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Encarceramento Feminino: um Debate entre Criminologia e Perspectivas Feministas

Female Incarceration: a Debate between Criminology and Feminist Perspectives

Encarcelamiento Femenino: un Debate entre la Criminología y las Perspectivas Feministas

Resumo

Este ensaio teórico-reflexivo tem como objetivo discutir sobre as contribuições dos estudos da criminologia e sua crítica para as diversas formas de aprisionamento feminino, e mais atualmente para o encarceramento em massa no sistema prisional, além de abrir espaço para o debate sobre as diferentes perspectivas feministas e as relações com os estudos criminológicos, sobretudo com os posicionamentos da chamada criminologia crítica. Reconhecem-se importantes avanços e conquistas feministas no debate sobre a estruturação masculinizada do direito penal e do seu fazer jurídico, mas também a manutenção de diversas formas de violência de gênero que configuram um sistema penal antropocêntrico, seletivo, racista e discriminatório. Indica-se a urgência de estudos interseccionais que considerem as particularidades e reinvindicações das mulheres no cárcere e suas formas de militância, sobretudo diante de população carcerária feminina composta majoritariamente por mulheres negras, pobres e periféricas. Faz-se visível a necessidade de uma análise dos fatores que atravessam o encarceramento feminino por uma ótica feminista plural, adequada às realidades que se estudam e atenta às múltiplas perspectivas que podem existir dentro do feminismo.

Palavras-chave:
Criminologia; Encarceramento Feminino; Feminismo

Abstract

This theoretical-reflexive essay aims to discuss the contributions of criminological studies and their critique of the various forms of imprisonment of women, and more recently of mass incarceration in the prison system, in addition to opening space for the debate on the different feminist perspectives and their relations with criminological studies, especially with the positions of the so-called critical criminology. Important feminist advances and conquests are recognized in the debate about the masculinized structure of penal law and its legal practice, but also the maintenance of diverse forms of gender violence that configure an anthropocentric, selective, racist, and discriminatory penal system. It indicates the urgency of intersectional studies that consider the particularities and claims of women in prison and their forms of militancy, especially in the face of the female prison population composed mostly of black, poor, and peripheral women. The need for an analysis of the factors that cross women’s imprisonment from a plural feminist perspective, adequate to the realities under study and attentive to the multiple perspectives that may exist within feminism, becomes visible.

Keywords:
Criminology; Female Imprisonment; Feminism

Resumen

Este ensayo teórico-reflexivo pretende discutir las aportaciones de los estudios criminológicos y su crítica a las distintas formas de encarcelamiento femenino, y más recientemente de encarcelamiento masivo en el sistema penitenciario, además de generar debate sobre las distintas perspectivas feministas y sus relaciones con los estudios criminológicos, especialmente con las posiciones de la Criminología Crítica. Se reconocen importantes avances y logros feministas en el debate sobre la estructuración masculinizada del derecho penal y su práctica jurídica, además del mantenimiento de diversas formas de violencia de género que configuran un sistema penal antropocéntrico, selectivo, racista y discriminatorio. Se necesitan estudios interseccionales que consideren las particularidades y reivindicaciones de las mujeres en prisión y sus formas de militancia, principalmente ante la población penitenciaria femenina compuesta mayoritariamente por mujeres negras, pobres y periféricas. Se hace evidente la necesidad de analizar los factores que inciden en el encarcelamiento femenino desde una perspectiva feminista plural, adecuada a las realidades que se estudian y atenta a las múltiples perspectivas que pueden existir dentro del feminismo.

Palabras clave:
Criminología; Encarcelamiento femenino; Feminismo

Este estudo compreende um ensaio teórico-reflexivo, com o objetivo de refletir sobre as lógicas do aprisionamento feminino a partir das mudanças nos discursos criminológicos ao longo da história ocidental e, mais especificamente, sobre os avanços dos estudos feministas e suas críticas dentro do campo da criminologia e da conjuntura do encarceramento feminino atual. Para isso, apresenta um breve resgate histórico das mudanças culturais, políticas e econômicas que produziram novas roupagens aos aprisionamentos impostos sobre as mulheres, à construção de normas e leis, ao surgimento do próprio Direito e dos sistemas penais e, mais adiante, ao sistema prisional moderno e suas tecnologias de controle, tendo como foco o debate sobre as aproximações e distanciamentos das diferentes perspectivas feministas e os posicionamentos da chamada criminologia crítica.

O campo da ciência criminológica constitui-se por diferentes perspectivas epistemológicas acerca das noções de crime, de criminoso ou mesmo das ideias relativas aos objetivos para os quais se utiliza a punição (Oliveira, 2017Oliveira, C. B. (2017). A mulher em situação de cárcere: uma análise à luz da criminologia feminista ao papel social da mulher condicionada pelo patriarcado. Fi.). Tanto neste campo quanto no direito penal, faz-se visível um histórico exercício de poder se tomarmos como referência as relações entre as práticas punitivas, as populações afetadas por elas e as instituições que as efetuam (Carvalho & Mayorga, 2017Carvalho, D. T. P., & Mayorga, C. (2017). Contribuições feministas para os estudos acerca do aprisionamento de mulheres. Revista Estudos Feministas , 25(1), 99-116. https://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p99
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).

Por essa lógica, sobressai a invisibilidade da condição feminina ou mesmo sua inferiorização no espaço do cárcere, que podem ser explicadas tanto por um caráter androcêntrico da própria ciência criminológica e das instâncias jurídicas e penais quanto pelos baixos índices de criminalidade envolvendo mulheres ou do encarceramento feminino em épocas passadas, o que de alguma maneira incidiu em certa despreocupação por parte dos estudiosos com o tema e uma atenção tardia do Estado à problemática do encarceramento feminino (França, 2014França, M. H. O. (2014). Criminalidade e prisão feminina: uma análise da questão de gênero. Revista Ártemis - Estudos De Gênero, Feminismos E Sexualidades, 18(1). https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/artemis/article/view/22547
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). Assim, quando não ignorada pelos estudos criminológicos, era - como ainda é - comum a mulher ser avaliada sob a ótica da moral dominante e sob normativas de gênero que ditam os parâmetros para a compreensão do fenômeno: ao cometer algum crime, a mulher torna-se transgressora dos papéis maternais, de docilidade e sexualidade reservada (Martins, 2009Martins, S. (2009). A mulher junto às criminologias: de degenerada à vítima, sempre sob controle sociopenal. Fractal: Revista de Psicologia, 21(1), 111-123. https://dx.doi.org/10.1590/S1984-02922009000100009
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). É nesse ponto que os movimentos feministas têm formulado críticas à conceitualização e classificação da criminalidade feminina, investigada historicamente por meio de lentes biologicistas ou estereotipadas, em reforço de propostas hierarquizantes, excludentes e violentas (Matos & Machado, 2012Matos, R., & Machado, C. (2012). Criminalidade feminina e construção do género: emergência e consolidação das perspectivas feministas na criminologia. Análise Psicológica, 30(1-2), 33-47. http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0870-82312012000100005&lng=pt&tlng=pt
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).

A posição da mulher perante o direito penal só começa a ser debatida com maior ênfase, no Brasil, a partir dos anos de 1970, quando movimentos sociais, dentre eles o movimento feminista com suas diversas frentes e pautas, começam a tomar mais fôlego, principalmente no cenário nacional (Santoro, Pereira, & Lara, 2018Santoro, A. E. R., Pereira, A. C. A., & Lara, M. B. de. (2018). Gênero e prisão: o encarceramento de mulheres no sistema penitenciário brasileiro pelo crime de tráfico de drogas. Meritum, 13(1), 87-112. http://revista.fumec.br/index.php/meritum/article/view/5816
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). Esses novos rumos fizeram com que o tratamento desigual da mulher nos trâmites judiciais e as pautas relativas às particularidades de seu encarceramento e de sua participação em crimes deixassem uma condição de marginalidade e ocupassem uma posição mais central em importantes discussões nos espaços acadêmicos, dos movimentos sociais e no âmbito jurídico (Colombaroli, 2013Colombaroli, A. C. de M. (2013). Criminologia crítica e pensamento feminista: convergências, divergências e possibilidades de interpretação. Revista Jurídica da Libertas Faculdades Integradas, 3(1). http://www.libertas.edu.br/revistajuridica/mostrarrevista.php?idsum=40543
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). Todavia, apesar de notórios avanços das lutas feministas para estudos dos fenômenos de criminalização, ainda se verificam lacunas em debates que incorporem gênero, classe, raça, religiosidade, orientação sexual, identidade de gênero e demais marcadores sociais, o que indica uma certa impermeabilidade dos estudos criminológicos e um distanciamento teórico dos postulados defendidos pelos movimentos feministas, sobretudo do feminismo negro, periférico e decolonial (Campos, 2013Campos, C. H. (2013). Teoria crítica feminista e crítica à(s) criminologia(s): estudo para uma perspectiva feminista em criminologia no Brasil [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4940
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).

A partir disso, propomos com este ensaio desenvolver um percurso analítico-reflexivo acerca dos debates entre os estudos criminológicos e o aprisionamento feminino, de modo a enveredarmos pelo reconhecimento da existência de vários feminismos (hooks, 2019hooks, bell. (2019). O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (H. Libanio, Trad.). Rosa dos Tempos. 1 1 bell hooks, autora reconhecida e aclamada da luta feminista negra, cujo nome de registro é Glória Jean Watkins, optou pelo pseudônimo “bell hooks” em homenagem a sua bisavó, Bell Blair Hooks. Porém, utiliza a escrita de seu nome com letra minúscula como forma de deslocar o foco para suas ideias e escrita e não à figura autoral. ) e nos aproximar das diferentes lutas feministas que tensionam o campo de saberes no âmbito da criminologia, como um passo para ultrapassar metodologias tradicionais e excludentes, portanto, atualizadoras de novos colonialismos (Campos, 2013Campos, C. H. (2013). Teoria crítica feminista e crítica à(s) criminologia(s): estudo para uma perspectiva feminista em criminologia no Brasil [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4940
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), na perspectiva de apontar para o fortalecimento de uma criminologia crítica feminista. Essa escolha se dá, principalmente, devido às atuais taxas de criminalidade feminina e da população carcerária composta por mulheres que têm crescido consideravelmente desde o século XX (Davis, 2016Davis, A.. (2016). Mulheres, raça e classe. (H. R. Candiani, trad.). Boitempo.), o que demonstra que o confinamento de mulheres na prisão corresponde a uma forma mais concreta e totalizadora das amarras socioculturais que pesam sobre o gênero feminino e que reforçam, de maneira articulada, uma discriminação e opressão ainda maior sobre mulheres pobres, negras, de diferentes etnias, religiões e orientações sexuais (Carvalho & Mayorga, 2017Carvalho, D. T. P., & Mayorga, C. (2017). Contribuições feministas para os estudos acerca do aprisionamento de mulheres. Revista Estudos Feministas , 25(1), 99-116. https://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p99
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).

Para nos situar sobre o contexto brasileiro, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen-Mulheres), até junho de 2017, existiam cerca 37.828 mulheres presas (Brasil, 2019Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. (2019). Relatório Temático sobre Mulheres Privadas de Liberdade. Departamento Penitenciário Nacional. https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen/mais-informacoes/relatorios-infopen
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). O relatório anterior evidenciava que, entre os anos de 2006 e 2016, houve um aumento de 656% da população carcerária feminina, enquanto a população masculina cresceu 293% no mesmo período (Brasil, 2018Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. (2018). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres, 2a ed.). Departamento Penitenciário Nacional. https://conectas.org/wp-content/uploads/2018/05/infopenmulheres_arte_07-03-18-1.pdf
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). São mulheres, em sua maioria, jovens (50%), mães (74%), solteiras (62%), negras (62%), de baixa escolaridade (45%) e presas por tráfico de drogas (62%) (Brasil, 2018Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. (2018). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres, 2a ed.). Departamento Penitenciário Nacional. https://conectas.org/wp-content/uploads/2018/05/infopenmulheres_arte_07-03-18-1.pdf
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). Atualmente, o Departamento Penitenciário Nacional disponibiliza números gerais sobre o sistema prisional em um banco de dados atualizado periodicamente e, de acordo com ele, até dezembro de 2021, havia 30.625 mulheres nas prisões brasileiras. No entanto, são números que não abrangem as particularidades do encarceramento feminino, reforçando a importância do Infopen-Mulheres, divulgado em anos anteriores2 2 Tais informações podem ser acessadas em: https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen . Tais dados demonstram que a prisão feminina é predominantemente associada a crimes patrimoniais e ao tráfico de entorpecentes, resultado de uma política proibicionista e de guerra às drogas implementada no território latino-americano nas últimas décadas (Lima & Miranda, 2019Lima, F. S., & Miranda, C. D. A. (2019). Encarceramento feminino na América Latina e a política de guerra às drogas: seletividade, discriminação e outros rótulos. Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas, 7(2), 446-474.). Ademais, sinalizam que são, majoritariamente, mulheres que vivem em contextos de vulnerabilidade social, histórico de abuso de drogas e que, na maior parte das vezes, são as principais responsáveis pela renda familiar. Por este aspecto, reforçam-se outras análises que indicam uma feminização da pobreza, além de expressar o modus operandi com que age o sistema penal, que seleciona e marginaliza algumas mulheres em detrimento de outras (Lima & Miranda, 2019Lima, F. S., & Miranda, C. D. A. (2019). Encarceramento feminino na América Latina e a política de guerra às drogas: seletividade, discriminação e outros rótulos. Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas, 7(2), 446-474.), e assim instrumentaliza seu controle social.

Neste sentido, Germano, Monteiro e Liberato (2018Germano, I. M. P., Monteiro, R. A. F. G., & Liberato, M. T. C. (2018). Criminologia crítica, feminismo e interseccionalidade na abordagem do aumento do encarceramento feminino. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(spe2), 27-43. https://doi.org/10.1590/1982-3703000212310
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) apontam para uma urgência em se investigar as estruturas e conjunturas jurídicas que conformam a presente situação do sistema penitenciário brasileiro, especialmente aquela vivida pelas mulheres. Essa investigação, de acordo com as autoras, deve ser feita por uma perspectiva que englobe as circunstâncias políticas, econômicas e sociais que favorecem o empobrecimento desta população, sua criminalização e a reprodução de injustiça social por parte dos processos judiciais que entrelaçam uma discriminação de raça, etnia, gênero, orientação sexual e identidade de gênero, bem como de classe e de geracionalidade.

Partindo dessas formulações, entendemos que esse debate se mostra atual e necessário, considerando o massivo encarceramento de mulheres na atualidade e a necessidade de realização de estudos específicos no âmbito da criminologia no que se refere à condição feminina nesses espaços, visto o repetido perfil socioeconômico da população feminina no cárcere, racializada e pauperizada. Ao considerar que, embora a população feminina seja a que mais cresce dentro do sistema carcerário, esta continua marginalizada (Davis, 2018Davis, A. (2018). Estarão as prisões obsoletas? (M. Vargas, trad.). Difel.) e, ao compreender que, diante dos índices que caracterizam essa população, o debate entre o sistema de justiça criminal punitivo e a ampliação do encarceramento interessa às mulheres, prioritariamente às mulheres negras e periféricas (Borges, 2019Borges, J. (2019). Encarceramento em massa. Pólen.), este ensaio parte da incorporação de outras perspectivas sobre os estudos criminológicos, sobretudo de autoras do feminismo negro e queer. Tais inquietações acerca dos modos como os discursos jurídicos e criminológicos refletem na compreensão de crime e criminoso e, sobretudo, na criminalização, controle e estigmatização feminina, são elementos importantes para ampliar as perspectivas críticas sobre o encarceramento feminino e a seletividade penal, além de fortalecer o debate ético-político da psicologia diante do tema, contribuindo para a interdisciplinaridade da psicologia social.

História do aprisionamento feminino

A condição de existência feminina no mundo ocidental carrega marcas seculares de dominação e repressão, em que uma rede de poderes representada pelo Estado, a Igreja, a família e a ciência impôs à mulher um confinamento aos papéis convencionados como naturalmente femininos, como o de mulher cristã, cuidadora, esposa e do lar, portanto, reduzida aos espaços domésticos e privados (Mendes, 2012Mendes, S. R. (2012). (Re)pensando a criminologia: reflexões sobre um novo paradigma desde a epistemologia feminista [Tese de doutorado, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília]. Repositório institucional da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/11867
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). Na Idade Média, mulheres que prestavam serviços artísticos, religiosos e medicinais foram consideradas hereges e profanadoras, sendo assim perseguidas pela Igreja e pelo Estado, repressão que se dava com o apoio de homens que gozavam de certa legitimidade de poder (Mendes, 2012Mendes, S. R. (2012). (Re)pensando a criminologia: reflexões sobre um novo paradigma desde a epistemologia feminista [Tese de doutorado, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília]. Repositório institucional da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/11867
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). Durante essa época é instituída a Inquisição, tribunal eclesiástico criado para investigar, julgar e punir crimes contra a fé católica, sob a marca do terror e penas supliciantes. Por meio dele, buscou-se afastar a mulher da cena pública, como proteção aos dogmas religiosos e à verticalidade social comandada por homens (Espinoza, 2002Espinoza, O. (2002). A prisão feminina desde um olhar da criminologia feminista. Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias, 1(1), 35-39.).

Com a publicação de Malleus Maleficarum, popularmente conhecido como O Martelo das feiticeiras (1487), escrito por Henrich Kraemer e James Sprenger, ocorre uma suposta “legitimidade científica” com base em fundamentos médico-jurídicos para se investigar, perseguir, punir e assassinar mulheres ao longo da Idade Média (Oliveira, 2017Oliveira, C. B. (2017). A mulher em situação de cárcere: uma análise à luz da criminologia feminista ao papel social da mulher condicionada pelo patriarcado. Fi.). Sob a justificativa de uma suposta relação com a “feitiçaria” e denúncia de “perversidades”, mulheres eram imputadas de estarem “possuídas” ou acometidas de “desequilíbrios físicos e mentais”, portanto, passíveis de serem punidas (Batista, 2011Batista, V. M. (2011). Introdução crítica à criminologia brasileira. Revan.). Tais concepções foram fundantes para que a regulação da subjetividade feminina e a preservação da ordem moral e política não se dessem apenas a partir da Igreja, mas pelo campo do saber científico a serviço da preservação dos ideais de família, da moral cristã e de um modelo de feminilidade a ser seguido, influenciando diretamente os discursos criminológicos seguintes (Martins, 2009Martins, S. (2009). A mulher junto às criminologias: de degenerada à vítima, sempre sob controle sociopenal. Fractal: Revista de Psicologia, 21(1), 111-123. https://dx.doi.org/10.1590/S1984-02922009000100009
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).

Com a ascensão do modo de produção capitalista e o contingente de pobreza gerado pelas desigualdades sociais e econômicas produzidas, os atos inquisitoriais absolutistas começaram a ser transpostos para novas estruturas penais e dispositivos de controle, como proteção ao patrimônio burguês e à mão de obra barata (Martins, 2009Martins, S. (2009). A mulher junto às criminologias: de degenerada à vítima, sempre sob controle sociopenal. Fractal: Revista de Psicologia, 21(1), 111-123. https://dx.doi.org/10.1590/S1984-02922009000100009
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). Sob este marco emergiu o discurso jurídico de princípios e tipificação legal dos crimes com base no pensamento liberal e positivista da época. Inaugura-se, juntamente à emergência do Iluminismo no século XVII, o período clássico da criminologia e o entendimento do crime como uma decisão individual e, portanto, a ideia da pena como uma eliminação do perigo social (Batista, 2011Batista, V. M. (2011). Introdução crítica à criminologia brasileira. Revan.). Ao longo do século XIX, a privação de liberdade é convencionada como principal modelo de pena do mundo ocidental, especialmente por ser mais racional e econômico em comparação à época dos suplícios (Foucault, 2014Foucault, M. (2014). Vigiar e punir: história da violência nas prisões (R. Ramalhete, Trad., 42a ed.). Vozes.). No entanto, tais “avanços” não representaram uma racionalização do tratamento dado às mulheres, visto que o poder punitivo instaurado a elas ainda permanecia sob influência do próprio sistema jurídico eclesial (Mendes, 2012Mendes, S. R. (2012). (Re)pensando a criminologia: reflexões sobre um novo paradigma desde a epistemologia feminista [Tese de doutorado, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília]. Repositório institucional da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/11867
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).

Com o surgimento das teses naturalistas e positivistas ainda na segunda metade do século XIX, recorre-se ao método científico para dar maior credibilidade à criminologia, fato que incorporava mais peso à estigmatização e criminalização feminina (Baratta, 2011Baratta, A. (2011). Criminologia crítica e crítica do direito penal: Introdução à sociologia do direito penal. Revan.). A Escola Positivista defendia um caráter anormal e patológico do sujeito, além da inferioridade e estigmatização de determinadas raças e populações, como negros, pessoas com transtorno mental, delinquentes e mulheres (Amorim & Cotrim, 2015Amorim, B. R. C., & Cotrim, G. S. (2015). A criminologia e o debate feminista: mulheres como autoras de crimes [Apresentação de trabalho]. VII Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís, Maranhão, Brasil. http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo6/a-criminologia-e-o-debate-feminista-mulheres-como-autoras-de-crimes.pdf.
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; Faria, 2010Faria, T. D. (2010). A mulher e a criminologia: relações e paralelos entre a história da criminologia e a história da mulher no Brasil [Apresentação de trabalho]. XIX Encontro Nacional Do Compedi. Fortaleza, Ceará, Brasil. http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3310.pdf
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).

Em A mulher delinquente, Lombroso e Ferrero (1892, citado em Espinoza, 2002Espinoza, O. (2002). A prisão feminina desde um olhar da criminologia feminista. Revista Transdisciplinar de Ciências Penitenciárias, 1(1), 35-39., p. 38) apresentam uma série de elementos sobre a anatomia e antropologia de mulheres que cometiam crimes, elencando traços de inferioridade e de periculosidade inatos à mulher, tida como insensível, atávica e menos inteligente que o homem. Reforçava-se sua suposta “fraqueza” enquanto resultado de falhas e a crença de que, por ser menos resistente à tentação, possuía maior inclinação ao mal, teses que naturalizavam e tipificavam determinados crimes como femininos. Percebe-se que, ainda nos tempos atuais, há uma apropriação de certas características femininas, aparência estética e expressões da sexualidade como indicativos de criminalidade, imoralidade e desequilíbrio psíquico nas mulheres (Martins, 2009Martins, S. (2009). A mulher junto às criminologias: de degenerada à vítima, sempre sob controle sociopenal. Fractal: Revista de Psicologia, 21(1), 111-123. https://dx.doi.org/10.1590/S1984-02922009000100009
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).

Foram muitas as críticas aos métodos científicos empregados pelos estudiosos positivistas. No entanto, a herança do positivismo na criminologia atual permanece quando não se questiona a construção e estruturação do direito penal, o que sinaliza seu importante papel na manutenção da ordem estabelecida (Batista, 2007Batista, N..(2007). Introdução crítica ao Direito Penal brasileiro. Revan.). Além de individualizar o fato criminal, como se tratasse de um aspecto psicopatológico intrínseco à constituição do sujeito criminoso, se reproduz um tratamento natural e passivo da ordem legal, e se ignora toda a estrutura desigual, discriminatória e excludente do sistema, reflexo da própria estrutural desigualdade social existente (Andrade, 1995Andrade, V. R. P. (1995). Do paradigma etiológico ao paradigma da reação social: mudança e permanência de paradigmas criminológicos na ciência e no senso comum. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos, 16(30), 24-36.).

De volta às trilhas do pensamento criminológico, durante o século XX, desenvolveu-se uma nova perspectiva em que o crime passou a ser visto como funcional à manutenção dos sistemas de controle. O contexto socioeconômico do indivíduo entrou para a reflexão da questão criminal, entretanto, mesmo significando um avanço para a ciência criminológica, houve a emergência de um fenômeno de criminalização da pobreza (Batista, 2011Batista, V. M. (2011). Introdução crítica à criminologia brasileira. Revan.), que serviu como estratégia de controle das camadas populares e, sobretudo, de punição sobre trabalhadores operários, desempregados, negros, periféricos e imigrantes (Leal & Macedo, 2017Leal, D. M., & Macedo, J. P. (2017). A penalização da miséria no Brasil: os adolescentes “em conflito com a lei”. Textos & Contextos, 16(1), 128-141. https://doi.org/10.15448/1677-9509.2017.1.24550
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). Nesse contexto, a prisão se efetiva como uma alternativa tecnológica que age com precisão sobre os indivíduos e cuja função, segundo Foucault (2017Foucault, M. (2017). Microfísica do Poder (R. Machado, Trad.). Paz & Terra.), está em gerir as ilegalidades, produzir mais criminalidade como meio de funcionalidade do sistema. Dessa forma, o autor convida à reflexão das formas de naturalização e incorporação dos discursos criminológicos sem que estes precisem de justificativas teóricas fundamentadas ou que apresentem uma estrutura empírica (Foucault, 2017Foucault, M. (2017). Microfísica do Poder (R. Machado, Trad.). Paz & Terra.).

Cabe aqui interpretarmos o quanto a desigualdade e seletividade do sistema penal se efetiva por diferentes vias sobre os corpos femininos na atualidade, uma vez que o perfil da população carcerária feminina, em constante crescimento, evidencia que uma história de opressão e exclusão nunca deixou de repetir. Dentro dessa linha, somos convocados à imprescindibilidade de linhas críticas, feministas e interseccionais no campo criminológico, para tecer olhares mais sensíveis a essas populações que tendenciosamente são designadas ao cárcere (Germano et al., 2018Germano, I. M. P., Monteiro, R. A. F. G., & Liberato, M. T. C. (2018). Criminologia crítica, feminismo e interseccionalidade na abordagem do aumento do encarceramento feminino. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(spe2), 27-43. https://doi.org/10.1590/1982-3703000212310
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). Tais necessidades se fazem presentes na ampliação das discussões e novas produções nos modos de atuação da psicologia no campo jurídico e prisional, especialmente no que se refere à defesa da dignidade e da garantia de direitos de mulheres, principalmente mulheres negras e pobres, na compreensão dos diferentes atravessamentos sociais e dos impactos e opressões vivenciados no cárcere e fora dele.

Diante desse cenário, em meio às contribuições científicas e do avanço de movimentos sociais nos anos de 1960 e 1970, surgem as primeiras críticas à criminologia tradicional e às práticas do sistema penal, além de reivindicações de direitos para minorias marginalizadas, panorama que serviu de transição para a chamada criminologia crítica (Bergalli, 2015Bergalli, R. (2015). O pensamento crítico e a criminologia. In R. Bergalli, J. B. Ramirez, & T. Miralles, O pensamento criminológico 1: uma análise crítica (pp. 181-208). Revan.). A nova vertente surgiu em oposição às ideologias conservadoras e mantenedoras da verticalização social, assim como em questionamento aos objetivos do código penal vigente e os grupos beneficiados por ele (Batista, 2007Batista, N..(2007). Introdução crítica ao Direito Penal brasileiro. Revan.; Colombaroli, 2013Colombaroli, A. C. de M. (2013). Criminologia crítica e pensamento feminista: convergências, divergências e possibilidades de interpretação. Revista Jurídica da Libertas Faculdades Integradas, 3(1). http://www.libertas.edu.br/revistajuridica/mostrarrevista.php?idsum=40543
http://www.libertas.edu.br/revistajuridi...
). São estudos que buscam entender o fenômeno criminal por meio de análises dos mecanismos institucionais que estruturam os processos de criminalização, voltados para uma compreensão mais aprofundada sobre a desigualdade de classes e os benefícios do direito penal às classes dominantes (Bergalli, 2015Bergalli, R. (2015). O pensamento crítico e a criminologia. In R. Bergalli, J. B. Ramirez, & T. Miralles, O pensamento criminológico 1: uma análise crítica (pp. 181-208). Revan.; Campos & Carvalho, 2011Campos, C. H., & Carvalho, S. (2011). Tensões atuais entre a criminologia feminista e a criminologia crítica: a experiência brasileira. In C. H. de Campos (Org.). Lei Maria da Penha Comentada em uma perspectiva jurídico-feminista (pp. 143-172). Lumen Juris.).

Baratta (2011Baratta, A. (2011). Criminologia crítica e crítica do direito penal: Introdução à sociologia do direito penal. Revan.) avalia que a criminologia crítica, ao se dirigir aos processos de criminalização, tensiona um dos pontos nevrálgicos das relações sociais de desigualdade provenientes do capitalismo e, para ele, somente com uma política criminal construída sob o ponto de vista das camadas marginalizadas é possível que esta criminologia alcance seus objetivos. Por outro lado, Zaffaroni (2013Zaffaroni, E. R. (2013). A questão criminal. Revan.) defende que a criminologia crítica somente pode existir a partir da crítica do sistema penal, ou seja, da crítica ao poder que, em vez de no aparato punitivo (polícia, agentes penitenciários, juízes, meios de comunicação etc.), objetive reexaminar todo o poder social, econômico e político, produzindo uma crítica geral. Trata-se, segundo o autor, não apenas de problematizar, mas entender o funcionalismo dessas relações e produzir mudanças estruturais que vão das mais básicas às mais complexas (Zaffaroni, 2013Zaffaroni, E. R. (2013). A questão criminal. Revan.).

Por esse viés, percebe-se que as ideias positivistas ainda exercem influência nos estudos da criminologia, uma vez que até mesmo nas abordagens críticas há resquícios desses pensamentos, as orientações patológicas e clínicas corretivas permanecem, e mesmo as perspectivas sociológicas continuam se voltando para o estudo das causas da criminalidade (Baratta, 2011Baratta, A. (2011). Criminologia crítica e crítica do direito penal: Introdução à sociologia do direito penal. Revan.). Essas constatações, segundo o autor, dão suporte às críticas e questionamentos que continuam sendo feitos à criminologia crítica na atualidade. Além disso, reforça-se a importância da crítica não apenas à criminologia de modo mais específico, mas como a própria psicologia tem se intercruzado com o campo criminológico, sobretudo se considerarmos a psicologia enquanto saber historicamente orientado por perspectivas individualizantes, homogeneizantes e normatizadoras, além de ter suas práticas, no ambiente jurídico, muitas vezes limitadas à avaliação dos níveis de periculosidade dos sujeitos (Torraca de Brito, 2012Torraca de Brito, L. M. (2012). Anotações sobre a psicologia jurídica. Psicologia Ciência e Profissão, 32, 194-205. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=282024795013
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=2...
).

Devido aos elementos elencados até aqui e às diversas particularidades que envolvem a criminalidade feminina, surgem na contemporaneidade novas linhas de análise acerca da assimetria reproduzida pelo controle penal, por meio dos estudos sobre gênero e das perspectivas feministas mais contemporâneas, a exemplo dos feminismos periféricos ou subalternos, que têm pautado os estudos sobre a criminalização feminina a partir de análises interseccionais, além de denunciarem a opressão sofrida pelas mulheres em um sistema que é estruturalmente patriarcal, capitalista e racista (Colombaroli, 2013Colombaroli, A. C. de M. (2013). Criminologia crítica e pensamento feminista: convergências, divergências e possibilidades de interpretação. Revista Jurídica da Libertas Faculdades Integradas, 3(1). http://www.libertas.edu.br/revistajuridica/mostrarrevista.php?idsum=40543
http://www.libertas.edu.br/revistajuridi...
; Germano et al., 2018Germano, I. M. P., Monteiro, R. A. F. G., & Liberato, M. T. C. (2018). Criminologia crítica, feminismo e interseccionalidade na abordagem do aumento do encarceramento feminino. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(spe2), 27-43. https://doi.org/10.1590/1982-3703000212310
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).

Os debates feministas e a criminologia crítica: aproximações e divergências

Contemporaneamente a este debate mais crítico em torno da Criminologia, as mudanças sociais e culturais na segunda metade do século XX aprofundaram a crítica em relação aos ideais que colocavam a mulher em uma posição supostamente distante do mundo do crime. Se antes as mulheres eram criminalizadas pelo não cumprimento das normativas de gênero, com a modernidade e as exigências que recaem sobre a mulher com o mundo do trabalho, o desemprego, a violação de direitos básicos e a violência, elas passam a também serem objetos de uma criminalização patrimonial, figurando uma entrada maior da mulher no sistema jurídico-penal (França, 2014França, M. H. O. (2014). Criminalidade e prisão feminina: uma análise da questão de gênero. Revista Ártemis - Estudos De Gênero, Feminismos E Sexualidades, 18(1). https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/artemis/article/view/22547
https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php...
). Intensifica-se, por este aspecto, a criminalização da mulher pela prática de furto, roubo, estelionato e, principalmente, tráfico de drogas (Gomes, 2016Gomes, C. M. (2016). Corpos negros e as cenas que não vi: um ensaio sobre os vazios de uma pesquisa criminológica situada. Sistema Penal & Violência, 8(1), 16-28. https://doi.org/10.15448/2177-6784.2016.1.23717
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), uma vez que o combate ao mercado de entorpecentes age com maior força sobre as populações mais vulneráveis (Lima & Miranda, 2019Lima, F. S., & Miranda, C. D. A. (2019). Encarceramento feminino na América Latina e a política de guerra às drogas: seletividade, discriminação e outros rótulos. Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas, 7(2), 446-474.).

Assim, perspectivas feministas dentro da criminologia ou mesmo os questionamentos advindos da própria criminologia crítica começaram a ser formuladas acerca do questionamento das lógicas androcêntricas que estruturam o controle punitivo, denunciando as desigualdades com que homens e mulheres são tratados pelo sistema penal (Campos & Carvalho, 2011Campos, C. H., & Carvalho, S. (2011). Tensões atuais entre a criminologia feminista e a criminologia crítica: a experiência brasileira. In C. H. de Campos (Org.). Lei Maria da Penha Comentada em uma perspectiva jurídico-feminista (pp. 143-172). Lumen Juris.; Franklin, 2017Franklin, N. I. C. (2017). Raça, gênero e criminologia: reflexões sobre o controle social das mulheres negras a partir da criminologia positivista de Nina Rodrigues [Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília]. Repositório institucional da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/24000
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). Produz-se uma dupla violência sobre a mulher: por um lado, invisibilizam-se (ou até mesmo negam-se) as violências de gênero das quais as mulheres são vítimas, como estupro, agressões, violências psicológicas e homicídios; por outro, se exerce um aumento da punição e agravamento da execução da pena, exclusivamente, em decorrência da condição de gênero (Campos & Carvalho, 2011Campos, C. H., & Carvalho, S. (2011). Tensões atuais entre a criminologia feminista e a criminologia crítica: a experiência brasileira. In C. H. de Campos (Org.). Lei Maria da Penha Comentada em uma perspectiva jurídico-feminista (pp. 143-172). Lumen Juris.). Ressalta-se que tratar do aspecto androcêntrico do sistema penal não implica apontar um certo abrandamento do sofrimento vivido pelos homens submetidos às esferas judiciais, mas compreender que, sobre a mulher, recai o peso de uma punição tanto pelas sanções penais quanto sociais (Carvalho & Mayorga, 2017Carvalho, D. T. P., & Mayorga, C. (2017). Contribuições feministas para os estudos acerca do aprisionamento de mulheres. Revista Estudos Feministas , 25(1), 99-116. https://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p99
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).

Os temas ligados à condição desigual da mulher perante o direito penal, como a falta de proteção diante da violência masculina, a taxa de incriminação e de encarceramento, os crimes considerados como “femininos”, por exemplo o aborto e infanticídio, dentre outros, foram ganhando visibilidade e passaram a ocupar posição de importância nas discussões criminais (Baratta, 1999Baratta, A. (1999). O paradigma de gênero: da questão criminal à questão humana. In C. H. Campos (Org.), Criminologia e feminismo (pp. 19-81). Sulina.). Nessa reviravolta criminológica, o movimento de mulheres começou a propor estudos sobre mulheres envolvidas com o crime de maneira não reducionista, incorporando seu contexto social e cultural nos estudos realizados (Amorim & Cotrim, 2015Amorim, B. R. C., & Cotrim, G. S. (2015). A criminologia e o debate feminista: mulheres como autoras de crimes [Apresentação de trabalho]. VII Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís, Maranhão, Brasil. http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo6/a-criminologia-e-o-debate-feminista-mulheres-como-autoras-de-crimes.pdf.
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; Colombaroli, 2013Colombaroli, A. C. de M. (2013). Criminologia crítica e pensamento feminista: convergências, divergências e possibilidades de interpretação. Revista Jurídica da Libertas Faculdades Integradas, 3(1). http://www.libertas.edu.br/revistajuridica/mostrarrevista.php?idsum=40543
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). Tais mudanças paradigmáticas não se restringiram somente ao campo da criminologia, mas acompanharam uma série de contraposições feministas à ciência como um todo, uma vez que o contexto cultural e político possibilitou a visibilização da dominação masculina em detrimento da participação feminina, historicamente afastada ou silenciada dos/nos espaços de produção do conhecimento científico (Bandeira, 2008Bandeira, L. (2008). A contribuição da crítica feminista à ciência. Revista Estudos Feministas, 16(1), 207-228. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2008000100020
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).

A luta pela descriminalização de condutas tipificadas como crime (aborto, adultério e sedução, por exemplo), a denúncia da falta de proteção das mulheres pelo sistema de justiça criminal, a não aceitação da naturalização de condutas machistas e a batalha pela criminalização de condutas até então não criminalizadas, como a violência sexual, doméstica e psicológica, foram umas das principais pautas durante a ascensão dos movimentos feministas no Brasil (Andrade, 1997Andrade, V. R. P. (1997). Criminologia e feminismo: da mulher como vítima à mulher como sujeito de construção da cidadania. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos,18(35), 42-49.). A proposta desses movimentos estava no reconhecimento da criminalidade como um elemento de construção histórica (França, 2014França, M. H. O. (2014). Criminalidade e prisão feminina: uma análise da questão de gênero. Revista Ártemis - Estudos De Gênero, Feminismos E Sexualidades, 18(1). https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/artemis/article/view/22547
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), e no entendimento do sistema de justiça como um sistema de violência institucional e racismo estrutural, que reproduz tanto as desigualdades de classes quanto as de gênero e raça (Andrade, 2005Andrade, V. R. P. (2005). A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos, 26(50), 71-102.).

Aprofundando o tema, algumas(ns) criminólogas(os) entendem que a relação entre feminismo e criminologia possui dois momentos distintos: de atração, entendido por volta da década de 1970, quando as feministas ainda acreditavam haver uma relação do feminismo com as discussões sobre classe e a perspectiva crítica e radical da criminologia, principalmente porque a criminologia tradicional ignorava a questão das mulheres no cárcere; e de distanciamento, a partir dos anos 1990, quando outras frentes feministas defendem que somente é possível uma criminologia do ponto de vista feminista, ou seja, construída a partir da experiência das mulheres, se houver repúdio total a qualquer criminologia tradicional já existente, inclusive a sua vertente crítica, pois essas foram construídas sob a ótica masculina (Baratta, 1999Baratta, A. (1999). O paradigma de gênero: da questão criminal à questão humana. In C. H. Campos (Org.), Criminologia e feminismo (pp. 19-81). Sulina.; Campos, 2013Campos, C. H. (2013). Teoria crítica feminista e crítica à(s) criminologia(s): estudo para uma perspectiva feminista em criminologia no Brasil [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4940
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).

Assim, a aproximação entre a perspectiva feminista e a criminologia crítica ocorre na defesa de uma reflexão crítica e emancipatória nas relações verticalizadas de poder e suas implicações na questão criminal, que perpassa as próprias condições estruturais impostas pelo capitalismo. No entanto, diversos pontos de discordância são postos, como a ação ineficiente da justiça penal na proteção da mulher contra as diversas formas de violência (Colombaroli, 2013Colombaroli, A. C. de M. (2013). Criminologia crítica e pensamento feminista: convergências, divergências e possibilidades de interpretação. Revista Jurídica da Libertas Faculdades Integradas, 3(1). http://www.libertas.edu.br/revistajuridica/mostrarrevista.php?idsum=40543
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).

Os debates acerca das questões de gênero nos estudos da criminalidade visam descontruir as principais teorias criminológicas devido a sua práxis seletiva e desigual. É fato que a centralização da ciência na experiência masculina é a raiz da violência institucional que sofrem as mulheres durante a aplicação e interpretação do direito penal (Baratta, 1999Baratta, A. (1999). O paradigma de gênero: da questão criminal à questão humana. In C. H. Campos (Org.), Criminologia e feminismo (pp. 19-81). Sulina.). Entretanto, algumas autoras verificam que criminologia crítica ainda se mantém resistente à introdução do ponto de vista feminino em seus estudos, o que pode ser explicado no fato de a criminologia ter nascido como discurso de homens para/sobre homens (Campos, 2013Campos, C. H. (2013). Teoria crítica feminista e crítica à(s) criminologia(s): estudo para uma perspectiva feminista em criminologia no Brasil [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4940
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). Nos poucos momentos em que apareceu nos estudos, as mulheres e suas experiências não eram o objeto central, apenas uma variável (Oliveira, 2017Oliveira, C. B. (2017). A mulher em situação de cárcere: uma análise à luz da criminologia feminista ao papel social da mulher condicionada pelo patriarcado. Fi.).

Andrade (1997Andrade, V. R. P. (1997). Criminologia e feminismo: da mulher como vítima à mulher como sujeito de construção da cidadania. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos,18(35), 42-49.) também aponta o sistema penal como ineficaz para a proteção feminina, sobretudo contra a violência sexual, pois enfraquece o movimento feminista e fragmenta-o, além de duplicar sobre nós a violência exercida, visto que se trata de um sistema de controle social machista e conservador, que representa uma extensão do controle iniciado na família e reproduz a violência estrutural das relações sociais capitalistas e patriarcais. Para a autora, há uma profunda contradição na relação entre o movimento de mulheres e o sistema penal, pois trata-se de um elo que “é mais repressão, mais castigo, mais punição” (Andrade, 1997Andrade, V. R. P. (1997). Criminologia e feminismo: da mulher como vítima à mulher como sujeito de construção da cidadania. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos,18(35), 42-49., p. 46).

Por outro lado, Baratta (1999Baratta, A. (1999). O paradigma de gênero: da questão criminal à questão humana. In C. H. Campos (Org.), Criminologia e feminismo (pp. 19-81). Sulina.) defende que o paradigma do gênero não exige a construção de outra criminologia, mas sim um estudo diretamente dentro da criminologia crítica, posto que tal ciência, para ser crítica, precisa inserir em seus debates a divisão social de posições e de papéis de gênero, para assim produzir uma criminologia que envolva os recortes de gênero, classe e raça.

Baratta (1999Baratta, A. (1999). O paradigma de gênero: da questão criminal à questão humana. In C. H. Campos (Org.), Criminologia e feminismo (pp. 19-81). Sulina.) ainda questiona se o feminismo defendido também é antirracista, uma vez que, quando se dá prioridade apenas à divisão mulher/homem, as questões de classe, raça e etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero e geracionalidade permanecem obscurecidas. Por isso a importância de envolver a intersecção desses marcadores para tornar mais abrangente a análise da criminalidade feminina, visto que o debate muitas vezes não alcança a realidade da mulher negra, pobre, de outras etnias e orientações sexuais e identidades de gênero (Amorim & Cotrim, 2015Amorim, B. R. C., & Cotrim, G. S. (2015). A criminologia e o debate feminista: mulheres como autoras de crimes [Apresentação de trabalho]. VII Jornada Internacional de Políticas Públicas, São Luís, Maranhão, Brasil. http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/pdfs/eixo6/a-criminologia-e-o-debate-feminista-mulheres-como-autoras-de-crimes.pdf.
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). Por razões similares, Borges (2019Borges, J. (2019). Encarceramento em massa. Pólen.) afirma que a possibilidade de se pensar um novo projeto acerca da situação de mulheres que vivenciam o cárcere, sejam presas ou por terem familiares presos, requer incorporar uma ótica interseccional, dado que qualquer estudo sobre as opressões de gênero é transversalizado por múltiplos elementos raciais, sociais e culturais.

Ainda que as lutas feministas tenham se debruçado com maior ênfase sobre os estudos do crime, com base em elementos de classe e gênero, Franklin (2017Franklin, N. I. C. (2017). Raça, gênero e criminologia: reflexões sobre o controle social das mulheres negras a partir da criminologia positivista de Nina Rodrigues [Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília]. Repositório institucional da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/24000
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) observa que a questão racial continua menosprezada nos espaços acadêmicos e científicos, inclusive na vertente da crítica da criminologia. A autora argumenta que os estudos desenvolvidos junto à emergência dos movimentos sociais e de Direitos Humanos, na década de 1970, foram predominantemente marcados por uma lógica de branquidade3 3 Por “branquidade” entende-se uma posição de vantagem de determinadas populações sobre outras, baseadas em uma dominação racial, que só pode ser compreendida em um contexto de colonização, em que pessoas brancas se colocam em assimetria a todas as outras pessoas não brancas, produzindo estruturas sociais verticalizadas (Franklin, 2017). . Logo, seria essencial o reconhecimento de que a criminologia foi e ainda permanece sendo uma ciência comprometida com os privilégios das classes dominantes.

No cenário brasileiro, a partir do final dos anos 1980, o feminismo negro vem ganhando força na defesa do espaço das mulheres negras, denunciando opressões que negras vivenciam diariamente, não somente na sociedade de forma geral, mas também em espaços supostamente democráticos, como no próprio movimento feminista (Davis, 2016Davis, A.. (2016). Mulheres, raça e classe. (H. R. Candiani, trad.). Boitempo.). Isso evidencia a violência sofrida pela parcela negra da população feminina, que não é somente pautada no gênero, mas também na cor, particularidade que torna ainda mais complexa e necessária a luta feminista negra.

Nesse tocante, a militante pelos direitos das mulheres e contra discriminação social e racial, Angela Davis (2016Davis, A.. (2016). Mulheres, raça e classe. (H. R. Candiani, trad.). Boitempo.), compreende que a relação entre a batalha pela libertação negra e a luta pelos direitos das mulheres se mostra de forma superficial. Para a autora, a união da luta feminista com a luta negra esteve marcadamente atravessada pela ideologia do racismo, o que faz de um movimento feminista, visto como universal, ser signatário de uma luta desigual em defesa dos direitos das mulheres, pois a luta da classe dominante branca é diferente da negra e de tantas outras. No Brasil, Sueli Carneiro (2003Carneiro, S. (2003). Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In Ashoka Empreendimentos Sociais, & Takano Cidadania (Orgs.), Racismos contemporâneos (pp. 49-58). Takano.), representante do movimento feminista negro, defende a necessidade de um feminismo negro, pois as marcas do período colonial e da escravidão não ficaram pela história do passado, mas se perpetuam e estão vivas no imaginário social, adquirem novos contornos em uma ordem social que se diz democrática, mas que negligencia as questões de gênero atravessadas pelos recortes de cor e de raça. Deste modo, a experiência de mulheres negras perante a opressão patriarcal que sofrem possui marcadores diferentes dos que são defendidos pelos clássicos discursos feministas, discursos esses que não têm respondido à opressão que se incide sobre a vida das mulheres racializadas (Carneiro, 2003Carneiro, S. (2003). Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In Ashoka Empreendimentos Sociais, & Takano Cidadania (Orgs.), Racismos contemporâneos (pp. 49-58). Takano.).

Por esta linha, ao discutir os aspectos ideológicos e opressores do patriarcado dentro da estrutura social vigente, inclusive no sistema penal e nas próprias instituições prisionais, importa compreender que as diversas frentes dentro do movimento feminista, principalmente aquelas representadas por feministas negras, latinas, pós-coloniais e transgêneros, buscam romper com a ideia hegemônica de que o principal enfrentamento do movimento seja apenas em oposição à supremacia masculina, mas que essas lutas se dão pela contestação e busca pelo reconhecimento das diferentes experiências femininas e narrativas de vida (Carvalho, Mayorga, 2017Carvalho, D. T. P., & Mayorga, C. (2017). Contribuições feministas para os estudos acerca do aprisionamento de mulheres. Revista Estudos Feministas , 25(1), 99-116. https://dx.doi.org/10.1590/1806-9584.2017v25n1p99
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). Dessa forma, pensar os aspectos machistas e androcêntricos do sistema penal exige que não somente o façamos pela categoria gênero, mas também e, sobretudo, que esta análise inclua as diferentes desigualdades que se produzem em meio a múltiplas relações de poder e como estas operam silenciamentos distintos.

Diante disso, destaca-se que, por meio da crítica feminista proposta pelas mulheres negras, por exemplo, pode-se acessar com mais profundidade as particularidades vivenciadas por mulheres de raças e classes distintas, o que contribuiria não somente para adensar a crítica acerca do sistema patriarcal, mas também de um sistema caracteristicamente racista, e serviria para a compreensão da vida de mulheres negras, de suas comunidades e culturas, relações familiares e posicionalidades dentro da sociedade, inclusive daquelas que estão na condição do cárcere (Vasconcelos & Oliveira, 2016Vasconcelos, I. C., & Oliveira, M. D. (2016). Por uma criminologia feminista e negra: uma análise crítica da marginalização da mulher negra no cárcere brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Penal e Política Criminal, 4(1), 101-110. https://seer.ufrgs.br/redppc/article/view/65762
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).

Mulheres negras e pobres na prisão: o que isso tem a nos dizer sobre o feminismo no Brasil?

Diante do exposto, não é possível ignorar o fato de que as experiências de mulheres encarceradas são experiências racializadas, além de serem constantemente silenciadas tanto pela estrutura do sistema penal quanto pelo debate criminológico e pelo campo de estudos feministas. Conforme a literatura mais crítica sobre o feminismo, parecem considerar uma espécie de abstração do que é ser mulher, inclusive daquela que se inseriu no mercado de trabalho ou que está na prisão. Para Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios do racismo cotidiano. (J. Oliveira, Trad.). Cobogó.), as questões da população negra, os conhecimentos produzidos por esse povo e sobre esse povo são frequentemente desqualificados e invalidados, reforçando um status especialista e dominante da classe branca sobre a população negra, mantendo-a encarcerada em uma violenta hierarquia colonial.

Ao longo deste ensaio, reconhecemos que mesmo dentre os estudos feministas no âmbito da criminologia, até mesmo da sua frente mais crítica, muitos não reportam ou consideram em suas análises o quanto os corpos negros foram, desde épocas antigas, sexualizados, assediados, estuprados e brutalizados, utilizados como força de trabalho, enfim, objetificados e controlados, inclusive na prisão (Gomes, 2016Gomes, C. M. (2016). Corpos negros e as cenas que não vi: um ensaio sobre os vazios de uma pesquisa criminológica situada. Sistema Penal & Violência, 8(1), 16-28. https://doi.org/10.15448/2177-6784.2016.1.23717
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). Como hooks (2019hooks, bell. (2019). O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (H. Libanio, Trad.). Rosa dos Tempos.) explica, é fundamental admitirmos que a luta negra é diferente daquela vista como hegemônica. E não precisamos ir muito longe: basta observarmos que mulheres negras sempre foram maiorias em cargos de empregada doméstica, faxineira, na prostituição ou, também, na criminalização por tráfico de drogas, principal crime pelo qual as mulheres são encarceradas.

Essa opressão articulada é denunciada por Davis na constatação do perfil repetido das mulheres encarceradas, sendo elas: pobres, negras, com baixa escolaridade, usuárias de substâncias psicoativas e mães (Davis & Dent, 2003Davis, A., & Dent, G. (2003). A prisão como fronteira: uma conversa sobre gênero, globalização e punição. Revista Estudos Feministas , 11(2), 523-531. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2003000200011
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, p. 527). Isso expressa a similaridade entre as instituições prisionais em diferentes partes do mundo e indica a função da prisão como uma execução do poder por meio do assujeitamento moral, social e político das mulheres. Acima de tudo, indica que o sistema penal se apresenta como punitivo, econômico, sexista e racista. Para a autora, “essa mesmice das prisões femininas precisa ser avaliada com relação ao quanto é importante para os feminismos desvencilharem-se da noção de que há uma qualidade universal que podemos chamar de mulher” (Davis & Dent, 2003Davis, A., & Dent, G. (2003). A prisão como fronteira: uma conversa sobre gênero, globalização e punição. Revista Estudos Feministas , 11(2), 523-531. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2003000200011
https://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X200...
, p. 527).

A presença majoritária de mulheres negras sob o poder punitivo do sistema de justiça criminal corresponde ao que Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios do racismo cotidiano. (J. Oliveira, Trad.). Cobogó.) explica ao falar de “racismo institucional”. Para a autora, o racismo institucional é um racismo que não é apenas ideológico, mas que confere um tratamento desigual nas operações cotidianas de tal forma que os sujeitos brancos possuem vantagem em relação aos grupos racializados. Portanto, trata-se de uma expressão do racismo estrutural, importante analisador para pensar o racismo no sistema de justiça e seu aparato penal. Nesse contexto, destaca-se o fato de que diversas políticas criminais implantadas e atualizadas ao longo dos séculos resultaram de estratégias de controle de corpos negros, suas condutas e crenças, sobretudo em períodos de pós-abolição (Borges, 2019Borges, J. (2019). Encarceramento em massa. Pólen.; Davis, 2018Davis, A. (2018). Estarão as prisões obsoletas? (M. Vargas, trad.). Difel.).

A atual composição carcerária feminina, a suspensão de direitos e condição de marginalidade que essas mulheres vivem diante do poder judiciário e que se exacerbam nas prisões brasileiras atestam que as militâncias feministas dentro desses espaços não correspondem às reinvindicações de um movimento feminista hegemônico. Pensar sobre isso juntamente às leituras de hooks (2019hooks, bell. (2019). O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (H. Libanio, Trad.). Rosa dos Tempos.) produz questionamentos que precisam ser incorporados em toda discussão que se faça desses contextos: de qual luta feminista estamos falando quando tratamos de mulheres criminalizadas? Esperar que essas mulheres defendam certos ideais feministas não seria também assumir uma postura universalista e excludente, como se houvesse um modelo único de militância feminista? A luta das mulheres no cárcere é feita por outras entradas, que muitas vezes diferem daquelas que militantes feministas com outras experiências de vida pontuam. Isso nos faz atentar que “não existe um só caminho para o feminismo. Indivíduos de diferentes origens precisam de uma teoria feminista que dialogue com a vida que têm” (hooks, 2019hooks, bell. (2019). O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (H. Libanio, Trad.). Rosa dos Tempos., p. 165).

As pautas e reivindicações das mulheres presas correspondem à luta pelo direito de acesso à saúde, especialmente no que se refere à saúde ginecológica (Queiroz, 2015Queiroz, N. (2015). Presos que menstruam. Record.); pelo acesso a condições dignas de estadia com os filhos na prisão, seja em momentos de visita, seja nas circunstâncias em que a mãe permanece com o filho na prisão (Cúnico, Brasil, & Barcinski, 2015Cúnico, S. D., Brasil, M. V., & Barcinski, M. (2015). A maternidade no contexto do cárcere: uma revisão sistemática. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 15(2), 509-528. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180842812015000200005&lng=pt&tlng=pt
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); pela não aceitação de uma única forma de ser mulher; assim, reivindicam o direito de exercerem sua sexualidade, direito à visita intima e o direito de poderem transitar por entre as orientações sexuais (D’Angelo et al., 2018D’Angelo, L. B., Lima, V. P., Costa, V. A., Garay Hernández, J., Rocha, B. S. da, Pinho, G. S. A., & Uziel, A. P. (2018). Performatividades de gênero em unidades prisionais femininas do Rio de Janeiro. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(spe2), 44-59. https://doi.org/10.1590/1982-3703000212199
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), além de ações com vistas ao desencarceramento e à desconstrução de lógicas punitivistas (Davis, 2018Davis, A. (2018). Estarão as prisões obsoletas? (M. Vargas, trad.). Difel.).

É no bojo dessas críticas e reflexões que movimentos como Black Feminist Criminology e a Criminologia Queer4 4 O termo queer é utilizado para descrever um grupo de pessoas que assumem diversas configurações de orientação sexual e identidade de gênero, como gay, lésbica, bissexual, travesti e transgênero (Oliveira, 2016). vêm ganhando espaço dentro do campo de debates sobre o feminismo e da própria criminologia, na perspectiva de fortalecer a discussão acerca da necessidade de existência de não apenas um feminismo, mas vários feminismos (Campos, 2013Campos, C. H. (2013). Teoria crítica feminista e crítica à(s) criminologia(s): estudo para uma perspectiva feminista em criminologia no Brasil [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4940
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). As produções e discussões advindas do feminismo negro, juntamente a perspectivas multiétnicas, vêm sendo lançadas pela Black Feminist Criminology, vertente que propõe a análise das questões de gênero por meio de um recorte étnico e reconhecedor das múltiplas opressões sofridas por mulheres negras de diferentes comunidades, indígenas ou de etnias diversas, que se dão tanto nas esferas sociais quanto jurídicas (Cassol, 2017Cassol, P. D. (2017). Do gênero para além do gênero: a crítica feminista ao direito e à criminologia [Apresentação de trabalho]. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1498850694_ARQUIVO_Artigo%27Dogeneroparaalemdogenero.pdf
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). Neste caso, além de um paradigma de gênero e de raça, também se consideram etnia e classe como categorias imprescindíveis para um debate interseccional e inclusivo (Carvalho de Vasconcelos, David de Oliveira, 2016Vasconcelos, I. C., & Oliveira, M. D. (2016). Por uma criminologia feminista e negra: uma análise crítica da marginalização da mulher negra no cárcere brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Penal e Política Criminal, 4(1), 101-110. https://seer.ufrgs.br/redppc/article/view/65762
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). As contribuições de uma criminologia feminista negra se caracterizam pelos estudos dos processos de vitimização e de criminalização de mulheres não pertencentes à raça branca, ações que ganham contornos específicos e mais excludentes em contextos latino-americanos (Araújo, 2019Araújo, E. I. M. D. (2019). Sobre a morte de Dandara: gênero, raça e classe como aportes para pensar uma criminologia feminista e interseccional [Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Alagoas]. Repositório institucional da UFAL. http://www.repositorio.ufal.br/handle/riufal/5796
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). Portanto, são analisadores nem sempre incorporados pelos estudos tradicionais da criminologia crítica ou mesmo por perspectivas feministas, em detrimento de experiências particulares e coletivas de vida cujas linhas opressoras perpassam também pelo viés do racismo, não somente do patriarcado.

Na Criminologia Queer, as inovações fornecidas para o enfrentamento do funcionamento moralista e androcêntrico das instituições penais se centram no questionamento de um padrão heteronormativo e binário, tensionando a normatização da masculinidade como padrão sexual e buscando a desconstrução de uma ideia naturalizada e estigmatizante da mulher (Cassol, 2017Cassol, P. D. (2017). Do gênero para além do gênero: a crítica feminista ao direito e à criminologia [Apresentação de trabalho]. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1498850694_ARQUIVO_Artigo%27Dogeneroparaalemdogenero.pdf
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). Assim como para os movimentos feministas, os estudos queer buscam avaliar as condições de possibilidade de reconhecimento de uma Criminologia Queer ou de uma abordagem queer na criminologia, cujas análises problematizem os privilégios, desigualdades e violências promovidas pela norma dominante da heterossexualidade (Carvalho, 2012Carvalho, S. (2012). Sobre as possibilidades de uma criminologia queer. Sistema Penal & Violência, 4(2), 151-168. https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/12210
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).

Para Carvalho (2012Carvalho, S. (2012). Sobre as possibilidades de uma criminologia queer. Sistema Penal & Violência, 4(2), 151-168. https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/12210
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), as intersecções entre os estudos queer e as ciências criminais se situam em dois campos: o teórico, com a entrada desses estudos na ciência jurídica e, mais especificamente, no direito penal e na criminologia; e o político, nas lutas pela garantia de direitos e igualdade para pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros na condição de cárcere. Assim, com o entrelaçamento das perspectivas feministas e as análises queer, há uma interrelação nas discussões sobre os múltiplos elementos que contribuem para uma vulnerabilidade e marginalidade de pessoas devido à identidade de gênero e à orientação sexual (Carvalho, 2012Carvalho, S. (2012). Sobre as possibilidades de uma criminologia queer. Sistema Penal & Violência, 4(2), 151-168. https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/12210
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). Nesse sentido, demonstra-se uma emergente necessidade de compreensão da construção de masculinidades hegemônicas e de uma heterossexualidade compulsória, e suas formas de produção de violência e opressão, seja nos ataques homofóbicos a essas populações, seja na necessidade de que a criminologia traga para o centro das discussões as condições sob as quais as pessoas queer são vítimas e, também, autoras de crimes (Oliveira, 2016).

Deste modo, estudiosos e defensores da teoria queer buscam promover um diálogo entre a criminologia e as múltiplas influências da cultura na vida contemporânea, compreender a complexidade dos fenômenos e romper com uma cultura homofóbica (David de Oliveira, 2016David de Oliveira, M. (2016). Interdisciplinaridade e estudo criminológico da violência homofóbica: tensões entre criminologia e teoria queer. Revista Eletrônica de Direito Penal e Política Criminal, 4(1), 61-72. https://seer.ufrgs.br/redppc/article/view/65757
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). Assim, em diálogo com os saberes feministas, a perspectiva criminológica queer acrescenta força a uma reflexão que não deve se dar somente em face de uma desnaturalização das hierarquias existentes entre os gêneros, mas também pela desnaturalização da própria dicotomia de gênero (Carvalho, 2012Carvalho, S. (2012). Sobre as possibilidades de uma criminologia queer. Sistema Penal & Violência, 4(2), 151-168. https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/12210
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).

Para Campos (2013Campos, C. H. (2013). Teoria crítica feminista e crítica à(s) criminologia(s): estudo para uma perspectiva feminista em criminologia no Brasil [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4940
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), essas novas e distintas correntes teóricas ainda têm muito que avançar, assim como o feminismo de modo geral. Conforme a autora, urge o desenvolvimento com maior força de uma perspectiva feminista multidimensional dentro da criminologia, ou seja, que fomente discussões atravessadas pelas categorias de gênero, classe, raça/etnia e sexualidade que dialoguem mais efetivamente entre si (Campos, 2013Campos, C. H. (2013). Teoria crítica feminista e crítica à(s) criminologia(s): estudo para uma perspectiva feminista em criminologia no Brasil [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4940
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). Além do mais, tais debates e tensionamentos implicam diretamente nas pautas e ações articuladas pela própria psicologia diante da questão criminal e das condições vivenciadas por mulheres encarceradas, fortalecendo o debate entre psicologia, criminologia crítica e feminismos.

Pelo exposto, podemos compreender que a literatura já vem indicando demandas de novos rumos dentro dos estudos criminais e até mesmo dentro do próprio movimento feminista que, como já dissemos, não possui uma única frente de debates e de luta e nem pode ser apreendido em um caráter universal. Não há como desconsiderar, por exemplo, no caso brasileiro, que 62% das mulheres encarceradas são negras; que a taxa de aprisionamento para cada 100 mil mulheres maiores de 18 anos é de 62,5% para a população negra no Brasil (Brasil, 2018Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. (2018). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres, 2a ed.). Departamento Penitenciário Nacional. https://conectas.org/wp-content/uploads/2018/05/infopenmulheres_arte_07-03-18-1.pdf
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); e que 64% das mulheres vítimas de assassinatos no Brasil são negras, sendo a taxa de feminicídios de mulheres negras 2,25 vezes mais alta do que a de mulheres brancas (Lima, 2018Lima, F. (2018). Bio-necropolítica: diálogos entre Michel Foucault e Achille Mbembe. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 70(spe), 20-33. http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672018000400003&lng=pt&tlng=pt
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).

Entende-se, portanto, que a perspectiva feminista na criminologia brasileira ainda precisa avançar muito na incorporação dos recortes de raça, gênero, classe e sexualidade na análise do poder punitivo. Esses números apontam que a categoria raça, quando utilizada para análise do processo de criminalização e de vitimização, ainda é feita sob o ponto de vista da categoria como mais um elemento de explicação da seletividade penal, mas não reconhece que a raça é ela própria vetor fundamental de estruturação do sistema jurídico e suas tecnologias de controle (Prando, 2018Prando, C. (2018). A criminologia crítica no Brasil e os estudos críticos sobre branquidade. Revista Direito e Práxis, 9(1), 70-84. https://doi.org/10.1590/2179-8966/2017/25378
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).

Reforça-se que as teorias femininas fomentadas pelos movimentos de mulheres negras podem se constituir como uma luta que não se expressa apenas no campo teórico e científico, mas também político, correspondente à necessidade de uma autoconsciência que se dá tanto nas reflexões sobre gênero e raça quanto de uma outra minoria que não é representada por um movimento hegemônico feminino, como é o caso de mulheres negras (Cardoso de Vasconcelos, David de Oliveira, 2016Vasconcelos, I. C., & Oliveira, M. D. (2016). Por uma criminologia feminista e negra: uma análise crítica da marginalização da mulher negra no cárcere brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Penal e Política Criminal, 4(1), 101-110. https://seer.ufrgs.br/redppc/article/view/65762
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). Isso certamente fortalecerá abordagens por dentro dos estudos criminológicos acerca de temas como encarceramento feminino e feminização da pobreza, que são atravessados por múltiplos fatores de opressão e discriminação resultante de um racismo enraizado desde os períodos coloniais até a contemporaneidade.

Além disso, ainda que existam queixas ao engajamento do movimento feminista em geral quanto às questões que se apresentam como urgentes no quadro de encarceramento feminino atual, preferimos apontar para as possibilidades dos feminismos diante dessas demandas e espaços de atuação onde as militâncias ainda não têm acessado com maior frequência. Neste sentido, consideramos que muito mais se pode realizar e produzir em defesa de melhores condições de vida, na escuta das reinvindicações das mulheres no cárcere, na denúncia das violências estatais vivenciadas por mulheres negras, indígenas, lésbicas, trans e marginalizadas, por sua condição de pobreza e exclusão produzidas pela ordem capitalista, as quais são intensificadas no cárcere; e não menos importante, na validação de suas manifestações feministas e direito à fala e à produção de conhecimento. É de suma importância que as pautas do movimento feminista em suas múltiplas expressões sejam desenvolvidas em comum com as histórias de vida dessas mulheres, seus anseios e múltiplas expressões de feminilidades. É necessário que os feminismos sejam, enfim, para todas!

Considerações finais

Esse ensaio teve como objetivo realizar um resgate histórico dos diferentes discursos criminológicos ao longo dos séculos e acerca dos aprisionamentos e lógicas punitivas decorrentes destes sobre as mulheres. Verificou-se que a mulher esteve, durante as mudanças políticas, econômicas e culturais, desde a Idade Média, fortemente sujeitada a uma condição de inferioridade, obediência e controle por parte de instituições jurídicas, religiosas e familiares. Para isso, buscamos construir uma análise dos avanços dos debates da criminologia e perspectivas feministas a respeito da criminalização feminina, da atuação androcêntrica do sistema penal e de sua seletividade no que tange às problemáticas vinculadas à raça, classe e gênero. Reconhece-se que o feminismo conseguiu demonstrar a estruturação masculinizada do direito penal e do seu fazer jurídico, mas os dados e indicativos da reprodução e legitimação das violências que sofrem as mulheres, da proteção deficitária (e seletiva) dos órgãos de justiça, sinalizam que ainda há muito que percorrer, modificar, reformar ou mesmo abolir, justificando a necessidade de se avançar em direção a uma criminologia crítica feminista.

Evidentemente, a discussão sobre o direito penal como instrumento para viabilização dessas conquistas carece de mais debates e reflexões, uma vez que este se mostra como ineficaz e ilegítimo para os anseios feministas, principalmente para mulheres pobres, negras, indígenas, transexuais e travestis, grupos que vivenciam uma vulnerabilidade ainda maior dentro do sistema conservador e moralista. Essa discussão requer que pensemos a questão feminina dentro de um paradigma feminista que englobe uma noção interseccional, ou seja, compreendendo que vivemos o sexismo de diversos modos e que essa vivência precisa ser analisada juntamente ao contexto social, econômico, sem excluir marcadores de gênero, raça, etnia, classe e geração em que essa população está inserida, visando produzir pontes entre os diferentes feminismos, mais do que fragmentá-los.

No campo psicológico, cabe refletirmos sobre os debates que estão sendo propostos acerca do sistema prisional e sua lógica punitivista, as formas de analisar e de trabalhar as demandas e experiências vivenciadas por mulheres nas prisões, além de, de modo urgente, reavaliarmos a compreensão, presente em nossas práticas científicas, políticas e profissionais, sobre quem são essas mulheres e quais suas reivindicações e modos de existência.

A partir do que expomos, defendemos que falar sobre a vida de mulheres no cárcere e analisar como essas vidas vão sendo atravessadas pelos discursos produzidos pela criminologia e pelo direito penal requer um olhar feminista. Mas não basta ser feminista, é indispensável que seja também antirracista e anticlassista, como afirma bell hooks (2019hooks, bell. (2019). O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras (H. Libanio, Trad.). Rosa dos Tempos.). Talvez essa seja uma porta de entrada para os estudos acerca da criminalidade feminina: compreender os fatores que atravessam o encarceramento feminino por uma ótica feminista plural, adequada às realidades que se estudam e atenta às múltiplas perspectivas que podem existir dentro do feminismo.

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  • Zaffaroni, E. R. (2013). A questão criminal. Revan.
  • 1
    bell hooks, autora reconhecida e aclamada da luta feminista negra, cujo nome de registro é Glória Jean Watkins, optou pelo pseudônimo “bell hooks” em homenagem a sua bisavó, Bell Blair Hooks. Porém, utiliza a escrita de seu nome com letra minúscula como forma de deslocar o foco para suas ideias e escrita e não à figura autoral.
  • 2
    Tais informações podem ser acessadas em: https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen
  • 3
    Por “branquidade” entende-se uma posição de vantagem de determinadas populações sobre outras, baseadas em uma dominação racial, que só pode ser compreendida em um contexto de colonização, em que pessoas brancas se colocam em assimetria a todas as outras pessoas não brancas, produzindo estruturas sociais verticalizadas (Franklin, 2017Franklin, N. I. C. (2017). Raça, gênero e criminologia: reflexões sobre o controle social das mulheres negras a partir da criminologia positivista de Nina Rodrigues [Dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília]. Repositório institucional da UnB. https://repositorio.unb.br/handle/10482/24000
    https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
    ).
  • 4
    O termo queer é utilizado para descrever um grupo de pessoas que assumem diversas configurações de orientação sexual e identidade de gênero, como gay, lésbica, bissexual, travesti e transgênero (Oliveira, 2016Oliveira, C. B. (2017). A mulher em situação de cárcere: uma análise à luz da criminologia feminista ao papel social da mulher condicionada pelo patriarcado. Fi.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2021
  • Aceito
    23 Ago 2022
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