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Paradigma Manicomial e Proibicionismo como Operadores da Guerra de Raças no Brasil

Asylum Paradigm and Prohibitionism Operating the Racial War in Brazil

Paradigma Asilar y Prohibicionismo como Operadores de la Guerra Racial en Brasil

Resumo

Este artigo relaciona o paradigma manicomial, relativo à assistência psiquiátrica, à compreensão e ao manejo do campo da saúde mental, ao paradigma proibicionista, referente ao porte, uso e à circulação de drogas, como duas séries de políticas e práticas sociais que operam a guerra de raças que está na base do Estado brasileiro. Com isso, propomos uma investigação arqueogenealógica acerca do emaranhado de condições de emergência das práticas e objetos de saber-poder mobilizados por esses dois paradigmas, atentando ao caráter político das verdades que as sustentam. Dedicamo-nos especialmente ao período entre o final do século XIX e o começo do XX ao interrogar as dinâmicas de forças que constituem as práticas sociais e seus efeitos de subjetivação, produzidos pela sujeição de corpos por meio de uma diversidade de mecanismos morais, disciplinares, eugênicos, higienistas e biopolíticos que articulam os anseios de modernização e produtividade do Estado brasileiro à gestão dos problemas de saúde e segurança do país, colocando a pobreza, o vício e a doença como desdobramento da sua constituição racial. Concluímos, por fim, que o conflito de raças aparece como fundo intrínseco que se atualiza no cerne e a partir dos campos problemáticos da saúde mental e das drogas, colocando como saída dos impasses sociais e políticos eliminar ou pelo menos diluir, via miscigenação ou submissão para integração, o elemento físico e cultural do negro do Brasil.

Palavras-chave:
Relações Étnico-Raciais; Saúde Mental; Drogas; Saúde Coletiva; Arqueogenealogia

Abstract

This article puts in relation the asylum paradigm, associated to psychiatric care, to the understanding and management of the mental health field, to the prohibitionist paradigm, that refers to the possession, use and circulation of drugs, as two series of social policies and practices that operate racial war that is in the base of the Brazilian State. So on, we propose an archeogenealogical investigation about the emergency conditions of the practices and objects of knowledge-power organized by these two paradigms, paying attention to the political character of the truths that support them. Looking especially at the period between the end of the 19th century and the beginning of the 20th, we questioned the dynamics of forces that constitute social practices and their effects of subjectivation, produced by the subjection of bodies through moral, disciplinary, eugenic, hygienist and biopolitics mechanisms that articulate the modernization and productivity aspirations of the Brazilian State to the management of the country’s health and safety problems, understanding poverty, addiction and disease as consequences of its racial constitution. We conclude that the conflict of races is an intrinsic background that is updated at the heart of the problematic fields of mental health and drugs. Considering this, the solution for social and political impasses is the elimination or at least dilution, through miscegenation or submission for integration, of the physical and cultural element of black people in Brazil.

Keywords:
Ethnic-Racial Relations; Mental Health; Drugs; Collective Health; Archeogenealogy

Resumen

Este artículo relaciona el paradigma asilar de atención psiquiátrica, comprensión y manejo del campo de la salud mental, con el paradigma prohibicionista, referente a al uso y circulación de drogas, como dos series de políticas y prácticas sociales que operan la guerra racial que está en el fundamento del Estado brasileño. Así, proponemos una investigación arqueogenealógica sobre las condiciones de emergencia de prácticas y objetos de saber-poder movilizados por estos dos paradigmas, prestando atención al carácter político de las verdades que los sustentan. Nos dedicamos especialmente al período entre finales del siglo XIX y principios del XX buscando la dinámica de fuerzas que constituyen a las prácticas sociales y sus efectos de subjetivación, producidos por la sujeción de los cuerpos a través de una diversidad de mecanismos morales, disciplinarios, eugenésicos, higienistas y biopolíticos que articulan las aspiraciones de modernización y productividad del Estado brasileño a la gestión de los problemas de salud y seguridad del país, comprendiendo la pobreza, la adicción y la enfermedad como resultado de su constitución racial. Finalmente, concluimos que el conflicto racial aparece como un trasfondo intrínseco que se actualiza en el cerne y desde los campos problemáticos de la salud mental y de las drogas, tomando como soluciones a los impasses sociales y políticos nacionales, la eliminación o al menos la dilución, a través del mestizaje o de la sumisión para fines de integración, del elemento físico y cultural del negro en Brasil.

Palabras clave:
Relaciones Étnico-Raciales; Salud Mental; Drogas; Salud Pública; Arqueogenealogia

Tendo em vista o incontestável aumento dos procedimentos de internação psiquiátrica atualmente no Brasil (Ferrazza & Rocha, 2020Ferrazza, D., & Rocha, L. C. (2020). Psicologia e políticas públicas: Apontamentos sobre os desafios da atenção e do cuidado aos usuários de álcool e outras drogas. In E. Zaniani & R. Borges (Orgs.), Psicologia e políticas públicas: Perspectivas e desafios para a formação e atuação (pp. 231-265). Eduem.; Nunes, Lima Jr., Portugal, & Torrenté, 2019Nunes, M. O.., Lima, J. M., Jr., Portugal, C. M., & Torrenté, M. (2019). Reforma e contrarreforma psiquiátrica: Análise de uma crise sociopolítica e sanitária a nível nacional e regional. Ciência & Saúde Coletiva, 24(12), 4489-4498. https://doi.org/10.1590/1413-812320182412.25252019
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), relatado por diferentes instituições, como o Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2018Conselho Federal de Psicologia. (2018). Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas (2017). https://bit.ly/3CIPCFU
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, 2019Conselho Federal de Psicologia. (2019). Relatório da Inspeção Nacional em Hospitais Psiquiátricos (2018). https://bit.ly/3XjzCCw
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) e o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea, 2017Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. (2017). Nota técnica nº 21. Perfil das Comunidades Terapêuticas Brasileiras. https://bit.ly/3XqvW1z
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), e considerando que tais internações estão relacionadas ao tipo de compreensão social e institucional que se tem do consumo de substância psicoativas, notadamente as de circulação infralegal, propomos traçar uma arqueogenealogia dos paradigmas manicomial e proibicionista no país.

Conceituamos o paradigma manicomial a partir, sobretudo, da descrição do paradigma psiquiátrico hospitalocêntrico medicalizador (Costa-Rosa, 2000Costa-Rosa, A. (2000). O modo psicossocial: Um paradigma das práticas substitutivas ao modo asilar. In P. Amarante (Org.), Ensaios: Subjetividade, saúde mental, sociedade (pp. 141-168). Editora Fiocruz., 2013), a qual entrelaçamos à política proibicionista em relação às drogas (Fiore, 2012Fiore, M. (2012). O lugar do Estado na questão das drogas: O paradigma proibicionista e as alternativas. Novos Estudos CEBRAP, (92), 9-21. https://doi.org/10.1590/S0101-33002012000100002.
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). Com isso, buscamos seus pontos de imbricação, separação e fortalecimento mútuo.

A fim de estudar ambas as políticas, partimos da ideia que o Estado democrático é fundado e estruturado por uma luta de raças em suas diversas modulações, classes e instituições (Almeida, 2019Almeida, S. (2019). Racismo estrutural. Pólen.; Mbembe, 2017Mbembe, A. (2017). Políticas da inimizade. Antígona.), como

um racismo de Estado: um racismo que uma sociedade vai exercer sobre ela mesma, sobre os seus próprios elementos, sobre os seus próprios produtos; um racismo interno, o da purificação permanente, que será uma das dimensões fundamentais da normalização social” (Foucault, 2002Foucault, M. (2002). Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). Martins Fontes., p. 52).

Com isso, podemos observar que o paradigma manicomial e o proibicionismo, enquanto políticas, constituem e expressam o Estado; são operadores da guerra de raças que está na base do Estado brasileiro moderno, que visa apagar física e culturalmente o elemento negro, tomando-o como protótipo do inimigo social que será replicado no âmbito manicomial e proibicionista.

Metodologicamente, nos valemos de uma arqueogenealogia de um período-chave para a constituição e organização das políticas e instituições relativas à assistência psiquiátrica e às drogas no Brasil, do final do século XIX até a década de 1930, especificamente.

A arqueogenealogia funciona como um método pictórico com o qual visamos pintar um quadro traçando as linhas e diagonais móveis em favor de uma análise transversal da articulação entre paradigma manicomial e proibicionista. Organizamos um pequeno arquivo de elementos diversos em suas relações múltiplas e buscamos explicitar suas interpenetrações e regularidades a fim de relacionar linhas e séries supostamente paralelas, explicitando os pontos em que se tocam em nosso campo problemático. Com isso, objetivamos estabelecer séries explicativas que correlacionam o paradigma manicomializante das práticas de internação à institucionalização do proibicionismo no Brasil, enquanto buscamos fragmentar discursos que pareciam unívocos neles mesmos (Lemos, Nogueira, Reis Jr., & Arruda, 2020 Lemos, F., Nogueira, J., Reis, L., Jr., & Arruda, A. (2020). Operadores analíticos da pesquisa com arquivos em Michel Foucault. Psicologia & Sociedade, 32, Artigo e168556. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32168556
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).

Investigando o que está em causa na internação psiquiátrica e suas ressonâncias na história do presente (Portocarrero, 1994Portocarrero, V. (1994). Arquivos da loucura. Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria. Editora Fiocruz.), acreditamos estar somando para o debate e a formação crítica no campo da saúde mental, dada a reconhecida necessidade de aprofundar, nos cursos base de graduação das áreas de saúde, os debates sobre a história da loucura, das reformas psiquiátricas e dos dispositivos psicossociais, a fim de formar profissionais mais preparados para trabalhar em serviços da atenção psicossocial (Dimenstein, 2001Dimenstein, M. (2001). O psicólogo e o compromisso social no contexto da saúde coletiva. Psicologia em Estudo , 6(2), 57-63. https://doi.org/10.1590/S1413-73722001000200008
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).

Caminhos metodológicos

A fim de estudar as internações psiquiátricas em sua relação com a proibição das drogas e as políticas racializantes no Brasil, propomos traçar linhas arqueogenealógicas que articulam o paradigma manicomial ao proibicionista. Nesta pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico em psicologia social, tomamos discursos e documentos enquanto produto da sociedade e das relações de forças que a fabricam (Lemos et al., 2020 Lemos, F., Nogueira, J., Reis, L., Jr., & Arruda, A. (2020). Operadores analíticos da pesquisa com arquivos em Michel Foucault. Psicologia & Sociedade, 32, Artigo e168556. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32168556
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).

Ao analisar o que a internação psiquiátrica e a proibição das drogas colocam em jogo, percebemos uma rede de elementos heterogêneos, uma variedade de discursos, instituições, decisões regulamentares jurídicas, administrativas e científicas, assim como proposições de ordem corriqueira, filosófica ou moral, que envolvem continuamente os modos como o internamento é organizado e a que ele serve enquanto prática social. Este conjunto heterogêneo que alia o dito e o não dito constitui o dispositivo (Foucault, 2005Foucault, M. (2005). Microfísica do poder. Graal.), e as relações cambiantes entre os elementos do dispositivo demonstram os atravessamentos, a incessante mudança de posição e a modificação de funções entre os termos que definem a institucionalização multidimensional dos processos de internação e de proibição das drogas.

Os dispositivos são o objeto de descrição na arqueogenealogia foucaultiana, em que a historicidade do dizer verdadeiro é colocada em evidência desde as linhas de constituição de cada dispositivo e do campo problemático ao qual ele se dedica. Cada plano é constituído por linhas de visibilidade, de enunciação, de força e de subjetivação, as quais definem o que pode ser visto e dito de um elemento ou situação. Com isso, os dispositivos determinam modos de ver e formas de falar em relações de poder localizadas em práticas sociais (Deleuze, 2014Deleuze, G. (2014). Curso sobre Foucault - Tomo 2: El Poder. Cactus.).

O que almejamos, afinal, é definir o regime geral do que se propõe verdadeiro, as formas pelas quais são institucionalizados, empregados e combinados entre si os enunciados (Foucault, 1986Foucault, M. (1986). Arqueologia do saber. Forense Universitária.) que atrelam a internação psiquiátrica e a proibição das drogas ao discurso sobre as raças. Com isso, visamos reconstituir a organização das trajetórias, formações discursivas e a composição de práticas e instituições atentando aos lugares e movimentos de poder inerentes aos enfrentamentos e intensidades implicados nas distintas formas de internamento (Foucault, 2005Foucault, M. (2005). Microfísica do poder. Graal.). Com a arqueogenealogia, pretende-se agitar as linhas que compõem, na sua decantação, um campo problemático, de modo a desagregar os blocos de sentido, esgarçar a heterogeneidade de um campo de conformidade e desestabilizar os saberes, enquanto arranjos de relações estabilizadas entre formas (Deleuze, 2014Deleuze, G. (2014). Curso sobre Foucault - Tomo 2: El Poder. Cactus.).

Seguindo esta esteira, a genealogia foucaultiana se ancora na descontinuidade e no aspecto de dispersão das práticas de poder, privilegiando suas transformações e desvios no estudo das diversas forças de composição (Dreyfus & Rabinow, 1995Dreyfus, H., & Rabinow, P. (1995). Michel Foucault: Uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Forense Universitária.). Assim, os procedimentos genealógicos de descrição, análise e problematização servem para interrogar práticas sociais locais e os seus efeitos de subjetivação e sujeição de corpos. Destarte, com a arqueogenealogia, estudamos a proveniência e a emergência das práticas e dos objetos de saber-poder, enfatizando as marcas e sutilezas que os compõem, bem como o jogo de forças ligado a sua configuração. Trazendo à tona nas práticas e discursos as regularidades que determinam o que é feito no cotidiano das relações de poder, visamos explicitar o caráter político da verdade, buscando a dinâmica de forças constituintes das práticas e das verdades que as sustentam. Por isso, a arqueogenealogia pode ser descrita como a arte de encontrar fendas nos edifícios de nossa cultura - e nas suas práticas e instituições.

Por fim, colocamos de antemão a questão de como analisar, o que levar em conta no estudo das condições de possibilidade das práticas, discursos e formações discursivas sobre a internação psiquiátrica e a proibição das drogas em sua relação com a guerra de raças como fatores indissociáveis na organização do Estado brasileiro. Pois nos atentamos a um emaranhado de leis, debates e discursos científicos e a suas implicações para a história política e cultural do país, assumindo que o internamento psiquiátrico e o proibicionismo contemporâneos têm suas raízes genealógicas neste emaranhado.

Genealogias da internação e da higiene: hospital, santa casa, manicômio e eugenismo

A fim de elucidar os fatores que estão em questão com as práticas de internação psiquiátrica, traçamos uma problematização genealógica relacionando-a com o paradigma proibicionista das drogas no Brasil. Vemos com Foucault (1979Foucault, M. (1979). História da loucura. Perspectiva.) que a internação psiquiátrica deriva da internação dos desarrazoados, desafortunados e desviantes, dissidentes da organização do mundo europeu dos séculos XVII e XVIII. É uma prática de assistência aos desvalidos e limpeza do espaço da cidade, que estende e recobre uma operação mais profunda: a divisão ética entre Bem e Mal. A internação da desrazão no Hospital Geral institui o Outro da razão, aquilo que, afastado, tornado estranho à cultura, deve ser excluído, para silenciar a linguagem própria à loucura e à desordem. Os internos servem economicamente de reserva de mão de obra para o mercado interno das metrópoles europeias e para as colônias, a partir do começo do século XVIII.

No Brasil, entretanto, não temos dados deste período, “mesmo as Santas Casas de Misericórdia e outras instituições de caridade, já existentes desde os séculos XVI e XVII, e que abrigavam pobres, velhos, órfãos e mendigos, não contavam com loucos em sua variada clientela” (Resende, 1990Resende, H. (1990). Política de saúde mental no Brasil: Uma visão histórica. In S. A. Tundis & N. R. Costa (Orgs.), Políticas de saúde mental no Brasil (pp. 15-73). Vozes., p. 31). Os doidos de então, que encarnam a ociosidade e a perturbação da paz social, são colocados com os marginais em geral, mas jogados nas Santas Casas com tratamento diferenciado, em porões sem assistência médica, sujeitos a espancamentos, à desnutrição, a doenças infecciosas, à exclusão e ao trabalho forçado. Até o final do século XIX, não há perfil coerente dos internos das instituições de recolhimento e tampouco do saber psiquiátrico no país, limitado à repetição acrítica e assistemática de teorias estrangeiras, pois nem sequer as alterações do conceito de alienação mental parecem ter relevância para as práticas de internamento (Portocarrero, 1994Portocarrero, V. (1994). Arquivos da loucura. Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria. Editora Fiocruz.).

A internação medicalizada moderna prossegue com os papeis negativo de exclusão e positivo de organização. Entretanto, outras séries se sobrepõem à distinção entre Bem e Mal como especificidade da internação psiquiátrica, sobretudo desde o século XIX. Isso porque a doença mental não expressa uma relação com a ordem do mundo, mas com a natureza do indivíduo, uma vez que a individualização é estratégica aos dispositivos disciplinares. Desde então, no manicômio, os internos são desprovidos de suas posses pessoais e da autonomia dos seus gastos em prol da obediência e da hierarquia do dispositivo de internação (Foucault, 2012Foucault, M. (2012). O poder psiquiátrico: Curso no Collège de France (1973-1974). Martins Fontes.). Há uma mudança social, uma cisão entre o estatuto social que vale no exterior e dentro do manicômio, destarte, o internamento do alienado não é senão a tradução jurídica da perda da liberdade que psicologicamente lhe constitui.

Se a aposta terapêutica do paradigma hospitalocêntrico medicalizante é a química dos medicamentos e a disciplina do internamento (Costa-Rosa, 2013Costa-Rosa, A. (2013). Atenção psicossocial além da Reforma Psiquiátrica: Contribuição a uma clínica crítica dos processos de subjetivação na saúde coletiva. Unesp.), vemos que sua matriz manicomial alienista se organiza em dois pontos complementares. Primeiro, o manicômio aparece como máquina panóptica de exercício do poder e de cura. Ele não imita a família, pois seu valor terapêutico, em si, “é a própria disposição arquitetônica, a organização do espaço, a maneira como os indivíduos são distribuídos nesse espaço, a maneira como se circula por ele, a maneira como se olha ou como se é olhado” (Foucault, 2012Foucault, M. (2012). O poder psiquiátrico: Curso no Collège de France (1973-1974). Martins Fontes., p. 127). Em segundo lugar, a verdade emerge como efeito desta arrumação manicomial. Este arranjo favorece o isolamento - que tem valor terapêutico em si -, a contraluz e a percepção triangular da loucura, que obriga o interno a admitir que está cercado de loucos, assim como ele.

O saber instrumental moderno tem como objetivo fazer uso das forças do corpo em uma distribuição tática que visa a eficácia e, com isso, a função dos dispositivos disciplinares é colonizadora. A escola coloniza, as missões - e as plantations, salienta Mbembe (2018Mbembe, A. (2018). Crítica da razão negra. N-1.) -, assim como as prisões e reformatórios, colonizam, respectivamente, a juventude, os povos colonizados e os vagabundos. Eles operam segundo três mecanismos: da transformação em direção progressiva à salvação; da clausura e segregação; e ao se colocar sob direção constante de um superior, guia ou protetor. Assim sendo, a função do internamento é reduzir a loucura à sua verdade num jogo de saber-poder em que o papel do médico, como grande operador do real, chave e possibilidade mesma da desalienação, é inflacionado.

No regime disciplinar, o poder pesa sobre o corpo e o espírito, conferindo visibilidade a este e dando materialidade à psicologia das condutas e comportamentos, tornando-a capaz de fazer ver quem obedece ou não internaliza as normas. Ele fragmenta as massas e se esquiva da multiplicidade para individualizar, para lidar somente com indivíduos escapando aos efeitos de contágio médico e afetivo, da irritação em massa, da imitação coletiva, da difusão moral do mal, dentre outros possíveis males do convívio próximo. Por isso, conclui-se que a disciplina é um poder de conjunto que atua em todos sob a forma de séries de indivíduos, individualizando aqueles sobre os quais incide e sujeita. Neste âmbito é que a internação psiquiátrica se organiza como arranjo técnico-administrativo e médico-estatal de saber-poder. Nele, o doente mental emerge em contraposição ao corpo social, como “adversário social, como perigo para a sociedade” (Foucault, 2012Foucault, M. (2012). O poder psiquiátrico: Curso no Collège de France (1973-1974). Martins Fontes., p. 120), como aparece na lei francesa de 1838, que inspira os primeiros decretos sobre os alienados no Brasil.

No âmbito de um primeiro movimento de modernização do Brasil, com D. Pedro II, é que surge o Asilo Nacional, na então remota zona da Praia Vermelha, um dos prédios mais bonitos do continente e que sinalizava a entrada do Brasil na modernidade (Amarante, 2003Amarante, P. D. C. (2003). Loucos pela vida. A trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil (2a ed.). Editora Fiocruz.). Tal cartografia simbólica dos asilos colocados nas periferias - perto do mar e, posteriormente, no subúrbio do Engenho de Dentro ou afastado da cidade, como a Colônia de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e o Juquery, em São Paulo - sugere uma aproximação entre a loucura e a barbárie selvagem que deveria ser sujeitada à civilização.

A construção do prédio, entretanto, não significa a medicalização da assistência. A administração do asilo é subordinada à Santa Casa, até que, por pressão e lobby, os médicos aos poucos penetram na administração e gestão do local. A população errante de arruaceiros e sem-trabalho dos primeiros asilos era de brancos ou mestiços e poucos negros - proporção que se inverte nas cadeias (Prado Jr., 1981Prado, C., Jr. (1981). Formação do Brasil contemporâneo colônia (17a ed.). Brasiliense.). Os internados nesses primeiros asilos são “um subproduto da cristalização das relações de trabalho do Estado escravista, em certa medida uma vítima ou consequência do não progresso” (Resende, 1990Resende, H. (1990). Política de saúde mental no Brasil: Uma visão histórica. In S. A. Tundis & N. R. Costa (Orgs.), Políticas de saúde mental no Brasil (pp. 15-73). Vozes., p. 41) que não justificava o gasto terapêutico.

A medicalização dos hospícios é defendida por Teixeira Brandão, deputado relator do Decreto nº 1.132, de 22 de dezembro de 1903Decreto nº 1.132, de 22 de dezembro de 1903. (1903, 22 de dezembro). Reorganiza a Assistência a Alienados. https://bit.ly/3GZQYyI
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, responsável por reorganizar a assistência aos alienados. O decreto faz do psiquiatra a autoridade máxima sobre a assistência aos loucos, legitima a estatização do hospício, colocando-o no posto de único lugar apto para os loucos. Com isso, ele regulamenta o sequestro provisório dos bens do interno, proíbe seu depósito em prisões e estimula a construção de asilos, selando de vez o atrelamento da loucura à doença mental na interface entre uma dimensão médica de humanização da assistência e outra de controle jurídico e social da ordem pública. Além disso, garante-se uma reserva de mercado à psiquiatria, detentora da verdade sobre a loucura e operadora do parecer que autoriza a internação do alienado, entendido como incapaz de gerir seus bens e a sua pessoa. Colocado numa posição de sujeição, o alienado não tem direito a interferir ou sequer conhecer o tratamento que lhe é dispensado. O Código Civil de 1916, instituído pela Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. (1916, 1º de janeiro). Código Civil dos Estados Unidos do Brasil de 1916. https://bit.ly/3GZPIeY
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, substitui alienados por loucos e replica a curatela médica e a exclusão, presumindo falta de clareza da razão e incapacidade de condução da vida social. O Decreto nº 5.148-A, de 10 de janeiro de 1927Decreto nº 5.148-A, de 10 de janeiro de 1927. (1927, 10 de janeiro). Reorganiza a Assistencia a Psychopathas no Districto Federal. https://bit.ly/3iE6y9N
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, por sua vez, visa regulamentar a execução dos serviços de recolhimento e assistência em hospitais específicos e fomenta os estudos de higiene mental, além de propor uma distinção entre o doente mental em geral, o psicopata e o perigoso, o alienado, tido por incapaz penal e civilmente, cuja internação é obrigatória (Venosa, 2002Venosa, S. S. (2002). Direito civil: Parte geral (2a ed.). Atlas.).

Nesse início de século XX, Juliano Moreira - diretor geral da Assistência Federal a Psicopatas, que sucede a Assistência a Alienados, incluindo os desviantes perigosos - pauta a psiquiatria como necessária à sociedade enquanto ciência positiva, que deve se ater à inteligibilidade da doença mental desde seu quadro de evolução e não da descrição de seus sintomas ou causas sociais (Portocarrero, 1994Portocarrero, V. (1994). Arquivos da loucura. Juliano Moreira e a descontinuidade histórica da psiquiatria. Editora Fiocruz.). Vemos que a tradição afrancesada calcada no alienismo que convivia com uma assistência empírica e leiga - ilustrada pelos escassos recursos terapêuticos utilizados além do tratamento moral, como repouso, praxiterapia e o open-door, e pelo fato de que quase 90% dos internados na época de Brandão eram diagnosticados como degenerados atípicos - sofre a concorrência do cientificismo da escola alemã. Essa transposição decorre da transformação da situação social e econômica que movera o nascimento das antigas instituições de segregação (Birman, 2010Birman, J. (2010). A cena constituinte da psicose maníaco-depressiva no Brasil. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 17(suppl. 2), 345-371. https://doi.org/10.1590/S0104-59702010000600005
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; Resende, 1990Resende, H. (1990). Política de saúde mental no Brasil: Uma visão histórica. In S. A. Tundis & N. R. Costa (Orgs.), Políticas de saúde mental no Brasil (pp. 15-73). Vozes.).

Ao mesmo tempo, a chamada escola Nina Rodrigues reatualiza a influência do eugenismo e do cientificismo na internação e na prática ampliada de caráter preventivista da psiquiatria (Caponi, 2012Caponi, S. (2012). Loucos e degenerados: Uma genealogia da psiquiatria ampliada. Editora Fiocruz.; Resende, 1990Resende, H. (1990). Política de saúde mental no Brasil: Uma visão histórica. In S. A. Tundis & N. R. Costa (Orgs.), Políticas de saúde mental no Brasil (pp. 15-73). Vozes.). No entrecruzamento com a medicina social e a legal, a psiquiatria se dispõe a esquadrinhar e totalizar a sociedade, estendendo sua atuação não só aos doentes como a todos os anormais, sem deixar de se tornar ainda mais específica e particularizada. Com isso, Caponi (2012Caponi, S. (2012). Loucos e degenerados: Uma genealogia da psiquiatria ampliada. Editora Fiocruz.) identifica diferentes propostas de assistência extra-hospitalar, como proposto por Morel, e de especialização da atenção de acordo com diferentes recortes em termos de gravidade e situação dos anormais, como advogava Kraepelin.

Além disso, os trabalhos médico-psicológicos de Raimundo Nina Rodrigues e de sua escola são tidos como marco fundacional do recorte médico do racismo científico no Brasil (Schucman & Martins, 2017Schucman, L. V., & Martins, H. V. (2017). A psicologia e o discurso racial sobre o negro: Do “objeto da ciência” ao sujeito político. Psicologia: Ciência e Profissão , 37(spe), 172-185. https://doi.org/10.1590/1982-3703130002017
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). Eles contribuíram para o desenvolvimento e institucionalização de uma série de saberes-chave para a modernização do país, como a psiquiatria, a medicina legal e a antropologia (Nascimento, 2016Nascimento, A. (2016). O genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado (3a ed.). Perspectiva.; Schwarcz, 1993Schwarcz, L. M. (1993). O espetáculo das raças: Cientistas, instituições e questão racial no Brasil. Companhia das Letras., 2012).

Nina Rodrigues reaviva a tradição dos franceses Gobineau e Le Bon, que lamentam a alta fertilidade dos mestiços, que via de regra replicam suas piores características no cruzamento. Catedrático de medicina-legal na Bahia, ele defende que a raça negra ocupa o estágio mais baixo das etapas civilizatórias e tem uma concepção de senso e sentimentos morais naturalmente mais permissiva de lidar e avaliar a criminalidade (Santos, 2018Santos, E. R. (2018). A proibição de entorpecentes na República: Notas sobre eugenia, urbanização e o racismo científico brasileiro. In M. Feffermann, S. Kalckmann, D. Faustino, D. Oliveira, M. C. Calado, L. E. Batista, & R. Cheregatto (Orgs.), Interfaces do genocídio no Brasil: Raça, gênero e classe (pp. 327-343). Instituto de Saúde.).

Dessa forma, Nina Rodrigues elabora um ideário da constituição do povo brasileiro em torno da ideia de raça e da teoria da degeneração - esta causada, segundo ele, pela miscigenação como fator de atraso da sociedade brasileira. Esta visão pessimista da miscigenação alavanca a proposta de total eliminação física e cultural do negro no Brasil apresentada no I Congresso Mundial das Raças de Londres, em 1911 (Schwarcz, 2011Schwarcz, L. M. (2011). Previsões são sempre traiçoeiras: João Baptista de Lacerda e seu Brasil branco. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 18(1), 225-242. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702011000100013
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). Uma vez que raça é atrelada a um povo específico, embora imprecisamente definido, a generalização de ideais civilizatórios eurocêntricos a modelos universais abriam o campo para a proposição de um caminho obrigatório para uma única humanidade.

Os discípulos de Nina, como Arthur Ramos e Rodrigues Dória, prosseguem sua obra assumindo diferentes vieses, mas mantendo o fator racial como atributo negativo do negro no Brasil. O negro é especialmente pior que o indígena ou o asiático. Esta é uma particularidade do caso brasileiro que o distingue do racismo científico e institucional praticado alhures. O negro como objeto científico é tido como portador de características patologizantes e contaminadoras, que o definem como indivíduo perigoso, como negativo do ideal civilizatório e do projeto de nação moderna que estava em curso na época (Góes, 2018Góes, W. L. (2018). Racismo, eugenia no pensamento conservador brasileiro: A proposta de povo em Renato Kehl. Liber Ars.).

Discípulo de reconhecimento, Arthur Ramos se dedica à revisão e retificação dos pressupostos teóricos e deficiências de conteúdo da obra de Nina, debruçando-se sobre as questões raciais e os problemas de enlouquecimento, degeneração e crime, aos quais atribuía à presença não só da população como da cultura negra, no que ele chama de inconsciente folclórico do brasileiro (Gutman, 2007Gutman, G. (2007). Raça e psicanálise no Brasil. O ponto de origem: Arthur Ramos. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 10(4), 711-728. https://doi.org/10.1590/S1415-47142007000400014
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). Inserido na linhagem que vê um caráter inexoravelmente perigoso na doença mental, associando-a aos vícios e taras da raça negra, Ramos (1934Ramos, A. (1934). O negro brasileiro, etnografia religiosa e psicanálise. Civilização Brasileira., 1937Ramos, A. (1937). Loucura e crime: Questões de psiquiatria, medicina forense e psicologia social. Livraria do Globo.) sustenta a prescrição de punições, coações e interdições corretivas de cunho autoritário no que diz respeito ao tratamento psiquiátrico.

Progressivamente, o modelo racial de Nina Rodrigues, de liquidação do negro em prol da manutenção das hierarquias e da normalização da sociedade, é tensionado com o modelo culturalista de mestiçagem propagado por Arthur Ramos, cujas ideias encontram eco na antropologia com Gilberto Freyre (2003Freyre, G. (2003). Casa-grande e senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (48a ed.). Global.) e sua noção de democracia racial1 1 De fato, há relações diretas entre ambos. E Freyre se considera responsável por ter livrado Ramos da psicanálise. “Lembro-me que fui obrigado a criticar o primeiro programa apresentado por Arthur Ramos (para a cátedra de psicologia da Universidade do Distrito Federal); a meu ver, excessivamente sobrecarregado de psicanálise. Ramos não gostou da crítica: era então um apaixonado da psicanálise... Sucedeu em Arthur Ramos o que era natural que sucedesse em um homem de inteligência tão marcada pelo equilíbrio científico: o fervor psicanalítico foi nele superado à proporção que sua visão de psicólogo se aprofundou e que suas pesquisas etnológicas se alargaram” (Freyre, 2003 como citado em Sapucaia, 2003, p. 58). . O paradigma da mestiçagem da democracia racial se mostra politicamente mais interessante e economicamente viável em um país em construção, cuja composição da população se torna cada vez mais branca, como podemos observar com a discrepância que se abre entre as populações negra e branca, comparando os dados do senso de 1890 com os de 1940. Os brancos sobem de 6 para 26 milhões, enquanto os negros e pardos vão de 8 a 15 milhões de habitantes no mesmo período (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2000Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2000). Brasil: 500 anos de povoamento. https://bit.ly/2MBFaJ2
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). O importante é que ambos os paradigmas, o racial e o culturalista, visam o controle do elemento (populacional e cultural) negro na população e na cultura brasileiras (Almeida, 2019Almeida, S. (2019). Racismo estrutural. Pólen.; Borges, 2019Borges, J. (2019). Encarceramento em massa. Pólen.; Henman, 2016Henman, A. (2016). A guerra às drogas é uma guerra etnocida. In E. MacRae & W. Alves (Orgs.), Fumo de Angola: Canabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade (pp. 319-344). EDUFBA.; Moreira, 2019Moreira, A. (2019). Racismo recreativo. Pólen.).

O culturalismo de Freyre se articula com essa segunda geração de eugenistas que entende o tipo brasileiro não como racialmente inferior, mas como doente. Visão de certa forma já enunciada por João Batista de Lacerda, da faculdade de medicina do Rio de Janeiro, que via na miscigenação o meio pelo qual os traços negros seriam apagados em prol do fenótipo branco (Schwarcz, 2011Schwarcz, L. M. (2011). Previsões são sempre traiçoeiras: João Baptista de Lacerda e seu Brasil branco. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 18(1), 225-242. https://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702011000100013
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). De todo modo, os eugenistas tiveram papel importante e defenderam ativamente suas teses no âmbito dos debates da Assembléia Constituinte de 1933, que prepararam o terreno para a formação de um departamento nacional de saúde, em 1934.

A eugenia é identificada com o que é saudável, e penetra as leis e instituições culturais e sociais do Estado Novo, responsabilizado pela promoção da educação eugênica; pelo saneamento no âmbito da higiene pública e reprodutiva, exigindo comprovação da saúde mental e física dos noivos antes do casamento - como prática de controle de infecções e doenças venéreas, uma vez que é inviável analisar os defeitos hereditários -, e pela seguridade social, com a garantia de benefícios à maternidade que se ligam à legislação trabalhista protetora e a práticas pró-família, pró-catolicismo, antiabortivas e antifeministas, privilegiando a formação de grandes famílias e o aprimoramento eugênico da população. Neste âmbito, a puericultura funciona como instrumento de incorporação das massas ao Estado, com função de nivelar as disparidades étnicas e evitar a decadência racial, e se une aos apelos em favor da unidade nacional derivada da formação de uma etnia única, forjada com a adequação cultural e racial da nação (Caponi, 2012Caponi, S. (2012). Loucos e degenerados: Uma genealogia da psiquiatria ampliada. Editora Fiocruz.; Costa, 2007Costa, J. F. (2007). História da psiquiatria no Brasil. Garamond.; Góes, 2018Góes, W. L. (2018). Racismo, eugenia no pensamento conservador brasileiro: A proposta de povo em Renato Kehl. Liber Ars.; Lobo, 2008Lobo, L. F. (2008). Os infames da história: Pobres, escravos e deficientes no Brasil. Lamparina.; Stepan, 2004Stepan, N. L. (2004). Eugenia no Brasil (1917-1940). In G. Hochman & D. Armus (Orgs.), Cuidar, controlar, curar: Ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe (pp. 330-391). Editora Fiocruz.).

No que tange à assistência psiquiátrica, os decretos subsequentes ao de 1903 buscam organizar uma base de ação a fim de reordenar os serviços revogados pelo Decreto nº 24.559, de 3 de julho de 1934Decreto nº 24.559, de 3 de julho de 1934. (1934, 3 de julho). Dispõe sôbre a profilaxia mental, a assistência e proteção á pessôa e aos bens dos psicopatas, a fiscalização dos serviços psiquiátricos e dá outras providências. https://bit.ly/3QAuuri
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. Além da profilaxia e da fiscalização dos serviços, este decreto do Estado Novo se refere à segunda modernização do Brasil e de suas instituições. Com isso, elimina-se o termo alienado e dispõe-se sobre a proteção à pessoa física e aos bens dos psicopatas. Reiterando médica e juridicamente a incapacidade e o potencial de periculosidade do psicopata, esse decreto busca facilitar as internações, sobretudo referindo-as à perturbação da ordem pública.

Assim, constata-se que é no âmbito autoritário do Estado Novo que se institui a cultura institucional manicomial de procedência higienista com que nos debatemos até hoje, na qual a regra é a internação, e o tratamento extra-hospitalar, a exceção. No entanto, ao passo que o Brasil foi um dos centros de produção do pensamento e prática higienista e eugenista de caráter conservador e chauvinista (Costa, 2007Costa, J. F. (2007). História da psiquiatria no Brasil. Garamond.; Góes, 2018Góes, W. L. (2018). Racismo, eugenia no pensamento conservador brasileiro: A proposta de povo em Renato Kehl. Liber Ars.), o país também foi pioneiro do proibicionismo, operando como articulador de uma política internacional de proibição às drogas (Carneiro, 2018Carneiro, H. (2018). Drogas: A história do proibicionismo. Autonomia Literária.; Carvalho, 2013Carvalho, J. C. (2013). A regulamentação e criminalização das drogas no Brasil: A Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes (1936-1946). Multifoco.; França, 2015França, J. M. C. (2015). A história da maconha no Brasil. Três Estrelas.). E é neste ponto que a política manicomial de internação e o racismo de Estado se ligam ao proibicionismo.

O proibicionismo e seus atravessamentos psiquiátricos e raciais

O pensamento eugenista e higienista tem grande preponderância nas internações psiquiátricas, sobretudo naquelas realizadas sob justificativa de degenerescência ocasionada pelo uso de álcool e outras drogas, como no relato de Lima Barreto (1956Lima Barreto, A. (1956). Cemitério dos vivos. Brasiliense.) e em outros estudos sobre o tema (Caponi, 2012Caponi, S. (2012). Loucos e degenerados: Uma genealogia da psiquiatria ampliada. Editora Fiocruz.; Carneiro, 2018Carneiro, H. (2018). Drogas: A história do proibicionismo. Autonomia Literária.; Costa, 2007Costa, J. F. (2007). História da psiquiatria no Brasil. Garamond.; Nascimento, 2019Nascimento, M. B. (2019). Criminalização das drogas e controle social: O papel da medicina na formação da moralidade burguesa. Áskesis , 8(2), 111-125. https://dx.doi.org/10.46269/8219.439
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). O eugenismo ganha força ante o patente fracasso do tratamento moral, desde o qual a psiquiatria amplia seu escopo de atuação para todo o corpo social sob a prerrogativa de uma atuação nas causas da degeneração e da doença mental, entre elas, as drogas.

Antes de seguirmos a crítica do proibicionismo, porém, façamos uma ressalva. Conhecidas desde a Antiguidade, o que chamamos de drogas são objetos sociotécnicos cujo sentido depende das modalidades de uso que se faz delas (Vargas, 2008Vargas, E. (2008). Fármacos e outros objetos sócio-técnicos: Notas para uma genealogia das drogas. In B. Labate, S. Goulart, M. Fiore, E. MacRae, & H. Carneiro (Orgs.), Drogas e cultura: Novas perspectivas (pp. 41-64). EDUFBA.), são respostas sociais utilizadas de forma mais permissiva ou mediada nos mais diversos contextos.

Na cena internacional, as drogas passam a ser reduzidas ao comportamento patológico-compulsivo e à toxicomania, noção nosográfica incerta, construída por sobreposições de campos diversos durante os séculos XIX e XX como desdobramento genérico de descrições clínicas específicas que a antecederam, como a morfinomania e o etilismo. Um certo pânico moral é desencadeado com a invenção da toxicomania - junto com uma série de termos análogos -, que acontece em convenções internacionais a partir de 1912, onde é associada à sociologia da marginalidade e do crime (Saad, 2019Saad, L. (2019). “Fumo de Negro”: A criminalização da maconha no pós-abolição. EDUFBA.). Esta composição médico-jurídica - fundamental para a compreensão da subjetividade moderna (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). Os anormais: Curso dado no Collège de France (1974-1975). Martins Fontes.) - se vale, ademais, da epidemiologia para deduzir e generalizar comportamentos desviantes a partir da pobreza ou da onipotência da droga (Bergeron, 2012Bergeron, H. (2012). Sociologia da droga. Ideias & Letras.).

Em suma, as drogas se inscrevem em distintos regimes de hábitos e costumes, e se tornam um problema, ao qual se interpõe a proibição e criminalização global apenas entre meados do século XIX e o XX. O Brasil não apenas adota o modelo médico e jurídico proibicionista para suas políticas públicas, como também se torna um importante ator de fomento da causa no cenário internacional (Gomes, 2019Gomes, R. M. (2019). O debate dos psicoativos nas ciências sociais: Uma entrevista com Maurício Fiore. Áskesis, 8(2), 148-159. https://doi.org/10.46269/8219.545
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; Jesus & Teixeira, 2019Teixeira, I. B. A., & Jesus, C. R. (2019). A hegemonização do proibicionismo brasileiro: A disputa em torno do consenso sobre as drogas. Áskesis , 8(2), 50-64. http://dx.doi.org/10.46269/8219.428
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; MacRae, 2017MacRae, E. (2017). Maconha e o proibicionismo. In R. Figueiredo, M. Feffermann, & R. Adorno (Orgs.), Perspectivas para além do proibicionismo: Drogas & sociedade contemporânea (pp. 119-128). Instituto de Saúde.).

Entretanto, os vínculos entre drogas e psiquiatria emergem no final do século XVIII, aponta Foucault (2012Foucault, M. (2012). O poder psiquiátrico: Curso no Collège de France (1973-1974). Martins Fontes.), quando psiquiatras se valem do ópio e de derivados do éter a fim de extrair a verdade da loucura e distingui-la da simulação, tradição que engloba até Morel, no século XIX, quando é sobreposta por outra, diretamente relacionada ao estatuto médico do proibicionismo. A ideia de que as drogas produzem fenômenos psicológicos iguais aos da loucura passa pela leitura biopolítica e racista do haxixe (MacRae, 2017MacRae, E. (2017). Maconha e o proibicionismo. In R. Figueiredo, M. Feffermann, & R. Adorno (Orgs.), Perspectivas para além do proibicionismo: Drogas & sociedade contemporânea (pp. 119-128). Instituto de Saúde.; Saad, 2019Saad, L. (2019). “Fumo de Negro”: A criminalização da maconha no pós-abolição. EDUFBA.). Em 1845, o médico Moreau de Tours relata que, ao ingerir geleia de haxixe, após um primeiro momento de felicidade, passou por processos dissociativos, delirantes, de confusão espaço-temporal, de hipersensibilidade e exacerbação afetiva típicos da loucura (Escohotado, 1998Escohotado, A. (1998). Historia de las drogas. Alianza.; Foucault, 2012Foucault, M. (2012). O poder psiquiátrico: Curso no Collège de France (1973-1974). Martins Fontes.).

A possibilidade de forjar artificialmente a loucura ou de similar seus efeitos através das drogas - ópio ou haxixe, no século XIX, no experimento de Tours, em 1845 - leva à conclusão de que há um fundo único universal a todas as loucuras, um primitivismo de manifestação estereotipada passível de ser ocasionado pela experimentação da droga. Na época de valorização dos experimentos fisiológicos, percebe-se que a droga produz não apenas os mesmos sintomas da doença, iguais em conteúdo, mas o mesmo encadeamento espontâneo de desagregação que passa por excitação maníaca, incoerência, vagueza e oscilação das ideias até a dissolução intelectual das faculdades morais.

A loucura se aproxima da experiência com as drogas através de um intermediário, o outro da vigília: o sonho, que “é a lei comum à vida normal e à vida patológica . . . entre a vigília e a loucura” (Foucault, 2012Foucault, M. (2012). O poder psiquiátrico: Curso no Collège de France (1973-1974). Martins Fontes., p. 366). À tradição alienista que toma a loucura próxima ao sonho acordado, soma-se a noção de que a droga injeta o sonho na consciência e pode inclusive agravar uma loucura preexistente. Observamos, com isso, que se a razão coincide com a consciência, ela atrela a experiência onírica e a das drogas com a loucura em torno do problema-chave do involuntário, dobradiça entre loucura e delinquência (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). Os anormais: Curso dado no Collège de France (1974-1975). Martins Fontes.). Portanto, embora a medicalização da loucura no registro clínico permaneça incerto, a noção de instinto criminoso e indivíduo perigoso cauciona a leitura médica sobre a loucura no embate com o poder judiciário até a psiquiatria forjar para si uma positividade cientificista.

Neste sentido, a consideração do aspecto patogênico da droga - no caso do Brasil, sobretudo o álcool e a maconha - se articula com uma transformação no paradigma psiquiátrico em voga entre 1890 e 1940 (Santos, 2018Santos, E. R. (2018). A proibição de entorpecentes na República: Notas sobre eugenia, urbanização e o racismo científico brasileiro. In M. Feffermann, S. Kalckmann, D. Faustino, D. Oliveira, M. C. Calado, L. E. Batista, & R. Cheregatto (Orgs.), Interfaces do genocídio no Brasil: Raça, gênero e classe (pp. 327-343). Instituto de Saúde.). Já salientamos que, se a psiquiatria brasileira começa alienista e afrancesada, ela se converte à matriz alemã cientificista com Juliano Moreira, que inscreveu sistematicamente o paradigma psiquiátrico de Kraepelin no país (Venâncio & Carvalhal, 2005Venâncio, A. T., & Carvalhal, L. (2005). Juliano Moreira: A psiquiatria no processo civilizatório brasileiro. In L. F. D. Duarte, J. Russo, & A. T. Venâncio (Orgs.), Psicologização no Brasil: Autores e atores (pp. 65-83). Contracapa.). Em contrapartida, observamos a psiquiatria se esforçar para incorporar a anatomia, a bioquímica, a fisiologia e a hereditariedade, instituindo uma nova compreensão para a doença mental com a inclusão de duas dimensões operatórias complementares que colocam o registro clínico do sintoma e da síndrome sob a etiologia da oposição endógeno/exógeno ao organismo e em um registro evolutivo (Birman, 2010Birman, J. (2010). A cena constituinte da psicose maníaco-depressiva no Brasil. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, 17(suppl. 2), 345-371. https://doi.org/10.1590/S0104-59702010000600005
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).

Um outro discípulo de Nina Rodrigues, ator importante deste debate, o médico Rodrigues Dória, ligado à escola de Lombroso e fundador da Escola Positiva de Direito Penal, intervém politicamente, com a implantação de manicômios judiciários, na perseguição de negros brasileiros usuários de maconha (MacRae, 2017MacRae, E. (2017). Maconha e o proibicionismo. In R. Figueiredo, M. Feffermann, & R. Adorno (Orgs.), Perspectivas para além do proibicionismo: Drogas & sociedade contemporânea (pp. 119-128). Instituto de Saúde.; Saad, 2019Saad, L. (2019). “Fumo de Negro”: A criminalização da maconha no pós-abolição. EDUFBA.). Dória (1958Dória, R. (1958). Os fumadores de maconha: Efeitos e males do vício (2a ed.). Ministério da Saúde.) retoma a literatura estrangeira que trata do uso do haxixe em populações africanas para relacionar a maconha com a psicogênese de alucinações, delírios furiosos, agitação e agressividade, enaltecendo a alienação mental como um dos estágios finais do maconhismo crônico:

Os inveterados e os insaciáveis no vício podem entrar em um estado de caquexia, que não permite viver muito tempo. Emagrecem rápida e consideravelmente, adquirem cor térrea amarela, dispepsia gastrointestinal, fisionomia triste e abatida, depressão de todas as funções, bronquites. Nesse estado quase sempre a morte sobrevém em pouco tempo, e diz o povo haver uma tísica da maconha, de forma aguda e rápida, exterminando a vida em dois ou três meses. Nesse estado de maconhismo crônico, o vício é imperioso, dominante e tirânico (p. 9).

Com a consideração tão agravada que relaciona o uso de maconha à morte e ao declínio fisicamente notável, observamos uma atualização da afirmativa alienista de que o doente - o viciado ou quem faz uso de maconha, no caso - se torna perigoso, inclusive para si mesmo. Com isso, se justifica a intervenção manicominal de sequestro e enclausuramento do sujeito em nome da sua própria proteção (Santos, 2018Santos, E. R. (2018). A proibição de entorpecentes na República: Notas sobre eugenia, urbanização e o racismo científico brasileiro. In M. Feffermann, S. Kalckmann, D. Faustino, D. Oliveira, M. C. Calado, L. E. Batista, & R. Cheregatto (Orgs.), Interfaces do genocídio no Brasil: Raça, gênero e classe (pp. 327-343). Instituto de Saúde.). Melhor ainda se a instituição de sequestro e clausura for de cunho religioso, pois assim cumpre o objetivo político e moralizador que, além de limpar o espaço da cidade, se dedica à salvação da alma condenada, viciosa, pecaminosa. O poder psiquiátrico serve como elo entre a saúde e a segurança pública. Ele preenche a lacuna entre a disciplinarização dos indivíduos e o governo da população com o prestígio da classe médica e o estatuto de ciência que se presta a identificar e prevenir, mas sobretudo eliminar a desordem de desvios e moléstias (Foucault, 2008Foucault, M. (2008). Os anormais: Curso dado no Collège de France (1974-1975). Martins Fontes., 2012Foucault, M. (2012). O poder psiquiátrico: Curso no Collège de France (1973-1974). Martins Fontes.).

Homem de seu tempo, Rodrigues Dória (1958Dória, R. (1958). Os fumadores de maconha: Efeitos e males do vício (2a ed.). Ministério da Saúde.) atrela a pobreza - em realidade, os (supostos) sofrimentos decorrentes dela - ao vício e à doença, reiterando que

a “dor física” é muitas vêzes a causa do vício. As nevralgias dentárias, as dores reumáticas, as gastralgias, as cólicas uterinas em estados dismenorréicos, determinam muita vez o emprêgo da planta pelos seus efeitos narcóticos e analgésicos; e obtido o resultado benéfico, não hesitam os pacientes em voltar à erva em um segundo acesso, ou como preventivo, e daí se gera com facilidade o hábito e o vício de fumar a maconha. Os pezares são outra causa frequente do vício: para esquecer, embora transitoriamente, incômodos morais, suavizar a dureza de uma vida atribulada, e passar momentos alegres, distraídos, esperançosos, acalentados na fantasia álacre que os embala no espaço, como as espirais voltejantes do fumo traiçoeiro, os abandonados da sorte se entregam ao domínio da erva; se não é um forte, o naufrágio é irremediável, principalmente se a dor moral está associada à tara orgânica (p. 15).

Vemos que o médico não consegue conciliar ou integrar a experiência de escuta clínica, na qual aparecem a multicausalidade e a complexidade do uso de drogas presente em seus relatórios com as propostas higienistas da medicina ampliada da época, às quais ele adere quase de maneira cega (Nascimento, 2019Nascimento, M. B. (2019). Criminalização das drogas e controle social: O papel da medicina na formação da moralidade burguesa. Áskesis , 8(2), 111-125. https://dx.doi.org/10.46269/8219.439
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). O racismo eugênico de Dória (1958Dória, R. (1958). Os fumadores de maconha: Efeitos e males do vício (2a ed.). Ministério da Saúde.) considera o uso de maconha como um comportamento que gera entorpecimento, loucura, brutalidade, fetichismo, intemperança, mas sobretudo o vício, a compulsão e a degeneração mental e moral típicos dos negros, característicos da sua ignorância e da propensão ao crime da “raça preta, selvagem e ignorante, resistente, mas intemperante” (p. 16).

Por um lado, Dória estava tão decidido a demonizar a maconha que parece nem se atentar ao que ele mesmo descreveu em seus relatos clínicos, nos quais é ressaltada a larga aplicação terapêutica da planta em seus distintos contextos de uso rituais, culturais, religiosos ou medicinais, que atendem a uma variedade de demandas, como relata MacRae (2016MacRae, E. (2016). Canabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade. In E. MacRae & W. Alves (Orgs.), Fumo de Angola: Canabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade (pp. 23-58). EDUFBA.).

Por outro lado, seu empenho proibicionista liga os três eixos - pobreza, vício e doença - que, junto com a raça, caracterizam a leitura psiquiátrica da realidade social do início século XX segundo a teoria da degeneração (Caponi, 2012Caponi, S. (2012). Loucos e degenerados: Uma genealogia da psiquiatria ampliada. Editora Fiocruz.), tornando-se um expoente da difusão e aplicação do paradigma eugenista no país. No entanto, se as drogas ligam os eixos elementares da degeneração, seu estatuto como problema de saúde é problemático.

Embora desde meados do século XIX tenhamos tímidas empreitadas sanitaristas para estabelecer políticas restritivas ao consumo de drogas, o proibicionismo ganha estofo quando aloca o uso de drogas ao lado das epidemias e das endemias, como face do problema econômico da produtividade e da gestão da saúde pública (Trad, 2009Trad, S. (2009). Controle do uso de drogas e prevenção no Brasil: Revisitando sua trajetória para entender os desafios atuais. In A. Nery Filho, E. MacRae, L. A. Tavares, & M. Rêgo (Orgs.), Toxicomanias: Incidências clínicas e socioantropológicas (pp. 97-112). EDUFBA.). Em 1915, ano da participação de Dória no II Congresso Científico Pan Americano, em Washington, em que apresenta a maconha como vingança dos negros contra os brancos e, portanto, um risco ao projeto civilizatório, temos o Decreto nº 11.481, de 10 de fevereiro de 1915Decreto nº 11.481, de 10 de fevereiro de 1915. (1915, 10 de fevereiro). Promulga a Convenção Internacional do Ópio e respectivo Protocollo de Encerramento, assignados na Haya, a 23 de Janeiro de 1912. https://bit.ly/3GAR6Dq
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, que incorporou as recomendações internacionais de restrição do uso dos opiáceos. Mas é o Decreto nº 4.294, de 6 de julho de 1921Decreto nº 4.294, de 6 de julho de 1921. (1921, 6 de julho). Estabelece penalidades para os contraventores na venda de cocaína, opio, morphina e seus derivados; crêa um estabelecimento especial para internação dos intoxicados pelo alcool ou substancias venenosas; estabelece as fórmas de processo e julgamento e manda abrir os creditos necessarios. https://bit.ly/3kglNqc
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, que proíbe a venda e uso não medicinais de morfina, cocaína e opiáceos, considerados vícios elegantes, sinalizando o fortalecimento das corporações médicas no Estado (Adiala, 2016Adiala, J. C. (2016). Uma nova toxicomania, o vício de fumar maconha. In E. MacRae & W. Alves (Orgs.), Fumo de Angola: Canabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade (pp. 85-102). EDUFBA.). A institucionalização da medicina como operador exclusivo das práticas terapêuticas tem como foco extirpar a feitiçaria, atrelada à religiosidade negra como prática leiga, indevida e clandestina da medicina desde o Código Penal promulgado pelo Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890. (1890, 11 de outubro). Promulga o Código Penal. https://bit.ly/2Y5Llp3
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. Esta versão jurídica encontra eco nas formas de controle mais sofisticadas das ciências médica e antropológica de Nina Rodrigues, que tomam o negro como doente ou anormal, visando combater a libertinagem e a feitiçaria, junto aos fenômenos do transe e da possessão, como se fossem histeria e, com isso, tenta instituir os vínculos entre lesões orgânicas, sífilis, alcoolismo e doenças contagiosas como determinantes de doença mental (MacRae, 2008MacRae, E. (2008). A elaboração das políticas públicas brasileiras em relação ao uso religioso da ayahuasca. In B. Labate, S. Goulart, M. Fiore, E. MacRae, & H. Carneiro (Orgs.), Drogas e cultura: Novas perspectivas (pp. 119-128). EDUFBA.; Santos, Schucman, & Martins, 2012Santos, A. O., Schucman, L. V., & Martins, H. V. (2012). Breve histórico do pensamento psicológico brasileiro sobre relações étnico-raciais. Psicologia: Ciência e Profissão, 32(spe), 166-175. https://doi.org/10.1590/S1414-98932012000500012
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).

Entretanto, Jarbas Pernambuco defende, na 2ª Conferência Internacional de Ópio de 1924, a inclusão da maconha no rol dos venenos a serem proibidos, por considerá-la mais perigosa que o ópio. Logo o Brasil tem uma lei pioneira de proibição da maconha, antecedendo até mesmo os Estados Unidos na construção de um aparato legal, através do Decreto nº 20.930, de 11 de janeiro de 1932Decreto nº 20.930, de 11 de janeiro de 1932. (1932, 11 de janeiro). Fiscaliza o emprego e o comércio das substâncias tóxicas entorpecentes e regula sua entrada no país de acordo com a solicitação do Comité Central Permanente do Opio da Liga das Nações, e estabelece penas. https://bit.ly/3ZzkhPO
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, que inclui a maconha entre as substâncias entorpecentes cuja posse, armazenamento, emprego e comércio são criminalizados (França, 2015França, J. M. C. (2015). A história da maconha no Brasil. Três Estrelas.; Saad, 2019Saad, L. (2019). “Fumo de Negro”: A criminalização da maconha no pós-abolição. EDUFBA.).

O caráter regionalista da estigmatização da maconha como um vício dos povos do norte do país (que têm maior preponderância indígena e negra), que predispõe ao crime e à preguiça (valores sociais atribuídos às pessoas marginalizadas), faz dela um problema não só de saúde, mas uma questão social de fato. A vadiagem, a estupidez e o embotamento ético que seriam ocasionados pela maconha a aproximam do delito, visão que justifica a intervenção estatal sob risco do diambismo ocasionar um estado de calamidade pública (Souza, 2015Souza, J. E. L. (2015). Sonhos da diamba: Controles do cotidiano, uma história da criminalização da maconha no Brasil republicano. EDUFBA.).

Vemos, portanto, que o Brasil não apenas obedece ao proibicionismo internacional, como é um ator-chave deste jogo, sobretudo no que diz respeito à maconha, também chamada diamba ou fumo de Angola - o que sinaliza os motores racializantes da verve proibicionista (MacRae, 2017MacRae, E. (2017). Maconha e o proibicionismo. In R. Figueiredo, M. Feffermann, & R. Adorno (Orgs.), Perspectivas para além do proibicionismo: Drogas & sociedade contemporânea (pp. 119-128). Instituto de Saúde.) inscrita no seio dos mecanismos de controle da população. Em suma, a inteligibilidade da leitura proibicionista do mundo tem no fator racial sua pedra de toque.

De fato, o proibicionismo é um fator que predispõe à organização de intervenções mais refinadas do Estado federativo e totalizador na esfera das condutas pessoais (MacRae & Simões 2000MacRae, E., & Simões, J. A. (2000). Rodas de fumo: O uso da maconha entre camadas médias urbanas. EDUFBA.). O controle do consumo e da cadeia produtiva do álcool nos EUA abriu o precedente para a emergência de agências federais responsáveis pela fiscalização policial das decisões da vida privada num país em que não havia mecanismos federais de coerção dos cidadãos, pois cada estado geria a população com polícia, escola etc. O controle biopolítico federalizado através das técnicas de coerção das liberdades civis e pessoais, exercido sob prerrogativa da Lei Seca, nos EUA, toma a sociedade e os valores que a sustentam como vítimas, não aludindo senão vagamente à saúde pública. Neste contexto, a Ku Klux Klan se alia à causa formalmente, na adesão ao Partido da Proibição, no final do século XIX, e informalmente, fazendo a patrulha do operariado imigrante e das comunidades negras do sul do país que o Estado não conseguia (Carneiro, 2018Carneiro, H. (2018). Drogas: A história do proibicionismo. Autonomia Literária.; McGirr, 2016McGirr, L. (2016). The war on alcohol. Prohibition and the rise of the American state. W.W. Norton & Cia.).

No Brasil, o proibicionismo integra um projeto político de modernização que ganha corpo teórico e conteúdo empírico com higienismo eugenista (Henman, 2016Henman, A. (2016). A guerra às drogas é uma guerra etnocida. In E. MacRae & W. Alves (Orgs.), Fumo de Angola: Canabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade (pp. 319-344). EDUFBA.; Saad, 2019Saad, L. (2019). “Fumo de Negro”: A criminalização da maconha no pós-abolição. EDUFBA.; Souza, 2015Souza, J. E. L. (2015). Sonhos da diamba: Controles do cotidiano, uma história da criminalização da maconha no Brasil republicano. EDUFBA.). A criminalização e a patologização dos entorpecentes são mecanismos de distribuição política que atuam na restrição de cidadania da população negra, por meio do controle da liberdade e da exploração do trabalho (Santos, 2018Santos, E. R. (2018). A proibição de entorpecentes na República: Notas sobre eugenia, urbanização e o racismo científico brasileiro. In M. Feffermann, S. Kalckmann, D. Faustino, D. Oliveira, M. C. Calado, L. E. Batista, & R. Cheregatto (Orgs.), Interfaces do genocídio no Brasil: Raça, gênero e classe (pp. 327-343). Instituto de Saúde.). Ou seja, o empenho na proibição da maconha se configura como resposta política para o problema do negro no pós-abolição, junto com iniciativas como a promulgação da lei da vadiagem, que impunha compulsoriamente o trabalho em um texto de lei que, apesar de vago, é tomado com urgência de um imperativo cumprimento policial (Chalhoub, 2011Chalhoub, S. (2011). Visões da liberdade: Uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. Companhia das Letras.) no qual basta “ser pobre, não branco, desempregado ou insubmisso para estar sob suspeita” (Patto, 1999Patto, M. H. S. (1999). Estado, ciência e política na Primeira República: A desqualificação dos pobres. Estudos Avançados, 13(35), 167-198., p. 175).

Com este panorama da proveniência epistemológica, política e racista do paradigma proibicionista, vemos o entrecruzamento de cinco eixos que se sobrepõem e se retroalimentam: o quadro ideológico, sanitário e securitário do proibicionismo, o moral, o da saúde pública e os da segurança pública, nacional e internacional (Rodrigues, 2017Rodrigues, T. (2017). Drogas e proibição: Um empreendedorismo moral. In R. Figueiredo, M. Feffermann, & R. Adorno (Orgs.), Drogas & sociedade contemporânea: Perspectivas para além do proibicionismo (pp. 33-55). Instituto de Saúde.). Podemos, portanto, definir o proibicionismo como um arcabouço de leis e regulações nacionais derivadas de debates e restrições definidas em convenções internacionais, resultantes de forças e motivações morais, políticas, econômicas e científicas diversas que proíbem a fabricação, a circulação e o consumo de drogas. Em outros termos, o paradigma proibicionista determina os modos pelos quais os limites arbitrários e a produção científica enviesada acerca do uso de drogas são compreendidos, colocando-o como dispensável e - médica e juridicamente - prejudicial, cuja criminalização é justificada (Carneiro; 2018Carneiro, H. (2018). Drogas: A história do proibicionismo. Autonomia Literária.; Escohotado, 1998Escohotado, A. (1998). Historia de las drogas. Alianza.; Fiore, 2012Fiore, M. (2012). O lugar do Estado na questão das drogas: O paradigma proibicionista e as alternativas. Novos Estudos CEBRAP, (92), 9-21. https://doi.org/10.1590/S0101-33002012000100002.
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; MacRae, 2017MacRae, E. (2017). Maconha e o proibicionismo. In R. Figueiredo, M. Feffermann, & R. Adorno (Orgs.), Perspectivas para além do proibicionismo: Drogas & sociedade contemporânea (pp. 119-128). Instituto de Saúde.; Mattos, 2019Mattos, K. R. (2019). Política nacional sobre drogas: Uma análise da crença que permeia a lógica carcerária e a população atingida. Áskesis, 8(2), 33-49. https://dx.doi.org/10.46269/8219.425
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).

O proibicionismo visa controlar os modos de vida e a circulação dos indesejáveis a fim de civilizar os maus costumes responsáveis pela insalubridade e caos urbanos. Ele se insere num conjunto de mecanismos que tomam inclusive da violência, em um sentido moral e reeducador, salvaguardados por um modelo penal paradoxalmente constituído entre liberalismo, centrado no indivíduo e sua responsabilidade pessoal, e racismo, que investe uma parcela da população devido a suas características racializadas (Albuquerque, 2009Albuquerque W. R. (2009). O jogo da dissimulação. Abolição e cidadania negra no Brasil. Companhia das Letras.).

Percebemos que a invenção do maconheiro como problema médico e jurídico acopla os paradigmas manicomial e proibicionista como mecanismos que reatualizam a divisão moral entre Bem e Mal, entre a cultura e seu Outro, em prol da defesa da sociedade através da coerção dos desvios, da limpeza urbana e da produção de uma reserva de mão de obra contra a ociosidade e a perturbação da ordem pública. A solução correcional a tais problemas tem dois registros, um biopolítico, em que a medicina social se converte em medicina legal ao esquadrinhar o corpo social buscando eliminar as anormalidades, a degeneração e o crime; e outro, disciplinar, dado na aplicação de poder sobre o corpo das populações marginalizadas.

No que tange à saúde pública, o paradigma manicomial é um dos braços que recobre especificamente a compreensão e a atuação em saúde mental, mas o espectro de influência operado a partir das consequências da organização manicomial-asilar abrange os campos ligados de alguma forma ao impreciso e amplo guarda-chuva da higiene social, como as políticas de natalidade, culturais, habitação etc., e daí sua interface com a questão racial.

De toda forma, o medo e o rechaço da presença física e da cultura negras é indissociável da condenação moral das drogas relacionadas ao negro e do aparato institucional racialmente organizado a partir do proibicionismo (Santos, 2018Santos, E. R. (2018). A proibição de entorpecentes na República: Notas sobre eugenia, urbanização e o racismo científico brasileiro. In M. Feffermann, S. Kalckmann, D. Faustino, D. Oliveira, M. C. Calado, L. E. Batista, & R. Cheregatto (Orgs.), Interfaces do genocídio no Brasil: Raça, gênero e classe (pp. 327-343). Instituto de Saúde.). Ambos, medo e repúdio, respondem e alimentam a biopolítica cientificista, higienista e eugenista que entendem que progresso, salubridade e crescimento econômico devem ser desenvolvidos em sentido único, a fim de salvar a moral, a saúde e a ordem públicas. Desta forma, a pobreza, o vício, a doença e a raça se sobrepõem nas leituras jurídica e médico-psiquiátrica como estratégias ou etapas do genocídio físico - através da mestiçagem, do encarceramento, do assassinato etc. - e cultural do povo negro, denunciado por Abdias Nascimento (2016Nascimento, A. (2016). O genocídio do negro brasileiro: Processo de um racismo mascarado (3a ed.). Perspectiva.).

A guerra de raças como motor do paradigma manicomial do proibicionismo

Com o que vimos até o momento, há de se levar em conta que, além de terem um campo de proveniência comum - o do entrecruzamento de saúde e justiça nos debates ideológicos, moralizantes e de organização biopolítica racista - ambas as legislações, sobre internação psiquiátrica e sobre a política de drogas, tiveram atualizações que não desfazem significativamente seus equívocos nos anos subsequentes e durante a ditadura militar.

Na década de 1950, os manicômios eram lugares de maus tratos e repetição monótona de atividades laborais caoticamente superlotados, como 80 anos antes. Já entre 1964-1980, segundo Resende (1990Resende, H. (1990). Política de saúde mental no Brasil: Uma visão histórica. In S. A. Tundis & N. R. Costa (Orgs.), Políticas de saúde mental no Brasil (pp. 15-73). Vozes.), vivemos a psiquiatria de massa que visava “preservar, manter e adestrar a força de trabalho . . . e atenuar os aspectos disfuncionais inerentes ao desenvolvimento capitalista - o desemprego, as desigualdades” (p. 59) entre pessoas, povos e regiões. Por outro lado, temos, em 1968, decretos e leis que aprofundam o proibicionismo, quando se equiparam a perseguição e a pena de traficantes e usuários de drogas e, em 1971, com a arbitrariedade que dispensa o laudo toxicológico como prova do porte de drogas. Ambas as resoluções revogadas com a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976. (1976, 21 de outubro). Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências. https://bit.ly/3IK0WWr
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, e com a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. (1990, 25 de julho). Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. https://bit.ly/3kdChzh
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, acerca dos crimes hediondos (MacRae, 2017MacRae, E. (2017). Maconha e o proibicionismo. In R. Figueiredo, M. Feffermann, & R. Adorno (Orgs.), Perspectivas para além do proibicionismo: Drogas & sociedade contemporânea (pp. 119-128). Instituto de Saúde.). No que se refere à política de saúde mental e à de drogas, novas resoluções que alteram de vez seus rumos são promulgadas em 2001 e 2002, respectivamente, reordenando não só a compreensão legal, mas o tipo de resposta social e institucional que o Estado e seus operadores, os saber-poder, como a psicologia, devem organizar.

Buscando uma genealogia da biopolítica moderna que toma a política como continuação da guerra por outros meios, Foucault (2002Foucault, M. (2002). Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). Martins Fontes.) detecta a emergência, desde o século XVII, de uma guerra que se faz a despeito da soberania absolutista, de modo contínuo e sob a forma oficial da paz: a guerra de raças. Em suma, a luta de raças aparece como condição de funcionamento e manutenção do Estado moderno em suas duas transcrições, na versão histórico-biológica - pautada pelos nacionalismos separatistas e pelos embates coloniais - que antecede e fundamenta a versão da luta de classes, que se acopla a ela.

Se o corpo social é articulado sobre o racismo de Estado, neste ensaio traçamos uma genealogia do paradigma manicomial de assistência psiquiátrica e do proibicionismo com relação a algumas drogas como operadores elementares da guerra de raças que constitui nosso país na materialidade das relações de poder e sujeição que atravessam o campo psiquiátrico e do proibicionismo. Esta luta de raças se apresenta sob duas formas de entendimento: a primeira parte da ideia de uma luta binária descentralizada, de fronteiras móveis, que ocorre desde o século XVII. A noção de embate entre duas raças exteriores uma à outra - os civilizados europeus contra os selvagens nativos, por exemplo - coloca em questão o estatuto da alma (Prado, 2020Prado, G. A. S. (2020). Coloniality and perspectivism in psychology: From damnation to ecosophical care relations. International Review of Psychiatry, 32(4), 320-26. https://doi.org/10.1080/09540261.2020.1765747
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) dos colonizados; ela é base de caráter histórico-política para o racismo moderno biologicista, mas não pode se confundir com ele.

A segunda via de compreensão confere ao racismo um conteúdo biológico, quando apropriado pelo Estado, se desenrolando especificamente nos séculos XIX e XX como a recentralização da luta não entre duas raças exteriores uma a outra, mas das guerras travadas dentro de um mesmo povo, perante o risco de degeneração e de que as sub-raças saiam vencedoras (Foucault, 2002Foucault, M. (2002). Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). Martins Fontes.). Esta compreensão totalizadora e redutora compreende que o combate é interno - segue o modelo da guerra civil, do estado de exceção que constitui a regra (Agamben, 2004Agamben, G. (2004). Estado de exceção. Boitempo.) - e se faz

a partir de uma raça considerada como sendo a verdadeira e a única, aquela que detém o poder e aquela que é titular da norma, contra aqueles que estão fora dessa norma, contra aqueles que constituem outros tantos perigos para o patrimônio biológico (Foucault, 2002Foucault, M. (2002). Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976). Martins Fontes., p. 52).

Destarte, a guerra de raças, base do Estado moderno, tem como centro nevrálgico uma raça dominante, titular da norma, que se erige contra a sublevação de uma sub-raça primitiva, menos racial e evoluída, como a dos descendentes de Can, como aparece no eugenismo brasileiro que organiza as políticas de drogas e de internação psiquiátrica (Góes, 2018Góes, W. L. (2018). Racismo, eugenia no pensamento conservador brasileiro: A proposta de povo em Renato Kehl. Liber Ars.; Mattos, 2019Mattos, K. R. (2019). Política nacional sobre drogas: Uma análise da crença que permeia a lógica carcerária e a população atingida. Áskesis, 8(2), 33-49. https://dx.doi.org/10.46269/8219.425
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; Schucman & Martins, 2017Schucman, L. V., & Martins, H. V. (2017). A psicologia e o discurso racial sobre o negro: Do “objeto da ciência” ao sujeito político. Psicologia: Ciência e Profissão , 37(spe), 172-185. https://doi.org/10.1590/1982-3703130002017
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).

Neste âmbito, temos a teoria da degenerescência que condena a mestiçagem, como o eugenismo europeu de Gobineau que influencia o pessimismo de Nina Rodrigues. Mas temos também uma repaginação pelos entusiastas da mestiçagem, não apenas como proposta de eliminação e segregação, mas como suporte e refinamento das tecnologias positivas de normalização da sociedade. Compreende-se que as drogas, quando e se não enlouquecem, comprometem o juízo, resultando no embrutecimento e em comportamentos regressivos (objetos das práticas disciplinares), e estão ligadas aos níveis mais primitivos e regredidos da espécie - que é o campo do biopoder. Por isso, há de se proibir as drogas e excluir os loucos para proteger a sociedade do que desvia de sua normalidade titular, e a base dessa guerra realizada em regime de paz, dentro do Estado, por seus membros e instituições, é racializante.

Logo, há de se defender a sociedade contra as sub-raças, suas culturas e hábitos incivilizados, depravados, vadios etc., proteger o corpo social da sua presença simbólica e concreta e evitar que se unam e se sublevem, como os haitianos (Buck-Morss, 2011Buck-Morss, S. (2011). Hegel e Haiti. Novos Estudos CEBRAP, (90), 131-171. https://doi.org/10.1590/S0101-33002011000200010
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). Nesta defesa, operam as tecnologias normalizadoras através do paradigma manicomial e do proibicionismo - e teríamos de acrescentar outros, certamente o da coação religiosa, especialmente a neopentecostal, calcada na abstinência e na ética do punitivismo e do merecimento salvacionista. Sem dúvidas, a invenção do Brasil moderno, do qual a psicologia descende e ao qual ela serve, passa pelo debate sobre as raças (Gouveia & Zanello, 2019; Santos & Schucman, 2015Santos, A. O., & Schucman, L. V. (2015). Desigualdade, relações raciais e a formação de psicólogo(as). Revista EPOS, 6(2), 117-140.), a urbanização, a normalização das classes trabalhadoras e dos marginais; passa pela criação do povo brasileiro na materialidade dos seus vários operadores - jurídicos, policiais, psiquiátricos, religiosos etc. (Góes, 2018Góes, W. L. (2018). Racismo, eugenia no pensamento conservador brasileiro: A proposta de povo em Renato Kehl. Liber Ars.; Schwarcz & Starling, 2015Schwarcz, L. M., & Starling, H. M. (2015). Brasil: Uma biografia. Companhia das Letras.).

Com a genealogia aqui esboçada, fica evidente que tais mecanismos de normalização acabam por operar um alterocídio, uma vez que constituem “o Outro não como semelhante a si mesmo, mas como objeto intrinsecamente ameaçador, do qual é preciso proteger-se, desfazer-se, ou que, simplesmente, é preciso destruir, devido a não conseguir assegurar o seu controle total” (Mbembe, 2018Mbembe, A. (2018). Crítica da razão negra. N-1., p. 27). Assim, toma-se o elemento negro como protótipo de objeto intrinsecamente ameaçador (Almeida, 2019Almeida, S. (2019). Racismo estrutural. Pólen.; Henman, 2016Henman, A. (2016). A guerra às drogas é uma guerra etnocida. In E. MacRae & W. Alves (Orgs.), Fumo de Angola: Canabis, racismo, resistência cultural e espiritualidade (pp. 319-344). EDUFBA.), o qual há de ser contindo ou eliminado sob qualquer forma, tolhendo-lhe toda multiplicidade e incorrendo, pois, na falência da capacidade de se relacionar no âmbito da alteridade, o que se replica no campo psiquiátrico-manicomial e da proibição das drogas no Brasil.

Concluímos, por fim, que embora os paradigmas manicomial e proibicionista não possam ser reduzidos em sua complexidade constituinte a apenas um fator, eles são operadores fundamentais da guerra de raças que está na base do Estado brasileiro moderno. Sinalizamos, contudo, que analisamos somente um primeiro período, localizado aproximadamente entre os anos 1890 e 1930, da proveniência política e racial dos paradigmas manicomial e proibicionista. Portanto, mais análises nesta linha de investigações são necessárias, a fim de elucidar o que está em jogo nas práticas psicológicas atuais e na contrarreforma psiquiátrica que disputa os sentidos da internação e da proibição das drogas como campo problemático hoje no país (Lima, 2019Lima, R. C. (2019). The rise of the Psychiatric Counter-Reform in Brazil. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 29(1), Artigo e290101. http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312019290101
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; Nunes et al., 2019Nunes, M. O.., Lima, J. M., Jr., Portugal, C. M., & Torrenté, M. (2019). Reforma e contrarreforma psiquiátrica: Análise de uma crise sociopolítica e sanitária a nível nacional e regional. Ciência & Saúde Coletiva, 24(12), 4489-4498. https://doi.org/10.1590/1413-812320182412.25252019
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), uma vez que a emergência, o conflito e a remodelagem dos paradigmas e políticas sobre drogas e internação psiquiátrica se dão por séries sucessivas e irregulares, atravessadas pelos mais diversos campos e elementos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2020
  • Aceito
    14 Jul 2021
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