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Percepções de Familiares sobre uma Rede de Cuidados de Saúde Mental Infantojuvenil

Family perceptions about a Children’s Mental Health network

Percepciones Familiares sobre una Red de Atención de Salud Mental Infantojuvenil

Resumo

Este artigo pretende conhecer como a rede de cuidados em saúde tem se operacionalizado a partir da percepção de familiares de crianças com demanda de cuidado em saúde mental (SM). Foram realizados dois grupos focais, um com familiares da Atenção Básica (AB) e outro com familiares do Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij), totalizando 15 participantes. Seguiu-se com a análise lexical do tipo classificação hierárquica descendente, com o auxílio do software R Interface, a fim de análises multidimensionais de textos e questionários (IRaMuTeQ), resultando em cinco classes: A Pílula Mágica; Forças e Fraquezas dos serviços; Procurando por ajuda; Aceitando o diagnóstico da criança e Onde procurei ajuda. Os resultados apontam para dificuldades presentes na AB em identificar e manejar situações de Saúde Mental Infantojuvenil (SMIJ), por meio de uma lógica ainda medicalizante. Ressalta-se que a escola é apresentada como lugar de destaque na produção da demanda por cuidado e a família ainda é pouco convocada à construção das ações. Conclui-se, então, que avanços ainda são necessários para operacionalização de um cuidado pautado nas diretrizes da política de SMIJ.

Palavras-chave:
Assistência à Saúde Mental; Criança; Adolescente; Colaboração intersetorial; Política de Saúde

Abstract

This article aims to know how the healthcare network has been operationalized from the perception of family members of children with demand for mental health care (MH). Two focus groups were held, one with family members from Primary Care (PC) and the other with family members from the Child Psychosocial Care Center (CAPSij), totaling 15 participants. A lexical analysis of the descending hierarchical classification type was performed with the help of the software R Interface for multidimensional analyzes of texts and questionnaires (IRAMUTEQ), resulting in five classes: The Magic Pill; Strengths and Weaknesses of services; Looking for help; Accepting the child’s diagnosis; and Where did I look for help. The results point to difficulties present in PC in identifying and managing situations of mental health in children and adolescents (MHCA), with a medicalization logic. Note that the school is presented as a prominent place in producing the demand for care, and the family is still not very much involved in the actions. It is, thus, concluded that advances are still needed for operationalization of care guided by MHCA policy guidelines.

Keywords:
Mental Health Assistance; Child; Adolescent; Intersectoral collaboration; Health Policy

Resumen

Este artículo tuvo por objetivo conocer cómo opera una red asistencial a partir de la percepción de familiares de niños con demanda de atención en salud mental (SM). Se realizaron dos grupos focales, uno con familiares de Atención Primaria (AP) y otro con familiares del Centro de Atención Psicosocial Infantojuvenil (CAPSij), totalizando 15 participantes. Se realizó análisis léxico del tipo clasificación jerárquica descendente con la ayuda del software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ), lo que resultó en cinco clases: “La píldora mágica”; “Fortalezas y debilidades de los servicios”; “En busca de ayuda”; “Aceptar el diagnóstico del niño” y “¿Dónde busqué ayuda?”. Los resultados apuntan las dificultades presentes en AP para identificar y manejar situaciones de salud mental infantojuvenil (SMIJ) mediante una lógica aún medicalizante. La escuela tiene un lugar destacado en la producción de la demanda de cuidados y la familia aún no está muy involucrada en la construcción de acciones. Se concluye que se necesitan avances para ofertar una atención guiada por lineamientos de la política del SMIJ.

Palabras clave:
Atención a la Salud Mental; Niño; Adolescente; Colaboración Intersectorial; Política de Salud

Introdução

As ações dirigidas às crianças e adolescentes no Brasil são historicamente circunscritas a um ideário de proteção, sobretudo, fundamentado em uma lógica higienista e de inspiração normativo-jurídica, o que levou à construção de um modelo de assistência com forte tendência à institucionalização e segregação de crianças e adolescentes que apresentavam necessidade de cuidados em Saúde Mental (SM) (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Ministério da Saúde.; Couto, Duarte, & Delgado, 2008Couto, M. C. V., Duarte, C. S., & Delgado, P. G. G. (2008). A saúde mental infantil na Saúde Pública brasileira: situação atual e desafios. Revista Brasileira de Psiquiatria, 30(4), 384-389. https://doi.org/10.1590/S1516-44462008000400015
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; Teixeira, Duarte, & Delgado, 2017Teixeira, M. R., Couto, M. C. V., & Delgado, P. G. G. (2017). Atenção básica e cuidado colaborativo na atenção psicossocial de crianças e adolescentes: facilitadores e barreiras. Ciência & Saúde Coletiva , 22(6), 1933-1942. https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017226.06892016
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).

Ao contrário do que se observou na construção das políticas de SM para a população adulta, em relação ao público infantojuvenil, elas foram tardias (Braga & D’Oliveira, 2016; Couto et al., 2008Couto, M. C. V., Duarte, C. S., & Delgado, P. G. G. (2008). A saúde mental infantil na Saúde Pública brasileira: situação atual e desafios. Revista Brasileira de Psiquiatria, 30(4), 384-389. https://doi.org/10.1590/S1516-44462008000400015
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). Com o movimento de redemocratização do país, essas concepções sobre infância e adolescência foram repensadas e, atualmente, as políticas públicas de SM para esse público são orientadas pelo documento Caminhos para uma Política de Saúde Mental InfantoJuvenil (PSMIJ) (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Ministério da Saúde.). Este texto aponta as diretrizes e os princípios que norteiam um cuidado integral, assim como os desafios que se colocam na área de SM (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Ministério da Saúde.).

Um dos princípios fundamentais para a ética do cuidado a essa população refere-se ao fato de considerar crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos e de desejo. Essa noção concebe agência a eles, ou seja, elevam-os a condição de sujeitos de voz e escuta ativa, tornando-os, portanto, capazes de endereçar suas demandas por cuidado e participar da elaboração de ações em resposta a elas (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Ministério da Saúde., 2014Brasil. Ministério da Saúde. (2014). Atenção Psicossocial a Crianças e Adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. Ministério da Saúde.).

Todavia, ainda que haja certa autonomia aos jovens, os responsáveis pelo seus cuidados também são, inicialmente, os seus porta-vozes, os quais sofrem diante da dificuldade de acesso aos serviços de SM. A família tem lugar essencial no processo de atenção em SM tanto como participante ativo quanto como foco de ações de cuidado, sendo necessário promover com ela estratégias que, além do acolhimento, possam ampliar as ferramentas de fortalecimento e enfrentamento da situação (Rossi & Cid, 2019Rossi, L. M., & Cid, M. F. B. (2019). Adolescência, saúde mental e crise: a história contada por familiares. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(4), 734-742. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1811
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).

O trabalho dos serviços de SMIJ inclui intervenções em conjunto com todos os equipamentos - de natureza clínica ou não - que, de uma forma ou de outra, estejam envolvidos na vida das crianças e adolescentes dos quais se propõem cuidar, por exemplo, a assistência social; a justiça; a educação; entre outras (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Ministério da Saúde., 2014Brasil. Ministério da Saúde. (2014). Atenção Psicossocial a Crianças e Adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. Ministério da Saúde.). Segundo Couto, Duarte e Delgado (2008Couto, M. C. V., Duarte, C. S., & Delgado, P. G. G. (2008). A saúde mental infantil na Saúde Pública brasileira: situação atual e desafios. Revista Brasileira de Psiquiatria, 30(4), 384-389. https://doi.org/10.1590/S1516-44462008000400015
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), a intersetorialidade é um fundamento sem o qual não se faz possível a assistência integral e resolutiva às crianças e adolescentes em sofrimento.

Sobre isso, a PSMIJ aponta cinco princípios que devem orientar os serviços e suas práticas: acolhimento universal, encaminhamento implicado, construção permanente de rede, território e intersetorialidade na ação do cuidado. O acolhimento universal pressupõe que toda e qualquer demanda dirigida ao serviço de saúde do território deve ser acolhida, isto é, recebida, ouvida e respondida; o encaminhamento implicado pressupõe que o sujeito responsável pelo processo tutele o encaminhamento, bem como se responsabilize pelo endereçamento da solicitação, discuta as condições do atendimento e, até mesmo, a sua desconstrução como demanda de atendimento quando o for necessário; a construção permanente de rede pressupõe a ideia de um cuidado que não se limita, tampouco acaba em intervenções técnicas ou especializadas, além disso, os demais serviços e equipamentos do território compõem uma rede em permanentemente construção; o território, para além de uma concepção de espaço geográfico, pressupõe um lugar psicossocial e existencial do sujeito, tecido pelos fios que são as instâncias pessoais e institucionais, as quais atravessam a sua experiência, incluindo casa, escola, igreja, clube. Por fim, a intersetorialidade na ação do cuidado pressupõe que o trabalho em SM deve integrar outros serviços de natureza clínica e não clínica, como outras agências sociais que atravessam a vida das crianças e jovens, tais como escola, igreja, órgãos da justiça e da infância e adolescência, conselho tutelar, instituições de esporte, lazer, cultura, entre outros (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Ministério da Saúde., 2014Brasil. Ministério da Saúde. (2014). Atenção Psicossocial a Crianças e Adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. Ministério da Saúde.).

A partir desses princípios, este artigo pretende analisar a operacionalização de uma rede de SM sob a ótica de familiares responsáveis pelo cuidado de crianças em sofrimento psíquico. Por meio da percepção dos familiares acerca de seu percurso na rede à procura de assistência, espera-se lançar luz sobre como os princípios e diretrizes da PSMIJ têm orientado as práticas e os serviços.

Método

Este artigo trata-se de pesquisa de caráter qualitativo realizada em um município da região Sudeste. Participaram familiares de crianças atendidas em uma Unidade de Saúde (US) da Família e no Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSij) com demandas ligadas à SM.

Foram realizados dois grupos focais (GF): um com familiares da Atenção Básica (F. AB), com sete participantes; e outro com familiares do CAPSij (F. CAPSij), com oito integrantes, sendo que este aconteceu em dois encontros, já que os participantes não conseguiram esgotar os tópicos da discussão no tempo previsto. Cada encontro teve duração de uma hora e 30 minutos, no máximo, de duas horas. Os familiares do CAPSij já integravam um grupo de pais que se reunia semanalmente no serviço e os da AB conheciam-se eventualmente por morarem na mesma comunidade.

A discussão no GF aconteceu com ajuda de um roteiro que visou conhecer o percurso da criança e de sua família na rede de SM com perguntas como: Como vocês perceberam que sua criança precisava de algum tipo de atendimento? Quais as dificuldades que ele apresentou? Onde você procurou ajuda? Onde sua criança é atendida atualmente? Você saberia explicar qual a proposta do tratamento que foi pensada para sua criança? Isso foi conversado com você em algum momento? Você encontrou alguma dificuldade em conseguir atendimentos para sua criança? Quais? Como você avaliaria o serviço onde sua criança é atendida? O que ele tem de pontos fracos e pontos fortes na sua opinião? Ao olhar para o percurso/caminho que você e sua criança percorreram até aqui, que sentimentos você tem?

Para iniciar a discussão, os familiares foram convidados a desenhar - em uma folha de papel - todo o caminho que percorreram com sua criança, desde o momento em que perceberam que ela tinha alguma dificuldade e precisava de cuidado ou que foi encaminhada a um serviço ou profissional de saúde, até o momento da realização da pesquisa, estabelecendo-se assim uma uma linha do tempo. As produções foram apresentadas dando-se início à discussão grupal, guiada pelo roteiro. Os grupos foram mediados pela pesquisadora principal e por mais dois pesquisadores auxiliares, incluindo um aluno de iniciação científica. A discussão foi mediada de modo a incentivar a participação de todo o grupo.

A pesquisa foi aprovada por um comitê de ética (Parecer N. 2.899.493), os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e os GF foram gravados, conforme Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, e transcritos para posterior análise. As transcrições foram organizadas em um único corpus textual e submetidas à análise lexical por meio do software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Para a análise dos dados, optou-se pela técnica da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que objetiva reagrupar as linhas dos segmentos de textos por meio de sua similaridade, utilizando-se, para isso, de diversos testes qui-quadrado (x 2 ) particionando o corpus em classes (Camargo & Justo, 2013Camargo, B. V., & Justo, A. M. (2013). IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, 21(2), 513-518. https://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-16
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). Após essa etapa, os pesquisadores interpretaram o material produzido pelo software à luz da literatura.

Resultados

Os participantes dessa pesquisa foram familiares responsáveis pelas crianças, sendo dez mães, dois pais, uma avó, uma tia e uma madrasta, com idade entre 23 a 60 anos (média 37,1 anos). Todos foram identificados de 1 a 15, seguido da sigla da instituição em que as crianças recebiam o cuidado, exemplo: F1. CAPSij. As crianças tinham idade que variou de 3 a 12 anos (média 6,4 anos). Todas as crianças atendidas no CAPSij receberam diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). As crianças da AB tinham diagnósticos variados, por exemplo, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Enurese noturna, ou não tinham um diagnóstico formal, mas alguma dificuldade que justificasse o acompanhamento no serviço, como comportamentos agressivos com pares, timidez excessiva, entre outros.

O corpus submetido à CHD se desdobrou em 421 segmentos de textos com 1.868 formas distintas e 14.741 ocorrências. A CHD teve um aproveitamento de 75,06%, considerada satisfatória segundo Camargo e Justo (2013Camargo, B. V., & Justo, A. M. (2013). IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas em Psicologia, 21(2), 513-518. https://dx.doi.org/10.9788/TP2013.2-16
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). O corpus foi particionado pelo IRaMuTeQ em dois subcorpus. Um deu origem às classes 1 e 5. O outro se subdividiu em dois, originando às classes 3, 2 e 4, totalizando cinco, conforme se observa na Figura 1. Para a apresentação de cada classe, composta pelas palavras selecionadas pelo IRaMuTeQ, foram explicitados extratos dos relatos dos participantes em que essas palavras apareceram. O qui-quadrado (x 2 ) expresso na figura apresenta a força de adesão da palavra à classe.

Figura 1
Dendrograma da classificação (CHD) do corpus “Familiares” gerado pelo IRAMUTEQ.

A Classe 3, denominada Procurando por ajuda, representou 25% do conteúdo do corpus e descreve as dificuldades que levaram à procura por cuidado em SM. Entre os pais da AB, foram predominantes as dificuldades ligadas à aprendizagem, por exemplo, desatenção e atraso na alfabetização; assim como, as dificuldades afetivas e comportamentais, por exemplo, tristeza e choro, e brigas com pares. Entre os pais do CAPSij, foram mencionadas aquelas ligadas à dificuldade de interação social e linguagem, dado que se tratava de crianças com TEA.

Tanto entre os pais do CAPSij quanto da AB, foi a escola que, em geral, chamou a família para dizer que algo se passava com a criança: “A creche a princípio não me falou, ela só me questionava: ‘mãe, nós percebemos que quando chamamos ela não atende, quando nós fazemos barulho perto dela ela não se vira” (F8. CAPSij). Ou ainda: “Na escola ele começou com esse comportamento agressivo de bater e desinteresse de fazer nada. Então começaram a chamar. (...) [e dizer] ‘não está dando para assistir aula com ele’” (F2. AB).

Ainda descrevendo aquilo que despertou, na família, a busca por ajuda, os familiares do CAPSij descreveram uma corrida por ajuda especializada, passando por diferentes profissionais e serviços até que se chegasse a um diagnóstico: “Nós corremos atrás de exame de audição junto à pediatra, nós passamos todas as informações dele, nós não achávamos ele normal, tinha alguma coisa de errado” (F10. CAPSij).

Nessa classe, os familiares descreveram os comportamentos das crianças que fizeram com que eles procurassem ajuda, em geral dificuldades de interação social, ou mesmo o seu desenvolvimento após inserção no serviço. Além das dificuldades de comunicação, que incluem atrasos de linguagem e de intercâmbio visual, os familiares descreveram as dificuldades de interação social e os progressos apresentados após a inserção no serviço. Uma participante mencionou que, após iniciar acompanhamento no CAPSij, a criança ampliou as habilidades de interação com as pessoas: “E graças a Deus, agora ela está com 5 anos, . . . já vai para o colo das pessoas, que ela não ia, já brinca com outras crianças” (F9. CAPSij). Essa classe caracterizou-se, portanto, por segmentos de texto em que os familiares descreveram as dificuldades passadas que os fizeram procurar ajuda, traçando, muitas vezes, um paralelo entre como a criança chegou ao serviço e como ela estava na ocasião da pesquisa.

A Classe 4, denominada Aceitando o diagnóstico da criança, correspondeu a 17,09%, os participantes relataram como lidaram com a situação da criança. Os familiares do CAPSij mencionaram dificuldades iniciais em aceitar a condição ou diagnóstico. O relato ilustra isso: “Então, eu não estava aceitando, quando eu descobri que ele era autista, então eu não estava aceitando isso” (F11. CAPSij).

As reações ao diagnóstico variaram de uma dificuldade inicial a uma postura de aceitação, indicando que o suporte ou ajuda dos profissionais do serviço foi importante: “[Recebi] Ajuda também dos profissionais que nos acolhem, em saber receber, administrar, aceitar e saber cuidar da criança” (F8. CAPSij). Ou ainda: “Os pais também conversam [no grupo de pais]. Acaba que nós temos um atendimento psicológico. E o mais importante disso é a união que nós temos. Essa troca de informação ajuda os pais” (F14. CAPSij).

Em outros segmentos, descreveram questões ligadas à própria criança, por exemplo aceitar o uso de medicação, o acompanhamento psicológico, ou mesmo o contato social e físico, no caso das crianças com diagnóstico de TEA: “Aqui eles fazem um trabalho de interação social . . . . É para eles aprenderem a viver socialmente, aprender a brincar com outras crianças, aceitar um abraço” (F9. Capsi). Ou ainda: “A primeira vez que ele veio [ao psicólogo], e não aceitava. Na escola começou a reclamar, porque ele era inteligente e tudo, mas só que agredia as crianças menores do que ele e xingava a professora” (F3. AB).

Nesse processo de identificar as dificuldades da criança, aceitá-las e buscar ajuda, referem-se à importância dos profissionais da escola, que encaminharam ao serviço de saúde em busca de alguma resposta, e dos profissionais de saúde que iniciaram o acompanhamento na US ou CAPSij.

A Classe 5, denominada Onde procurei ajuda, representa 22,15% do corpus analisado. Ao relatar o percurso, muitos familiares do CAPSij indicaram a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) como um dos serviços para onde a criança foi encaminhada, estando associada, portanto, às atividades de avaliação e emissão de laudo diagnóstico, além de atendimentos diversos: “Foi na Apae, na época, que ele passou pela triagem que eles fizeram o diagnóstico dele. Ele está na lista espera da Apae e está fazendo atendimento aqui” (F12. Capsi). Muitos familiares informaram que acessar o serviço não foi fácil, nem para atividades de triagem e avaliação, nem para que a criança recebesse atendimento, ficando, em geral, em uma lista de espera por algum tempo. Nesse sentido, os participantes compararam o serviço com as US e o próprio CAPSij, em que relatam o acolhimento imediato: “O atendimento foi logo. Não reclamo disso. Foi rápido na US” (F4. AB) e “Ela pegou o encaminhamento e me encaminhou para eu marcar Apae e marcar aqui no Capsi. . . . aqui me chamou primeiro” (F8. Capsi).

Nesse processo de procurar por atendimento, foi destacado a figura do fonoaudiólogo, com exclusividade entre familiares do CAPSij, como aquele que já atendia a criança na AB ou em contexto privado e fez o encaminhamento ao CAPSij ou à Apae; ou como aquele a quem foi endereçada a solicitação de avaliação da criança por outro profissional.

Nota-se que a ação de encaminhar se deu por profissionais e serviços de outros sujeitos da rede de saúde, mas também por atores e dispositivos de uma rede mais ampla, que inclui a escola, o conselho tutelar, entre outros. A US apareceu de modo unânime pelos familiares do CAPSij, em geral, para explicar por que ponto da rede de saúde iniciou-se a investigação para o TEA ou o encaminhamento para o CAPSij.

Nesse processo, apresentou-se também na fala dos participantes a função do laudo no percurso da criança na rede. Em algumas situações, ele estabeleceu o diagnóstico permitindo, inclusive, o acesso a algum direito, tal qual, o acompanhamento de algum professor da educação especial. Entre os familiares da AB, o laudo apareceu associado à noção de que seria por meio dele que a criança poderia ter sua necessidade educacional atendida sendo, em geral, demandado pela escola.

Ao descrever o percurso da criança na rede à procura de ajuda, muitos familiares apontaram a dificuldade de acessar alguns serviços ou profissionais por falta de vaga: “Daqui [do CAPSij] eu coloquei o nome dele também na lista de espera, ele ficou um ano na lista de espera na Apae” (F10. CAPSij). Ou ainda: “Eles também pediram para levar ele em um neurologista. Só que eles falaram que lá não conseguia atender ele, por não ter conseguido vaga ainda, no neurologista” (F4. AB).

Ao passo que para os familiares da AB foi predominante o relato da dificuldade de acessar médico neurologista para avaliar a necessidade de iniciar ou dar continuidade ao uso de medicamentos. Por sua vez, entre os familiares do CAPSij, a dificuldade era em ter acesso aos profissionais de terapia ocupacional e fonoaudiologia na Apae, dado que a instituição tem uma extensa lista de espera. Importante reforçar que os participantes referiam-se às US e ao CAPSij como serviços em que não tiveram dificuldade no acesso.

Apesar do fácil acesso aos profissionais da AB, entretanto, na percepção dos familiares do CAPSij, sua preocupação de que alguma coisa se passava com a criança não foi levada em conta pelo pediatra. Os relatos indicam que a sensação/percepção de que a criança estava com alguma dificuldade ou atraso só foi ouvida pelo pediatra quando veio respaldada por um relatório escolar:

Da US a médica não deu importância [à suspeita da família]. Voltamos para a creche. Foi quando a creche fez um relatório dela. Com esse relatório, voltamos para a pediatra de novo. Quando a pediatra viu esse relatório, ela:mãe, eu vou te encaminhar para o CAPSij e lá eles vão avaliar (F9. CAPSij).

A Classe 1, A pílula mágica?, representa 19,9% do material, predominante entre familiares da AB que demandam que a criança seja medicada e relatam as dificuldades de ter acesso a quem poderia prescrever a droga, no caso, o neurologista, conforme se vê nos seguintes relatos: “Eu penso que deveria além do psicólogo ter pelo menos um neurologista, porque muitas vezes nós precisamos da medicação e aqui para conseguir uma medicação, não consegue” (F3. AB); Ou ainda: “A maioria das crianças vêm, ela [a psicóloga] não vai dar conta de umas crianças que têm necessidade de tomar medicação, vai ficar só conversando, na teoria, na teoria” (F7. AB).

Interessante notar que a palavra neurologista foi empregada predominantemente pelos familiares da AB. Entre pais dos CAPSij, aparece como o profissional que diagnosticou ou levantou suspeita do TEA, fazendo encaminhamento para o serviço: “chegou lá, a neurologista fez uma sequência de testes . . . e falou: essa menina, ela é suspeita de autismo” (F9. Capsi). Entre os familiares da AB, entretanto, apareceu como o profissional ao qual a família gostaria que a criança tivesse acesso, conforme se lê a seguir: “O neurologista eu não consegui até hoje, ela está sem medicação, sem acompanhamento, sem nada. Na rede pública você não consegue, na rede particular sim” (F5. AB).

Uma vez que o grupo foi estimulado a falar sobre as dificuldades encontradas no caminho percorrido pela família dentro da rede à procura de cuidado em SM para sua criança, as famílias, especificamente na AB, foram unânimes em dizer que ter acesso à consulta de áreas médicas, por exemplo, neurologia e psiquiatria foram as dificuldades encontradas.

A Classe 2, denominada Forças e Fraquezas dos serviços, corresponde a 15,82% do corpus analisado, sendo ressaltado pelos participantes o quanto receber assistência foi importante para o desenvolvimento da criança: “Porque assim, depois o psicólogo viu que ele podia melhorar, que tinha coisas boas, que tinha jeito, porque eu já achava que não tinha mais jeito. Para mim eu estava desesperada, que não tinha saída” (F3. AB).

Compareceu nessa classe a percepção que os familiares, sobretudo do CAPSij, têm em relação ao serviço cuja criança é atendida, seja no momento inicial do acolhimento, seja no momento presente da elaboração da pesquisa: “um ponto fraco, eu acho que falta mais isso, comunicar os pais mais como está o andamento da criança dentro do grupo, o desenvolvimento deles” (F9. CAPSij).

Como se percebe, existe uma expectativa de que o serviço amplie a comunicação com a família, discutindo o Projeto Terapêutico Singular (PTS) do usuário, compartilhando impressões e avaliações dos atendimentos, das atividades realizadas e como a criança tem se beneficiado delas. O modo como a comunicação se dá entre os profissionais e os familiares, no que se refere à proposta terapêutica da criança, foi indicado pelos participantes como um ponto de dificuldade a ser superado.

Mas essa também é minha visão, que ele vem para cá só para brincar, porque nós não sabemos o que eles fazem, o que eles brincam, se eles conversam. Para mim ainda não houve nenhuma conversa sobre o que meu filho iria fazer aqui” (F8. CAPSij).

Os participantes do CAPSij relataram ainda que até onde é de seu conhecimento, o serviço só é acionado pelos outros dispositivos da rede, por exemplo, a escola, quando algo mais grave acontece: “Em relação aos profissionais que atendem meu filho aqui e se eles conversam com a creche, vejo que isso acontece quando acontece alguma coisa” (F12. CAPSij). Nessa classe, além de indicarem o que consideram serem fragilidades do serviço, os participantes mencionaram pontos fortes, o que apareceu associado à palavra bom: “Ajuda também dos profissionais que nos acolhem, em saber receber, administrar, aceitar e saber cuidar da criança, eles trabalham muito isso também conosco” (F8. CAPSij).

Assim, apareceram elencados como pontos fortes do serviço o acolhimento recebido pela família, que vai desde o momento inicial, na ocasião do diagnóstico ou chegada ao serviço, às orientações em relação às dificuldades da criança e das características próprias do TEA. Identificou-se também na fala dos familiares o modo como o serviço organiza os atendimentos: as crianças têm liberdade para circular pelo espaço, as atividades são variadas, incluindo atendimentos em grupo e externos ao serviço. Foi mencionado ainda o conhecimento que a equipe técnica tem acerca da condição da criança, inspirando uma relação de confiança na família.

Entre os familiares da AB, não foi identificado a percepção de que o pouco contato do profissional de psicologia com as famílias seria uma fragilidade da proposta de trabalho, embora eles mencionem que não têm retorno sobre o trabalho desenvolvido com as crianças. Como pontos fortes, foram mencionados o profissional de psicologia que, nas palavras deles: “o atendimento da [psicóloga], que eu gosto muito, que resolveu bastante meus problemas” (F6. AB).

Discussão

A linha do tempo traçada pelos participantes revela a função da escola como um lugar que sinaliza a possibilidade de problemas de SM e, portanto, dá início à demanda de serviços de acolhimento. Nessa linha do tempo, a necessidade do atendimento é apontada inicialmente pela escola e há uma compreensão de que o acesso final ao serviço de SM representa-se pelo atendimento no CAPSij ou por uma especialidade médica, como neurologia e psiquiatria infantil.

Diante da centralidade do papel da escola no momento inicial apontado pelos participantes, cabe problematizar as vias pelas quais essas sinalizações para a família acontecem, e qual a função da escola na participação de uma rede ampliada de cuidados em saúde. Sabe-se que as demandas de atenção em SM relacionadas às dificuldades de aprendizagem, desatenção ou problemas de comportamento na escola são as principais causas de encaminhamento de crianças aos serviços de saúde e têm aumentado significativamente (Gomes & Pedrero, 2015Gomes, C. A.V., & Pedrero, J. N. (2015). Queixa Escolar: Encaminhamentos e Atuação Profissional em um Município do Interior Paulista. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(4), 1239-1256.). Para alguns autores (Cruz, Okamoto, & Ferrazza, 2016Cruz, M. G. A., Okamoto, M. Y., & Ferrazza, D. de A. (2016). O caso Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e a medicalização da educação: uma análise a partir do relato de pais e professores. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 20(58), 703-714. doi.org/10.1590/1807-57622015.0575
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.05...
; Gomes & Pedrero, 2015Gomes, C. A.V., & Pedrero, J. N. (2015). Queixa Escolar: Encaminhamentos e Atuação Profissional em um Município do Interior Paulista. Psicologia: Ciência e Profissão, 35(4), 1239-1256.), esse aumento está relacionado aos discursos e práticas medicalizantes e de patologização da infância, ou seja, à atribuição de uma causa médica para questões antes vistas como diferenças individuais, coletivas e/ou sociais, e que muitas vezes serão tratadas com o uso de medicamentos.

Desse modo, na procura pela solução das dificuldades de aprendizagem ou de comportamento de alunos e filhos, professores e familiares buscam por ajuda no campo da saúde. Segundo Cruz et al. (2016Cruz, M. G. A., Okamoto, M. Y., & Ferrazza, D. de A. (2016). O caso Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e a medicalização da educação: uma análise a partir do relato de pais e professores. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 20(58), 703-714. doi.org/10.1590/1807-57622015.0575
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), ao solicitar o cuidado em SM para dificuldades que são de ordem pedagógica, a escola pode contribuir com o processo de medicalização da vida. Evidenciada essa relação com o campo da educação, faz-se importante problematizar se a escola, parte do território, tem sido considerada - pelos atores da rede de saúde ampliada - para o diálogo dessas questões. A desconstrução da queixa como demanda de tratamento, proposta no princípio de encaminhamento implicado, se faz fundamental, mas apenas possível se instituições do campo da saúde e da educação se considerarem fios interligados do cuidado e juntas se co-responsabilizarem pelas ações de cuidado.

Assim, se por um lado pode-se alertar para o risco de se aderir ao movimento de medicalização da vida (Cruz et al., 2016Cruz, M. G. A., Okamoto, M. Y., & Ferrazza, D. de A. (2016). O caso Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e a medicalização da educação: uma análise a partir do relato de pais e professores. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, 20(58), 703-714. doi.org/10.1590/1807-57622015.0575
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), solicitando cuidado em SM para dificuldades que são de ordem pedagógica, como muitas daquelas relatadas por familiares da AB; por outro lado, há de se reconhecer o importante papel dessa instituição em identificar condições de risco à saúde e à vida de crianças de adolescentes, tais como vitimização por violência ou negligência e presença de sofrimento psíquico, manifestada por meio de comportamentos autolesivos, uso de substâncias psicotrópicas, heteroagressividade, entre outros.

Mesmo entre as crianças do CAPSij, cujo encaminhamento aos serviços não tenha sido feito em função de dificuldades escolares, observou-se que a instituição escolar teve importante papel em identificar as dificuldades, orientando os pais a buscar ajuda. Assim, segundo familiares participantes, em muitas situações foram os professores quem primeiro observaram que a criança apresentava alguma dificuldade, o que também foi identificado em outros estudos (Araújo & Guazina, 2017Araújo, L. da S., & Guazina, F. M. N. (2017). A percepção de cuidadoras sobre os cuidados ofertados para crianças e adolescentes em atendimento no CAPSi. Mental, 11(21), 445-468.; Lourinho & Matos, 2020Lourinho, L. A., & Matos, K. J. N. de. (2020). Interfaces entre saúde mental e educação: a percepção do professor. In: P. A. Castro (Org.), Avaliação: Processos e Políticas (pp. 2227-2240). Realize.).

A esse respeito, alguns participantes relatam que foi por meio da escola, e da insistência dela por intermédio da produção de relatórios, por exemplo, que algumas crianças tiveram ingresso na rede de SM do município. Cabe problematizar, entretanto, sob que ótica essa identificação da necessidade do cuidado em SM e o encaminhamento ao serviço de saúde ocorrem: se como uma mera passagem do caso e consequente desresponsabilização da instituição escolar, ou, se a escola também se percebe como parte dessa rede ampliada de cuidados. Um dos participantes relata que o serviço de saúde que acompanha a criança e a escola só se comunicam quando algum problema acontece. Isso talvez nos indique a necessidade de que instituições de saúde e educação estreitem os laços e se co-responsabilizem pelo cuidado a esses sujeitos.

Apesar da escola ser entendida como um espaço promotor de saúde, profissionais da educação se sentem pouco aptos para discussões sobre os modos de composição e convivência com as crianças em intenso sofrimento psíquico (Tano & Hayashi, 2015Tano, B. L., & Hayashi, M. C. P. I. (2015). Saúde mental infantojuvenil e educação: análise bibliométrica da produção científica nacional e internacional (1968-2014). RECIIS - Revista Eletrônica de Comunicação Informação e Inovação em Saúde, 9(3), 1-26. https://doi.org/10.29397/reciis.v9i3.989
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). Há de se pensar na importância de espaços de construção conjunta e compartilhamento de ações que envolvam atores da escola e dos serviços de saúde, o que certamente se mostra um desafio adicional. Nesse sentido, Oliveira e Reis (2012Oliveira, M. F. A. P. B., & Reis, A. O. A. (2012). O trabalho oculto na rede de atenção psicossocial a crianças e jovens em sofrimento psíquico. In: A. O. A. Reis, F. L. Fonseca, M. L. Rolim Neto, & P. S. S. Delfini (Orgs.), As crianças e os adolescentes dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (pp. 193-215). Schoba.) e Sanches e Oliveira (2011Sanches, A. C., & Oliveira, M. A. (2011). Educação Inclusiva e alunos com transtorno mental: um desafio interdisciplinar. Psicologia Teoria e Pesquisa, 27(4), 411-8. https://doi.org/10.1590/S0102-37722011000400004
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) apontam que os profissionais tanto da saúde quanto da educação realizam poucas ações compartilhadas. Sanches e Oliveira (2011Sanches, A. C., & Oliveira, M. A. (2011). Educação Inclusiva e alunos com transtorno mental: um desafio interdisciplinar. Psicologia Teoria e Pesquisa, 27(4), 411-8. https://doi.org/10.1590/S0102-37722011000400004
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) argumentam que as necessidades de SM de crianças e adolescentes não são percebidas como, também, algo que compete à escola, a qual não se vê como parte do território e das ações intersetoriais para o cuidado.

Sabe-se que se constitui, ainda, como desafio à atenção psicossocial, a ampliação e fortalecimento das ações de identificação, avaliação e assistência aos sujeitos com demanda de cuidado em SM no nível da AB (Delfini & Reis, 2012Delfini, P. S. S., & Reis, A. O. A. (2012). Articulação entre serviços públicos de saúde nos cuidados voltados à saúde mental infantojuvenil. Cadernos de Saúde Pública, 28(2), 357-366. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000200014
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). Especificamente em relação à assistência à SMIJ, cuja rede e políticas de assistência são recentes (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Ministério da Saúde.), esses desafios se mostram ainda maiores. Embora seja possível aos sujeitos acessar a rede de saúde de qualquer um de seus pontos, a AB desempenha um importante papel no acolhimento e identificação de crianças em sofrimento, com atrasos ou dificuldades no desenvolvimento. Sua localização, no território de vida dos próprios sujeitos, possibilita intercâmbio privilegiado com outros equipamentos, tais como a escola.

No entanto, para Lauridsen-Ribeiro e Tanaka (2010Lauridsen-Ribeiro, E., & Tanaka, O. Y. (2010). Organização de serviços no sistema único de saúde para o cuidado de crianças e adolescentes com problemas de saúde mental. In: E. Lauridsen-Ribeiro, & O. Y. Tanaka (Orgs.), Atenção em saúde mental para crianças e adolescentes no SUS. Hucitec.), ainda há, entre profissionais da AB, dificuldades para reconhecer e lidar com problemas de SM, achando ser mais fácil encaminhar os sujeitos aos serviços especializados, como o CAPSij. A esse respeito, um análise realizada por Visani e Rabello (2012Visani, P., & Rabello, S. (2012). Considerações sobre o diagnóstico precoce na clínica do autismo e das psicoses infantis. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 15(2), 293-308. https://doi.org/10.1590/S1415-47142012000200006
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) identificou que, apesar da percepção parental precoce sobre a presença de alguma alteração no desenvolvimento da criança, o diagnóstico formal e início do tratamento não se deu de modo rápido porque os profissionais de saúde, sobretudo os pediatras, não se sentiam seguros e preparados para o diagnóstico. Segundo as mesmas autoras, muitas famílias de crianças autistas atendidas no CAPSij estudado fizeram verdadeiras peregrinações por serviços e profissionais de saúde até chegar ao diagnóstico.

Tal como no estudo de Visani e Rabello (2012Visani, P., & Rabello, S. (2012). Considerações sobre o diagnóstico precoce na clínica do autismo e das psicoses infantis. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 15(2), 293-308. https://doi.org/10.1590/S1415-47142012000200006
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), identificou-se entre as trajetórias pela rede das famílias integrantes desta pesquisa, dificuldades semelhantes ao relatar que mesmo endereçando ao pediatra a angústia em torno do atraso de linguagem e socialização da criança, ela só foi acolhida quando a escola produziu a demanda por cuidado. Alguns autores identificam que ainda há entre esses profissionais dificuldade de manejar situações ligadas à SM, em parte por falta de preparo técnico e em parte por entender, equivocadamente, que a SM é de responsabilidade exclusiva de serviços especializados, como os Caps ou ambulatórios (Figueiredo & Campos, 2009Figueiredo, M. D., & Campos, R. O. (2009). Saúde Mental na atenção básica à saúde de Campinas, SP: uma rede ou um emaranhado? Ciência & Saúde Coletiva , 14(1), 129-138. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000100018
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; Tanaka & Ribeiro, 2009Tanaka, O. Y., & Ribeiro, E. L. (2009). Ações de saúde mental na atenção básica: caminho para ampliação da integralidade da atenção. Ciência & Saúde Coletiva , 14(2), 477-486. https://doi.org/10.1590/S1413-81232009000200016
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; Teixeira et al., 2017Teixeira, M. R., Couto, M. C. V., & Delgado, P. G. G. (2017). Atenção básica e cuidado colaborativo na atenção psicossocial de crianças e adolescentes: facilitadores e barreiras. Ciência & Saúde Coletiva , 22(6), 1933-1942. https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017226.06892016
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). Essa dificuldade parece acentuar-se quando se tratam de dificuldades em SMIJ, conforme identificado em outros estudos (Delfini & Reis, 2012Delfini, P. S. S., & Reis, A. O. A. (2012). Articulação entre serviços públicos de saúde nos cuidados voltados à saúde mental infantojuvenil. Cadernos de Saúde Pública, 28(2), 357-366. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000200014
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; Esswein, Rovaris, Rocha, Levandowski, 2021Esswein, G. C., Rovaris, A. F., Rocha, G. P., & Levandowski, D. C. (2021). Ações em saúde mental infantil no contexto da Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS): Uma revisão integrativa da literatura Brasileira. Ciência & Saúde Coletiva , 26(2), 3765-3780. https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.2.15602019
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).

Os participantes relatam, ainda, o processo de diagnóstico como aquele que garantirá o acesso aos serviços e direitos, como atendimento escolar especializado (AEE). Com isso, observou-se uma corrida pelo diagnóstico que foi materializado em um laudo. Este último entra em cena como uma demanda de urgência. Como efeito disso, a criança passa a ser vista por meio de uma falta, sendo o laudo aquele que acaba por produzir rótulos separados de estratégias de ação ou que, ao invés de direcionar tratamentos que podem reforçar estigmas e culpabilização (Chaves & Caliman, 2017Chaves, F. A. M., & Caliman, L. V. (2017). Entre Saúde Mental e a Escola: a Gestão Autônoma da Medicação. Revista Polis e Psique, 7(3), 136-160.). Da mesma maneira, nas escolas, o laudo acaba por funcionar como norteador das práticas pedagógicas (Kranz & Campos, 2020Kranz, C. R., & Campos, H. R. (2020). Educação especial, psicologia e políticas públicas: o diagnóstico e as práticas pedagógicas. Psicologia Escolar e Educacional, 24, 1-9.). Assim, a função dos laudos nessas situações “ao contrário de promover oportunidades e até direito adquirido, . . . essa equação ‘um diagnóstico por um direito’ acaba reafirmando o estigma e sustentando a condição de ‘doentes’ da criança e adolescente pobres” (Freire & Viegas, 2018Freire, K. E. S., & Viégas, L. S. (2018). A queixa escolar em um CAPSi de Salvador-Bahia: uma análise a partir da psicologia escolar crítica. Revista Educação em Questão, 56(48), 202-226., p. 214). Para os mesmos autores, não se trata de culpabilizar os pais que buscam por esse documento, mas de se problematizar como o direito à educação de qualidade e às respostas pedagógicas adequadas às características da criança acabam por ser condicionadas pelo diagnóstico, como se o problema estivesse localizado nela.

Dito isso, pode-se considerar que de fato há de se ter cuidado em não atribuir, precipitadamente, diagnósticos ou indicação de desvios do desenvolvimento às crianças, sobretudo, em uma tenra idade. Assim, por um lado, também se poderia atribuir aos pediatras uma certa reserva e cautela em não lançar mão de imediato de alguma suspeita que conduzisse a um diagnóstico, especialmente de TEA. Por outro lado, deve-se considerar que a procura da família por serviço/profissional de saúde relatando alguma preocupação por si só deveria convocar os profissionais a uma escuta mais cuidadosa, conforme preconizada pela noção de acolhimento universal da PSMIJ, acolhendo essa preocupação, tomando-a como legítima e colocando em análise esse mal-estar endereçado ao profissional (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Ministério da Saúde.).

Dito de outro modo, é necessário considerar que toda demanda por cuidado em SM deve ter alguma resposta do serviço, ainda que ela seja a escuta qualificada e a consequente desconstrução da demanda, isso porque “idéia de que acolher, ouvir e reconhecer a legitimidade da procura já é uma forma de cuidado” (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Ministério da Saúde., p. 12). Assim, alguns dos familiares relatam sentimento de desamparo e angústia quando, ao procurar o profissional responsável pelo cuidado em saúde, se deparam com alguém com algum sujeito sem qualquer escuta ativa. É necessário, portanto, reconhecer tanto familiares quanto as próprias crianças e adolescentes como portadores de um pedido legítimo a ser levado em conta (Brasil, 2005Brasil. Ministério da Saúde. (2005) Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infantojuvenil. Ministério da Saúde.).

Na classe 4, Aceitando o diagnóstico da criança, os familiares, especialmente os que frequentavam o CAPSij, mencionaram as dificuldades iniciais em lidar com a criança e seu diagnóstico, os pais relataram a importância do acolhimento recebido pelos profissionais do serviço. Como os participantes do CAPSij compunham um grupo de pais, ressaltou-se em diversos momentos o quanto as ações de serviço voltadas às famílias contribuíram para a aceitação da condição da criança; para o aprendizado acerca do manejo de questões comportamentais dos filhos; para uma aproximação com a sociedade; além de constituir uma rede de apoio entre os próprios pais.

Os familiares relatam como pontos fortes da vivência na rede de cuidados a forma que o acolhimento é realizado no CAPSij, identificando a escuta e a validação das queixas, a organização de um cuidado não medicalizante e não centralizado no atendimento pontual entre paredes. Por fim, eles reconhecem a instituição como um espaço de informação, acesso a novos serviços e cuidados que são articulados com o território. Essas percepções corroboram os pressupostos orientadores da PSMIJ traduzidos nos princípios de acolhimento universal, intersetorialidade e construção permanente de rede.

Conforme apontam o Bielemann et al. (2009Bielemann, V. L. M., Kantorski, L. P., Borges, L. R., Chiavagatti, F. G., Willrich, J. Q., Souza, A. S., & Heck, R. M. (2009). A inserção da família nos centros de atenção psicossocial sob a ótica de seus atores sociais. Texto & Contexto - Enfermagem, 18(1), 131-139. https://doi.org/10.1590/S0104-07072009000100016
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), inserir a família na assistência à SM de usuários dos serviços substitutivos, tal qual os CAPS, constitui-se elemento indispensável para a reforma psiquiátrica, além de permitir que essa se reorganize diante da condição de sofrimento de um de seus membros. Para os autores, “o grupo de familiares surge como uma forma de inserção da família e uma estratégia utilizada pelo serviço para contribuir no processo terapêutico do usuário, incluindo a família no serviço e instrumentalizando-a para o cuidado” (2009, p. 134).

Entretanto, ainda que a inclusão da família na proposta de cuidado em SM seja indispensável e recomendável (Brasil, 2014Brasil. Ministério da Saúde. (2014). Atenção Psicossocial a Crianças e Adolescentes no SUS: tecendo redes para garantir direitos. Ministério da Saúde.), nem sempre os serviços conseguem efetivá-la. Em pesquisa realizada por Dombi-Barbosa, Bertolino Neto, Fonseca, Tavares e Reis (2009Dombi-Barbosa, C., Bertolino Neto, M. M., Fonseca, F. L., Tavares, C. M., & Reis, A. O. A. (2009). Condutas terapêuticas de atenção às famílias da população infantojuvenil atendida nos centros de atenção psicossocial infantojuvenis (CAPSI) do estado de São Paulo. Journal of Human Growth and Development, 19(2), 262-268.), por meio de consulta aos prontuários de usuários de 19 CAPSij do estado de São Paulo, identificou-se que as famílias ainda são pouco contempladas nos PTS das crianças e adolescentes. Para os autores, é necessário que os familiares sejam considerados mais do que fonte de informação quanto à história e trajetória de vida do usuário, sendo também considerados um agente de cuidado.

Nesse sentido, os dados obtidos entre os familiares participantes da AB e do CAPSij desta pesquisa apresentam discordância. Entre os primeiros, não houve qualquer menção a nenhum trabalho voltado à família, embora suas crianças estivessem em acompanhamento psicológico há algum tempo, o que mostra a necessidade de inclusão da família no projeto de cuidado à criança. Entre os familiares do CAPSij, ainda que tenha sido reconhecida como valiosa a oferta de cuidados voltados aos familiares, por meio do grupo de pais, identificou-se que estes não eram incluídos na construção do PTS ou, ao menos, não se percebiam incluídos nesse processo. Consoante apresentado nos dados, a falta de conhecimento sobre a proposta de trabalho elaborada para a criança é apontada pelos familiares do CAPSij como uma fraqueza do serviço e, entre os familiares da AB, nem comparece como uma possibilidade.

Sabe-se que familiares e usuários devem participar da construção do PTS, mas essa participação ainda se apresenta como um desafio aos serviços de saúde que, muitas vezes, apenas informam aos usuários e seus familiares o que se tem como uma proposta terapêutica, sem a participação efetiva deles na sua construção. A esse respeito, Baptista, Camatta, Filippon e Schneider (2020Baptista, J. Á., Camatta, W. M., Filippon, P. G., & Schneider, J. F. (2020). Projeto terapêutico singular na saúde mental: uma revisão integrativa. Revista Brasileira de Enfermagem, 73(2), 1-10. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0508
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) identificaram que os serviços de SM ainda apresentam dificuldade em programar ações de forma conjunta entre equipe, família e usuários. Sem dúvidas, é fundamental que esses dois últimos atores, mesmo quando inseridos no cuidado da SM de crianças e adolescentes, participem do processo de construção do PTS, sem o qual não se efetiva o tratamento. Para isso, segundo Boccardo, Zane, Rodrigues e Mângia (2011Boccardo, A. C. S., Zane, F. C., Rodrigues, S., & Mângia, E. F. (2011). O projeto terapêutico singular como estratégia de organização do cuidado nos serviços de saúde mental. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 22(1), 85-92. https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v22i1p85-92
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), é necessário operar a transformação do modelo assistencial e a reorganização dos serviços, que, tradicionalmente, dão pouca ou nenhuma autonomia ao usuário e à sua família.

Juntamente a essa discussão, é importante pontuar que notou-se nos relatos dos familiares da AB a função centralizadora da medicalização no tratamento em SM, sendo a busca pelo médico neurologista tomada como uma forma de acesso à medicação. Observou-se que diante dessa lógica, o acompanhamento psicológico é visto como insuficiente e dependente: “a psi só vai ficar conversando e não vai dar conta sem medicação” (F3. AB). Esse pensamento expressa a naturalização da ideia de que dificuldades afetivas, comportamentais e cognitivas devem ter como resposta imediata a medicação, não podendo ser efetivo apenas com o acompanhamento psicológico.

O fato dessa demanda por medicalização das crianças comparecer com mais evidência na AB e menos no CAPSij nos sinaliza o quanto este último pode estar sendo eficiente em operar em uma outra lógica de cuidado, mais bem orientada pela Atenção Psicossocial, desconstruindo com as famílias das crianças assistidas essa ideia. É urgente, portanto, ouvir e, sempre que adequado, desconstruir a demanda por medicamentos como resposta única ou definitiva às dificuldades das crianças. Medicar, portanto, não deveria ser a centralidade da ida da criança ao serviço, mas parte integrante de um processo de cuidado que incluiria os atendimentos individuais ou em grupo, as visitas da equipe de saúde à escola, os atendimentos aos familiares e tantas outras atividades possíveis dentro da lógica de atenção psicossocial, que também deve estar presente na AB.

Considerações Finais

As percepções de familiares acerca da rede de cuidados de SM e a assistência prestada às suas crianças apontam para avanços e desafios no que se refere ao ideário operacional da PSMIJ. A linha do tempo traçada pelos participantes denuncia uma lógica assistencial que ainda não se descolou por completo do paradigma de que o cuidado em SM ocorre apenas em instituições especializadas e que necessariamente apresenta a medicalização como resposta última.

A escola é apontada como importante no processo de identificar riscos psicossociais e, de outro lado, como psicologizante e demandante, com familiares, por medicalização de problemas de ordem pedagógica e social. Não há pistas sobre sua implicação nos encaminhamentos a partir dessa identificação, mas advoga-se aqui a importância de seu reconhecimento como parte da rede e da continuidade do cuidado em SM. Assim, tem-se ainda como um desafio à PSMIJ o fortalecimento de uma rede de cuidados ampliada e intersetorial, que envolva dispositivos clínicos e não clínicos, o que demanda investimento em formação para manejo de situações de SM de crianças e adolescentes não somente por profissionais de saúde, mas de todos que trabalham com o público infantojuvenil.

Além disso, as percepções dos familiares quanto à assistência recebida indicam diferenças ainda presentes nas ações de cuidado na AB e no CAPSij. Neste último, fica mais evidente a lógica da atenção psicossocial, com cuidado fornecido por equipe interdisciplinar e a família sendo contemplada nas ações, embora ainda sem o protagonismo preconizado pela política de SM. Na AB, ao menos na US acessada, ainda prevalece a lacuna da assistência e envolvimento de familiares nas ações propostas.

Assim, a partir da perspectiva dos participantes, pode-se afirmar que a rede de SM do município estudado apresenta avanços condizentes com os princípios e diretrizes da PSMIJ. Por outro lado, o acesso aos serviços ou ao cuidado em outro nível de atenção (o das especialidades médicas); a inserção da família de modo mais protagonista nas ações; assim como a co-responsabilização do cuidado entre educação e saúde parecem representar obstáculos à assistência. Ficou evidente, entretanto, que, ao procurar por assistência, embora encontrando algumas dificuldades; a rede foi acessada e a criança e sua família foram acolhidas nos serviços públicos, o que não se observa em outros serviços de caráter privado, em que há longas filas de espera para avaliação e atendimento. Assim, apesar dos inúmeros desafios, há de se afirmar a potência de um sistema de saúde público que se propõe integral e capaz de acolher a todos, o que tem se efetivado no município em que foi realizada esta pesquisa.

Referências

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  • 1
    Agradecimento especial à FAPES-CNPq pelo financiamento da pesquisa “Análise da rede de saúde mental infantojuvenil da cidade de Vitória-ES” do qual este artigo é parte integrante.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Jul 2021
  • Aceito
    06 Jan 2022
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