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Resolução de Conflitos Familiares por Adolescentes e Defesa do Domínio Pessoal

Adolescents’ Family Conflict Resolution and Defense of Personal Domain

Resolución de Conflictos Familiares por Adolescentes y Defensa del Dominio Personal

Resumo

Compreender as estratégias de resolução de conflitos utilizadas por adolescentes na relação com seus pais é fundamental para entender como ocorre seu desenvolvimento saudável. Este artigo investigou a resolução de conflitos de adolescentes em situações de confronto entre o seu domínio pessoal e o controle parental. 36 adolescentes com idades entre 15 e 17 anos, divididos igualmente conforme o sexo, responderam a uma entrevista semiestruturada, que continha quatro situações de conflito hipotéticas. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo semântica e a testes não paramétricos. Os resultados foram categorizados em sete estratégias: Assunção de culpa, Submissão, Mentira, Hostilidade, Diálogo/Explicação, Negociação e Outra. A forma predominante de resolução utilizada foi o Diálogo/Explicação, considerada como uma forma recorrente de defender o domínio pessoal. Foram encontradas diferenças em relação ao sexo dos participantes e à situação hipotética. Por fim, os resultados são discutidos em termos de grau de autonomia e tipo de defesa do domínio pessoal.

Palavras-chave:
Estratégias de resolução de conflitos; Conflito familiar; Adolescentes; Domínio pessoal

Abstract

Understanding the conflict resolution strategies used by adolescents in their relationship with their parents is fundamental to understanding how their healthy development occurs. This article investigated the resolution of conflicts by adolescents in confrontation situations between their personal domain and parental control. A total of 36 adolescents, aged 15 to 17 years, divided equally according to sex, answered a semi-structured interview that contained four hypothetical conflict situations. Data were subjected to semantic content analysis and non-parametric tests. The results were categorized into seven strategies: Assumption of Guilt, Submission, Lie, Hostility, Dialogue/Explanation, Negotiation, and Other. The predominant form of resolution used was Dialogue/Explanation, considered a recurrent form of defense of the personal domain. Differences were found depending on the participants’ gender and the hypothetical situation. Finally, the results are discussed regarding the degree of autonomy and type of defense of the personal domain.

Keywords:
Conflict resolution strategies; Family conflict; Teenagers; Personal domain

Resumen

Enterarse de las estrategias de resolución de conflictos que los adolescentes utilizan en la relación con sus padres es fundamental para comprender cómo ocurre el desarrollo saludable de los adolescentes. A partir de una entrevista semiestructurada, presentamos cuatro situaciones hipotéticas de conflicto que fueron analizadas y respondidas por 36 adolescentes de entre 15 y 17 años, divididos según el género. Los datos se sometieron a un análisis de contenido semántico y a pruebas no paramétricas. Los resultados se categorizaron en siete estrategias de resolución de conflictos: Asunción de culpa, Sumisión, Mentira, Hostilidad, Diálogo/Explicación, Negociación y Otros. La forma de resolución más utilizada fue Diálogo/Explicación, y esta categoría fue una forma de defensa del dominio personal. Asimismo, se encontraron diferencias en función del género de los participantes y conforme la situación hipotética. Los resultados se discuten en términos de grado de autonomía y tipo de defensa del dominio personal.

Palabras clave:
Estrategias de Resolución de Conflictos; Conflicto familiar; Adolescentes; Dominio personal

Resolução de conflitos familiares por adolescentes e defesa do domínio pessoal

A vivência do conflito é intrínseca à existência humana. Muito tem sido teorizado sobre esse fenômeno, em que o conflito é considerado como um agente da promoção de mudanças, porque, para manter o equilíbrio social, os indivíduos assumem diferentes pontos de vista (Killen & Nucci, 1995Killen, M., & Nucci, L. (1995). Morality, autonomy and social conflict. In: M. Killen & D. Hart (Eds.), Morality in everyday life: developmental perspectives (pp. 52-86). Cambridge University Press.). Na dinâmica familiar, durante a passagem da infância para a adolescência, ocorrem mudanças no desenvolvimento que exigem dos pais e dos filhos um ajuste mútuo a novas expectativas de comportamento. No relacionamento entre pais e filhos na adolescência, um aspecto normativo da transição é o realinhamento do poder e das expectativas mútuas de ambas as partes, pois, ao mesmo tempo em que os filhos se empenham em conquistar mais autonomia em relação à sua tomada de decisão, as concepções dos filhos quanto à legitimidade da autoridade parental diminuem (Pérez, Cumsille, Martínez, 2016Pérez, J., Cumsille, P., & Martínez, M. (2016). Brief report: agreement between parent and adolescent autonomy expectations and its relationship to adolescent adjustment. Journal of Adolescence , 53, 10-15. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2016.08.010
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). Essa mudança de posição, muitas vezes, é vista pelos pais como uma ameaça à manutenção da organização familiar (Smetana, Braeges, Yau, 1991Smetana, J., Braeges, J., & Yau, J. (1991). Doing What you say and Say What you do: Reasoning About Adolescent-Parent Conflict In Interviews And Interactions. Journal of Adolescence Research, 6(3), 276-295. https://doi.org/10.1177/074355489163002
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).

Cada vez mais, a comunidade científica tem se interessado pelos padrões de relacionamento entre pais e adolescentes, incluindo o conflito e suas resoluções (Choi, Han, Jeon, Ju, & Park, 2020Choi, D. W., Han, K. T., Jeon, J., Ju, Y. J., & Park, E. C. (2020). Association between family conflict resolution methods and depressive symptoms in South Korea: a longitudinal study. Archives of women’s mental health, 23(1), 123-129. https://doi.org/10.1007/s00737-019-00957-5
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; Heinze, Hsieh, Aiyer, Buu, & Zimmerman, 2020Heinze, J. E., Hsieh, H. F., Aiyer, S. M., Buu, A., & Zimmerman, M. A. (2020). Adolescent family conflict as a predictor of relationship quality in emerging adulthood. Family Relations, 69(5), 996-1011. https://doi.org/10.1111/fare.12493
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). Pesquisas revelaram que pais e filhos concordam que os conflitos dizem respeito a pequenos detalhes da vida cotidiana, por exemplo, a realização de tarefas, as relações sociais que o adolescente estabelece e a regulação de atividades e de relacionamentos interpessoais (Smetana, 1989Smetana, J. (1989). Adolescents’ and Parents’ Reasoning About Actual Family Conflict. Child Development, 60(5), 1052-1067. https://doi.org/10.2307/1130779
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; Yau & Smetana, 2003Yau, J., & Smetana, J. (2003). Adolescent-Parent conflict in Hong Kong and Shenzhen: a comparison of youth in two cultural contexts. International Journal of Behavioral Development, 27(3), 201-211. https://doi.org/10.1080/01650250244000209
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). Isso ocorre, tipicamente, em detrimento das expectativas dos pais, que gostariam que seus filhos agissem conforme o seu arbítrio, o que, comumente, não ocorre (Dekovic, Noom, Meeus, 1997Dekovic, M., Noom, M., & Meeus, W. (1997). Expectations regarding development during adolescence: Parental and adolescent perceptions. Journal of Youth and Adolescence, 26, 253-272. https://doi.org/10.1007/s10964-005-0001-7
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; Montemayor, 1983Montemayor, R. (1983). Parents and adolescents in conflict: all families some of the time and some families most of the time. Journal of Early Adolescence, 3(1-2), 83-103. https://doi.org/10.1177/027243168331007
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). Smetana (1989Smetana, J. (1989). Adolescents’ and Parents’ Reasoning About Actual Family Conflict. Child Development, 60(5), 1052-1067. https://doi.org/10.2307/1130779
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) assevera que os pais se referem aos conflitos familiares mencionando as características da personalidade e o estilo comportamental dos adolescentes e que os pais não estão dispostos a renunciar ao controle de diferentes aspectos, por exemplo a regulação das relações interpessoais e as atividades dos filhos. Isso significa que os conflitos intrafamiliares que ocorrem durante a adolescência fornecem um contexto de debates sobre a extensão do desenvolvimento da autonomia dos adolescentes (Smetana, 2011Smetana, J. (2011). Adolescents, families, and social development: how adolescents construct their worlds. Wiley-Blackwell.).

No cerne do conflito, encontra-se a dificuldade de estabelecer o que é passível de ser controlado pelos pais e o que o adolescente julga que pertence ao seu domínio pessoal (DP). Esse domínio foi definido como o que engloba comportamentos que só dizem respeito ao indivíduo e a regras estritamente pessoais, por exemplo, a escolha de amigos, a opção por determinadas atividades de recreação e ações que incidem sobre o próprio corpo, tais quais, masturbação, uso de cigarro, corte de cabelo, tatuagem e outros (Smetana, 2018Smetana, J. G. (2018). The development of autonomy during adolescence: a social-cognitive domain theory view. In: B. Soenens, M. Vansteenkiste , & S. Van Petegem (Eds.), Autonomy in adolescent development (pp. 53-73). Psychology Press.). Os conteúdos do DP não são sujeitos à avaliação de certo ou errado, mas tratam da preferência e da escolha e têm como finalidade manter uma identidade pessoal. Os conflitos que envolvem a defesa do DP de adolescentes versus o controle parental sobre a vida do(a) filho(a) possibilitam, em seu processo de desenvolvimento, identificar e controlar as questões referentes ao DP, o que é fundamental para afirmar a autonomia do indivíduo (Nucci, Killen & Smetana, 1996Nucci, L., Killen, M., & Smetana, J. (1996). Autonomy and the Personal: Negotiation and Social Reciprocity in Adult-Child Social Exchanges. New Directions for Child Development, 73, 7-24. https://doi.org/10.1002/cd.23219967303
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). É no contexto do conflito com os pais que, muitas vezes, o adolescente adquire a capacidade de ser autônomo e de gozar dos direitos que a ela estão associados (Helwig, 2006Helwig, C. (2006). The development of personal autonomy throughout cultures. Cognitive Development, 21(4), 458-473. https://doi.org/10.1016/j.cogdev.2006.06.009
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).

Apesar dessa questão ser importante para o desenvolvimento do adolescente, quando ele é vivenciado de maneira recorrente, traz implicações negativas para seu ajustamento (Weymouth, Buehler, Zhou, & Hanson, 2016Weymouth, B., Buehler, C., Zhou, N., & Hanson, R. (2016). A Meta-Analysis of Parent-Adolescent Conflict: Disagreement, Hostility, and Youth Maladjustment. Journal of Family Theory & Review, 8, 95-112. https://doi.org/10.1007/s10964-015-0348-3
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). De acordo com Steinberg (2001Steinberg, L. (2001). We Know Some Things: Parent-Adolescent Relationships in Retrospect and Prospect. Journal of Research on Adolescence , 11(1), 1-19. https://doi.org/10.1111/1532-7795.00001
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), embora as diferenças entre pais e adolescentes sejam esperadas, elas também podem comprometer o desenvolvimento dos adolescentes, quando há o aumento das interações conflituosas e a diminuição da coesão na família. Mais especificamente, no universo familiar, a reincidência do conflito tem sido associada à delinquência, a transtornos comportamentais do adolescente (Laursen & Collins, 1994Laursen, B., & Collins, W. (1994). Interpersonal conflict during adolescence. Psychological Bulletin, 115(2), 197-209. https://doi.org/10.1037/0033-2909.115.2.197
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), a níveis mais baixos de bem-estar psicológico, desajuste escolar e uso de substâncias tóxicas (Shek, 1997Shek, D. (1997). The relation of parent-adolescent conflict to adolescent psychological well-being, school adjustment, and problem behavior. Social Behavior and Personality, 25(3), 277−290. https://doi.org/10.2224/sbp.1997.25.3.277
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) e ao comportamento de risco (Tucker, McHale, Crouter, 2003Tucker, C., McHale, S., & Crouter, A. (2003). Conflict resolution: Links with adolescents’ family relationships and individual well-being. Journal of Family Issues, 24(6), 715−736. https://doi.org/10.1177/0192513X03251181
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).

A maneira como os conflitos são resolvidos contribui para que sejam funcionais ou disfuncionais. Estudos apontam que as relações marcadas por resoluções construtivas estão relacionadas ao ajuste do adolescente, ao passo que as formas destrutivas se associam aos comportamentos problemáticos (Collins & Laursen, 1992Collins, W., & Laursen, B. (1992). Conflict and relationships during adolescence. In: C. Shantz, & W. Hartup (Eds.), Conflict in child and adolescent development (pp. 216-241). Cambridge University Press.; Dost-Goskan, 2019Dost-Goskan, A. (2019). Adolescents’ Conflict Resolution with Their Parents and Best Friends: Links to Life Satisfaction. Journal of Child and Family Studies, 28, 2854-2866. https://doi.org/10.1007/s10826-019-01465-x
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; García-Ruiz, Rodrigo, Hernández-Cabrera, & Máiquez, 2013García-Ruiz, M., Rodrigo, M., Hernández-Cabrera, J., & Máiquez, M. (2013). Contribution of parents’ adult attachment and separation attitudes to parent-adolescent conflict resolution. Scandinavian Journal of Psychology, 54(6), 459-467. https://doi.org/10.1111/sjop.12077
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). Além disso, a forma como os adolescentes gerenciam os conflitos com os pais prediz como lidam com eles posteriormente nas relações fora da família (Staats, Van der Valk, Meeus, & Branje, 2018Staats, S., Van der Valk, I. E., Meeus, W. H. J., & Branje, S. J. T. (2018). Longitudinal Transmission of Conflict Management Styles Across Inter-Parental and Adolescent Relationships. Journal of Research on Adolescence, 28(1), 169-185. https://doi.org/10.1111/jora.12324
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). Nessa conjuntura, é relevante entender como essa dinâmica decorre.

Em um artigo de revisão da literatura sobre conflitos, Laursen e Collins (1994Laursen, B., & Collins, W. (1994). Interpersonal conflict during adolescence. Psychological Bulletin, 115(2), 197-209. https://doi.org/10.1037/0033-2909.115.2.197
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) mencionam, com base em estudos empíricos, algumas tipologias referentes à resolução de conflitos. Vuchinich (1990Vuchinich, S. (1990). The sequential organization of closing in verbal family conflict. In: A. D. Grimshaw (Ed.), Conflict talk: Sociolinguistic investigations of arguments in conversations (pp. 118-138). Cambridge University Press.) especificou cinco formas distintas de resolvê-los: submissão, que ocorre quando uma das partes envolvidas cede às exigências da outra parte; compromisso, que se refere a uma concessão de ambas as partes e costuma ocorrer por meio de uma negociação; impasse, que envolve uma mudança no tema do embate, em que se descarta o conflito sem um fechamento; Retirada, que ocorre quando uma das partes se retira do contexto do problema e abandona-o; Intervenção de terceiros, que se refere à solicitação de ajuda a uma terceira parte não envolvida na questão. Alguns autores também associam o impasse e a retirada a outra estratégia de resolução, denominada de desengajamento (Laursen & Collins, 1994Laursen, B., & Collins, W. (1994). Interpersonal conflict during adolescence. Psychological Bulletin, 115(2), 197-209. https://doi.org/10.1037/0033-2909.115.2.197
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).

Van Doorn, Branje e Meeus (2008Van Doorn, M., Branje, S., & Meeus, W. (2008). Conflict Resolution in Parent-Adolescent Relationships and Adolescent Delinquency. Journal of Early Adolescence , 28(4), 503-527. https://doi.org/10.1177/0272431608317608
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) referem que só existem três formas de resolver conflitos: a Negociação, a Dominância e a Retirada. Na Negociação, uma das partes tenta entender a posição da outra e utilizar estratégias de raciocínio construtivo para lidar com uma situação. O uso dessa forma de resolução pode levar a um crescente conhecimento e entendimento mútuo e repercutir em uma solução satisfatória para as partes. Na Dominância, são utilizadas técnicas de afirmação de poder, em que se mantém rigorosamente uma posição unilateral e se expressam emoções negativas, tal qual a raiva. Exemplos desse estilo de resolução são o uso de ordens diretas e ameaças verbais para atacar o ponto de vista do outro. Por fim, no terceiro estilo, Retirada, há uma tentativa de evitar o problema sem solucioná-lo. Isso significa que ambas as partes permanecem indiferentes ao conflito ou agem passivamente aceitando a posição do outro, a fim de evitar o confronto (Kurdek 1994Kurdek, L. (1994). Conflict Resolution Style in gay, lesbian, heterosexual nonparent, and heterosexual parent couples. Journal of Marriage and Family , 56(3), 705-722. https://doi.org/10.2307/352880
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; Laursen & Collins 1994Laursen, B., & Collins, W. (1994). Interpersonal conflict during adolescence. Psychological Bulletin, 115(2), 197-209. https://doi.org/10.1037/0033-2909.115.2.197
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).

Com base em estudos observacionais com casais, Kurdek (1994Kurdek, L. (1994). Conflict Resolution Style in gay, lesbian, heterosexual nonparent, and heterosexual parent couples. Journal of Marriage and Family , 56(3), 705-722. https://doi.org/10.2307/352880
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) identificou quatro tipologias diferentes de resoluções de conflito, que têm sido utilizadas para avaliar como os adolescentes os resolvem com seus pais (Missotten, Luyckx, Brunje, & Van Petegem, 2018Missotten, L. C., Luyckx, K., Branje, S., & Van Petegem, S. (2018). Adolescents’ Conflict Management Styles with Mothers: Longitudinal Associations with Parenting and Reactance. Journal of Youth and Adolescence , 47(2), 260-274. https://doi.org/10.1007/s10964-017-0634-3
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). As estratégias são: resolução positiva de problemas, que envolve a tentativa de entender a perspectiva do outro e utilizar táticas de raciocínio para lidar com a situação (nesta modalidade, incluem-se o compromisso, a negociação e o diálogo); resolução agressiva, que diz respeito a comportamentos abusivos, irritadiços, defensivos ou de perda de autocontrole; afastamento, que trata dos comportamentos referentes à evitação do problema, por exemplo, quando o indivíduo se recusa a discutir sobre o assunto e afasta-se do outro parceiro; conformidade, que envolve a aceitação da resolução do outro sem afirmar a própria posição.

Pesquisas que abordaram a influência da variável idade nas estratégias que os adolescentes utilizam para resolver os conflitos com seus pais apresentaram resultados divergentes: alguns autores (Smetana, Daddis, & Chuang, 2003Smetana, J., Daddis, C., & Chuang, S. (2003). “Clean Your Room!” A Longitudinal Investigation of Adolescent-Parent Conflict and Conflict Resolution in Middle-Class African American Families. Journal of Adolescent Research, 18(6), 631-650. https://doi.org/10.1177/0743558403254781
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; Yau & Smetana, 2003Yau, J., & Smetana, J. (2003). Adolescent-Parent conflict in Hong Kong and Shenzhen: a comparison of youth in two cultural contexts. International Journal of Behavioral Development, 27(3), 201-211. https://doi.org/10.1080/01650250244000209
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) constataram que, com o aumento da idade, os adolescentes tendiam a solucionar seus conflitos submetendo-se à vontade dos pais e que isso se resolvia por meio da afirmação do poder (Adams & Laursen, 2001Adams, R., & Laursen, B. (2001). The Organization and Dynamics of Adolescent Conflict with Parents and Friends. Journal of Marriage and Family, 63(1), 97-110. https://doi.org/10.1111/j.1741-3737.2001.00097.x
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); já outros (Smetana et al., 1991Smetana, J., Braeges, J., & Yau, J. (1991). Doing What you say and Say What you do: Reasoning About Adolescent-Parent Conflict In Interviews And Interactions. Journal of Adolescence Research, 6(3), 276-295. https://doi.org/10.1177/074355489163002
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; Van Doorn, Branje, Valk, Goede, & Meeus, 2011Van Doorn, M. Branje, S., Valk, I., Goede, I., & Meeus, W. (2011). Longitudinal Spillover Effects of Conflict Resolution Styles Between Adolescent-Parent Relationships and Adolescent Friendships. Journal of Family Psychology , 25(1), 157-161. https://doi.org/10.1037/a0022289
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) constataram que, com o aumento da idade, a submissão dos filhos adolescentes aos pais diminuía em favor de uma relação mais simétrica.

Além da idade do adolescente, o contexto familiar parece interferir diretamente na adoção de estratégias de resolução: a maneira como os pais lidam com suas questões conjugais repercute na forma em que os adolescentes escolhem suas estratégias para resolver conflitos (Van Doorn, Branje, & Meeus, 2007Van Doorn, M., Branje, S., & Meeus, W. (2007). Longitudinal Transmission of Conflict Resolution Styles From Marital Relationships to Adolescent-Parent Relationships. Journal of Family Psychology, 21(3), 426-434. https://doi.org/10.1037/0893-3200.21.3.426
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); as relações familiares, que envolvem afetividade, atenção e cuidado, no que diz respeito às demandas dos filhos e se pautam em relações mais igualitárias, requerem dos adolescentes estratégias positivas de resolução. De modo contrário, as relações familiares que envolvem o controle psicológico e se pautam em relações hierarquizadas estão relacionadas a estratégias negativas de resolução de conflitos pelos filhos, isto é, resolução agressiva, afastamento, evitação do conflito e conformidade (Missotten, Luyckx, Leeuwen, Klimstra, & Branje, 2016Missotten, L. C., Luyckx, K., Leeuwen, K., Klimstra, T., & Branje, S. (2016). Adolescents’ conflict resolution styles toward mothers: The role of parenting and personality. Journal of Child and Family Studies, 25(8), 2480-2497. https://doi.org/10.1007/s10826-016-0421-x.
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; Singh & Nayak, 2016Singh, R., & Nayak, J. (2016). Parent-adolescent conflict and choice of conflict resolution strategy Familial holiday planning. International Journal of Conflict Management, 27(1), 88-115. https://doi.org/10.1108/IJCMA-04-2014-0025
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).

Considerando a relevância da forma como os conflitos são resolvidos para o desenvolvimento saudável dos adolescentes (Branje, Van Doorn, Valk, & Meeus, 2009Branje, S., Van Doorn, M., Valk, I., & Meeus, W. (2009). Parent-adolescent conflicts, conflict resolution types, and adolescent adjustment. Journal of Applied Developmental Psychology, 30(2), 195-204. https://doi.org/10.1016/j.appdev.2008.12.004
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; Van Doorn et al., 2008Van Doorn, M., Branje, S., & Meeus, W. (2008). Conflict Resolution in Parent-Adolescent Relationships and Adolescent Delinquency. Journal of Early Adolescence , 28(4), 503-527. https://doi.org/10.1177/0272431608317608
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) e sua relação com comportamentos desviantes (Tucker et al., 2003Tucker, C., McHale, S., & Crouter, A. (2003). Conflict resolution: Links with adolescents’ family relationships and individual well-being. Journal of Family Issues, 24(6), 715−736. https://doi.org/10.1177/0192513X03251181
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), o primeiro objetivo deste artigo foi identificar as estratégias de resolução que os adolescentes adotam para lidar com os diferentes tipos de conflitos hipotéticos entre eles e seus pais. O segundo objetivo foi avaliar o quanto o uso de determinadas estratégias tomadas pelo adolescente expressava o grau de defesa do seu domínio pessoal, isto é, qual a relação entre a adoção de determinadas estratégias de resolução de conflitos pelo adolescente e o quanto essa estratégia tinha a ver com a defesa que ele fazia do domínio pessoal.

Em relação aos objetivos, conforme análises prévias já mostraram que a adolescência é um período marcado pela expansão do DP (Daddis & Smetana, 2005Daddis, C., & Smetana, J. (2005). Middle-class African American families’ expectations for adolescents’ behavioural autonomy. International Journal of Behavioral Development, 29(5), 371-381. https://doi.org/10.1177/01650250500167053
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; Sapiro, Turiel, & Nucci, 2006Sapiro, C., Turiel, E., & Nucci, L. (2006). Brazilian adolescents’ conceptions of autonomy and parental authority. Cognitive Development , 21(3), 317-331. https://doi.org/10.1016/j.cogdev.2006.01.001
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), espera-se: a) encontrar resoluções de conflito, sobretudo, baseadas no diálogo em prol da defesa do domínio pessoal do adolescente; b) encontrar diferenças nas estratégias de resolução de conflitos em função do sexo e das situações em si. A hipótese apresentada é de que, em situações que envolvam direitos sexuais, as adolescentes utilizem estilos de resolução que apontem para uma subordinação à autoridade parental mais do que os adolescentes, o que confirma os achados de Daddis e Smetana (2005Daddis, C., & Smetana, J. (2005). Middle-class African American families’ expectations for adolescents’ behavioural autonomy. International Journal of Behavioral Development, 29(5), 371-381. https://doi.org/10.1177/01650250500167053
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) sobre a autonomia comportamental deles; c) Com base em estudo anterior (Sapiro et al., 2006Sapiro, C., Turiel, E., & Nucci, L. (2006). Brazilian adolescents’ conceptions of autonomy and parental authority. Cognitive Development , 21(3), 317-331. https://doi.org/10.1016/j.cogdev.2006.01.001
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), formulamos a hipótese de que, nas situações em que o adolescente perceba possíveis riscos envolvidos em sua ação, resolverá o conflito utilizando Submissão ou Negociação.

Método

Participantes

Participaram do estudo 36 adolescentes alunos do Ensino Médio de uma escola da rede privada da cidade de João Pessoa, localizada no Nordeste brasileiro, distribuídos igualmente conforme o sexo, isto é, metade era do sexo feminino e metade do sexo masculino, cujas idades variaram de 15 a 17 anos (M = 16; DP =.82). Optou-se por essa amostra pelo fato de que, no final da adolescência, ocorrem mudanças nas relações entre pais e filhos que podem desencadear conflitos (Smetana, Crean, & Campione-Barr, 2005Smetana, J., Crean, H., & Campione-Barr, N. (2005). Adolescents’ and Parents’ Changing Conceptions of Parental Authority. In: J. Smetana (Ed.), Changing Boundaries of Parental Authority During Adolescence (pp. 31-46). Jossey-Bass.). Como critério de inclusão, foram selecionados os adolescentes cujos pais eram casados e residiam na mesma casa que o filho.

Instrumento

Além de um questionário sociodemográfico, foi utilizada a Entrevista sobre Dilemas Familiares na Adolescência (EDFA), um roteiro de entrevista desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisas em Desenvolvimento Sócio-moral - Universidade Federal da Paraíba. Esse instrumento é composto de quatro dilemas que envolvem conflitos entre o desejo do(a) filho(a) e o controle dos pais.

No primeiro dilema, chamado de Início da Vida Sexual, um adolescente decidiu iniciar sua vida sexual com a namorada, mas seus pais não concordaram com a decisão e passaram a controlar suas saídas. Na segunda história, chamada Escolha da Carreira, um adolescente gostaria de fazer o Curso de História, mas seus pais disseram que esse curso não tinha futuro e que ele deveria fazer Medicina, Engenharia ou Direito. O terceiro dilema, denominado de Privacidade, conta a história de um adolescente que começou a namorar, mas esperou algum tempo até contar aos pais. Eles, curiosos para saber o que estava acontecendo, mexeram, às escondidas, no celular do filho para obter informações. O último dilema, chamado de Saída Noturna, narra a história de um adolescente que gostaria de ir com os amigos a um show musical à noite, mas seus pais o proibiram, dizendo-lhe que a violência estava muito grande.

Além dos dilemas, a entrevista continha perguntas para avaliar a estratégia que o participante utilizaria para resolver o conflito e o grau de defesa do domínio pessoal. Na primeira questão, investigou-se a forma como isso decorreria, por meio da seguinte pergunta: Se você fosse o adolescente da história, como resolveria esta situação?. As respostas para essa pergunta deram origem a sete categorias.

As outras questões foram acerca do grau em que o respondente defende o seu domínio pessoal. Para isso, foram feitas as seguintes perguntas ao participante: a) O que você acha da atitude dos pais do personagem da história?; b) Você acha que os pais têm o direito de tomar esse tipo de decisão sobre a vida do(a) filho(a)?; c) Você acha que o adolescente tem o direito de tomar esse tipo de decisão sobre sua vida sem a interferência dos pais?.

Procedimento de coleta de dados

Os dados foram coletados através do contato com algumas escolas. Depois de obter o consentimento da direção, os investigadores entraram em sala de aula e expuseram os objetivos da pesquisa para os alunos. Os participantes foram escolhidos por meio de sorteio, contanto que atendessem aos critérios de inclusão e tivessem a autorização dos pais, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Depois de adquirir o consentimento dos pais, os estudantes assinaram um Termo de Assentimento Livre e Esclarecido e, posteriormente, responderam ao instrumento. Todos os procedimentos utilizados no estudo foram aprovados por um Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 5036115.0.0000.5188). As entrevistas foram feitas individualmente, usando-se um gravador, em sala reservada para tal finalidade. Os dilemas foram apresentados de maneira aleatória para os participantes, visando controlar os efeitos de ordem. O tempo de duração das entrevistas variou de 12 a 20 minutos.

Análise dos dados

Para avaliar o grau de defesa do domínio pessoal, depois de analisadas as respostas às três perguntas, foi feita uma análise de conteúdo semântica (Bardin, 1977Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Edições 70.) com a participação de quatro juízes independentes, que não sabiam os objetivos da pesquisa e foram solicitados a indicar seu acordo ou desacordo com o nível de defesa do domínio pessoal que foi atribuído a cada uma das respostas dadas pelo participante. Para ordenar as categorias encontradas, adotou-se um sistema de pontuação de quatro níveis hierárquicos de defesa do domínio pessoal (Braga, 2017Braga, L. (2017). Defesa do Domínio Pessoal e Resolução de Conflitos Familiares por Adolescentes. [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Paraíba]. Repositório Institucional da UFPB. https://bit.ly/3mIFSH5
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). A análise das respostas dos juízes revelou uma concordância de 75% interjuízes.

Foram encontradas as seguintes categorias: Ausência de defesa do DP (codificada como nível 0), que engloba as respostas dos adolescentes que defendem o uso da autoridade por seus pais. Nesse caso, o adolescente só pode seguir uma decisão própria se tiver o apoio dos pais e, em caso de conflito, o comportamento adequado será o que eles impuserem.

Defesa inconsistente do DP, codificada como nível 1. Essa categoria trata das respostas dos adolescentes em que se evidencia um conflito entre defender o próprio DP e aceitar a interferência dos pais. Há um confronto entre o direito dos pais e o dos filhos: os pais podem exercer autoridade sobre os filhos, que também devem tomar as próprias decisões. Os discursos são, geralmente, confusos, porquanto ora se diz uma coisa, ora se diz outra.

Defesa do DP com Prudência, codificada como 2, em que o adolescente reconhece a existência de um DP, mas aceita a interferência de seus pais, que é justificada por conteúdos de prudência. Eles podem interferir nas escolhas dos filhos, visando orientá-los, e os alertam quanto às possíveis consequências de determinado comportamento. Nessa categoria, pais e filhos devem entrar em consenso.

Defesa Total do DP, codificada como 3, que trata das respostas dos participantes que defendem o direito do adolescente de fazer as próprias escolhas. Os participantes reconhecem que os pais podem se preocupar com seu futuro, porém não têm o direito de agir de forma autoritária. A função dos pais é de orientar e dialogar, jamais controlar.

Em relação às respostas sobre o tipo de resolução de conflito, também foi utilizada a análise de conteúdo semântica (Bardin, 1977Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Edições 70.), seguindo um procedimento semelhante ao que foi referido.

Em seguida, os dados foram tabulados no programa estatístico SPSS - Statistical Package for Social Sciences, versão 20.0, e analisados por meio de estatística descritiva e não paramétrica. Foi estabelecido o nível de significância de 0,05 (Field, 2021Field, A. (2021). Descobrindo a estatística usando o SPSS. (5a ed.). Grupo A.).

Resultados

Resolução de conflito

A análise das respostas à pergunta: Como você resolveria essa situação, se estivesse no lugar do personagem adolescente? deu origem a sete categorias: Assunção de Culpa; Submissão; Mentira; Hostilidade; Diálogo/Explicação; Negociação e Outra. A descrição de cada categoria será apresentada a seguir, com os respectivos exemplos.

Assunção de Culpa

Nesta categoria, o adolescente abdica do seu direito de decidir em prol da vontade do agente de socialização e acredita que é um erro agir sem a permissão dos pais e pede desculpas, com o intuito de restabelecer o elo de confiança. Exemplo: “Eu acho que... sei lá, eu morria de pedir desculpas à minha mãe e tentaria ganhar a confiança dela de novo” (Part. 1, sexo feminino - Dilema do Início da Vida Sexual).

Submissão

Essa categoria é relativa às respostas dos adolescentes que privilegiam a avaliação dos pais sobre como deveriam agir em detrimento da avaliação acerca da própria vida. Exemplo: “Se eles não deixassem eu sair, eu iria deixar pra lá, porque, quando mãe fala, tem 100% de chance de dar errado. Ela mesma fala sempre isso pra mim, sempre” (Part. 18, sexo feminino - Dilema da Saída Noturna).

Mentira

Nessa categoria, o adolescente age em favor de seu desejo, mas esconde sua ação dos pais, por vergonha ou por medo de retaliação. Exemplo: “Eu acho que eu tentaria dar uma enrolada na minha mãe (risos)”. (Part. 19, sexo masculino - Dilema do Início da Vida Sexual)

Hostilidade

Nessa categoria, o adolescente defende seu ponto de vista e critica os pais por usarem o autoritarismo. O adolescente deixa de se comunicar com o agente de socialização em retaliação ao uso da autoridade. Exemplo: “Eu ia brigar muito. Muito. Eu acho muito chato, sei lá, você se sente como se sua mãe não confiasse nada em você, parece que você é uma estranha e para descobrir as coisas tem que usar alternativas” (Part. 5, sexo feminino - Dilema da Privacidade).

Diálogo/Explicação

Essa categoria é caracterizada pelas respostas dos participantes que defendem uma conversa entre o adolescente e o(a) agente de socialização, em que o primeiro expõe seu ponto de vista acerca da situação vivenciada e escuta o dos pais. Exemplo: “Eu conversaria com meus pais e explicaria o meu lado, o porquê de ter tomado aquela decisão. Explicaria que eu tomei a decisão de forma consciente, e não por impulso.” (Part. 36, sexo masculino - Dilema do Início da Vida Sexual)

Negociação

Nessa categoria, o adolescente tenta conciliar sua vontade com o desejo dos pais. Exemplo: “Eu ia tentar achar alternativas com os meus pais, sei lá, fazer História na USP, e pensar em juntar recursos pra uma especialização fora, e assim poder me garantir” (Part. 5, sexo feminino - Dilema da Escolha da Carreira).

Outra

Nessa categoria, só foi englobada uma resposta, em que o adolescente entende que não há conflito a ser resolvido. Exemplo: “Eu deixaria ela mexer no meu celular, não me sentiria invadido” (Part. 24, sexo masculino - Dilema da Privacidade).

Na Tabela 1, apresentam-se as frequências e os percentuais relativos às diferentes resoluções de conflito para cada dilema.

Tabela 1
Frequências e percentuais relativos às diferentes resoluções de conflito para cada dilema (entre parênteses, os valores esperados para cada variável).

Para saber se havia associações significativas entre as variáveis, foi realizado o teste exato de Fisher. O resultado demonstrou haver associação entre os dilemas e os estilos de resolução de conflitos [χ²(18) = 100,21; p < 0,001]. Para verificar quais variáveis estavam mais fortemente associadas, observamos o pressuposto da comparação entre os valores esperados e os observados. As associações mais evidentes se encontraram nos pares cujos valores observados foram maiores do que os esperados (Field, 2021Field, A. (2021). Descobrindo a estatística usando o SPSS. (5a ed.). Grupo A.). Assim, de modo geral, conforme demonstrado na Tabela 1, constatou-se que houve uma notória associação entre o dilema do Início da Vida Sexual e a resolução por meio do Diálogo/Explicação; o dilema da Escolha de Carreira e Diálogo/Explicação; o Dilema da Saída Noturna e Diálogo/Explicação; o dilema da Privacidade e a Hostilidade; o Dilema da Saída Noturna e a Submissão; e, por fim, o dilema do Início da Vida Sexual e a Assunção da culpa. Além disso, percebeu-se uma associação fraca entre o dilema da Saída Noturna e Negociação.

Resolução de conflito e grau de defesa do domínio pessoal

Pretendendo verificar se havia diferença significativa entre os níveis de defesa do domínio (variável dependente), considerando os tipos de resolução de conflitos utilizados pelos adolescentes (variável independente) - Assunção de Culpa, Submissão, Mentira, Hostilidade, Diálogo e Negociação - e os níveis de defesa do DP - Ausência de Defesa do DP, Defesa Inconsistente do DP, Defesa do DP com Prudência e Defesa Total do DP - foi realizado o teste U de Mann-Whitney para cada dilema. Foram encontrados efeitos em três dilemas: Início da Vida Sexual, Escolha da Carreira e Privacidade. Com relação ao Dilema do Início da Vida Sexual, encontrou-se uma diferença significativa ao se comparar o nível de defesa do DP com ter ou não Culpa, indicando que ter culpa e não ter culpa diferencia o nível de defesa do DP dos participantes (U = 57,50; p = 0,02). Constatou-se que os participantes que não utilizaram Culpa no Dilema do Início da Vida Sexual apresentaram nível 3 - Defesa Total do DP (med = 3; quartil variou de 1 a 3). Já os participantes que utilizaram Culpa tiveram seu nível de defesa do DP circunscrito no Nível 0 - Ausência de Defesa do DP (med = 0, quartil variando de 0 a 2,75).

Quanto ao Dilema da Escolha da Carreira, foram encontrados efeitos de Submissão (U = 19,00; p < 0,001), Diálogo (U = 28,00; p < 0,001) e Negociação (U = 7,50; p < 0,001). No que diz respeito à Submissão, os participantes que não a utilizaram apresentaram nível 3 - Defesa Total do DP (med = 3, quartis iguais a 3), e os que a utilizaram tiveram seu nível de DP localizado no nível 0 - Ausência de Defesa do DP (med = 0, quartil variou de 0 a 2,25). Sobre o Diálogo, os participantes que não o utilizaram tiveram seus níveis de defesa do DP localizados entre 0 e 1 - Ausência de Defesa do DP e Defesa Inconsistente do DP (med = 0,50, quartil variou de 0 a 2,50). Já os que o usaram em suas respostas apresentaram nível 3 - Defesa Total do DP (med = 3, quartis iguais a 3). Na Negociação, os participantes que não recorreram a esse tipo de resolução de conflito apresentaram nível de defesa do DP localizado em 3 - Defesa Total do DP (med = 3, quartis iguais a 3), e os que a utilizaram tiveram nível 1 de defesa do DP - Defesa Inconsistente do DP (med = 1, quartil variou de 0 a 1).

Finalmente, no Dilema da Privacidade, foi encontrado efeito significativo do uso da Culpa (U = 3,00; p = 0,03). Os adolescentes que não utilizaram Culpa para resolver conflitos apresentaram nível 3 - Defesa Total do DP. Já os que utilizaram Culpa em suas respostas tiveram seu nível de defesa do DP localizado nos níveis 0 e 1 - Ausência de Defesa do DP e Defesa Inconsistente do DP (med = 0,50, quartil que variou de 0 a 0,75).

A fim de saber se há diferenças na forma de lidar com os conflitos em função do sexo, foi utilizado o teste do Qui-quadrado para duas amostras independentes. Só foi encontrada uma associação, na forma de resolução Culpa, no Dilema do Início da Vida Sexual (χ²(1) = 5,78; p < 0,016; V = 0,40). A associação foi entre o sexo masculino não apresentar Culpa.

Discussão

Neste artigo, objetivamos identificar as estratégias de resolução de conflito utilizadas por adolescentes com seus pais. As estratégias de resolução de conflito encontradas foram: Assunção de Culpa, Submissão, Mentira, Hostilidade, Diálogo/Explicação, Negociação e Outras. A categoria com o maior número de respostas foi o Diálogo/Explicação, que esteve bastante associada a todos os dilemas, com exceção do Dilema da Privacidade. Supõe-se que uma das razões para essa estratégia ter sido empregada com frequência deveu-se à característica da amostra, composta de adolescentes com idades e nível de escolaridade mais avançados, alunos do Ensino Médio e de escolas privadas, que, supõe-se, tenham, com o avanço de idade, adquirido mais capacidade de tomar a perspectiva do outro e de utilizar técnicas de raciocínio mais elevadas para resolver a situação (Selman, 1976Selman, R. L. (1976). Social-cognitive understanding: a guide to educational and clinical practice. In: T. Lickona (Ed.), Moral Development and Behavior: theory, research and social issues, (pp. 299-316). Holt, Rinehart & Winston.). Esse resultado parece corroborar os achados de Van Doorn et al. (2011Van Doorn, M. Branje, S., Valk, I., Goede, I., & Meeus, W. (2011). Longitudinal Spillover Effects of Conflict Resolution Styles Between Adolescent-Parent Relationships and Adolescent Friendships. Journal of Family Psychology , 25(1), 157-161. https://doi.org/10.1037/a0022289
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), que verificaram que, do meio para o final da adolescência, a submissão dos filhos adolescentes aos pais diminuía em favor de uma relação mais simétrica, o que confirma a primeira hipótese desta análise.

A segunda categoria com o maior número de respostas foi a Hostilidade, que só esteve associada ao Dilema da Privacidade. Acredita-se que isso tenha ocorrido em função do conteúdo do dilema, que narra uma mãe que, intencionalmente, esperou o filho adolescente ir tomar banho para mexer em seu celular. Possivelmente, ao se identificarem com o personagem, os adolescentes sentiram-se traídos pela atitude da mãe, o que explica o surgimento do sentimento de raiva e o comportamento hostil na resolução do conflito. A Hostilidade, nesta pesquisa, refere-se ao que Kurdek (1994Kurdek, L. (1994). Conflict Resolution Style in gay, lesbian, heterosexual nonparent, and heterosexual parent couples. Journal of Marriage and Family , 56(3), 705-722. https://doi.org/10.2307/352880
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) nomeou de resolução agressiva, e diz respeito a comportamentos abusivos, irritadiços, defensivos ou de perda do controle.

A Assunção de Culpa apresentou baixa frequência de respostas em todos os dilemas e só esteve associada ao dilema do Início da Vida Sexual e às participantes do sexo feminino, o que corrobora a segunda hipótese deste artigo. Acredita-se que, apesar dos avanços na conquista dos direitos sexuais, a vida sexual, para as mulheres, ainda é atravessada por uma forte repressão. Esse dado é semelhante ao que Daddis e Smetana (2005Daddis, C., & Smetana, J. (2005). Middle-class African American families’ expectations for adolescents’ behavioural autonomy. International Journal of Behavioral Development, 29(5), 371-381. https://doi.org/10.1177/01650250500167053
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) apontaram em sua pesquisa: uma baixa autonomia das adolescentes do sexo feminino no momento de ter relações sexuais, quando comparada com a autonomia dos adolescentes do sexo masculino. Nesse sentido, o fato das verbalizações das adolescentes sinalizarem menos abertura para o contexto das relações sexuais pode estar relacionado à socialização dos pais nessa área, que restringem mais a concessão da autonomia para suas filhas do que para os filhos (Raffaelli, 2005Raffaelli, M. (2005). Adolescent dating experiences described by Latino college students. Journal of Adolescence , 28(4), 559-572. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2005.04.001
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).

A Submissão associou-se significativamente ao dilema da saída noturna, o que também corrobora a terceira hipótese deste trabalho, uma vez que, em estudo anterior (Smetana & Asquith, 1994Smetana, J., & Asquith, P. (1994) Adolescents’ and Parents’ Conceptions of Parental Authority and Adolescent Autonomy. Child Development , 65(4), 1143-1158. https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.1994.tb00809.x
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), os autores constataram a tendência dos adolescentes em considerar que seus pais podiam exercer autoridade para regular conteúdos que envolviam a prudência. Esse resultado confirma a hipótese apresentada por Caetano e colaboradores (2019Caetano, L. M., Souza, J. M., Silva, C. O., & Choi, P. Y. (2019). Concepções educativas morais de crianças e adolescentes: diálogo entre a teoria do juízo moral de Piaget e a teoria do domínio social de Turiel. Educação e Pesquisa, 45, 1-19.) com adolescentes do Brasil, que revelou que, quando os filhos são expostos a situações prudenciais, isto é, que podem causar danos ao próprio indivíduo, legitimam a autoridade parental. Note-se que a saída noturna envolve alguns tipos de riscos potenciais: a segurança do adolescente é ameaçada na medida em que ele fica mais exposto à violência, à ingestão de bebidas alcoólicas e à influência dos pares, que pode não ser positiva. Considerando que, na adolescência, muitas decisões importantes são tomadas longe da supervisão de um adulto, o uso da submissão pelos adolescentes pode ser considerado como um fator de proteção, porquanto eles passam a privilegiar a prudência dos pais e a se submeterem ao seu julgamento. No estudo de Dost-Gözkan (2019), o uso da submissão pelos adolescentes como estratégia para resolver conflitos com a mãe foi associado positivamente à satisfação com a vida, e a conformidade foi referida como uma estratégia construtiva. Especificamente, acerca da saída noturna no Brasil, Sapiro et al. (2006Sapiro, C., Turiel, E., & Nucci, L. (2006). Brazilian adolescents’ conceptions of autonomy and parental authority. Cognitive Development , 21(3), 317-331. https://doi.org/10.1016/j.cogdev.2006.01.001
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) verificaram que adolescentes brasileiros julgavam certo os pais tomarem decisões sobre a saída noturna de seus filhos, justificando suas respostas com base na responsabilidade e no direito dos pais de protegê-los.

A categoria Negociação, compreendida, neste artigo, como a tentativa do adolescente de conciliar sua vontade com o desejo de seus pais, esteve associada no dilema da Saída Noturna. Acredita-se que essa associação está relacionada ao fato dos adolescentes atribuírem aos pais mais experiência para legislar sobre esse assunto, com base em suas vivências e experiências alcançadas ao longo dos anos, o que também corrobora a terceira hipótese deste trabalho. Observe-se que a Negociação revela que pais e filhos chegam a um consenso. Esse comportamento se aproxima do que Vuchinich (1990Vuchinich, S. (1990). The sequential organization of closing in verbal family conflict. In: A. D. Grimshaw (Ed.), Conflict talk: Sociolinguistic investigations of arguments in conversations (pp. 118-138). Cambridge University Press.) chamou de Compromisso, referindo-se a uma concessão de ambas as partes que ocorre por meio de um acordo. Segundo Smetana et al. (1991Smetana, J., Braeges, J., & Yau, J. (1991). Doing What you say and Say What you do: Reasoning About Adolescent-Parent Conflict In Interviews And Interactions. Journal of Adolescence Research, 6(3), 276-295. https://doi.org/10.1177/074355489163002
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), essa forma pode ser positiva para resolver conflitos e manter em equilíbrio o funcionamento familiar.

Por fim, a Mentira apresentou um nível baixo de respostas e só apareceu no dilema do Início da Vida Sexual e no da Saída Noturna. O fato das respostas classificadas nessa categoria terem surgido apenas nesses dois dilemas mostra certo amadurecimento dos adolescentes e, possivelmente, uma forte motivação para atingirem seus objetivos no que diz respeito a esses dois conteúdos (vida sexual e saída noturna). Quando não aceitam a interferência de seus pais nessas áreas, os adolescentes recorrem à mentira para que seu domínio pessoal não seja tolhido. Esse resultado corrobora o encontrado em um estudo recente (Gingo, Roded, & Turiel, 2017Gingo, M., Roded, A. D., & Turiel, E. (2017). Authority, Autonomy, and Deception: evaluating the Legitimacy of Parental Authority and Adolescent Deceit. Journal of research on adolescence: the official journal of the Society for Research on Adolescence, 27(4), 862-877. https://doi.org/10.1111/jora.12319
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), em que se verificou que os adolescentes julgavam aceitável mentir para os pais sobre conteúdos referentes ao domínio pessoal, justificando o uso da mentira com a defesa de prerrogativas pessoais. Essa categoria corresponde ao que Vuchinich (1990Vuchinich, S. (1990). The sequential organization of closing in verbal family conflict. In: A. D. Grimshaw (Ed.), Conflict talk: Sociolinguistic investigations of arguments in conversations (pp. 118-138). Cambridge University Press.) chamou de Impasse, porque, nas duas condições, há uma mudança no verdadeiro tema do conflito sem que haja uma resolução.

O segundo objetivo deste trabalho foi verificar a associação entre as estratégias de resolução e o grau de defesa do DP. Os resultados indicaram uma associação significativa entre a Assunção de culpa e frequências baixas de defesa do DP e entre não ter culpa e frequências elevadas de defesa do DP. Do ponto de vista psicológico, o sentimento de culpa é proveniente da percepção de que um dano foi causado ao objeto amado e originou-se nos impulsos agressivos de quem praticou o ato. Assim, essa sensação vem acompanhada de uma tendência de reparação ao possível conflito ocasionado (Klein, 1948Klein, M. (1948). Sobre a Teoria da Ansiedade e da Culpa. In: M. Klein (Ed.), Inveja e Gratidão e Outros Trabalhos (1946-1963). Imago.). Interpreta-se que a associação entre sentir culpa e apresentar frequências baixas de defesa do DP é justificável na medida em que, se o sujeito se repreende pela prática de um ato, não seria coerente defender sua liberdade para praticá-lo. Essa relação é válida tanto no dilema do Início da Vida Sexual quanto no da Privacidade, possivelmente, porque os dois estão associados às questões sexuais, ainda bastante reguladas socialmente.

A Submissão também foi associada significativamente ao nível de defesa do DP: no dilema da Escolha da Carreira, houve associação entre agir com submissão e o nível 0 de defesa do DP, e não agir com submissão e apresentar o nível 3 de defesa do DP. A esse respeito, pode-se dizer que os sujeitos que utilizaram a submissão nesse contexto específico podem estar mais próximos do estágio da heteronomia descrito por Piaget (1932Piaget, J. (1932). O Juízo Moral na Criança. Summus.). Para esse autor, a heteronomia caracteriza-se pela submissão do indivíduo às regras que são consideradas sagradas e intangíveis. Nesse sentido, o bom comportamento é aquele que está em conformidade com as regras estabelecidas, neste caso, com o julgamento dos pais sobre as carreiras profissionais que seriam as melhores para seus filhos.

Outra associação significativa em relação ao dilema da Escolha da Carreira foi encontrada em relação ao Diálogo/Explicação. Os participantes que não utilizaram essa forma de resolver conflitos apresentaram frequências baixas de defesa do DP, localizado entre os níveis 0 e 1, e os participantes que recorreram ao Diálogo apresentaram nível 3 de defesa do DP. A utilização do Diálogo/Explicação pelos adolescentes pode ser consequência de um desenvolvimento positivo da autonomia comportamental, que está relacionada a uma capacidade crescente de autorregulação associada a uma parentalidade de apoio (Pavlova, Haase & Silbereisen, 2011Pavlova, M., Haase, C., & Silbereisen, R. (2011). Early, on-time, and late behavioural autonomy in adolescence: Psychosocial correlates in young and middle adulthood. Journal of Adolescence, 34(2), 361-370. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2010.04.002
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). De fato, pais mais explicativos favorecem para uma dinâmica de mais coesão e menos conflitos com os filhos (Bi et al., 2018Bi, X., Yang, Y., Li, H., Wang, M., Zhang, W., & Deater-Deckard, K. (2018). Parenting Styles and Parent-Adolescent Relationships: the Mediating Roles of Behavioral Autonomy and Parental Authority. Frontiers in Psychology, 9(2187), 1-13.), e isso lhes facilita reconhecer sua zona de privacidade para a tomada de decisões ou, mais especificamente, seu domínio pessoal.

No que diz respeito ao dilema da Escolha da Carreira, o uso da Negociação como forma de resolução associou-se ao nível 1 de defesa do DP, ao passo que os participantes que não o usaram tiveram seu nível de defesa do DP localizado em 3. Esse resultado sugere que a tentativa de renunciar à própria convicção para se harmonizar com a dos pais revela uma frequência mais baixa de defesa do domínio pessoal e que, embora a Negociação esteja associada a um ambiente familiar mais harmônico (Smetana et al. 1991Smetana, J., Braeges, J., & Yau, J. (1991). Doing What you say and Say What you do: Reasoning About Adolescent-Parent Conflict In Interviews And Interactions. Journal of Adolescence Research, 6(3), 276-295. https://doi.org/10.1177/074355489163002
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), pode não ser uma estratégia tão avançada do ponto de vista da autonomia do adolescente. Contudo, o uso da Negociação pode ser uma alternativa positiva para que tenha um desenvolvimento saudável, uma vez que, ao negociar com seus pais, o adolescente pode avaliar possíveis riscos e ponderar suas decisões com mais prudência, ao invés de agir unilateralmente em prol dos seus desejos.

Destaca-se, finalmente, que este artigo contribui para a pesquisa sobre a resolução de conflito ao utilizar uma metodologia que integrou métodos qualitativos para a análise de dados e foi capaz de mensurar a força da relação entre as variáveis (estratégias de resolução e o grau de defesa do domínio pessoal) quantitativamente, dando mais força, precisão e robustez às conclusões aqui encontradas.

Considerações finais

A adolescência é uma etapa do desenvolvimento caracterizada por um realinhamento de poder nas relações familiares, em que os filhos se empenham para ter mais autonomia em suas escolhas. Essa mudança, muitas vezes, serve como estopim para o surgimento de conflitos entre pais e filhos que, a depender de como são resolvidos, podem favorecer ou prejudicar seu desenvolvimento.

Os resultados desta pesquisa evidenciaram diferentes estratégias empregadas na resolução de conflitos, e o estilo predominante utilizado pelos adolescentes foi o Diálogo/Explicação. O conteúdo dessa categoria revela o desejo dos participantes de serem ouvidos e respeitados em suas decisões, o que aponta para o reconhecimento e para a legitimação de seu domínio pessoal. De fato, essa categoria foi associada de maneira significativa a uma frequência elevada de defesa do domínio pessoal, indicando que a resolução de conflitos também é uma forma de revelar ou não o quanto o adolescente luta por sua autonomia. Portanto, considerou-se que os objetivos deste artigo foram alcançados satisfatoriamente.

Uma vez que não foram encontradas pesquisas no Brasil que investigassem se a resolução de conflito utilizada pelos adolescentes estava associada ou não ao modo como defendiam seu DP, acredita-se que esses achados representam uma novidade para o campo das relações familiares e da construção da autonomia na adolescência.

Como limitações desta investigação, ressalta-se o fato da pesquisa ter sido realizada com apenas um grupo etário, em uma amostra predominantemente branca e de classe média alta. Faz-se necessário analisar com mais detalhes as estratégias de resolução de conflitos de adolescentes em famílias de diferentes etnias e classes sociais, para verificar se os resultados podem ser diferentes. Para analisar o grau de defesa do domínio pessoal, sugere-se que seja utilizada uma medida mais objetiva do grau de defesa do domínio pessoal, como uma escala, para confirmar os dados aqui obtidos.

Levando em consideração que pesquisas realizadas com adolescentes revelaram que a percepção dos filhos sobre o controle de seus pais em conteúdos do domínio pessoal está associada ao desajuste psicológico do adolescente (Chen-Galdini, Liu & Nucci, 2020Chen-Galdini, M., Liu, J., & Nucci, L. (2020). “It’s My Own Business!”: Parental Control Over Personal Issues in the Context of Everyday Adolescent-Parent Conflicts and Internalizing Disorders Among Urban Chinese Adolescents. Developmental Psychology, 56(9), 1775-1786. https://doi.org/10.1037/dev0001053
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), é importante verificar, em estudos futuros, a relação entre estilos de resolução de conflito submissos, como Assunção de Culpa e Submissão e o ajustamento psicológico dos filhos e se essa relação é mediada pela defesa do DP.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Jul 2021
  • Aceito
    23 Fev 2023
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