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Uso da Técnica de Dinâmica de Grupo na Avaliação Psicológica no Contexto do Trânsito: Relato de Experiência

Use of Group Dynamics as a Technique for Psychological Assessment in Applying for a Driving License: Experience Report

Uso de la Dinámica de Grupo como Técnica para Evaluación Psicológica en el Contexto del Tránsito: Informe de Experiencia

Resumo

No Brasil, a técnica da dinâmica de grupo é um dos métodos utilizados na avaliação psicológica no contexto do trânsito. Nesse trabalho, é relatada uma experiência profissional na qual a dinâmica de grupo foi utilizada para informar as etapas do processo de aquisição da Carteira Nacional de Habilitação e da avaliação psicológica, assim como esclarecer o papel ativo que o cidadão tem no sistema trânsito, de forma a repensar os valores individuais e grupais voltados para a segurança no trânsito. Estima-se que o presente trabalho possa incentivar novas publicações que versem sobre o uso da dinâmica de grupo, prática inserida no processo avaliativo de candidatos e condutores de veículos e que deve ser sempre focada nos valores éticos e de respeito aos direitos humanos.

Dinâmica de grupo; Psicologia do Trânsito; Avaliação psicológica

Abstract

In Brazil, group dynamics is one of the methods used for psychological assessment when applying for a driving license. The present paper reports a professional experience in which a group dynamics technic was used to explain the application process for the Brazilian Driver’s License, as well to clarify the active role that citizens play in providing a more conscious and safe traffic system. It is estimated that this paper has the potential to encourage new publications that deal with the use of group dynamics, a practice inserted in the evaluation process of applicants and drivers that should be always focused on ethical values and on human rights respect.

Group dynamics; Psychological assessment; Traffic psychology

Resumen

En Brasil, la dinámica de grupo es uno de los métodos utilizados para la evaluación psicológica en el contexto del tránsito. En este trabajo se presenta una experiencia profesional en la que la dinámica de grupo fue usada para informar los pasos para la adquisición de la CNH, así como para aclarar el papel activo que los ciudadanos tienen en la creación de un sistema de tránsito más consciente y más seguro. Se estima que este trabajo fomentará nuevas publicaciones relacionadas con el uso de la dinámica de grupo, práctica inserta en el proceso de evaluación de aspirantes y conductores de vehículos, que debe estar siempre enfocada en los valores éticos y en el respeto de los derechos humanos.

Dinámica de grupo; Psicología del tránsito; Evaluación psicológica

O termo trânsito pode ser conceituado de várias formas, dentre elas, Vasconcellos (1985)Vasconcellos, E. A. (1985). O que é trânsito (Primeiros passos). São Paulo, SP: Brasiliense. definiu como sendo um conjunto de todos os deslocamentos do dia a dia, que pode ser realizado pelas calçadas e vias da cidade e, ainda, o que aparece na rua como forma da movimentação dos pedestres e dos veículos ou, como no Código de Trânsito Brasileiro (Brasil, 1997Brasil. (1997). Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial da União. 25 set.), que “considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga e descarga”. Ambos os conceitos estão alinhados a Lei no 12.587/12 (Brasil, 2012Brasil. (2012). Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana; revoga dispositivos dos Decretos-Leis nos 3.326, de 3 de junho de 1941, e 5.405, de 13 de abril de 1943, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e das Leis nos 5.917, de 10 de setembro de 1973, e 6.261, de 14 de novembro de 1975; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 4 jan.), que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana e que, em seu artigo 4º, inciso II, define mobilidade urbana da seguinte forma: “mobilidade urbana: condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano”.

Neste ensaio, toma-se a definição de Rozestraten (1988)Rozestraten, R. J. A. (1988). Psicologia do trânsito: conceitos e processos básicos. São Paulo, SP: EPU. que considera o trânsito como “o conjunto de deslocamentos de pessoas e veículos nas vias públicas, dentro de um sistema convencional de normas, que tem por fim assegurar a integridade de seus participantes” (p. 4). Esse sistema, constituído de subsistemas estabelecidos pelas diretrizes do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN e outros órgãos, visa regulamentar o uso da via, do veículo e a relação deles com o homem. Dessa forma, pode-se afirmar que a segurança no trânsito envolve a integração desses subsistemas (via, veículo e homem), sendo o homem o mais importante por ser dinâmico e encontrar-se em constante movimento que influencia e é influenciado pelo meio. Destarte, estudar o comportamento humano no trânsito passou a ser um dos objetivos dos pesquisadores da área da Psicologia do Trânsito, e a avaliação psicológica é um dos recursos mais utilizados.

Segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Brasil, 2010Brasil. (2010). Departamento Nacional de Trânsito. 100 anos de Legislação de Trânsito no Brasil: 1910-2010. Brasília, DF: Ministério das Cidades.), o primeiro decreto que regulamentou o serviço subvencionado de transportes de passageiros ou mercadorias por meio de automóveis industriais, ligando os estados da União, foi o Decreto nº 8.324, de 27 de outubro de 1910. Após três anos, em 1913, a avaliação psicológica (AP) começou a ser realizada pelo engenheiro Roberto Mange, para a seleção e orientação de funcionários da Estrada de Ferro Sorocabana. E somente em 1941 o Código Nacional de Trânsito – Decreto-lei no 2.994/41 (Brasil, 1941Brasil (1941). Decreto-lei nº 2.994, de 28 de janeiro de 1941. Código Nacional de Trânsito. Diário Oficial da União. 30 janeiro.) tratava da avaliação psicológica: Art. 100. Os exames serão feitos obedecendo às seguintes regras: a) fisiológico ou médico propriamente dito; b) psicológico”, determinado no § 1º: “Os exames acima referidos visarão o estabelecimento do perfil psico-fisiológico profissional mínimo, compatível com o exercício da atividade” e no § 2º: “No exame da visão para os motoristas de transporte coletivo, deverá ser feito, além do exame da acuidade, o da visão crepuscular”. Embora a avaliação psicológica seja realizada há décadas, o perfil psicológico profissional mínimo, até o momento, ainda não foi construído.

Desde então, devido às transformações econômicas, políticas, tecnológicas e sociais, foram várias leis e decretos que fizeram parte da história da evolução da AP, período de avanços incontestáveis. Nesse contexto, reporta-se a 2012 com a Resolução do CONTRAN nº 425 (CONTRAN, 2012) e suas alterações, nº 460 (CONTRAN, 2013Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN. (2013). Resolução nº 460, de 12 de novembro de 2013. Altera Resolução nº 425, de 27 de novembro de 2012, que dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º, e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial da União. 27 nov.), nº 474/2014 (CONTRAN, 2014ªConselho Nacional de Trânsito – CONTRAN. (2014a). Resolução nº 474, de 11 de fevereiro de 2014. Altera o Anexo XV da Resolução nº 425 de 27 de novembro de 2012, do CONTRAN, que dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial da União. 12 fev.) e nº 490/2014 (CONTRAN, 2014bConselho Nacional de Trânsito – CONTRAN. (2014b). Resolução nº 490, de 5 de junho de 2014. Prorroga o prazo de entrada em vigor da Resolução CONTRAN nº 460, de 12 de novembro de 2013. Recuperado de http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/Resolucao4902014.pdf
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). As referidas resoluções dispõem sobre o exame de aptidão física e mental, a AP e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro, no momento em vigor. Especificamente em relação à avaliação psicológica, essas normas jurídicas estabelecem os processos psíquicos que devem ser aferidos, a saber: tomada de informação, processamento de informação, tomada de decisão, comportamento, autoavaliação do comportamento e traços de personalidade.

Na tomada de informação, afere-se: a atenção, esta vista como a manutenção da visão consciente dos estímulos ou situações; a atenção difusa ou vigilante, definida como um esforço voluntário para varrer o campo visual na sua frente à procura de algum indício de perigo ou orientação; a atenção concentrada seletiva conceituada como a fixação da atenção sobre determinados pontos de importância para a direção, identificando-os dentro do campo geral do meio ambiente; a atenção distribuída, capacidade de atentar a vários estímulos ao mesmo tempo; a detecção de perceber e interpretar os estímulos fracos de intensidade ou após ofuscamento; e discriminação de perceber e identificar sinais e situações específicas relacionadas ao sistema do trânsito (CFP, 2009Conselho Federal de Psicologia – CFP. (2009). Resolução CFP nº 07/2009. Revoga a Resolução CFP nº 012/2000, publicada no DOU do dia 22 de dezembro de 2000, Seção I, e institui normas e procedimentos para a avaliação psicológica no contexto do Trânsito. Recuperado de http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-07-2009/
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; CONTRAN, 2012Conselho Nacional de Transito – CONTRAN. (2012). Resolução nº 425, de 27 de novembro de 2012. Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Recuperado em 27 de agosto, 2013 de http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm
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; Silva, 2010Silva, M. A. (2010). Psicologia do trânsito ou avaliação psicológica no contexto do trânsito. Encontro, 13(19), 199-208. Recuperado de http://sare.anhanguera.com/index.php/rencp/article/view/3001/1243
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; 2011Silva, M. A. (2011) Teste conciso de raciocínio e trânsito: estudos psicométricos (Tese de doutorado). Universidade de São Francisco, Itatiba, SP.).

No processamento da informação são aferidas: a orientação espacial e avaliação de distância, vista como a capacidade de situar-se no tempo, no espaço ou situação reconhecendo e avaliando os diferentes espaços e velocidades; a capacidade de aprender, memorizar e respeitar as leis e as regras de circulação e de segurança no trânsito, ou seja, o conhecimento; assim como, a capacidade de verificar, prever, analisar e resolver problemas de forma segura nas mais diversas situações e de realizar identificações significativas, como sinais e situações de trânsito. Ademais, afere-se a capacidade de registrar, reter, evocar e reconhecer estímulos de curta duração (memória em curto prazo); experiências passadas e conhecimentos das leis e regras de circulação e de segurança (memória em longo prazo) e a combinação de ambas na memória operacional do momento. Também, o julgamento ou juízo crítico, ou seja, qual a escala de valores para perceber, avaliar a realidade, chegando a julgamentos que levem a comportamentos de segurança individual e coletiva no trânsito (CFP, 2009Conselho Federal de Psicologia – CFP. (2009). Resolução CFP nº 07/2009. Revoga a Resolução CFP nº 012/2000, publicada no DOU do dia 22 de dezembro de 2000, Seção I, e institui normas e procedimentos para a avaliação psicológica no contexto do Trânsito. Recuperado de http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-07-2009/
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; CONTRAN, 2012Conselho Nacional de Transito – CONTRAN. (2012). Resolução nº 425, de 27 de novembro de 2012. Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Recuperado em 27 de agosto, 2013 de http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm
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; Silva, 2010Silva, M. A. (2010). Psicologia do trânsito ou avaliação psicológica no contexto do trânsito. Encontro, 13(19), 199-208. Recuperado de http://sare.anhanguera.com/index.php/rencp/article/view/3001/1243
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; 2011Silva, M. A. (2011) Teste conciso de raciocínio e trânsito: estudos psicométricos (Tese de doutorado). Universidade de São Francisco, Itatiba, SP.).

Na tomada de decisão, verifica-se a capacidade de escolha entre as várias possibilidades oferecidas no ambiente do trânsito para um comportamento seguro para a situação que se apresenta (CFP, 2009Conselho Federal de Psicologia – CFP. (2009). Resolução CFP nº 07/2009. Revoga a Resolução CFP nº 012/2000, publicada no DOU do dia 22 de dezembro de 2000, Seção I, e institui normas e procedimentos para a avaliação psicológica no contexto do Trânsito. Recuperado de http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-07-2009/
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; CONTRAN, 2012Conselho Nacional de Transito – CONTRAN. (2012). Resolução nº 425, de 27 de novembro de 2012. Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Recuperado em 27 de agosto, 2013 de http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm
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; Silva, 2010Silva, M. A. (2010). Psicologia do trânsito ou avaliação psicológica no contexto do trânsito. Encontro, 13(19), 199-208. Recuperado de http://sare.anhanguera.com/index.php/rencp/article/view/3001/1243
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; 2011). No comportamento, as ações adequadas às situações que deverão incluir tempo de reação simples e complexo, coordenação áudio e visomotora, aprendizagem e memória motora e a capacidade de percepção das ações no trânsito; nos traços de personalidade, o equilíbrio entre os diversos aspectos emocionais da personalidade, a socialização, as crenças, opiniões, atitudes e hábitos que podem afetar o ambiente de trânsito como espaço público de convivência social e ausência de traços psicopatológicos (CFP, 2009Conselho Federal de Psicologia – CFP. (2009). Resolução CFP nº 07/2009. Revoga a Resolução CFP nº 012/2000, publicada no DOU do dia 22 de dezembro de 2000, Seção I, e institui normas e procedimentos para a avaliação psicológica no contexto do Trânsito. Recuperado de http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-07-2009/
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; CONTRAN, 2012Conselho Nacional de Transito – CONTRAN. (2012). Resolução nº 425, de 27 de novembro de 2012. Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Recuperado em 27 de agosto, 2013 de http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm
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; Silva, 2010Silva, M. A. (2010). Psicologia do trânsito ou avaliação psicológica no contexto do trânsito. Encontro, 13(19), 199-208. Recuperado de http://sare.anhanguera.com/index.php/rencp/article/view/3001/1243
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; 2011).

Ao final da avaliação psicológica, o candidato é considerado pelo psicólogo perito examinador de trânsito como apto, quando apresentar desempenho condizente para a condução de veículo automotor, ou ainda, quando apresentar distúrbios ou comprometimentos psicológicos que estejam temporariamente sob controle, com diminuição do prazo de validade da AP; será considerado inapto temporário, quando não apresentar desempenho condizente para a condução de veículo automotor, porém passível de adequação, sendo que após o prazo designado pelo perito, o candidato submeter-se-á a uma nova avaliação psicológica e inapto quando não apresentar desempenho condizente para a condução de veículo automotor (CONTRAN, 2012Conselho Nacional de Transito – CONTRAN. (2012). Resolução nº 425, de 27 de novembro de 2012. Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Recuperado em 27 de agosto, 2013 de http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm
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).

Nessa direção, a Resolução do CONTRAN nº 425/2012Conselho Nacional de Transito – CONTRAN. (2012). Resolução nº 425, de 27 de novembro de 2012. Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Recuperado em 27 de agosto, 2013 de http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm
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, artigo 6º, determina que no processo de AP sejam utilizadas as seguintes técnicas e instrumentos: entrevistas diretas e individuais; testes psicológicos, que deverão estar de acordo com resoluções vigentes do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e que definam e regulamentem o uso de testes psicológicos; escuta e intervenções verbais e dinâmicas de grupo. Ainda, que para a realização da avaliação psicológica, o psicólogo responsável deverá se reportar às Resoluções do CFP que instituem normas e procedimentos no contexto do Trânsito e afins (CONTRAN, 2012Conselho Nacional de Transito – CONTRAN. (2012). Resolução nº 425, de 27 de novembro de 2012. Dispõe sobre o exame de aptidão física e mental, a avaliação psicológica e o credenciamento das entidades públicas e privadas de que tratam o art. 147, I e §§ 1º a 4º e o art. 148 do Código de Trânsito Brasileiro. Recuperado em 27 de agosto, 2013 de http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm
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). Dessa forma, por um lado essas instituições impõem e asseguram a legalidade do exercício profissional do psicólogo perito; por outro lado, por causa da diversidade da forma de executar a mesma tarefa frente às singularidades da situação do trabalho desse especialista, da insuficiência dos critérios e das dificuldades em definir a padronização dos testes e dos procedimentos usados na avaliação psicológica de condutores, decorrentes das distâncias geográficas do país e das especificidades de cada região, o psicólogo necessita operacionalizar ajustes para se adaptar às situações concretas, vivenciadas cotidianamente no seu trabalho (CFP, 2009Conselho Federal de Psicologia – CFP. (2009). Resolução CFP nº 07/2009. Revoga a Resolução CFP nº 012/2000, publicada no DOU do dia 22 de dezembro de 2000, Seção I, e institui normas e procedimentos para a avaliação psicológica no contexto do Trânsito. Recuperado de http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-07-2009/
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; Rozestraten, 1988Rozestraten, R. J. A. (1988). Psicologia do trânsito: conceitos e processos básicos. São Paulo, SP: EPU.).

Nesse sentido, o uso da técnica de dinâmica de grupo foi uma novidade da Resolução de 2012 e os profissionais peritos em trânsito encontraram dificuldades em operacionalizá-la. Na prática, não têm utilizado a dinâmica de grupo no processo avaliativo por não saberem ao certo como fazer. Dessa forma, foi pensado em como realizar o trabalho profissional primando pelo respeito ao cidadão usuário do serviço e pela qualidade e eficácia do processo de avaliação psicológica e, ao mesmo tempo, atender todas as exigências legais. Assim, optou-se por um uso psicopedagógico da dinâmica de grupo como primeira etapa do processo de avaliação psicológica.

Para atender a essa exigência e realizar uma prática adequada, o presente ensaio enfocará no uso da dinâmica de grupo, uma das técnicas exigidas por lei. Esse é o desafio do profissional de Psicologia que, nessa prática diária e automatizante do fazer, busca tornar-se um agente transformador no contexto complexo do trânsito, ou seja, como a atuação do perito pode refletir positivamente nas ações dos diversos atores e autores do tráfego. Por conseguinte, afirma-se que um dos papéis do psicólogo é o de instigar a pessoa a agir de forma ativa no seu processo de aquisição ou renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e, ao mesmo tempo, tornar-se um sujeito conhecedor da sua realidade e responsável pelas suas ações.

Com esse intuito, para a compreensão da dinâmica de grupo no processo de avaliação psicológica no contexto do trânsito, é necessário remeter-se aos fundamentos e origens da dinâmica de grupo e sua interface com a Psicologia, bem como às suas implicações legais. Deste modo, toma-se como base um breve resumo da evolução da dinâmica de grupo, a forma educativa e a integração dessas para a entrevista devolutiva.

Breve contextualização da dinâmica de grupo

No decorrer da história da humanidade, diversos filósofos, sociólogos e psicólogos se dedicaram aos estudos sobre grupos e fenômenos sociais coletivos. Pode-se dizer que foi no século XX que a expressão “dinâmica de grupo” passou a ser conhecida. Dessa forma, a dinâmica de grupo surgiu como um campo de pesquisa nos Estados Unidos, no final da década de 1930. Entretanto, foi Kurt Lewin quem se dedicou à exploração psicológica dos fenômenos grupais. Ele fundou um Centro de Pesquisas de Dinâmica de Grupo no Instituto Tecnológico de Massachusetts. A sua formação inicial foi em Física, depois se tornou psicólogo e surpreendeu a Psicologia com as contribuições da Teoria de Campo, um marco decisivo na evolução da Psicologia Social. Apesar de não ter escrito nenhum manual, deixou escritos que têm influenciado inúmeros pesquisadores e estudiosos da dinâmica de grupo (Baremblitt,1986Baremblitt, G. (1986). Grupos, teoria e técnica (2a ed.). Rio de Janeiro: Graal.; Miranda, 2000Miranda, S. (2000). Oficina de dinâmica de grupo para empresas, escolas e grupos comunitários (Vol. 2). Campinas, SP: Papirus.; Rogers, 2002Rogers, C. (2002). Grupos de Encontro. São Paulo, SP: Martins Fontes.; Zimerman, 2000Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos da grupoterapias (2a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed.).

O período entre 1935 e 1946 pode ser considerado como o marco de dedicação e avanço de pesquisas, pois ocorria um mal-estar na sociedade, marcado pelos efeitos devastadores da primeira e segunda grande guerra mundial. Os conflitos observados em situações reais inspiraram inúmeras pesquisas que contribuíram para a compreensão de fatores sociais e psicológicos. A busca era por desvendar a dinâmica interna e assim, compreender de que forma essas sociedades formavam cidadãos com traços comportamentais semelhantes. Nesse sentido, observa-se que a origem dos estudos de dinâmica de grupo foi marcada pela influência histórica de um tempo; entretanto, as investigações realizadas tiveram relevância para a compreensão dos grupos e que podem ser transportadas para o nosso momento atual, favorecendo a compreensão de conflitos contemporâneos (Moscovici, 2003Moscovici, F. (2003). Equipes dão certo: a multiplicação do talento humano (8a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: José Olympio.; 2005Moscovici, F. (2005). Desenvolvimento interpessoal: treinamento em grupo. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio.; Zimerman, 2000Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos da grupoterapias (2a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed.).

Lewin e seus colaboradores a princípio estudavam a compreensão da origem, a natureza e a evolução dos grupos, como também, a influência das pessoas sobre os grupos e vice-versa. Por meio de seus estudos criou a “Teoria de Campo” que versa sobre a atuação do homem num ambiente de forças internas e externas à pessoa. Também foi de autoria de Kurt Lewin o desenvolvimento da Teoria da Dinâmica dos Grupos que procura compreender a estrutura, o poder, a liderança e a comunicação do grupo. Ainda, o autor e colaboradores, desenvolveram a prática de Dinâmica de Grupo como um método educativo de treinar as capacidades humanas. O principal objetivo era conduzir as pessoas a novos comportamentos por meio da exposição, discussão e decisão em grupo. Dessa forma, a dinâmica de grupo passou a ser utilizada nos Estados Unidos como método de aprendizagem, em 1950 (Miranda, 2000Miranda, S. (2000). Oficina de dinâmica de grupo para empresas, escolas e grupos comunitários (Vol. 2). Campinas, SP: Papirus.; Moscovici, 2003Moscovici, F. (2003). Equipes dão certo: a multiplicação do talento humano (8a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: José Olympio.; 2005Moscovici, F. (2005). Desenvolvimento interpessoal: treinamento em grupo. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio.; Osório, 2003Osório, L. C. (2003). Psicologia grupal: uma nova disciplina para o advento da nova era. Porto Alegre, RS: Artmed.; Rogers, 2002Rogers, C. (2002). Grupos de Encontro. São Paulo, SP: Martins Fontes.; Zimerman, 2000Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos da grupoterapias (2a ed.). Porto Alegre, RS: Artmed.).

No Brasil, a Dinâmica de Grupo começou a ser utilizada a partir dos anos 60, sendo o precursor Pierre Weil, com a fundação do laboratório de Sensibilidade Social, cujo objetivo era desenvolver a qualidade de atuação da pessoa como membro e como líder. Esse desenvolvimento teve como base o pensamento leviniano, a Psicologia Gestaltista e a Abordagem Centrada na Pessoa. Na atualidade, outras teorias contribuíram para o desenvolvimento do tema e foram surgindo muitas modalidades, a exemplo dos T-groups, cujo objetivo original era acentuar as capacidades de relações humanas, ou nas palavras de Rogers (2002)Rogers, C. (2002). Grupos de Encontro. São Paulo, SP: Martins Fontes. “eram grupos de treino das capacidades das relações humanas, nos quais ensinavam os indivíduos a observar a natureza das suas interações recíprocas e do processo de grupo” (p. 3).

No entanto, foi além da expectativa inicial conduzindo a novas possibilidades de grupos; ainda, Criativity workshops que utilizava a expressão da criatividade por meio de atividades envolvendo artes objetivando espontaneidade e liberdade de expressão; ou ainda, grupos terapêuticos The Creative Connection. Segundo Moscovici, ao longo do tempo, a evolução e inovação da dinâmica de grupo, quando facilitada com competência e seriedade tem aprimorado o profissional (Moscovici, 2003Moscovici, F. (2003). Equipes dão certo: a multiplicação do talento humano (8a. ed.). Rio de Janeiro, RJ: José Olympio.). Destarte, a dinâmica de grupo pode ser utilizada em diversas áreas e por múltiplos contextos a depender do objetivo.

Ademais, de acordo com Freire (1980)Freire, P. (1980). Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo, SP: Moraes., a aproximação espontânea que a pessoa faz do mundo não é fundamentalmente uma posição crítica, mas uma posição ingênua. A esse nível espontâneo, ao aproximar-se da realidade, o homem faz simplesmente a experiência da realidade de que ele está à procura, a qual ele é capaz de enxergar, ou seja, o que a sua consciência permite. Portanto, faz-se necessário desenvolver uma conscientização nesse futuro ou atual condutor, pois a conscientização implica que ultrapassemos essa esfera espontânea de apreensão da realidade, para chegarmos a uma esfera crítica na qual o homem assume uma posição de construtor do conhecimento. Esse conhecimento das leis e normas, assim como, a boa convivência social e o respeito pelo outro é exigido como uma das etapas para a concessão da CNH, sendo a esse candidato concedido o conhecimento ao frequentar as aulas teóricas nos Centros de Formação de Condutores. Com a junção desses saberes, foi possível desenvolver uma dinâmica de grupo no processo de avaliação psicológica para os futuros e atuais condutores, conforme descrito a seguir.

Da teoria à prática da dinâmica de grupo

Objetivo da dinâmica de grupo utilizada

A dinâmica de grupo pode ser utilizada com grande eficiência no desenvolvimento de valores individuais e grupais em prol de uma sociedade mais consciente de seus atos. Nesse caso, foi utilizada para informar, treinar, resolver um problema, tomar uma decisão e integrar um grupo. Informar refere-se a conhecer, ampliar e ter clareza sobre determinado assunto que pode abranger o individual ou o coletivo; treinar significa adquirir novas habilidades, conhecimentos e comportamentos. Já resolver problemas é identificar possíveis soluções a partir de conhecimentos prévios, criando e transformando; para tomar uma decisão, faz-se necessário traçar um plano de ação e para integrar a um grupo é preciso harmonizar e melhorar a comunicação entre os membros.

A dinâmica de grupo utilizada na experiência aqui relatada teve como objetivo explicar e estimular a participação do grupo de candidatos e condutores no processo avaliativo sobre as exigências legais para a obtenção da CNH. A dinâmica de grupo, vista como um dos instrumentos ou ferramentas que estão dentro de um processo de avaliação psicológica no contexto do trânsito, possibilita a criação e recriação do conhecimento a respeito desse fenômeno. Quando utilizada como uma técnica participativa, proporciona o desenvolvimento de uma ação coletiva de discussão e reflexão, ampliando o conhecimento individual. Ainda, possibilita a formação e a transformação do conhecimento, do saber popular, desmistificando mitos e crenças negativas sobre o trânsito, assim como, uma aproximação crítica da realidade como prática de liberdade e de autores e atores nesse sistema.

Etapas da dinâmica de grupo Recepção dos candidatos e estabelecimento do rapport

Após recepcionar os candidatos e encaminhá-los a uma sala de atendimento coletivo para a execução do processo de avaliação psicológica, o psicólogo se apresenta e dá início à dinâmica, realizando as primeiras perguntas da entrevista individual, a saber, se dormiu bem, se está alimentado, se algo o preocupa no momento e se fez uso de bebida alcoólica nas últimas vinte e quatro horas. As respostas a essas perguntas são fundamentais para ter a certeza do grau de conforto ou desconforto físico provocado por não ter dormindo bem, por não ter comido o suficiente ou por outras condições físicas, pois os seus efeitos são claramente prejudiciais sobre o desempenho nos testes psicológicos. É sabido que muitos dos candidatos são procedentes de zona rural e que às vezes dependem de um único transporte diário.

Apresentação das etapas para a obtenção da CNH (ou renovação, em caso de avaliação de motorista profissional)

Após ouvir os participantes e deixá-los mais à vontade, as quatro etapas do processo de obtenção à CNH (ou seja, avaliação médica, avaliação psicológica, exame teórico-técnico e exame de prática veicular) são explicadas aos candidatos por meio do uso de analogia. Pede-se que os candidatos imaginem que farão uma viagem a um país que necessita de visto de entrada. Informa-se, a título de exemplo, que, para visitar um país como os Estados Unidos, precisa-se de um documento emitido pela Polícia Federal, o passaporte; com a posse do passaporte, precisa-se solicitar um visto; após, comprar uma passagem e viajar. Mesmo realizando todos esses procedimentos, ao se chegar ao país de destino, é necessário passar pela migração, onde o viajante pode não ser aceito no país e ser deportado para o país de origem, nesse caso, o Brasil.

Explica-se, nesse momento, que a CNH é uma permissão do Estado, que lhe é concedida mediante o cumprimento e a aprovação em todas as etapas do processo. Ainda, informa-se que os candidatos estão passando pela segunda etapa. Se aprovados, irão para a terceira etapa, realizada no Centro de Formação de Condutores (CFC), onde fazem o curso teórico-técnico. Nessa etapa, a aprovação é alcançada quando o candidato acerta 28 das 40 questões que compõem a prova teórica-técnica. Depois dessa aprovação, retornará ao CFC para as aulas de prática veicular e realizará o exame avaliativo, perante um examinador autorizado pelo órgão. Nesse processo, o candidato não poderá cometer erros, ou seja, não poderá somar três pontos negativos. Durante essa fala do perito, os candidatos sempre fazem comentários e interagem entre si, discutindo e refletindo sobre o processo exigido por lei.

Apresentação dos processos psíquicos necessários à condução veicular

No intuito de desfazer qualquer mistério que possa ter associado à testagem, ajudar a corrigir concepções errôneas, familiarizar os candidatos com os procedimentos de testagem e minimizar a ansiedade, assegurando que cada um terá o desempenho de acordo com a sua habilidade máxima, segundo preconiza Anastasi e Urbina (2000)Anastasi, A., & Urbina S. (2000). Testagem psicológica (7a ed.). Porto Alegre: Artmed., é realizado essa etapa. Assim, mostra-se a importância do uso da bateria de testes utilizados no processo, a saber, três testes de atenção, um teste de raciocínio e um teste de personalidade. Para os esclarecimentos o perito faz uso de analogias.

Nessa etapa, o candidato é solicitado a imaginar-se dirigindo em uma via urbana arborizada, respeitando a velocidade de 30 km por hora indicada pela placa de sinalização. O psicólogo, então, inicia uma explicação acerca dos processos psíquicos exigidos sobre esse ato complexo que é dirigir, utilizando linguagem simples e acessível.

Ao conduzir o veículo, o motorista, ao olhar em frente, vê um objeto na via próximo à calçada, o que o motorista vê? A visão percebe como um toco de árvore queimado, por ser da cor preta e estar em uma alameda com muitas árvores, essa mensagem é enviada ao cérebro para o processamento da informação e da busca de uma solução mais adequada para a situação; entretanto, ao se aproximar, percebe-se movimento e constata-se que trata-se de um cachorro preto que estava sentado. Nesse momento, além do motorista utilizar a atenção visual, será necessário processar a informação e tomar uma decisão, para isso foi necessário utilizar a atenção, seja ela concentrada, difusa, distribuída ou alternada, o raciocínio e o julgamento da situação.

A reação vai depender dos traços de personalidade do condutor, de tal modo que ele pode desacelerar o carro e aguardar o cachorro atravessar a pista, ou acelerar o veículo, nesse caso a via precisa estar livre ou tomar outra atitude qualquer. Esse é o momento para a explicação de cada um dos construtos a ser aferido no processo avaliativo e de sua importância. Lembra nesse instante, que o ser humano é dinâmico, que é influenciado e influencia o meio e que o resultado do processo avaliativo reflete o momento presente do candidato.

Nessa direção, os comportamentos mudam a depender da situação, o mesmo ocorre com as habilidades. Essa última pode ser desenvolvida e treinada. Esse é o momento de informar sobre a entrevista devolutiva, direito do candidato e dever do perito (CFP, 2000Conselho Federal de Psicologia – CEP. (2000). Caderno de psicologia do trânsito e compromisso social – CPTC. Brasília, DF: o autor.; 2005Conselho Federal de Psicologia – CFP. (2005). Resolução CFP n° 010, de 21 de julho de 2005. Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo. Recuperado de http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf
http://site.cfp.org.br/wp-content/upload...
). O código de ética profissional (CFP, 2005Conselho Federal de Psicologia – CFP. (2005). Resolução CFP n° 010, de 21 de julho de 2005. Aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo. Recuperado de http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf
http://site.cfp.org.br/wp-content/upload...
) é claro quando aponta que a informação dos resultados de um processo avaliativo é um direito do cliente e um dever do psicólogo. No artigo 1º, alíneas “g” e “h” diz que é responsabilidade do psicólogo “informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afeta o usuário ou beneficiário” e “orientar a quem de direito sobre os encaminhamentos apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos, e fornecer, sempre que solicitado, os documentos pertinentes ao bom termo do trabalho”. Dados esses reforçados pela Resolução CFP nº 07/09 (CFP, 2009Conselho Federal de Psicologia – CFP. (2009). Resolução CFP nº 07/2009. Revoga a Resolução CFP nº 012/2000, publicada no DOU do dia 22 de dezembro de 2000, Seção I, e institui normas e procedimentos para a avaliação psicológica no contexto do Trânsito. Recuperado de http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolucao-n-07-2009/
http://site.cfp.org.br/resolucoes/resolu...
) quando informa que “fica o psicólogo obrigado a realizar a entrevista devolutiva, apresentando de forma clara e objetiva, a todos os candidatos, o resultado de sua avaliação psicológica”. Por um lado, o psicólogo aponta a importância de garantir ao usuário o direito ao acesso às informações relativas ao processo avaliativo (resultados encontrados) e foca na importância do fechamento de um processo com as conclusões do trabalho realizado. Por outro lado, o candidato quer apenas prosseguir com o processo e tem conhecimento que pode obter o resultado por meio de um acesso ao sistema do Departamento de Trânsito oferecido de forma eletrônica, o que na maioria dos casos é a forma utilizada para obter o resultado da avaliação psicológica. Assim, o psicólogo não tem acesso a um novo encontro com esse candidato, que foi considerado apto, para a realização da entrevista devolutiva.

Aspectos psicológicos observados durante a dinâmica

No processo de realização da dinâmica de grupo, foi possível observar a atitude geral do candidato no que se refere à aceitação ou rejeição para com o processo de avaliação psicológica, assim como o nível de ansiedade e a opinião quanto a responder os instrumentos psicológicos. Além disso, identificar as opiniões sobre as questões do trânsito e o processo avaliativo para fins de habilitação.

O uso da dinâmica de grupo serviu como um facilitador para a aceitação e a valorização da avaliação psicológica nesse contexto e da desmistificação dos testes psicológicos. Além de ter apontado que o resultado da avaliação psicológica é de responsabilidade do candidato, pois este precisa estar em condições normais de saúde. Ademais, pode-se dizer que contribuiu para a mudança de percepção que os candidatos fazem do processo avaliativo e do psicólogo, pois o perito, muitas vezes, é visto como uma pessoa punitiva que não deixa “passar” nos testes.

Por fim, ao se discutir a necessidade de aferir os processos psicológicos exigidos no ato de dirigir, mostrou-se a importância da conscientização da responsabilidade de cada um no contexto do trânsito, quais são os seus direitos e deveres, assim como, o processo educativo exigido para o bom condutor.

Considerações finais

Conforme o relato, verifica-se que a dinâmica de grupo é utilizada como forma de esclarecimento do processo necessário para a concessão da CNH, assim como, a avaliação psicológica. Nesse sentido, a dinâmica de grupo, foi utilizada como parte inicial do processo avaliativo, cujo intuito era informar o candidato sobre todas as etapas da avaliação psicológica que seria realizada, desmistificar o processo avaliativo e de baixar a ansiedade do avaliado. Falar de forma aberta sobre os procedimentos legais pode gerar transformações contínuas e até mesmo reformular as informações iniciais, pois é sabido que a maioria da população tem esse único contato com o psicólogo e, consequentemente, com o processo avaliativo nesse momento de concessão da CNH. Dessa forma, torna-se imprescindível que o psicólogo atue de forma ética, eficaz e eficiente.

No domínio da dinâmica de grupo, a teoria e a prática estão ligadas, de forma a fornecer respostas aos problemas teóricos e fortalecer a aproximação com nossos problemas sociais. A dinâmica aqui relatada possibilita o momento de aproximação da realidade do condutor, assim como uma reflexão, não dissociada da teoria e da prática, da compreensão do fenômeno trânsito. Dessa forma, a exposição é vista como educativa e cultural que pode colaborar para os modos de pensar, sentir, agir e relacionar-se consigo e com os outros, assim como, proporcionar uma consciência dos valores, dos direitos e deveres de modo a construir uma consciência cidadã no trânsito.

Ademais, se acredita que essa etapa inicial poderá contribuir para um caráter libertador que conduza a autonomia para as pessoas expressarem as questões pessoais, abrindo espaço para novos questionamentos, quebrando preconceitos e impedindo que os rótulos se tornem permanentes na concepção da avaliação psicológica. Ainda, que essa prática do fazer psicológico contribua para a reflexão e discussão dos psicólogos peritos especialistas de trânsito. Além disso, que sejam construídas novas práticas pautadas na ética e nos direitos humanos. Assim como incentive outras publicações e divulgações da maneira de fazeres nessa área, prezando sempre pela eficiência e eficácia e respeito à dignidade humana.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2014
  • Revisado
    04 Maio 2015
  • Aceito
    29 Abr 2016
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