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A Subtração da Vida como Política de Morte: Vozes de Mães de Jovens Negros Assassinados

The Subtraction of Life as a Policy of Death: Voices of Mothers of Murdered Young Black People

La Sustracción de Vida como Política de Muerte: Voces de Madres de Jóvenes Negros Asesinados

Resumo

Objetivamos reconstruir, por meio das vozes de mães de jovens negros mortos em ações policiais, a subtração da vida de seus filhos em contínuas políticas que precarizavam suas existências ao negar-lhes direitos básicos e cidadania. Participaram desta pesquisa seis mães. As conversas com elas, após cuidadosa aproximação, se iniciaram com a pergunta disparadora: “Como você gostaria de contar a história do seu filho?”. Para subsidiar nossas análises, tomamos como centrais a articulação teórica e política das noções de genocídio negro e de necropolítica. Este artigo evidencia que, entre o nascimento e a interrupção da vida por balas que atravessam o corpo como um alvo predestinado, o racismo constrói trilhos de precarização da vida que a torna cada vez mais abjeta, vulnerável e descartável, conduzindo à morte precoce, ainda que preveníveis, de jovens negros, principalmente, residentes em periferias e favelas. Nesta discussão, fomentamos uma visão menos compartimentalizada das múltiplas políticas genocidas, trazendo para o diálogo outras políticas públicas, para além da segurança pública. Abordamos um continuum de produção e legitimação de mortes de jovens negros, centrando nossas análises nas formas de apagamento social e institucional desses jovens, que ocorreram anteriormente à morte física, de modo a desqualificar suas vidas. Esses processos contribuem para que a política de segurança pública extermine vidas de jovens negros sem causar ampla comoção social, a devida investigação criminal e, portanto, a responsabilização do Estado, pois já eram vidas mutiladas e desumanizadas em suas existências.

Palavras-chave:
Racismo; Genocídio negro; Juventude negra; Mulheres negras; Políticas públicas

Abstract

We aim to reconstruct, with the voices of mothers of young black people killed in police actions, the subtraction of their children’s lives in continuous policies that undermined their existence by denying them basic rights and citizenship. Six mothers participated in this research. The conversations with them, after a careful approach, began with the triggering question: “How would you like to tell your child’s story?”. To support our analyses, we take as central the theoretical and political articulation of the notions of black genocide and necropolitics. This article shows that, between the birth and the interruption of life by bullets that pass through the body as a predestined target, racism builds trails of precariousness of life that makes it increasingly more abject, vulnerable, and disposable, leading to premature death, even if preventable, of young black people, mainly, living in suburbs and slums. In this discussion, we foster a less compartmentalized view of multiple genocidal policies, bringing to the dialogue other public policies, in addition to public safety. We approach a continuum of production and legitimization of deaths of young black people, centering our analysis on the forms of social and institutional erasure of these young people, which occurred before physical death, to disqualify their lives. These processes contribute to the public security policy to exterminate the lives of young black people without causing widespread social upheaval, due criminal investigation, and, thus, the accountability of the State, since they were already mutilated and dehumanized lives in their existence.

Keywords:
Racism; Black genocide; Black youth; Black women; Public policy

Resumen

El objetivo de este artículo es reconstruir, a través de las voces de las madres de jóvenes negros asesinados en acciones policiales, la sustracción de la vida de sus hijos en políticas continuas que socavaron su existencia al negarles derechos básicos y ciudadanía. Seis madres participaron en esta investigación. Las conversaciones con estas madres, después de un enfoque cuidadoso, comenzaron con la pregunta desencadenante: “¿Cómo le gustaría contar la historia de su hijo?”. Para apoyar el análisis, se tomó como eje central la articulación teórica y política de las nociones de genocidio negro y necropolítica. Este artículo muestra que, entre el nacimiento y la interrupción de la vida por balas que atraviesan el cuerpo como fin predestinado, el racismo construye senderos de precariedad de la vida que la hace cada vez más abyecta, vulnerable y desechable, conduciendo a una muerte prematura, incluso prevenible, de jóvenes negros, principalmente, residentes en la periferia y favelas. Esta discusión fomenta una visión menos compartimentada de múltiples políticas genocidas, llevando al diálogo otras políticas públicas, además de la seguridad pública. Se acerca a un continuo de producción y legitimación de muertes de jóvenes negros, centrando el análisis en las formas de borrado social e institucional de estos jóvenes, ocurridas antes de la muerte física, para descalificar sus vidas. Tales procesos contribuyen a la política de seguridad pública para exterminar la vida de los jóvenes negros sin provocar un gran revuelo social, la debida investigación criminal y, en consecuencia, la rendición de cuentas del Estado, pues ya eran vidas cuya existencia era mutilada y deshumanizada.

Palabras clave:
Racismo; Genocidio negro; Jóvenes negros; Mujeres negras; Políticas públicas

Os índices elevados de violência letal que acometem a juventude negra no Brasil expressam o abismo racial que estrutura este país, reduzindo, paulatinamente, a expectativa de vida dessa parcela da sociedade. Há um trabalho cotidiano que inventa o negro enquanto sujeito racial (Mbembe, 2018aMbembe, A. (2018a). Crítica da razão negra. (S. Nascimento, Trad.). N-1 edições.) pautado na articulação entre raça, pobreza, periculosidade e criminalidade (Duarte, 2017Duarte, E. P. (2017). Editorial: Direito penal, criminologia e racismo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, 135(25), 17-48. https://bit.ly/3Wymr0a
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; Flauzina, 2017Flauzina, A. L. P. (2017). Corpo negro caído no chão: O sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro (2a ed.). Brado Negro.; Freitas, 2020Freitas, F. S. (2020) Polícia e racismo: Uma discussão sobre mandato policial [Tese de doutorado, Universidade de Brasília]. Repositório Institucional da UnB. https://bit.ly/3WS3Pbn
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), que sustenta, em grande medida, a continuidade do genocídio negro brasileiro e o avanço da necropolítica. Contudo, é necessário registrar que entre o nascimento e a interrupção da vida por balas que atravessam o corpo negro como um alvo predestinado, o racismo constrói trilhos de precarização da vida que a torna cada vez mais abjeta, vulnerável e descartável, conduzindo à morte precoce, ainda que preveníveis, de jovens negros, principalmente, residentes em periferias e favelas.

Este artigo é resultante de uma pesquisa1 1 A pesquisa “Vestígios de histórias silenciadas: vozes de mães sobre o genocídio negro” foi realizada pela primeira autora sob orientação da segunda. , realizada no campo da psicologia social, que analisou o genocídio negro a partir das vozes de mães de jovens negros mortos em decorrência de intervenção policial. Objetivamos reconstruir, por meio dessas vozes, os trilhos de precarização da vida, pulverizados em contínuas e variadas políticas públicas, que subtraíram a vida de seus filhos - e que seguem a subtrair a vida de tantos(as) outros(as) jovens negros(as) pobres. Optamos por esse caminho analítico porque alarga a compreensão do genocídio negro para além da contabilização de corpos tombados, e integra em uma mesma plataforma genocida uma gama de políticas que compõem a produção de mortes que recorrentemente são fragmentadas pelas lentes do racismo (Vargas, 2010Vargas, J. (2010). A diáspora negra como genocídio: Brasil, Estados Unidos ou uma geografia supranacional da morte e suas alternativas. Revista da ABPN: Revista Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), 1(2), 32-65. https://bit.ly/3Gr9Gix
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).

Um dos pontos relevantes ao olhar para as políticas públicas pela ótica dessas mães, reside em compreender como as (im)possibilidades de vida, ou seja, de existência física, mas também subjetiva, afetiva, social e comunitária, são atravessadas pelo racismo institucional, que não se limita às atuações da política de segurança pública. Nas falas das mães, foi possível observar que, de um lado, ocorre a subtração da vida pelo não acesso aos direitos fundamentais e pela contínua fragilização, não acidental, do estado de bem-estar social, que se encontra, por outro lado, com o encrudescimento dos sistemas punitivistas que operam seletivamente, aumentando o contingente populacional de homens e mulheres negras(os) em cárcere, sobretudo, jovens, assim como fortalece o avanço do extermínio de corpos negros com o progressivo aval do Estado e a cumplicidade de parcela significativa da sociedade.

Desse modo, abordamos um continuum de produção e legitimação de mortes de jovens negros que ocorre anteriormente à morte física, de modo a desqualificar as vidas negras, retirando-lhes a vida em golpes diários. Tais processos de produção de morte em vida, ou de cerceamento do reconhecimento da vida, contribuem para que a política de segurança pública extermine jovens negros sem causar ampla comoção social, a devida investigação criminal e, por conseguinte, a responsabilização do Estado, pois já eram vidas mutiladas e desumanizadas em suas existências.

Apresentamos, de maneira sintética, as estratégias metodológicas para produzir essas vozes e analisamos as políticas de precarização da vida a partir de dois processos. Primeiramente, discorremos sobre a diminuição dos horizontes de vida pela restrição de acesso às políticas de cultura, esporte e lazer, além das fragilidades das políticas de saúde e de proteção social. O segundo processo manifesta-se em políticas de exclusão na educação e no trabalho, assim como no fortalecimento das maquinarias de criminalização. Sendo assim, diferentes políticas públicas despontaram como relevantes a serem problematizadas enquanto componentes das estruturas genocidas do Estado, principalmente pela fragilidade em assegurar proteção e garantir direitos e por (re)produzir violações e violências institucionais.

As críticas a essas políticas convidam a psicologia a participar deste diálogo, considerando que nas últimas décadas houve um crescimento significativo da atuação de psicólogas(os) em diversas políticas públicas. Desse modo, é necessário interpelar o papel da psicologia, enquanto campo de produção científica e de intervenção psicossocial, diante da fabricação de subjetividades e de sociabilidades atravessadas pelo racismo e frequentemente traduzidas nas práticas institucionais. Como o saber psicológico tem atuado nas políticas públicas? A prática profissional em psicologia tem conseguido caminhar fora dos trilhos do racismo? Ou apenas (re)produzido políticas de precarização e subtração da vida?

Para subsidiar nossas análises e discussões, tomamos como centrais a articulação teórica e política das noções de genocídio negro e de necropolítica, apresentados por Abdias do Nascimento (1978/2017)Nascimento, A. (2017). O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1978) e Achille Mbembe (2018b)Mbembe, A. (2018b). Necropolítica. (R. Santini, Trad.). N-1 edições., respectivamente. Partimos desses intelectuais negros para pensarmos a morte social por políticas cotidianas que endossam processos de desqualificação e de desumanização de vidas negras, sedimentando terrenos de naturalização do genocídio. Além disso, a enunciação de práticas de precarização da vida demanda adentrarmos no debate entre classe e raça, de forma a não solapar as consequências do racismo na organização simbólica, social e política brasileira. É necessário, então, uma leitura interseccionada de ambos os sistemas de opressão, haja vista que “classe informa a raça. Mas raça, também, informa a classe” (Davis, 2011Davis, A. (2011, 12 de julho). As mulheres negras na construção de uma nova utopia. Portal Geledés. https://bit.ly/3WVuHr7
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).

Políticas de morte no Brasil: Aproximações entre genocídio negro e necropolítica

Há décadas, no Brasil, a politização do genocídio negro vem sendo feita por organizações do Movimento Negro, que, historicamente, enfrentam as políticas de extermínio do Estado e nomeiam a negação de direitos e a produção de vulnerabilidades, violências e mortes impostas ao povo negro como genocídio. No campo acadêmico brasileiro, o militante, pesquisador e fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN), Abdias do Nascimento, publicou, em 1978, o livro O genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado, um marco na discussão do genocídio no campo dos estudos raciais (Nascimento, 1978/2017Nascimento, A. (2017). O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1978)). Nessa obra, o autor esfacela o manto da democracia racial que encobria a face racista brasileira e escancara o racismo enraizado nas relações sociais e institucionais no Brasil.

Compreendendo que o racismo continua a demarcar as experiências negras nas esferas econômicas, políticas, sociais e culturais, Nascimento (1978/2017)Nascimento, A. (2017). O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1978) sublinha que as autoridades governamentais, assim como a sociedade dominante, traçam uma linha política de permanência da subjugação negra, herança do colonialismo, ao impor às comunidades negras em diáspora a vivência da escravidão em liberdade. Nascimento se identificava enquanto um quilombola de Palmares2 2 Essa identificação respondia ao questionamento da sua posição no Colóquio do Segundo Festival Mundial de Artes e Cultura Negras (Lagos/Nigéria, em 1977), visto que ele não estava como delegado oficial: “Em certo momento, na assembleia geral do colóquio, quando os delegados oficiais do Brasil tentavam me silenciar, levantei a voz e me identifiquei não como representante do Brasil, mas como um sobrevivente da República de Palmares” (Nascimento, 1978/2017, p. 46). e, a partir desse lugar de enunciação, constrói outra narrativa política e histórica do Brasil e do povo negro que rompe com a perspectiva dos colonizadores e seus descendentes (Bernardino-Costa, Maldonado-Torres, & Grosfoguel, 2018Bernardino-Costa, J., Maldonado-Torres, N., & Grosfoguel, R. (2018). Introdução. In J. Bernardino-Costa, N. Maldonado-Torres, & R. Grosfoguel (Orgs.), Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico (pp. 9-26). Autêntica.).

Por meio da desconstrução de distorções da história do Brasil e de cenários sociais que silenciavam opressões raciais mediante o mito da democracia racial, Nascimento (1978/2017)Nascimento, A. (2017). O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1978) demonstra como o racismo embasa a produção e a propagação de práticas genocidas, não as reduzindo apenas à eliminação física, considerando, também, seus aspectos sociais, políticos, simbólicos e subjetivos. Desse modo, o autor evidencia uma complexa e multifacetada engenharia genocida, gestada pelo Estado e fomentada pela sociedade hegemônica, que captura e fratura a vida negra de modo a interditá-la de uma vida partilhada em sociedade, bem como de alçar a cidadania plena.

Para aprofundarmos na discussão sobre a gestão racializada da vida e da morte pelo Estado, recorremos à noção de necropolítica do filósofo camaronês Achille Mbembe (2018b)Mbembe, A. (2018b). Necropolítica. (R. Santini, Trad.). N-1 edições., que analisa as tecnologias contemporâneas de subjugação da vida ao poder da morte. Mbembe dialoga com os pensamentos do filósofo francês Michel Foucault ao discorrer sobre o racismo como definidor do corte entre quem deve viver e quem deve morrer, e o Estado como principal gestor da distribuição destas mortes.

Para Foucault (1976/2018)Foucault, M. (2018). Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976) (M. E. Galvão, Trad.). Coleção Obras de Michel Foucault. WMF. (Trabalho original publicado em 1976)., a vida e a morte são tomadas por operações de poder exercidas anteriormente pelo soberano e depois por instituições disciplinares. Esse teórico centrou seus estudos em torno do conceito de biopoder, ou seja, na compreensão das tecnologias que operam para produzir mais vida às populações por meio de técnicas disciplinares, tais como a punição, o vigilantismo e a domesticação dos corpos. O biopoder incide sobre a preservação da vida, traduzida pelo poder disciplinar de fazer viver e deixar morrer. A noção de necropolítica faz Mbembe (2018b)Mbembe, A. (2018b). Necropolítica. (R. Santini, Trad.). N-1 edições. questionar se o conceito de biopoder é suficiente para compreender as variadas produções de mortes na contemporaneidade, ancoradas em políticas de guerra e de relações de inimizades.

Ao voltar seu olhar para os efeitos do colonialismo e da escravidão, principalmente sobre o continente africano3 3 É importante destacar que os estudos de Mbembe são de grande valor para a compreensão desses processos de dominação para além da África, contribuindo com novas perspectivas analíticas relevantes para países de terceiro mundo, tal como o Brasil. , Mbembe (2018b)Mbembe, A. (2018b). Necropolítica. (R. Santini, Trad.). N-1 edições. busca demonstrar que o biopoder não se exerce necessariamente para produzir mais vidas a todas as vidas no mundo moderno. Tal como sublinha Almeida (2018Almeida, S. (2018). O que é racismo estrutural? Letramento.), “o colonialismo não tem como base a decisão sobre a vida e a morte, mas tão somente o exercício da morte, sobre as formas de ceifar a vida ou de colocá-la em permanente contato com a morte” (p. 90). Mesmo quando era prevista certa preservação da vida para a realização do trabalho escravo, a morte social e física se apresentava como uma realidade intrínseca à vivência negra diaspórica. Desse modo, Mbembe (2018b)Mbembe, A. (2018b). Necropolítica. (R. Santini, Trad.). N-1 edições. elabora a noção de necropolítica que se traduz em políticas de destruição da vida, presentes tanto na eliminação física dos corpos quanto na imposição a condições de vida que se configuram como morte social, produzindo, na concepção desse teórico, populações de “mortos-vivos”.

Para Mbembe (2017Mbembe, A. (2017). Políticas da inimizade (M. Lança, Trad.). Antígona., p. 65) “o racismo é o motor do princípio necropolítico”, sendo, portanto, a base fundamental do direito de matar. Há um continuum histórico e político, herdado do colonialismo e da escravidão, que sustenta a permanência do racismo nas estruturas do Estado fazendo com que os corpos negros sigam submetidos a uma regulação da vida e da morte que transita entre fazer morrer e deixar morrer. Logo, diferentemente do biopoder, o racismo faz com que se prevaleça um cálculo sobre a vida de pessoas negras que sempre pende em direção à morte.

Na administração racializada dos corpos, o Estado elege aqueles(as) que devem ser exterminados(as) pautados nas relações de inimizade que destitui da esfera do reconhecimento os(as) rotulados(as) inimigos(as). Nessa lógica, as mortes dos(as) inimigos(as) são consideradas necessárias por representar um perigo, mesmo que imaginário, à sobrevivência da humanidade. Compreende-se, assim, que a inimizade e o ódio são combustíveis que alimentam o motor da necropolítica (Mbembe, 2017Mbembe, A. (2017). Políticas da inimizade (M. Lança, Trad.). Antígona.).

O racismo tinge de negro o(a) inimigo(a) a ser eliminado(a). O jovem negro pobre, tragado pelas políticas proibicionistas de drogas no Brasil, emerge enquanto insígnia do corpo perigoso, abjeto e descartável. Logo, esse jovem é transformado em objeto de ameaça e de temor. Diante da sensação de insegurança em se proteger da naturalizada periculosidade do jovem negro pobre e de não conseguir controlá-lo completamente por meio de técnicas disciplinares de vigilância e punição, resta apenas destruí-lo.

O ódio racial aprisiona o jovem negro pobre no lugar do inimigo da sociedade e do Estado, tornando-se a base de justificação para executar políticas de guerra no campo da segurança pública. No entanto, a noção de necropolítica não se restringe à sua face bélica e entrelaça violência explícita e velada, física e simbólica, destruição do corpo e precarização da vida, envolvendo, assim, outros campos da política. Desse modo, expressões da necropolítica não se localizam somente em cenários de guerra, em estado de exceção ou em regimes antidemocráticos. É importante destacar que a necropolítica se ramifica em políticas cotidianas que produzem morte social, cerceando horizontes de vida e traçando circuitos de devastação e de mortes e, inclusive, se fazendo presente em políticas que compreendemos, à primeira vista, como de preservação à vida.

As leituras das obras de Nascimento (1978/2017)Nascimento, A. (2017). O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1978) e de Mbembe (2017Mbembe, A. (2017). Políticas da inimizade (M. Lança, Trad.). Antígona., 2018aMbembe, A. (2018a). Crítica da razão negra. (S. Nascimento, Trad.). N-1 edições., 2018bMbembe, A. (2018b). Necropolítica. (R. Santini, Trad.). N-1 edições.) permitem aprofundar na compreensão da perenidade dos efeitos do racismo e do colonialismo que mantém o corpo negro na base da pirâmide da desigualdade e da opressão, independentemente do regime político vigente. À vista disso, é possível compreender que tanto em regimes ditatoriais, tal como o período da publicação do livro de Nascimento (1978/2017)Nascimento, A. (2017). O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1978), no qual o Brasil estava sob o regime político da ditadura militar (1964-1985); quanto no Estado Democrático de direito, inclusive ante um governo de esquerda4 4 Referimo-nos aqui ao Partido dos Trabalhadores que governou o Brasil entre 2003 e 2016. Por mais que esse governo tenha implementado políticas e programas de enfrentamento ao racismo e proporcionado importantes melhorias na qualidade de vida de parcela significativa da população negra, é necessário pontuar que tal governo “não conseguiu, ou foi capaz, nem de reconhecer a centralidade da antinegritude em seu auto entendimento e práticas, nem de atualizar uma mudança estrutural nas condições sociais, incluindo os modos de cognição da sociabilidade, que requerem e reproduzem a exclusão negra” (Vargas, 2017, p. 92). , a movimentação das engrenagens genocidas se manteve atuante, não havendo, portanto, rupturas estruturais, mas, sim, conformações específicas a depender do contexto histórico, político e social.

Portanto, a identificação da desumanização da vida negra enquanto denominador comum no ordenamento da sociedade moderna percorre as análises de Nascimento (1978/2017)Nascimento, A. (2017). O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1978) e de Mbembe (2017Mbembe, A. (2017). Políticas da inimizade (M. Lança, Trad.). Antígona., 2018aMbembe, A. (2018a). Crítica da razão negra. (S. Nascimento, Trad.). N-1 edições., 2018bMbembe, A. (2018b). Necropolítica. (R. Santini, Trad.). N-1 edições.), permitindo realizar aproximações entre as noções de genocídio negro e de necropolítica. Ambos os teóricos discorrem sobre políticas de morte estruturadas em uma matriz racializada de hierarquização da vida e da morte que desde a diáspora negra retira de negras(os) a qualidade de vidas dignas de serem vividas. Nesse entendimento, a noção de necropolítica tem se apresentado como importante ferramenta política e teórica na compreensão do imperativo de morte às comunidades negras no mundo e do avanço do genocídio negro no Brasil, pois amplia e aprofunda possibilidades de leituras sobre as atuais conformações do racismo de Estado que sofistica suas bases normativas do direito de matar.

Metodologia: A construção de narrativas com as mães

Profundo ver o peso do mundo nas costas de uma mulher.

(Emicida, 2015Emicida. M. (2015a). Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa… [Álbum gravado por Laboratório Fantasma].)

Este artigo é baseado no diálogo estabelecido com seis mães, moradoras de periferias e favelas no estado de Minas Gerais, que tiveram seus filhos negros assassinados em decorrência de intervenção policial - entre elas, cinco mulheres negras e uma mulher branca. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais. Cabe salientar que pesquisar a relação dessas mulheres com seus filhos, vítimas das políticas genocidas, envolve estratégias de cuidado e de delicadeza. Como o recorte dizia respeito a mães de jovens negros mortos pela ação da política de segurança pública, algumas vivem sob constante ameaça. Para a aproximação com o campo de pesquisa, tomamos como referência ético-política-epistemológica a experiência de uma mãe que, após a morte de seu filho, organizou um grupo de apoio para familiares, como apresentamos no texto “Mulheres negras e o genocídio negro brasileiro: entre violências e resistências (in)visibilizadas” (Cunha & Moreira, 2021Cunha, V. M. & Moreira, L. E. (2021b). Mulheres negras e o genocídio negro brasileiro: entre violências e resistências (in)vizibilizadas. In P. P. Santos, D. T. P. Carvalho & E. M. T. Silva. (Orgs.), Mulheres na sociedade em tempos de crise (pp. 16-39. Editora Associação Visibilidade Feminina.).

É necessário destacar que dialogamos com mães que não estavam vinculadas a nenhuma organização social e/ou política e tampouco contaram com amparo e/ou reparação do Estado pela perda dos filhos. Desse modo, a construção do percurso de campo envolveu uma aproximação cautelosa com grupos e referências/lideranças comunitárias e o contato com as mães foi possível por meio dessa rede de indicações e confiança. As suas vivências - e não da pesquisa - impuseram o tempo, o ritmo e os caminhos a serem percorridos. As pesquisas com mulheres negras diaspóricas permitem “evidenciar o racismo genderizado, territorializado e enraizado no Brasil” (Cunha, Francisco & Moreira, 2021Cunha, V. M., Francisco, C. R., & Moreira, L. E. (2021a). A produção do conhecimento em psicologia a partir das experiências de mulheres negras diaspóricas. Aspectos teórico-metodológicos. Quaderns de Psicologia. International Journal of Psychology, 23(3), 1-22. https://doi.org/10.5565/rev/qpsicologia.1771
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), mas precisam de um debate aprofundado, como evidenciamos no artigo “A produção do conhecimento em psicologia a partir das experiências de mulheres negras diaspóricas. Aspectos teórico-metodológicos”.

Tomamos como referência a diáspora negra, isto é, a dispersão forçada de africanas(os) ao redor do mundo, instituída a partir da colonização das Américas, como uma geografia de morte composta por uma pluralidade de processos genocidas e o momento de instauração do terror racial (Vargas, 2010Vargas, J. (2010). A diáspora negra como genocídio: Brasil, Estados Unidos ou uma geografia supranacional da morte e suas alternativas. Revista da ABPN: Revista Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), 1(2), 32-65. https://bit.ly/3Gr9Gix
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). Por partirmos da compreensão política e teórica da diáspora negra, as vozes das mulheres negras foram centrais nas análises das expressões do genocídio negro na contemporaneidade e das resistências produzidas por elas diante das políticas de mortes gestadas pelo Estado. As vozes dessas mães ecoam notas de denúncias a um Estado que apregoa o desvalor às vidas negras. São vozes que rememoram cânticos de vida e de morte, de luto e de luta, silenciados desde a travessia do Atlântico e que reencenam no presente um trauma colonial (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano (J. Oliveira, Trad.). Cobogó.), atravessado pela histórica negação do direito ao exercício da maternidade às mulheres negras.

Os encontros individuais com as mães aconteceram entre agosto de 2018 e fevereiro de 2019. Após delicada e demorada aproximação e explicação sobre a pesquisa, as conversas com as mães foram iniciadas com a mesma pergunta disparadora: como você gostaria de contar a história do seu filho? Elaboramos, também, blocos de temas sobre a história de vida do jovem, mas que não se constituíam em roteiro fixo nas conversas. Participaram da pesquisa cinco mães negras: Luísa (mãe de Luís, morto aos 17 anos), Carolina (mãe de José, morto aos 17 anos), Maria (mãe de Francisco, morto aos 20 anos), Tereza (mãe de João, morto aos 20 anos) e Esperança (mãe de André, morto aos 24 anos). Mantivemos os relatos da única mãe branca, Sílvia (mãe de Benedito, morto aos 17 anos), por compartilhar como o racismo atravessou a vida de seus filhos, todos eles negros, levando ao assassinato de dois deles. Todos os nomes, das mães e dos seus filhos, são fictícios.

Resgatar falas silenciadas por regimes de opressão arraigados na herança do colonialismo e do racismo (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano (J. Oliveira, Trad.). Cobogó.) demandou muitos encontros, conversas e contatos que não estavam circunscritos a um protocolo de entrevista. Portanto, para adentrarmos o campo de pesquisa, jogamos fora “a abstração e o aprendizado acadêmico, as regras, o mapa e o compasso” (Anzaldúa, 2000Anzaldúa, G. (2000). Falando em línguas: Uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Revista Estudos Feministas, 8(1), 229-236. https://doi.org/10.1590/%25x
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, p. 235) ancorados na tríade neutralidade, objetividade e universalidade. É na potência do encontro e na ética do cuidado que se tornou possível colher e acolher as mães em suas dores, cicatrizes, saudade, medo, raiva etc., e costurar “histórias que são íntimas e, em igual medida, sociais e políticas e que, costumeiramente, são varridas para debaixo do tapete” (Oliveira, Rocha, Moreira, & Hüning, 2019Oliveira, É. C. S., Rocha, K. A., Moreira, L. E., & Hüning, S. M. (2019). “Meu lugar é no cascalho”: políticas de escrita e resistências. [Número especial]. Fractal: Revista de Psicologia, 31, 179-184. https://dx.doi.org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29043
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.22...
, p. 181). Tempos essenciais para a escuta da dor, para suportar silêncios e encontrar palavras que traduzam o luto, as injustiças e as resistências diante de tantos silenciamentos.

“Eu já morri tantas antes de você me encher de bala”5 5 Emicida (2015b). : Políticas de mortes anunciadas numa vida sem cultura, esporte e lazer, sem saúde, sem direitos e sem proteção social

O genocídio negro se expressa em um continuum que produz diariamente formas de opressão econômica, política, física e psicológica que desumanizam o povo negro (Vargas, 2010Vargas, J. (2010). A diáspora negra como genocídio: Brasil, Estados Unidos ou uma geografia supranacional da morte e suas alternativas. Revista da ABPN: Revista Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), 1(2), 32-65. https://bit.ly/3Gr9Gix
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). São atos diários de desprezo às vidas negras tão disseminados e naturalizados que não são compreendidos como componentes de uma mesma plataforma genocida que produz políticas de mortes por meio do extermínio físico, mas, também, ao negar direitos fundamentais à juventude negra, tais como cultura, esporte e lazer, saúde e proteção social.

O racismo estrutural não permite conceber que a interrupção de ofertas de projetos sociais e culturais reduzem os horizontes de vida de jovens negros pobres: “Ele participou de projeto muito tempo. Projeto [nome do projeto], lá dentro do parque. E eles ficou lá muito tempo. Aí depois fechou o parque, não tinha mais nada pra fazer” (Teresa, mãe do João). Do mesmo modo, o racismo estrutural cria barreiras para compreender que o assassinato de Benedito compõe as engrenagens genocidas do Estado tanto quanto privá-lo de sonhar em ser jogador de futebol: “Ele gostava de jogar bola. Queria ser jogador. Mas eu consegui a vaga, mas não consegui as roupas . . . . Mas não conseguia tênis, não conseguia nada... aí ele pegou e desistiu” (Silvia, mãe de Benedito).

O Estado, diante da falta ou insuficiência de ofertas de programas e projetos nas áreas de cultura, esporte e lazer, fecha portas para a construção de subjetividades e sociabilidades que alarguem possibilidades de vida da juventude negra. É inegável que o investimento nessas áreas é importante para a produção de vida, haja vista que propiciam a reversão de apagamentos individuais e coletivos de jovens, oportunizando a fabricação de identificações e imaginários que ajudam a significar o presente, bem como tecer o tempo que ainda está por vir. Como diz a música “A vida é desafio” dos Racionais MC’s (2002)Racionais MC’s. (2002). Nada como um dia após o outro [Disco gravado por Boogie Naipe].: “Sempre fui sonhador, é isso que me mantém vivo”. Por isso, impossibilitar que jovens negros pobres sonhem e almejem um futuro é uma das formas mais eficazes de produção da morte social, pois, sem a perspectiva de um amanhã, o que resta é a aridez sufocante do agora.

Em relação ao campo da saúde, ocorreram importantes avanços no Sistema Único de Saúde (SUS) nas últimas décadas6 6 Entretanto, nos últimos anos, temos nos deparado com decisões políticas que têm precarizado cada vez mais o SUS. Em 2016, foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional 241 (PEC 241), apresentada pelo governo do então presidente da República Michel Temer, que congela o investimento na área da saúde, entre outros gastos públicos, durante 20 anos. Além disso, desde 2019, com a entrada do atual governo federal, sob a presidência do Jair Messias Bolsonaro, nota-se um interesse político de avançar no desmonte do SUS e abrir caminhos para sua privatização. . No entanto, o descaso a que as famílias estão expostas ainda se amplia para as políticas de saúde, com uma assistência médica especializada que pouco se efetiva. Benedito sentia dor no joelho e precisava de exames para ter uma avaliação médica adequada, porém ele morreu antes de gozar do seu direito prioritário de atenção à saúde: “Não, ele só tinha dor no joelho. Aí até hoje não saiu esse exame pra ele fazer isso, até hoje. Nada, até hoje. . . . Ah, mais de três anos” (Sílvia, mãe de Benedito). Essa mãe também relata demandas de exames laboratoriais para uma das suas filhas que estavam por um longo período em espera, a despeito das dores que ela sentia.

As políticas de saúde são as mais procuradas pelas mães, porém elas não deixam de apontar as precariedades que inviabilizam a promoção da atenção integral à saúde delas e dos(as) seus/suas filhos(as), principalmente aqueles(as) que se encontram em contexto de vulnerabilidades e de violências. Isso aponta a relevância de fortalecer o SUS, haja vista que precarizar ainda mais essa política, tal como tem acontecido nas ações e propostas do atual governo federal, significa desassistir a população, sobretudo, negra e pobre e aumentar as mortes em filas de espera por atenção à saúde. Logo, o desmonte do sistema público de saúde integra as engrenagens que avançam a necropolítica no país.

Nas narrativas das mães há relatos de vivências de desamparo ao deparar com situações de risco e ameaça rondando a vida de seus filhos. Nesse contexto, algumas políticas de proteção de direitos se mostraram ineficientes, a exemplo da recusa do Conselho Tutelar em atender a família de Sílvia: “Porque o Conselho Tutelar levou ele, depois entregou ele, deixou ele debaixo do viaduto e ligou pro pai dele buscar e não quis mais atender a gente não, nunca mais quis atender” (Silvia, mãe de Benedito). De acordo com essa mãe, a recusa ocorreu porque seu filho, irmão mais velho de Benedito, não obedeceu às regras da instituição a qual foi encaminhado e começou a pular o muro. Isso aconteceu há aproximadamente 10 anos, na época em que o irmão de Benedito começou a se envolver com o comércio de drogas. Sem possibilidades de obter outras formas de apoio e proteção, Sílvia via diversos riscos se potencializarem na vida do filho, resultando, em poucos anos, em sua morte devido a conflitos territoriais decorrentes da comercialização de drogas.

Carolina também procurou o Conselho Tutelar em busca de proteção porque seu filho estava ameaçado de morte. “Eles falaram assim . . . que eu tinha que sair daqui com ele, que eu teria que pegar ele e ir prum lugar. Tipo prum lugar que eles fossem pagar o aluguel pra mim ficar com ele” (Carolina, mãe de José). Entretanto, sair de casa significava para Carolina desamparar demais familiares que contavam com o suporte dela, além de colocar em risco o trabalho que garantia o sustento da família: “Eu falei com eles que eu não podia parar a minha vida não, que eu tinha mais três filhos e tinha minha mãe que dependia de mim. Aí eles falou assim que então não podia fazer nada por mim” (Carolina, mãe de José).

Carolina volta para casa carregando o medo de que o filho virasse mais um número nas estatísticas de morte no Brasil. Algumas semanas após a ida ao Conselho Tutelar, José passou por uma audiência no sistema socioeducativo e Carolina novamente demandou ajuda. Dessa vez, a saída encontrada foi encaminhar José para acolhimento institucional em um abrigo da cidade até que a mãe conseguisse efetuar o pagamento da dívida que gerou a ameaça. Até quando o Estado irá continuar escutando de outras Carolinas que a oferta de proteção existente não se comunica com a realidade de tantas mulheres responsáveis pela proteção e o sustento de suas famílias? Até quando a resposta do Estado será pautada em arranjos frágeis e não na reestruturação das ofertas de políticas de proteção?

As políticas de assistência social não se apresentam nas falas das mães como aportes eficientes na proteção social das famílias moradoras de periferias e favelas, tampouco dos jovens que são atravessados pela violência urbana e institucional e pelo genocídio da juventude negra. Refletindo sobre a questão racial e de gênero nas políticas de assistência, é necessário questionar “o modo como as mulheres negras são colocadas como responsáveis por gerir e ordenar a miséria produzida por um Estado neoliberal e, paradoxalmente, como os homens negros são colocados na mira deste mesmo Estado” (Oliveira, Battistelli, Rodrigues, & Cruz, 2019Oliveira, É. C. S., Battistelli, B. M., Rodrigues, L., & Cruz, L. R. (2019). Raça e política de assistência social: Produção de conhecimento em psicologia social [Número especial]. Psicologia: Ciência e Profissão , 39(2), 141-152. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225556
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, p. 144).

Teresa aponta o distanciamento da política territorial da assistência social ao fazer a seguinte colocação em relação ao Centro de Referência da Assistência Social (Cras): “Não tem retorno. A gente só tempo perdido mesmo. Existe lá, mas não tem muita utilidade pra gente não” (Teresa, mãe de João). Observa-se, então, que as políticas de assistência são experienciadas por elas predominantemente no seu caráter burocrático: “Eu já fui no Cras só pra pegar mesmo um documento, mais nada. Nunca tive, assim, contato com o Cras não” (Maria, mãe de Francisco). “O Cras eu sei que é ali. Se eu fui nesse Cras uma vez só, mesmo assim pra arrumar um documento. Só, mais nada” (Esperança, mãe de André).

Desse modo, os relatos das mães expõem as falhas das políticas de assistência que deveriam identificar e prevenir vulnerabilidades sociais. Além disso, tais políticas buscam por meio da responsabilização e autonomia dos(as) usuários(as) se tornarem desnecessárias. Assim, Oliveira, Battistelli, et al. (2019Oliveira, É. C. S., Battistelli, B. M., Rodrigues, L., & Cruz, L. R. (2019). Raça e política de assistência social: Produção de conhecimento em psicologia social [Número especial]. Psicologia: Ciência e Profissão , 39(2), 141-152. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225556
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) apontam que “mulheres são duplamente foco das políticas de Assistência Social: responsabilizadas pela situação que vivem e por sair da mesma” (p. 148). São, assim, sobreviventes de práticas genocidas cotidianas, desde a ausência de políticas de proteção, até a exposição de filhos(as) e familiares à violência policial e ao sistema carcerário, “expostas à impossibilidade de terem suas histórias contadas para além de estereótipos como: negligentes, masoquistas, pobres, barraqueiras” (Oliveira, Battistelli, et al.Oliveira, É. C. S., Battistelli, B. M., Rodrigues, L., & Cruz, L. R. (2019). Raça e política de assistência social: Produção de conhecimento em psicologia social [Número especial]. Psicologia: Ciência e Profissão , 39(2), 141-152. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225556
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, p. 149).

O Estado nega às comunidades negras em diáspora o direito de viver plenamente enquanto cidadãos/cidadãs e potencializa os desafios da garantia de suas sobrevivências ao impossibilitar o acesso a direitos básicos e ofertar políticas precarizadas. Logo, “tanto quanto as desigualdades estruturais e históricas não são combatidas frontalmente, o sistema racializado de hierarquias - que se alimentam das desigualdades sociais infringidas - continua como a lógica que determina as chances de vida” (Vargas, 2010Vargas, J. (2010). A diáspora negra como genocídio: Brasil, Estados Unidos ou uma geografia supranacional da morte e suas alternativas. Revista da ABPN: Revista Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), 1(2), 32-65. https://bit.ly/3Gr9Gix
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, p. 41). Desse modo, a histórica ausência ou precariedade nas ofertas de serviços públicos nas periferias e favelas devem continuar sendo lidas apenas como ineficiência burocrática e administrativa do Estado ou, então, como modus operandi de produção de mortes negras?

“O abutre quer te ver de algema pra dizer ‘Ó, num falei?’”7 7 Emicida (2015c). : Políticas de exclusão da escola e do trabalho e de criminalização

Sílvia, durante alguns momentos em sua trajetória de vida, teve que contar com ajuda de vizinhas para alimentar seus/suas filhos(as), pois o direito básico da alimentação enunciado na Constituição Federal brasileira não encheu com comida os pratos da sua família. Um dos poucos equipamentos públicos que apareceu como apoio foi a escola no qual Benedito estudou. “Na escola a diretora sempre me ajudava, assim, com caderno, lápis, né, uniforme pra ele - tanto pra ele, como pros outro. Às vezes a merenda que sobrava eles levava pra casa” (Sílvia, mãe de Benedito).

A escola buscava dar suporte à família de Sílvia mesmo atuando para além de suas atribuições. Todavia, de maneira geral, as mães relataram que as escolas tiveram pouca presença na vida dos seus filhos, tendo em vista que eles interromperam os estudos antes de concluir o ensino fundamental. Somente Benedito chegou a iniciar o ensino médio, o que leva a refletir sobre a possibilidade de esse fato ter alguma relação com o contato mais amistoso entre a escola e sua família.

A interrupção dos estudos não representa uma problemática somente da história de André ou de João. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2019)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2019). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2019. https://bit.ly/3jvMoPn
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, entre jovens de 15 a 17 anos encontra-se a maior taxa de atraso escolar (23,1%) e na faixa de 18 a 24 anos encontra-se a maior taxa de abandono escolar antes da conclusão da etapa correspondente a sua idade escolar (63,8%). “O abandono da educação básica obrigatória incide mais fortemente nos jovens dessa faixa etária que . . . são de cor preta ou parda (8,4%) e homens (8,1%)” (p. 81).

Diante desse cenário, Flauzina (2017Flauzina, A. L. P. (2017). Corpo negro caído no chão: O sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro (2a ed.). Brado Negro.) sublinha que a nomeação de evasão escolar somente encobre “um processo de exclusão forjada pelo aparato institucional” (p. 124). A política de educação pública precarizada e distanciada das vivências dos(as) jovens negros(as) pobres reproduz sistemas de marginalização e assimetrias sociais e provoca “um outro tipo de interrupção da existência humana, nas sutilezas dos boicotes às potencialidades, na mutilação dos sonhos, na vedação a priori do acesso ao futuro desejado” (p. 126).

Consequentemente, parte significativa dos(as) jovens negros(a) pobres se deparam com duas grandes barreiras ao tentarem se inserir no mercado de trabalho, a saber, a baixa escolaridade e o racismo institucional.

A cor dele. A cor, negro, favelado. Chega lá no asfalto... primeiro emprego, ele nunca tinha trabalhado. Saiu da escola na 5ª série. Então a pessoa olha muito isso no currículo e simplesmente... às vezes chega pra entregar o currículo em um lugar, a pessoa já recua, acha que tá indo roubar (Teresa, mãe de João).

Essa mãe interroga retoricamente se um jovem branco teria uma experiência semelhante a do seu filho: “Para uma pessoa na rua pra pegar uma informação, a pessoa já fica com medo. Aí, imagina se fosse uma pessoa branquinha? Mas como é classe, né, a classe é pobre, negro e favelado” (Teresa, mãe de João). Ao pensar a noção de devir-negro do mundo (Mbembe, 2018aMbembe, A. (2018a). Crítica da razão negra. (S. Nascimento, Trad.). N-1 edições.), no qual o alastramento da precarização da vida ultrapassa o segmento negro, é relevante perguntar: “Tal silêncio existiria se os brancos tivessem de suportar o que pretos experimentam?” (Vargas, 2010Vargas, J. (2010). A diáspora negra como genocídio: Brasil, Estados Unidos ou uma geografia supranacional da morte e suas alternativas. Revista da ABPN: Revista Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), 1(2), 32-65. https://bit.ly/3Gr9Gix
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, p. 53).

Praticamente todas as mães falaram sobre suas peregrinações sem êxito na busca de trabalho para seus filhos: “Foi assim, com muita dificuldade. Aí quando ele cresceu, ele queria trabalhar, mas ele não conseguia. Eu fui na central de vagas com ele... Igual os outros eu fiz, eu fiz pra ele. Mas nenhum deles conseguiu vaga” (Sílvia, mãe de Benedito). Além disso, as dificuldades vão se ampliando diante de um sistema de transporte público urbano que cerceia a circulação da população pela cidade devido aos altos preços das tarifas de ônibus e metrô: “Mas depois não tinha dinheiro pra passagem, ficava mais difícil. . . . Esse dia que ele morreu mesmo ele falou assim: ‘Ô, mãe, eu não vou mexer com esse trem mais, vou arrumar serviço pra mim’” (Sílvia, mãe de Benedito).

É necessário sublinhar o quanto as discussões e as propostas em torno do trabalho para a juventude permanecem extremamente conservadoras. Ainda nos deparamos com propostas e escolhas políticas que não são pautadas na defesa da construção e do fortalecimento de políticas de proteção social à juventude, colocando os(as) jovens negros(as) pobres como um problema a ser controlado, além de caminhar na direção do recuo de direitos historicamente conquistados.

Há setores da elite branca brasileira que defendem a alteração da legislação vigente para que jovens menores de 16 anos de idade sejam inseridos(as) no mercado de trabalho com os mesmos parâmetros legais do que um(a) trabalhador(a) adulto(a). Observa-se que geralmente o argumento central utilizado para justificar essa defesa é a pobreza e, não raras vezes, complementa-se tal alegação ressaltando que se os(as) jovens não obtêm dinheiro pelas vias legais para auxiliarem suas famílias, caminharão na ilegalidade8 8 A exemplo da proposta defendida por magistradas da Vara da Infância e da Juventude em Belo Horizonte (Cruz, 2019). .

Mas, para qual juventude é preconizado o trabalho cada vez em mais tenra idade? Além disso, quais são as condições de trabalho e as atividades disponíveis para quem começa tão cedo? A vulnerabilização induzida pelo Estado neoliberal e a sociedade moderna capitalista que abarca grande parte da população negra brasileira não se inicia quando o(a) jovem completa 14 anos de idade e comumente passa por gerações. Por isso, argumentações que pautam a redução da idade para o trabalho abrem uma porta que não se fecha, possibilitando, cada vez mais, o crescimento do trabalho infantil.

Essas propostas e escolhas políticas não colocam em questão a ausência de investimentos em ofertas de qualificações profissionais para familiares adultos desses(as) jovens, o aumento da taxa de desemprego e a perda de direitos trabalhistas que afetam diretamente inúmeras famílias negras no país, potencializando quadros de vulnerabilidades e miséria. Da mesma forma, não se coloca como possibilidade o investimento na melhoria da educação pública e na oferta de cursos profissionalizantes para a juventude, o aumento da oferta e a melhoria das condições de trabalho protegido para os(as) jovens, tampouco pautam o aprimoramento das políticas de transferência de renda e a defesa da renda básica universal.

Em um país que progressivamente flexibiliza suas leis trabalhistas, avança na reforma da previdência social que retira direitos históricos conquistados pelos(as) trabalhadores(as) e dispõe de uma política de desvalorização do salário mínimo, apontar a redução da idade para inserção no mercado de trabalho como forma de diminuir a pobreza - exalando ares de benevolência e proteção à juventude - revela uma concepção classista e racista que poderá levar ainda mais cedo um maior contingente de crianças e jovens negros(as) para trabalhos precários e insalubres, de alta periculosidade e de baixa remuneração.

A proposta de redução de idade não implica nenhum tipo de transformação estrutural, ao contrário disso, reforça a manutenção da subserviência negra. Dito de outro modo, enquanto é prescrito que jovens negros(as) pobres cada vez mais cedo têm que servir “os senhores da casa-grande”9 9 Aqui me refiro aos detentores dos meios de produção do trabalho, majoritariamente homens brancos, fazendo uma alusão às posições raciais da época da escravidão que permanecem nas disposições de trabalho na contemporaneidade. , os(as) filhos(as) destes postergam a inserção no mercado de trabalho para investir em suas formações profissionais e o primeiro salário deles(as) provavelmente será maior do que a renda de inúmeras famílias negras no Brasil. Sem educação pública de qualidade e condições dignas de inserção no mercado de trabalho não é possível vislumbrar caminhos para a mobilidade social, muito menos fomentar a transformação social necessária para abalar a pirâmide das desigualdades sociais no Brasil.

Diante das barreiras para obtenção de trabalho formal, a maior parte das mães relata que seus filhos partiram para trabalhos informais, tais como venda de picolés e salgados, malabares em sinais, lavagem de carros em lava-jato, ajudante de pedreiro e varejo de drogas. Como analisam Barros, Benicio e Bicalho (2019Barros, J. P. P., Benicio, L. F. S., & Bicalho, P. P. G. (2019). Violências no Brasil: Que problemas e desafios se colocam à Psicologia? [Número especial]. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(2), 33-44. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225580
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), essa precarização produz “modos de subjetivação segundo os quais os jovens devem se portar como empresários de si mesmo, sendo seu eventual fracasso de sua própria responsabilidade” (p. 39). Em trabalhos precarizados e de risco, os jovens negros pobres são facilmente capturados pelos sistemas de criminalização, tanto do socioeducativo quanto do criminal. Tal como sublinha Wacquant (2015Wacquant, L. (2015). Punir pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos [ A onda punitiva]. (S. Lamarão, Trad., 2a reimpressão). Revan., p. 32), “a ‘mão invisível’ do mercado de trabalho desqualificado encontra seu prolongamento ideológico e seu complemento institucional no ‘punho de ferro’ do Estado penal”.

Diante da expansão da descartabilidade de corpos ante o avanço da globalização neoliberal, o Estado investe sucessivamente na criminalização seletiva das alternativas de vida encontradas pelas comunidades negras (Flauzina, 2017Flauzina, A. L. P. (2017). Corpo negro caído no chão: O sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro (2a ed.). Brado Negro.), como vem ocorrendo com a criminalização do funk, dos(as) vendedores(as) ambulantes, assim como o comércio de drogas, que criminaliza desproporcionalmente as camadas negras e pobres da população.

Ele tava cumprindo direitinho o que eles tinham mandado [a medida socioeducativa], ele tava gostando. . . . Aí eles tava pondo ele no computador, ele tava gostando. Aí depois ele foi preso de novo, aí ficou lá no lugar [instituição] né, ficou lá um mês; depois ficou sete dias. Mas o Benedito, eu acho que ele tava sem oportunidade (Sílvia, mãe de Benedito).

A inserção nas engrenagens de criminalização antes dos 18 anos de idade potencializa substancialmente a estigmatização dos jovens negros pobres como perigosos e, geralmente, intensifica processos de exclusão a quem já se encontrava alijado de direitos fundamentais. Além do mais, a passagem pelo sistema socioeducativo ou criminal imprime uma marca de desvalor nos corpos negros que reforça sua descartabilidade. Como se as mortes de jovens negros pobres capturados pelas engrenagens de criminalização fossem apenas o cumprimento de um destinado já esperado, uma vez que desejado e, até mesmo, arquitetado pela própria sociedade e pelo Estado genocida.

Sílvia relata o tratamento de desapreço por parte de uma funcionária do equipamento do sistema de justiça juvenil ao comunicar a morte de seu filho: “Ela falou assim: ‘Seu filho tá morto’. Falei assim: ‘Meu filho tá morto não’. Ela falou assim: ‘Tá morto, tá lá na cidade ’. . . Não, não acolheu não. Quer dizer, ele já tava aprontando mesmo, qualquer hora ia morrer né?” (Sílvia, mãe de Benedito). A impossibilidade de acolhimento de uma mãe que está recebendo a notícia da morte de seu filho explicita o modo como algumas existências não são compreendidas como vidas humanas passíveis de luto. Barros et al. (2019Barros, J. P. P., Benicio, L. F. S., & Bicalho, P. P. G. (2019). Violências no Brasil: Que problemas e desafios se colocam à Psicologia? [Número especial]. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(2), 33-44. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225580
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) problematizam a necropolítica à brasileira como “produção e gestão da morte a partir da suspensão da humanidade de certas existências” (p. 39), não reconhecidas como vidas efetivamente humanas, mas sim como identidades abjetas.

O Estado fortalece uma política bélica no campo da segurança pública, ancorada na “guerra às drogas”, na qual a aniquilação de corpos negros toma proporções ainda maiores. Somado a isso, há uma intensa produção de mortes anteriores à morte física que tiram a potência e a humanidade das vidas negras, de modo que seus assassinatos sequer sejam passíveis de luto público. Tornam-se mortes esperadas, anunciadas, sobretudo, quando já capturado pelas engrenagens da criminalização. Assim, as vidas dos jovens negros pobres são transformadas em supérfluas “cujo preço é tão baixo que não equivale a nada, nem sequer como mercadoria e, ainda menos, humana - é uma vida cujo valor está fora da economia, correspondente apenas ao tipo de morte que lhe inflige” (Mbembe, 2017Mbembe, A. (2017). Políticas da inimizade (M. Lança, Trad.). Antígona., p. 65).

“Num cemitério de sonhos, graças a leis, planos”10 10 Emicida (2015d). : Precarização como processos de genocídios cotidianos

É comum a discussão sobre classe ser acionada distorcidamente para esvaziar o entendimento que a morte e as diversas maneiras de exposição à ela constituem políticas de Estado estruturadas na hierarquização e na dominação racial. O mito da democracia racial no Brasil visa homogeneizar as diferenças raciais existentes na pobreza, além de reduzir a explicação da pobreza negra às dinâmicas do capitalismo (Flauzina, 2017Flauzina, A. L. P. (2017). Corpo negro caído no chão: O sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro (2a ed.). Brado Negro.). O racismo naturaliza a pobreza que inflige as comunidades negras de forma a compreender que o lugar inferiorizado em que o povo negro se encontra nas estruturas sociais provém de sua própria falha ou pior adaptação à sociedade capitalista moderna e, por isso, ocupa o lugar que lhe é devido e, mais do que isso, que deve ser mantido.

Nessa lógica, oculta-se que a pobreza que assola as comunidades negras é consequência de inúmeras expropriações coloniais do povo negro desde a diáspora negra, sendo, portanto, resultado de escolhas políticas de projetos de Estado. Logo, raça e classe são sistemas de opressões interligados, assim como gênero (Davis, 2016Davis, A. (2016) Mulheres, raça e classe (H. R. Candiani, Trad.). Boitempo.). Como afirma Mbembe (2018aMbembe, A. (2018a). Crítica da razão negra. (S. Nascimento, Trad.). N-1 edições., p. 76), “é verdade que raça e racismo estão ligados a antagonismos que se ancoram na estrutura econômica das sociedades. Mas não é certo que a transformação dessa estrutura conduza inevitavelmente ao desaparecimento do racismo”.

Após a abolição legal da escravidão, a população negra foi compelida a se afastar para as periferias do país, tornando essas localidades “o cenário interativo em que se somam práticas e omissões para a consecução do projeto genocida do Estado” (Flauzina, 2017Flauzina, A. L. P. (2017). Corpo negro caído no chão: O sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro (2a ed.). Brado Negro., p. 117). Por conseguinte, as periferias e favelas passaram a ser desenhadas como zonas perigosas que demandam do Estado a contínua contenção social e a sistemática vigilância (racial) policial. O inimigo do Estado, além da cor, ganha endereço. O projeto genocida materializa-se nesses territórios tanto no fazer morrer quanto no deixar morrer, sendo essas engrenagens complementares do Estado genocida.

Nas falas das mães, as políticas públicas e de proteção social, de modo geral, são apresentadas como deficitárias e insuficientes nas respostas às suas demandas. Raras são as situações nas quais algum equipamento público apareceu enquanto referência de apoio às necessidades dessas mães e de seus/suas filhos(as), motivo pelo qual essas mulheres não estabelecem um vínculo com eles. Essa frágil conformação política incide na potencialização da precarização das vidas negras.

A maximização ou a minimização da condição precária é induzida politicamente, permitindo colocar em evidência as escolhas políticas do Estado (Butler, 2015Butler, J. (2015). Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto? (S. T. N. Lamarão & A. M. Cunha, Trad.). Civilização Brasileira.). Conforme aponta Demetri (2017Demetri, F. D. (2017) Da vida nua à vida precária: O debate entre Giorgio Agamben e Judith Butler. In Seminário Internacional Fazendo Gênero 11/Mundos de Mulheres 13, Florianópolis, SC, Brasil. https://bit.ly/3Wxj2Po
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), a vida precária é aquela subtraída da sua humanidade por dispositivos políticos e, portanto, não alçada pela inteligibilidade do que é reconhecido como vida. Por mais que a condição precária seja algo que permeia todas as existências, há enquadramentos que potencializam a precariedade para alguns (Moreira, 2018Moreira, L. E. (2018). Por quem nos comovemos? Reflexões sobre nossos enquadramentos bélicos. Psicologia & Sociedade, 30, 1-4. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2018v30181902
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).

Em vista disso, em um mundo estruturado no racismo, a condição de precariedade das vidas negras é maximizada. Todavia, se a escolha do Estado é minimizar a precariedade da vida, é necessário assumir a oferta (de qualidade) dos suportes básicos, tais como: alimentação, trabalho, abrigo, educação, acesso à saúde de qualidade, direito de ir e vir, direito de expressão, proteção contra maus tratos e opressão etc. (Butler, 2015Butler, J. (2015). Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto? (S. T. N. Lamarão & A. M. Cunha, Trad.). Civilização Brasileira.).

Além disso, Butler (2015Butler, J. (2015). Quadros de guerra: Quando a vida é passível de luto? (S. T. N. Lamarão & A. M. Cunha, Trad.). Civilização Brasileira.) destaca um importante paradoxo na forma de organização social e política das sociedades na modernidade, qual seja, quando a escolha do Estado é qualificada pela não garantia dos direitos fundamentais para a preservação da vida, as populações continuam demandando dele uma intervenção, fortalecendo, então, sua centralidade e força política na condução da vida social, mesmo sendo o Estado o principal violador dos direitos que deveria proteger. Nas palavras de Butler , “elas recorrem ao Estado em busca de proteção, mas o Estado é precisamente aquilo do que elas precisam ser protegidas” (p. 47).

Contudo, é necessário complexificar o olhar para identificar pontos de resistência dentro do próprio Estado, haja vista que este se ramifica em políticas distintas, algumas, inclusive, reivindicativas, que são conquistas decorrentes de intensas e históricas lutas populares. No entanto, isso não implica deixar de problematizar que muitas dessas políticas que parecem no primeiro momento como de vida, ou biopolíticas, acabam sendo políticas de silenciamento e de migalhas.

Não estamos com isso estabelecendo uma relação causal simples. Reconhecemos a dispersão de muitas práticas e de múltiplos fatores que se apresentarão de maneira muito singular na vida de cada jovem e cada família. Entretanto, assim como Gomes e Laborne (2018Gomes, N. L. & Laborne, A. A. P. (2018). Pedagogia da crueldade: Racismo e extermínio da juventude negra. Educação em Revista, 34, 1-26. https://doi.org/10.1590/0102-4698197406
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), salientamos o racismo estrutural como fio que liga a precarização dessas vidas, chamando atenção para a diversidade causal da violência, que de maneira mais direta se relaciona com questões de segurança pública, mas também estão relacionadas a ausências de políticas educacionais, culturais, de lazer e de trabalho.

O extermínio da juventude negra está envolto em uma causa perversa que permeia todas as outras aqui discutidas, a saber, o racismo que persiste em nossa sociedade desde os tempos coloniais. Essa perversidade se esconde na sua suposta invisibilidade, visto que, uma das artimanhas do racismo, no Brasil, é se esconder. Ora ele se esconde atrás da questão de classe, ora do Estado, ora da vulnerabilidade, ora da pobreza. Um racismo estrutural, estruturante e ambíguo. A sua principal característica, é a sua capacidade de se afirmar através da sua própria negação (Gomes & Laborne, 2018Gomes, N. L. & Laborne, A. A. P. (2018). Pedagogia da crueldade: Racismo e extermínio da juventude negra. Educação em Revista, 34, 1-26. https://doi.org/10.1590/0102-4698197406
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, p. 12).

Tal como destaca Alves (2011Alves, J. A. (2011). Topografias da violência: Necropoder e governamentalidade espacial em São Paulo. Revista do Departamento de Geografia, 22, 108-134. https://doi.org/10.7154/RDG.2011.0022.0006
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), compreender o genocídio negro como “prática difusa e dissimulada” (p. 110) auxilia no entendimento da relação que, muitas vezes, é estabelecida entre profissionais que atuam no Estado com as instituições públicas, no qual incorporam em suas práticas de intervenção determinados etos genocidas, seja nas políticas de educação, de segurança pública, de assistência social, de saúde e/ou de cultura, esporte e lazer, entre outras. São essas práticas quase invisíveis, mas que saltam aos olhos não adormecidos, pois “a noite não adormece nos olhos das mulheres” (Evaristo, 2008Evaristo, C. (2008). Poemas da recordação e outros movimentos. Nandyala.), especialmente das mães de jovens negros, que tem inscritos violentamente em seus corpos, com letras de sangue e de sofrimento, enredos de mortes social e física nas favelas e periferias neste país. Por isso, a importância de pautar no debate político e científico do genocídio negro, tanto as macroestruturas genocidas quanto suas traduções nas microrrelações cotidianas.

Desse modo, aqui se torna possível novamente articular essa problematização aos questionamentos da própria atuação da psicologia como ciência e profissão no Brasil. Logo, é fundamental colocar em questão no âmbito das pesquisas e práticas profissionais em psicologia os termos de reconhecimento das vidas humanas e das condições necessárias para sua manutenção, principalmente diante de “um contexto necropolítico de produção massificada e espetacularizada de mortes de corpos invisíveis, perversamente (in)visíveis e não enlutáveis” (Barros et al., 2019Barros, J. P. P., Benicio, L. F. S., & Bicalho, P. P. G. (2019). Violências no Brasil: Que problemas e desafios se colocam à Psicologia? [Número especial]. Psicologia: Ciência e Profissão, 39(2), 33-44. https://doi.org/10.1590/1982-3703003225580
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, p. 41).

Considerações

Diante do cenário apresentado, não se pode compreender que a presença do Estado nas favelas e periferias necessariamente atua de modo a fazer viver. Com este voo panorâmico sobre algumas políticas públicas, pretendemos ampliar a visão sobre as múltiplas formas de produção de mortes, de modo a evidenciar que “às execuções a céu aberto somam-se matanças invisíveis” (Mbembe, 2018bMbembe, A. (2018b). Necropolítica. (R. Santini, Trad.). N-1 edições., p. 49). Percorrendo por políticas públicas precarizadas e calcadas no racismo institucional que produzem a subtração da vida, buscamos contribuir com a construção de lentes analíticas que desnaturalizem a precarização das vidas negras e a normalização da violência do Estado, conectando, desse modo, estruturas multifacetadas do genocídio negro e seus efeitos.

O Estado produz a morte com tecnologias diversas. Em vista disso, visibilizar e nomear essas rotineiras mortes silenciosas como constituintes do genocídio negro é fundamental para tensionar os regimes acadêmicos e legais do genocídio, bem como traçar estratégias de enfrentamento ao Estado genocida.

É importante problematizar onde a psicologia se localiza nessa trama genocida. Há um imperativo de saída de lugares cômodos ofertados por uma psicologia ancorada na objetividade e na neutralidade científica que se isenta de suas responsabilidades ética, política e social. Não há cadeiras para simplesmente continuar a assistir como plateia ao avanço de massacres de corpos negros no Brasil. A passividade e o silenciamento diante do genocídio negro sempre consistiu em um posicionamento político que fomenta a movimentação da maquinaria genocida, assim como manutenção da opressão racial.

As desigualdades sociais e o abismo racial decorrente do racismo estrutural, bem como todas as demais mazelas produzidas pelo Estado capitalista neoliberal, precisam ser frontalmente combatidas no enfrentamento ao genocídio negro. A psicologia que se propõe a endossar o enfrentamento a essas estruturas opressoras precisa abrir mão de leituras individualizantes de questões que são coletivas, sociais e políticas.

Ao instigar a psicologia, enquanto ciência e profissão, a se posicionar e revisar suas práticas, não estamos reivindicando uma mudança nos preceitos desse campo disciplinar. Estamos, sim, reafirmando o compromisso explicitado nos princípios fundamentais do Código de Ética Profissional (Resolução CFP 10/05, 2005Resolução CFP 10/05 de 21 de julho de 2005. (2005, 21 de julho). Conselho Federal de Psicologia. Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo. https://bit.ly/3Goxzam
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). Dentre os primeiros princípios, salientamos a observância dos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o compromisso da psicologia em contribuir “para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (p. 7) e a necessidade de analisar “crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural” (p. 7).

Além disso, é premente fortalecer a articulação entre a psicologia e as políticas públicas que rompa com a produção de subjetividades normatizadoras e identidades estigmatizadas a partir de classificações hierárquicas de raça, de classe e de gênero, entre outros marcadores da diferença. Assim, diante do cenário de extrema desigualdade, a postura antirracista não se constitui em escolha pessoal, mas se torna imperativa, um compromisso ético necessário a todas(os) as(os) psicólogas(os) brasileiras(os).

“Eu sei que não morrer, nem sempre é viver” (Evaristo, 2016Evaristo, C. (2016). Olhos d’água. Pallas., p. 109), frase presente no conto “A gente combinamos de não morrer”, do livro Olhos D’água, da escritora mineira Conceição Evaristo, nos conduz como farol a desvelar as diversas camadas que soterram as possibilidades de vida das comunidades negras, levando, não raras vezes, à morte social e física. No entanto, essa escritora também nos desafia, por meio da sensibilidade de sua escrita, a construir enfrentamentos ao racismo cotidiano que ceifa tão precocemente a vida de jovens negros pobres e também esvai a vida de tantas mães e mulheres negras. Entre os escombros de um país que insiste em apagar a negritude da sua história e limpar suas mãos sujas de sangue ao negar o racismo genocida que estrutura o Estado brasileiro, as comunidades negras (re)existem e resistem. Mesmo em meio à dor e raiva decorrentes da violência racial, o Estado genocida não conseguiu matar a esperança da luta antirracista, pois “deve haver uma maneira de não morrer tão cedo e de viver uma vida menos cruel” (Evaristo, 2016Evaristo, C. (2016). Olhos d’água. Pallas., p. 108).

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  • 1
    A pesquisa “Vestígios de histórias silenciadas: vozes de mães sobre o genocídio negro” foi realizada pela primeira autora sob orientação da segunda.
  • 2
    Essa identificação respondia ao questionamento da sua posição no Colóquio do Segundo Festival Mundial de Artes e Cultura Negras (Lagos/Nigéria, em 1977), visto que ele não estava como delegado oficial: “Em certo momento, na assembleia geral do colóquio, quando os delegados oficiais do Brasil tentavam me silenciar, levantei a voz e me identifiquei não como representante do Brasil, mas como um sobrevivente da República de Palmares” (Nascimento, 1978/2017Nascimento, A. (2017). O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado. Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1978), p. 46).
  • 3
    É importante destacar que os estudos de Mbembe são de grande valor para a compreensão desses processos de dominação para além da África, contribuindo com novas perspectivas analíticas relevantes para países de terceiro mundo, tal como o Brasil.
  • 4
    Referimo-nos aqui ao Partido dos Trabalhadores que governou o Brasil entre 2003 e 2016. Por mais que esse governo tenha implementado políticas e programas de enfrentamento ao racismo e proporcionado importantes melhorias na qualidade de vida de parcela significativa da população negra, é necessário pontuar que tal governo “não conseguiu, ou foi capaz, nem de reconhecer a centralidade da antinegritude em seu auto entendimento e práticas, nem de atualizar uma mudança estrutural nas condições sociais, incluindo os modos de cognição da sociabilidade, que requerem e reproduzem a exclusão negra” (Vargas, 2017Vargas, J. (2017) Por uma mudança de paradigma: Antinegritude e antagonismo estrutural. In A. L. P. Flauzina & J. H. C. Vargas (Orgs.), Motim: Horizontes do genocídio antinegro na Diáspora (pp. 91-105). Brado Negro., p. 92).
  • 5
    Emicida (2015b)Emicida, M. (2015b). Mandume [Música]. In Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa... Laboratório Fantasma..
  • 6
    Entretanto, nos últimos anos, temos nos deparado com decisões políticas que têm precarizado cada vez mais o SUS. Em 2016, foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional 241 (PEC 241), apresentada pelo governo do então presidente da República Michel Temer, que congela o investimento na área da saúde, entre outros gastos públicos, durante 20 anos. Além disso, desde 2019, com a entrada do atual governo federal, sob a presidência do Jair Messias Bolsonaro, nota-se um interesse político de avançar no desmonte do SUS e abrir caminhos para sua privatização.
  • 7
    Emicida (2015c)Emicida, M. (2015c). Ismália [Música]. In Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa... Laboratório Fantasma..
  • 8
    A exemplo da proposta defendida por magistradas da Vara da Infância e da Juventude em Belo Horizonte (Cruz, 2019Cruz, M. (2019, 5 de junho). Magistradas defendem trabalho a partir dos 14 anos para livrar jovens do tráfico. Estado de Minas. https://bit.ly/2KBI65L
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    ).
  • 9
    Aqui me refiro aos detentores dos meios de produção do trabalho, majoritariamente homens brancos, fazendo uma alusão às posições raciais da época da escravidão que permanecem nas disposições de trabalho na contemporaneidade.
  • 10
    Emicida (2015d)Emicida, M. (2015d). Levanta e anda [Música]. In Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa... Laboratório Fantasma..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2020
  • Revisado
    01 Jul 2021
  • Aceito
    21 Fev 2022
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