero que aproxima o homem de padrão social estipulado pela masculinidade tradicional.

P8 traz outro aspecto da sexualidade de HRH e sua relação com a VPI:

Decidimos abrir a relação, a gente tava num barzinho e eu fiquei com um amigo dele, a gente tava bebendo e ele tava ficando com um menino também. Fomos com um casal pra fazer [sexo] e lá ele tava muito estranho e quando eu toquei nele, ele me deu um empurrão e eu não entendi e aí quando a gente deixou os meninos em casa, eu fui deixar ele na casa dele e ele começou a me xingar e eu mandei ele sair do carro, quando ele saiu do carro, ele voltou e me deu um murro na minha boca, nem meu pai que é super homofóbico nunca tinha me batido na cara como ele me bateu, eu fiquei possesso de raiva . . . eu peguei no pescoço dele e joguei pro carro e eu disse “bate em mim mais uma vez, bate”, e como eu sou motorista de Uber pela madrugada, pra me proteger eu colocava uma faquinha de cozinha no carro, e aí eu tava muito irritado e eu peguei a faca com muita raiva, e quando ele me deu um outro murro eu acertei no pulso dele . . . e a gente começou a ver sangue saindo, a gente se tocou que a gente tava embriagado, eu saí desesperado pro hospital.

O relacionamento aberto consiste na permissão de se envolver com pessoas fora da relação, desde que voltem aos seus parceiros originais (Hatakeyama, Almeida & Falcão, 2017Hatakeyama, N. H., Almeida, T., & Falcão, D. V. S. (2017). Amor, relacionamentos amorosos e poliamor na perspectiva de jovens universitários e idosos. Kairós Gerontologia, 20(2), 271-292. https://doi.org/10.23925/2176-901X.2017v20i2p271-292
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). Mas os relacionamentos abertos podem apresentar desafios devido às normas heterossexuais nos quais HRH se subjetivam. A fala de P8 pode apontar justamente para esse contexto: será que o comportamento violento de seu parceiro aponta para a manutenção da monogamia heteronormativa? Na resposta agressiva de P8 a VPI do seu parceiro, ele resgata a defesa de sua masculinidade ao falar sobre seu pai, que, como uma figura de autoridade em sua vida norteada por homofobia, nunca tinha feito o que seu parceiro fez. Observamos o poder discutido por Foucault (2021Foucault, M. (2021). Microfísica do poder. Paz & Terra.), onde o autor explica que o poder sempre é exercido em uma relação, então, se P8 é por um lado agredido, ele pode agredir por outro. Assim, temos intersecção entre monogamia e masculinidade na produção de VPI bidirecional, tendo o uso de álcool como pano de fundo.

Infidelidade

Das oito entrevistas realizadas, a infidelidade apareceu como disparadora de VPI em seis delas e é comum que ela leve os casais à separação, devido ao significado que lhe é atribuído (Salazar-Franco et al., 2021Salazar-Franco, N., Muñoz-Santrich, D., & Builes-Correa, M. V. (2021). Infidelidad: Pasar del abismo a la grieta luego del acompañamiento terapéutico. Revista Latinoamericana de Estudios de Familia, 13(2), 59-77. https://doi.org/10.17151/rlef.2021.13.2.4
https://doi.org/10.17151/rlef.2021.13.2....
). Na perspectiva de masculinidades, Santos & Cerqueira-Santos (2016Santos, L. R., & Cerqueira-Santos, E. (2016). Infidelidade: Uma revisão integrativa de publicações nacionais. Pensando Famílias, 20(2), 85-98. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v20n2/v20n2a07.pdf
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) discutem que muitos homens entendem que ser infiel é um direito, algo do “instinto” masculino. Discordo dessa perspectiva ao olhar a partir da performatividade de masculinidade. Para Ceccarelli (2013Ceccarelli, P. R. (2013). Reflexões sobre a sexualidade masculina. Reverso, 35(66), 83-92. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/reverso/v35n66/v35n66a13.pdf
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), as masculinidades estão significadas socialmente como “superiores” às feminilidades e essa posição traz “benefícios”. Um deles seria o próprio exercício da sexualidade, devido ao incentivo à vivência sexual masculina e à repressão feminina.

Na pesquisa de De Santis et al. (2014De Santis, J. P., Gonzalez-Guarda, R., Provencio-Vasquez, E., & Deleon, D. A. (2014). The tangled branches (las ramas enredadas): Sexual risk, substance abuse, and intimate partner violence among hispanic men who have sex with men. Journal of Transcultural Nursing, 25(1), 1-15. https://dx.doi.org/10.1177%2F1043659613504110
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), a infidelidade apareceu em quase todas as entrevistas dos relacionamentos entre homens. Mas, quando o homem é quem sofre a infidelidade, a percepção de “honra ferida” é preponderante, desse jeito, ela pode servir de disparadora de VPI, podendo chegar até no assassinato de seu/sua parceiro(a) (Meneghel & Margarites, 2017Meneghel, S. N., & Margarites, A. F. (2017). Feminicídios em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil: Iniquidades de gênero ao morrer. Cadernos de Saúde Pública , 33(12), 1-11. https://doi.org/10.1590/0102-311X00168516
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). Observemos a fala de P2:

A pessoa imaginava a infidelidade. Um dia, a gente tinha acabado de ter uma relação sexual e a pessoa começou a me bater.. . . Ele começou a falar que não queria mais que eu tivesse contatos com meus ex e nem com nenhum outro homem, que eu o estava traindo (P2).

As fantasias de traição também são relatadas como motivadoras para VPI na pesquisa de Ruiz (2019Ruiz, R. (2019). Diferencias entre feminicidios precedidos y no precedidos por la separación de la pareja. Revista Española de Investigación Criminológica, 17(1), 1-24. https://doi.org/10.46381/reic.v17i0.167
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). No caso de P2, a fala pode apontar para o ciúme, que, de acordo com Santos (2019Santos, E. Q. (2019). Crimes passionais ou feminicídio? Conceitos e a relação entre os relacionamentos tóxicos e o ciúme patológico. Brazilian Journal of Forensic Sciences, Medical Law and Bioethics, 8(4), 272-292. https://doi.org/10.17063/bjfs8(4)y2019272
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), é um complexo de atitudes destinadas a proteger o relacionamento e/ou a autoestima, diante da presença de um rival, real ou imaginário, de um relacionamento amoroso. Mas o contexto do relacionamento relatado por P2 aponta para o uso do ciúme como instrumento de dominação:

[Ele] tinha [“Medo de pegar um chifre”], não que eu fosse chifrar, mas eu não tenho que ficar o tempo inteiro com a pessoa e ele não enxergava isso com bons olhos, ele queria tá o tempo todo dominando ali (P2).

A fala pode apontar para a reprodução do modelo heterossexual de relacionamento, onde P2, por ser o parceiro passivo na relação, deveria ser dominado pelo seu parceiro ativo. P6 trouxe um relato de VPI que continua nos auxiliando nessas reflexões:

nós saímos eu ele e um amigo . . . fomos pra uma balada e eu tava conversando com outro rapaz que eu conhecia, ele não gostou da situação aí começou a brigar comigo . . . no carro ele começou a me bater, com a mão fechada e bateu e bateu, dizendo que eu tinha traído ele. Da segunda vez, também foi por uma suspeita de infidelidade, porque eu tava com meus amigos do cursinho e a gente foi pra um churrasco, bebi e cheguei em casa de madrugada e ele já veio cuspindo na minha cara por eu ter chegado tarde, ele deu um murro na minha cara, me jogou na cama e me enforcou, dizendo que eu tava traindo-o, sempre a desculpa era infidelidade (P6).

Vale ressaltar que P6 também era o parceiro predominantemente passivo na relação, o que pode fazer com que o mesmo seja pensado como a “mulher do relacionamento”. Dessa forma, o relacionamento, ao ser permeado pelas perspectivas de gênero em uma sociedade heteronormativa, é de se esperar que a mulher (mas nesse caso, o passivo da relação) organize sua vida para servir o homem (nesse caso, o ativo da relação). Ao performatizar a VPI, seu parceiro pode assumir a posição de “macho” e estar agindo de forma a resgatar/defender sua masculinidade, ferida por essa suspeita. Já a infidelidade real também sustenta a VPI:

Quando eu descobri a traição dele, eu tive um descontrole, peguei o copo de café que tava na minha mão e joguei na cara dele. Eu já havia traído antes, ele tinha descoberto e ele ficou usando essa questão pra ficar me punindo e eu fiquei me sentindo muito mal durante meses . . . um dia eu tava mexendo no PC dele e descobri uma conversa dele com um ex colega de trabalho dele perguntando “como é que foi com o garoto aquele dia?” Aí eu fiquei com a pulga atrás da orelha, ele chegou do trabalho e eu comecei a pressionar pra ele me dizer a verdade, e nessas de ele falar que não, que não . . . “fiz algo”. E parece que assim, foi um segundo, foi um impulso, o café voando, foi automático [jogou o copo de café no rosto do parceiro] (P4).

A infidelidade, na relação de P4, pode apontar novamente para um (des)equilíbrio de poder na relação:

[Ao relatar que ao ser infiel na primeira vez, sofreu pequenas retaliações no dia a dia] Eu senti como se tivesse um desbalanço, porque “pow eu errei, tu fez eu me sentir culpado pra eu não fazer mais, daí você vai e faz a mesma coisa?” E aí a violência veio pra equilibrar, eu acho que ele mereceu (P4).

O disposto corrobora Goldenberg et al. (2016Goldenberg, T., Stephenson, R., Freeland, R., Finneran, C., & Hadley, C. (2016). ”Struggling to be the alpha”: Sources of tension and intimate partner violence in same-sex relationships between men. Culture, Health & Sexuality, 18(8), 875-889. https://doi.org/10.1080/13691058.2016.1144791
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) ao explicarem que as relações íntimas entre homens são caracterizadas como relações de poder e casais de HRH, para alcançarem certo entrelaçamento conjugal, precisam se equilibrar do ponto de vista do exercício deste, mas além disso, a VPI pode funcionar como aspecto de manutenção da monogamia. De acordo com Stephenson et al. (2014Stephenson, R., Hast, M., Finneran, C., & Sineath, C. R. (2014). Intimate partner, familial and community violence among men who have sex with men in Namibia. Culture, Health & Sexuality , 16(5), 473-487. https://doi.org/10.1080/13691058.2014.889753
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), os relacionamentos entre homens são norteados por um modelo monogâmico que cobra exclusividade, e de acordo com Geter et al. (2016Geter, A., Ricks, J. M., McGladrey, M., Crosby, R. A., Mena, L. A., & Ottmar, J. M. (2016). Experiences of anti-homosexual attitudes and young black men who have sex with men in the South: A need for community-based interventions. LGBT Health, 3(3), 214-218. https://doi.org/10.1089/lgbt.2015.0031
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), muitas vezes essa exclusividade é mantida por atitudes violentas, que também servem como forma de estruturar a relação de poder do casal.

As falas também apontam para a mononormatividade como legitimadora de VPI, pois a fidelidade pode ser considerada um fator primordial para a manutenção de relacionamentos amorosos entre HRH (Nascimento & Scorsolini-Comin, 2019Nascimento, G. C. M., & Scorsolini-Comin, F. (2019). Significados atribuídos ao relacionamento amoroso estável em jovens homossexuais do sexo masculino. Contextos Clínicos , 12(1), 48-74. http://pepsic.bvsalud.org/pdf/cclin/v12n1/v12n1a04.pdf
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). Mais do que isso, a mononormatividade contribui para um exercício de poder que disciplina os corpos a “pertencerem” ao parceiro, podendo ter como efeito prático a reprodução do modelo heterossexual de relacionamento. P3 nos dá pistas sobre:

eu acredito que vale dizer que existe uma questão muito grande nas relações homossexuais sobre sentimento de posse, isso é muito presente . . . a gente se acostumou a reproduzir isso da heterossexualidade (P3).

Aqui há um conflito: se por um lado, a norma heterossexual coloca como performatividade de masculinidade o exercício da sexualidade com mais de um parceiro(a), por outro lado, ao mesmo tempo, a norma heterossexual também tenta disciplinar esses corpos à monogamia. Perceber esse conflito pode nos ajudar nas reflexões, já que a infidelidade geralmente é colocada como inaceitável e como o principal risco para a dissolução do relacionamento e motivo de VPI, e isso aponta para a idealização de um relacionamento íntimo a partir do mito amor romântico, que é profundamente enraizado na cultura ocidental (Jardim, 2019Jardim, M. C. (2019). Para além da fórmula do amor: Amor romântico como elemento central na construção do mercado do afeto via aplicativos. Política & Sociedade, 18(43), 46-76. https://doi.org/10.5007/2175-7984.2019v18n43p46
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) e é um dos pontos-chave na luta por direitos civis homossexuais, como o casamento.

Outro ponto que complexifica ainda mais a questão é que parece haver o reconhecimento, principalmente na fala dos participantes, de que as relações homossexuais tentam ser encaixadas no modelo heterossexual patriarcal machista. Então, quase não há representações de relacionamentos homossexuais. Se são socializados, ou melhor, disciplinados com base na heteronormatividade, quais outros modelos de relacionamento que homossexuais iriam seguir?

HIV

É sugerido que HRH que vivem com HIV estão em risco generalizado para VPI ao longo de suas vidas, devido ao estigma do HIV e também a sua interação com outros estressores sociais (Finneran & Stephenson, 2014Finneran, C., & Stephenson, R. (2014). Antecedents of intimate partner violence among gay and bisexual men. Violence and Victims, 29(3), 422-435. https://doi.org/10.1891/0886-6708.vv-d-12-00140
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). P2 nos traz um contexto sobre a VPI que envolve o HIV:

ele fazia chantagem com “brincadeiras” [ameaças de exposição de sua sorologia], e se tornou real por eu ser uma pessoa vivendo com HIV (P2).

A ameaça de exposição de sua sorologia é algo que pode ser usado por parceiros na tentativa de manter o controle sobre o HRH que vive com HIV, como uma forma de mantê-lo tanto na relação, quanto sob seu domínio dentro da relação. Além disso, uma vítima de VPI que vive com HIV pode ter medo do abandono afetivo devido ao estigma, o que pode culminar em sentimentos de incapacidade de encontrar um outro parceiro, além de que muitos HRH podem perceber que a VPI sofrida é tipicamente devido ao seu diagnóstico (Nowinski & Bowen, 2012Nowinski, S. N., & Bowen, E. (2012). Partner violence against heterosexual and gay men: Prevalence and correlates. Agression and Violent Behavior, 17(1), 36-52. https://doi.org/10.1016/j.avb.2011.09.005
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).

A “brincadeira“ (uma forma de sorofobia recreativa) pode funcionar como uma forma de violência simbólica. Esta, segundo Bourdieu (1989Bourdieu, P. (1989). O poder simbólico. Difel.) está presente nos símbolos e signos culturais, especialmente no reconhecimento tácito da autoridade exercida por certas pessoas e grupos. Deste modo, ela pode não ser percebida como violência, mas sim como um respeito que “naturalmente” se exerce de um para outro. Para entender melhor, é preciso que observemos duas questões: Na relação cotidiana de P2, ele assumia o papel sexualmente passivo, além de não performatizar os aspectos da masculinidade tradicional, enquanto seu parceiro, além de não viver com HIV, era sexualmente ativo e se aproximava mais do que é aceito socialmente como masculino, observa-se, então, a intersecção entre o estigma de HIV e gênero operando juntos na produção de VPI na relação. Mas, sendo o poder via de mão dupla (Foucault, 2021Foucault, M. (2021). Microfísica do poder. Paz & Terra.), P2 o exerceu quando terminou a relação:

[Quando P2 terminou o relacionamento] ele invadiu a casa da minha irmã gritando que eu queria passar HIV pra ele, sendo que ele sempre soube que eu tenho HIV. Ele dizia que eu tentava infectá-lo de qualquer maneira e falando pros meus pais que até hoje não tem certeza, eu disse que era mentira dele . . . eu não via necessidade de meus pais saberem por que eles têm aquela visão ainda dos anos 80 (P2).

O término do relacionamento nesse contexto pode representar o fim do exercício de poder sobre P2, e a utilização do HIV como meio para agredir seu parceiro pode apontar para o dispositivo da sexualidade ainda exercendo força sobre o imaginário social do HIV, principalmente na camada mais velha da população, exemplificada pelos pais de P2 (mas cabe destacar que pessoas que vivem com HIV que tem carga viral indetectável, como no caso de P2, não transmitem o vírus). A situação em si, além de ser problemática pela exposição da sorologia (o que é crime segundo Lei nº 12.984/2014Lei nº 12.984, de 2 de junho de 2014. (2014, 2 de junho). Define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de aids. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12984.htm
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) de P2, poderia impactar nas relações familiares do mesmo, pois a rede familiar tem participação decisiva no cuidado à saúde do membro que vive com HIV, particularmente na adesão à terapia antirretroviral (TARV) (Carvalho & Souza, 2021Carvalho, R. A., & Souza, D. C. (2021). A autoestima da pessoa que vive com HIV: Uma revisão integrativa da literatura. Cadernos de Gênero e Tecnologia, 14(43), 278-299. https://periodicos.utfpr.edu.br/cgt/article/view/12078
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).

P2 continua na reflexão sobre VPI relacionada ao HIV entre HRH:

acho que tinha uma carência, porque quando eu descobri minha questão sorológica . . . fiquei um tempo sem me relacionar, era uma dificuldade, eu ficava com medo de me relacionar e ele foi o primeiro a aceitar, eu acho que ele já me via como uma pessoa vulnerável pra uma relação, no sentido de ter o HIV e aceitar qualquer coisa, nesse sentido de vulnerabilidade (P2).

O diagnóstico do HIV causa uma reorganização estrutural na vida da pessoa, de modo que pode haver a percepção de perda em torno de sua vida sexual no momento do diagnóstico, pois agora, a pessoa que vive com HIV seria “perigosa sexualmente” (Rohleder et al., 2017Rohleder, P., Mcdermott, D., & Cook, R. (2017) Experience of sexual self-esteem among men living with HIV. Journal of Health Psychology, 22(2), 176-185. https://doi.org/10.1177/1359105315597053
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). Mas ao entrar em uma relação íntima, compartilhar o status sorológico pode ser importante, mesmo a pessoa que vive com HIV não sendo obrigada a tal. De acordo com Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/aids no Brasil de 2019 (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids [Unaids], 2019Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS. (2019). Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/AIDS -Brasil. https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2019/12/2019_12_06_Exec_sum_Stigma_Index-2.pdf
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), 80,4% das pessoas que vivem com HIV compartilham seu status sorológico com seus parceiros sexuais e essa decisão é relevante pois auxilia na construção de confiança e rede de apoio entre os parceiros. O compartilhamento do status sorológico para um parceiro é inclusive incentivado por sistemas de saúde, como sendo parte integrante da relação íntima e cuidado sexual entre os parceiros.

Mas há de se observar que a vulnerabilidade de HRH vivendo com HIV para a VPI envolve uma construção histórica multifacetada, que vai desde a infecção ser uma espécie de punição divina até a rejeição devido a outras formas de manifestação do estigma (Li et al., 2012Li, Y., Baker, J. J., Korostyshevskiy, V. R., Slack, R. S., & Plankey, M. W. (2012). The association of intimate partner violence, recreational drug use with HIV seroprevalence among MSM. AIDS and Behavior, 16(3), 491-498. https://doi.org/10.1007/s10461-012-0157-6
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), mas isso não acontece de maneira isolada, pois além do estigma, outras categorias como o gênero atuam em conjunto com ele, como experienciado por P2.

Conclusão

O objetivo deste estudo foi compreender os significados da VPI para um grupo de HRH. Foram construídas seis categorias que nos dão pistas sobre quais fatores psicossociais estão envolvidos neste fenômeno. Através delas, percebemos a complexidade da VPI nesse público, onde não podemos explicar tal fenômeno unicamente a partir das categorias de gênero, antes, a pesquisa sugeriu a interseccionalidade entre gênero, raça, estigma do HIV, homofobia, infidelidade, além da ocultação da identidade sexual (o armário) atuando juntas na produção de VPI nesse público.

Os temas “armário” e “homofobia” trouxeram pistas de vivências que não existem na heterossexualidade. O racismo, como uma tecnologia biopolítica, interseccionado com o gênero sugeriu uma dimensão que fragiliza a intimidade de HRH negros. O tema “sexualidade” sugeriu a mononormatividade operando como estressor na intimidade e a “infidelidade” sugeriu que mesmo em HRH, como sujeitos dissidentes da heteronorma, os estereótipos de gênero se fazem presentes na defesa da “honra masculina”. A categoria “HIV” sugeriu que os HRH que vivem com HIV apresentam vulnerabilidade generalizada para a VPI devido ao estigma e isso os impacta de maneira estrutural, mas ao mesmo tempo, a VPI pode contribuir para que o HRH contraia o HIV. Todas as categorias contribuem para o estresse de minorias em HRH. Foi possível observar que as normas de gênero e muitas das experiências de HRH que comumente são descritas na literatura nacional e internacional também se fizeram presentes nas experiências desse público.

Espera-se que esse estudo contribua não somente para a compreensão da VPI entre HRH, mas que também sirva de provocação para outros estudos que enriqueçam nossa compreensão e que, porventura, essa pesquisa também seja utilizada como embasamento para elaboração de políticas públicas para essa demanda, considerando a ausência destas no Brasil.

Como limitações, esse estudo não investigou a experiência de HRH com deficiência e HRH transexuais, pois não foram encontrados HRH com essas características. Isso dificulta a compreensão da experiência de pessoas que não seguem as normas de funcionamento biológico-corporal-generificado ditas “normais”. Pessoas com deficiência podem ser tidas como assexuadas e esse mito invisibiliza suas relações íntimas. Outra limitação é o fato de que todos os HRH entrevistados já tinham sua identidade sexual divulgada no momento da entrevista. Isso pode se apresentar como limitação pelo fato de que o ocultamento da identidade sexual produz subjetividades complexas que podem contribuir para a compreensão da VPI nesse público. Assim, deixo como sugestão para futuras pesquisas, estudos que abranjam essas especificidades.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2022
  • Aceito
    07 Mar 2023
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