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Impacto do Racismo nas Vivências de Mulheres Negras Brasileiras: Um Estudo Fenomenológico

The Impact of Racism on Brazilian Black Women’s Experiences: A Phenomenological Study

Impacto del Racismo en las Experiencias de las Mujeres Negras Brasileñas: Un Estudio Fenomenológico

Resumo

Este artigo teve como objetivo compreender, a partir de uma análise fenomenológica, o impacto do racismo sobre vivências de mulheres negras. Foram analisados relatos escritos por mulheres que se autodeclaravam negras encontrados em sites e blogs da internet. Esta pesquisa qualitativa fenomenológica foi inspirada na proposta filosófica de Edmund Husserl, consistindo na elaboração de uma narrativa síntese que resumiu os elementos essenciais das vivências dessas mulheres. Os resultados possibilitaram compreender que as experiências de racismo vivenciadas por mulheres negras têm início na infância e as acompanham ao longo de toda a vida, causando impactos sobre sua saúde mental. A insatisfação em relação ao cabelo natural e a cor da pele surgem como sinais concretos de recusa da identidade negra; enquanto o processo de tomada de consciência, reconhecimento e aceitação da negritude impulsionam a autoaceitação e a construção de uma nova identidade como mulher negra. A troca de experiências com outras pessoas negras sobre racismo favoreceu o reconhecimento da negritude. Conclui-se que o suporte emocional de pessoas que vivenciam o mesmo tipo de sofrimento social pode ser de grande relevância no processo de superação, assim como os processos de intervenção psicológica quando pautados por atitudes de empatia e aceitação. Nesse sentido, a formação de psicólogos deve incluir conteúdos e práticas que abordem o tema do racismo como parte da realidade social.

Palavras-chave:
Racismo; Mulher Negra; Saúde Mental; Fenomenologia

Abstract

This article aimed to understand, based on qualitative research, the impact of racism on Black women’s experiences. To this end, accounts authored by women who self-identify as Black, found on websites and internet blogs were used as data sources. The phenomenological analysis of data was based on Edmund Husserl’s philosophical proposal, and consisted of a narrative synthesis that summed the essential elements of these women’s experiences. Results of this research enabled the understanding that experiences of racism, lived by Black women, start during childhood and accompany them throughout their lifetime, impacting their mental health. Dissatisfaction with their natural hair and skin color appear as concrete signs of turning down their Black identity; sharing their experiences with other Black people about racism helps them recognize their Blackness. The process of awareness, recognition and acceptance of Blackness drive them to self-acceptance and the construction of an identity that integrates their condition as Black women. We conclude that the emotional support given by people who live similar social suffering can be essential to the process of overcoming it, as should be the process of psychological intervention, when founded on attitudes of comprehensive empathy and acceptance. In this regard, we suggest that psychologists’ education include both courses and practice that encompass the theme of racism as part of our social reality.

Keywords:
Racism; Black Women; Mental Health; Phenomenology

Resumen

Este artículo tuvo como objetivo comprender, a partir de una investigación cualitativa, el impacto del racismo en las experiencias de las mujeres negras. Fueron utilizados relatos escritos por mujeres que decían ser negras como fuentes de datos, en sitios de Internet y blogs. El análisis fenomenológico de los datos se realizó a partir de la propuesta filosófica de Edmund Husserl y consistió en la construcción de una narrativa síntesis que presentaba los elementos esenciales de las vivencias de estas mujeres. Los resultados permitieron comprender que las experiencias de racismo, vividas por las mujeres negras, comienzan en la infancia y las acompañan a lo largo de la vida, con un impacto en la salud mental. La insatisfacción con el color natural del cabello y la piel aparece como signos concretos de rechazo a la identidad negra; el intercambio de experiencias con otros negros sobre el racismo favorece el reconocimiento de la negritud. El proceso de toma de conciencia, reconocimiento y aceptación de la negritud impulsa la autoaceptación y la construcción de una identidad que integra la condición de la mujer negra. Se concluye que el apoyo emocional que brindan las personas que experimentan el mismo tipo de sufrimiento social puede ser de gran relevancia en el proceso de superación, así como los procesos de intervención psicológica, cuando se guían por actitudes de comprensión y aceptación empáticas. En este sentido, se sugiere que los cursos de formación para psicólogos incluyan contenidos y prácticas que aborden el tema del racismo como parte de la realidad social.

Palabras-chave:
Racismo; Mujer Negra; Salud Mental; Fenomenología

Introdução

No Brasil, pensar em saúde da população negra nas últimas décadas tem significado considerar a transversalidade da questão racial. Os impactos do racismo e da discriminação racial são observados não apenas na saúde física, mas também na saúde mental. Em nossa formação como sociedade, histórica e culturalmente, ser negro ou negra significa pertencer a uma raça inferior (Gonçalves, 2017Gonçalves, M. M. (2017). Raça e saúde: Concepções, antítese e antinomia na atenção básica [Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo]. Biblioteca Digital USP. https://doi.org/10.11606/D.6.2018.tde-07022018-122142
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). Estudos genéticos não constataram a existência de diferenças significativas entre indivíduos pertencentes a distintos grupos raciais, não justificando, portanto, a referência a diferentes raças humanas. Entretanto, atributos fenotípicos como a cor da pele, a textura do cabelo, o formato do nariz e dos lábios, entre outros, são utilizados com o objetivo de hierarquizar, a partir do conceito de raça, os grupos sociais, fenômeno que decorre do racismo (Costa & Scarcelli, 2016Costa, E. S., & Scarcelli, I. R. (2016). Psicologia, política pública para a população quilombola e racismo. Psicologia USP, 27(2), 357-366. https://doi.org/10.1590/0103-656420130051
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).

O racismo estrutural e institucional foi uma estratégia de exclusão da população negra construída desde antes da instalação da república pelas classes dominantes e seus ideólogos e cientistas. Funciona desde sempre como mecanismo de exploração e opressão para subjugar grupos sociais considerados inferiores e proporcionar privilégios àqueles tidos como superiores, mesmo quando detêm níveis de renda semelhantes às do grupo social negro, mas que ostentam a cor como um diferencial importante - o que significa que pobres brancos podem discriminar pobres pretos. (Costa & Scarcelli, 2016Costa, E. S., & Scarcelli, I. R. (2016). Psicologia, política pública para a população quilombola e racismo. Psicologia USP, 27(2), 357-366. https://doi.org/10.1590/0103-656420130051
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). A partir daí, compreende-se que a inexistência de diferenças biológicas entre pessoas negras e não negras não exclui as desigualdades advindas dos processos de discriminação racial, o que se observa também no âmbito da saúde.

Em 2009, como resultado da articulação da Secretaria de Políticas para a Igualdade Racial - Seppir - com ativistas e pesquisadores negros e negras, houve uma mobilização que levou à elaboração, pelo Ministério da Saúde, da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (Brasil, 2017Brasil. Ministério da Saúde. (2017). Política nacional de saúde integral da população negra (3a ed.). Ministério da Saúde.). A política visa o reconhecimento das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes das condições de saúde que impedem a promoção da equidade nesse âmbito. O racismo institucional, que garante a exclusão seletiva dos grupos racialmente subordinados, atua como alavanca importante de negação da equidade, um dos princípios basilares do Sistema Único de Saúde (SUS). Opera de forma a induzir, manter e condicionar a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas públicas, além de atuar também em instituições privadas, reproduzindo a hierarquia racial e restringindo o acesso e exercício de direitos (Geledés, 2013Geledés. (2013). Racismo institucional: Uma abordagem conceitual. Instituto da Mulher Negra.). Essa política revelou a necessidade da construção de mecanismos de promoção da saúde integral de pessoas negras, possibilitando a superação de barreiras estruturais e institucionais que impedem cotidianamente que possam usufruir de direitos básicos. No âmbito da saúde, isso fica evidente a partir de indicadores que se referem à população negra: precocidade dos óbitos; taxas de mortalidade materno infantil mais elevadas; maior prevalência de doenças crônicas e infecciosas, além de altos índices dos mais diversos tipos de violência.

Essa situação de iniquidade e vulnerabilização compromete o acesso dessa população a serviços públicos de saúde de qualidade, o que pode vir a refletir nas condições de inserção nas mais diversas esferas e no desenvolvimento de sua autonomia e cidadania. Conforme a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (Brasil, 2017Brasil. Ministério da Saúde. (2017). Política nacional de saúde integral da população negra (3a ed.). Ministério da Saúde.), a redução das desigualdades sociais é um dos objetivos do Pacto pela Saúde, divulgado por meio da Portaria nº 399 (2006, 22 fevereiroPortaria nº 399, de 22 de fevereiro de 2006 (2006, 22 fevereiro). Divulga o Pacto pela saúde de 2006 - consolidação do SUS e aprova as diretrizes operacionais do referido pacto. Ministério da Saúde. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt0399_22_02_2006.html
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), que considera modos de vida, habitação, trabalho, educação, ambiente, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais como determinantes e condicionantes de saúde. Ao incidir sobre esses fatores, que são impeditivos do direito à saúde, o racismo se torna o principal determinante de doença para a população negra.

Apesar desse reconhecimento, o estudo de seus efeitos psicossociais ainda é uma linha de interpretação recente na saúde mental no Brasil (Silva, Barros, Azevedo, Batista, & Policarpo, 2017Silva, N. G., Barros, S., Azevedo, F. C., Batista, L. E., & Policarpo, V. C. (2017). O quesito raça/cor nos estudos de caracterização de usuários de Centro de Atenção psicossocial. Saúde e Sociedade, 26(1), 100-114. https://doi.org/10.1590/s0104-12902017164968
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). Em revisão bibliográfica realizada por Silva et al. (2017Silva, N. G., Barros, S., Azevedo, F. C., Batista, L. E., & Policarpo, V. C. (2017). O quesito raça/cor nos estudos de caracterização de usuários de Centro de Atenção psicossocial. Saúde e Sociedade, 26(1), 100-114. https://doi.org/10.1590/s0104-12902017164968
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) sobre o perfil de usuárias e usuários atendidos em Centros de Atenção Psicossocial (Caps) no país, foram encontrados 17 artigos apresentando dados que associam a experiência de racismo com sentimento de solidão entre jovens, saúde mental precária, sintomas de ansiedade, depressão, entre outros. Porém, como é possível observar pela quantidade de artigos encontrados, a revisão demonstrou que, no Brasil, é pequeno o número de estudos que relacionam saúde mental e as variáveis raça/cor para caracterizar os usuários e as usuárias de serviços de saúde.

Ainda conforme Silva et al. (2017Silva, N. G., Barros, S., Azevedo, F. C., Batista, L. E., & Policarpo, V. C. (2017). O quesito raça/cor nos estudos de caracterização de usuários de Centro de Atenção psicossocial. Saúde e Sociedade, 26(1), 100-114. https://doi.org/10.1590/s0104-12902017164968
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), no campo da saúde constata-se a dificuldade de apropriação do conhecimento produzido por pesquisas científicas sobre raça/cor. Os autores levantam a hipótese de que o desconhecimento dessa variável como determinante do processo saúde-doença mental de pessoas negras e a centralidade da dimensão étnico-racial em suas vivências configuram e reproduzem as iniquidades raciais. Outra hipótese para o alheamento em relação ao sofrimento psíquico da população negra pode ser encontrada na herança das concepções eugenistas, conforme indicado por Damasceno e Zanello (2018Damasceno, M. G., & Zanello, V. M. L. (2018). Saúde mental e racismo contra negros: Produção bibliográfica brasileira dos últimos quinze anos. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(3), 450-464. https://doi.org/10.1590/1982-37030003262017
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) em revisão bibliográfica referente à produção brasileira de pesquisas sobre saúde mental e racismo.

Tais concepções dariam embasamento para justificar que o sofrimento psíquico dessas pessoas não seria nada mais que uma determinação genética da condição de ser negra ou negro: indivíduos destinados à degeneração e à loucura, não se tratando assim de um sofrimento produzido pelo meio, mas de um destino predeterminado ou de um fator hereditário (Oliveira & Kubiak, 2019Oliveira, B. M. C., & Kubiak, F. (2019). Racismo institucional e a saúde da mulher negra: Uma análise da produção científica brasileira. Saúde em Debate, 43(122), 939-948. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912222
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). Segundo Damasceno e Zanello (2018Damasceno, M. G., & Zanello, V. M. L. (2018). Saúde mental e racismo contra negros: Produção bibliográfica brasileira dos últimos quinze anos. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(3), 450-464. https://doi.org/10.1590/1982-37030003262017
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), outro fator que pode ter levado à invisibilidade no pensamento brasileiro da relação entre raça e saúde - mais especificamente, raça e saúde mental - é o mito da democracia racial. Esse mito se refere à crença na inexistência de conflitos raciais ou impedimento à ascensão social de pessoas negras (Tavares & Kuratani, 2019Tavares, J. S. C., & Kuratani, S. M. A. (2019). Manejo clínico das repercussões do racismo entre mulheres que se “tornaram negras”. Psicologia: Ciência e Profissão , 39, e184764, 1-13. https://doi.org/10.1590/1982-3703003184764
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). Essa concepção encobre o real significado da mestiçagem e o que ela representou para o projeto de colonização portuguesa no país (Tadei, 2002Tadei, E. M. (2002). A mestiçagem enquanto um dispositivo de poder e a constituição de nossa identidade nacional. Psicologia: Ciência e Profissão , 22(4), 2-13. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932002000400002
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).

A psicologia, como área importante no cuidado da saúde mental, também tem apresentado escassa produção científica no que se refere a esse tema (Gouveia & Zanello, 2019Gouveia, M., & Zanello, V. (2019). Psicoterapia, raça e racismo no contexto brasileiro: Experiências e percepções de mulheres negras. Psicologia em Estudo, 24, 1-15. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v24i0.42738
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). Ainda assim, a maior parte dessas pesquisas se concentram na subárea da psicologia social, mas não na subárea da psicologia clínica (Damasceno & Zanello, 2018Damasceno, M. G., & Zanello, V. M. L. (2018). Saúde mental e racismo contra negros: Produção bibliográfica brasileira dos últimos quinze anos. Psicologia: Ciência e Profissão, 38(3), 450-464. https://doi.org/10.1590/1982-37030003262017
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). As autoras apontam que o número de pessoas que buscam psicólogas e psicólogos para acolhimento dos sofrimentos psíquicos ligados a questões raciais tem aumentado. Contudo, elas têm se deparado com profissionais desatentos e despreparados para compreender os processos de discriminação racial e seus impactos nas vivências e constituição do sofrimento psíquico que experienciam.

Schucman, Nunes e Costa (2017Schucman, L. V., Nunes, S. S., & Costa, E. S. (2017). A Psicologia da Universidade de São Paulo e as relações raciais: Perspectivas emergentes. Psicologia USP , 28(1), 144-158. https://doi.org/10.1590/0103-6564a20132413
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) apontam que a psicologia deveria ser uma das áreas do conhecimento que alicerçasse ideias e modos de enfrentamento do racismo, visto que é uma forma de violência, promove desigualdades e causa sofrimento psíquico em mulheres negras e homens negros. Todavia, o que se tem observado é que nas grades curriculares dos cursos de psicologia no Brasil pouco se encontra sobre o tema do racismo em disciplinas obrigatórias, além de limitado número de estudos que aprofundam a temática. Diante da escassa produção da psicologia sobre o tema, compreende-se que estudar o impacto do racismo sobre a saúde mental é de extrema relevância. Neste trabalho, abordaremos mais especificamente o impacto sobre a saúde mental de mulheres negras.

No livro O que é lugar de fala, Ribeiro (2017Ribeiro, D. (2017). O que é lugar de fala? Letramento.) reflete sobre a luta histórica das mulheres negras para serem reconhecidas como sujeitos políticos e produzirem discursos contra-hegemônicos, uma vez que os discursos hegemônicos, historicamente, construíram identidades silenciadas e invisibilizadas. Para lutar contra tais discursos universalizantes que deslegitimam as outras formas de ser mulher e as especificidades de suas vivências, o feminismo negro aponta a importância de se considerar as diferentes opressões (raça, gênero, classe, sexualidade) sem hierarquizá-las, mas levando-se em conta como se interseccionam. Assim, ainda que o papel do racismo como determinante das condições de vida e saúde seja destacado, há também outros importantes fatores que atuam de forma concomitante, de modo a aprofundar ou diminuir seu impacto sobre pessoas e grupos (Werneck, 2016Werneck, J. (2016). Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, 25(3), 535-549. https://doi.org/10.1590/s0104-129020162610
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).

Ao abordar a interseccionalidade entre as diferentes formas de opressão, Ribeiro (2017Ribeiro, D. (2017). O que é lugar de fala? Letramento.) parte da explicação de Simone de Beauvoir sobre a categoria gênero para pensar como a intersecção entre gênero e raça se revela nas vivências de mulheres negras. Em O Segundo Sexo (Beauvoir, 2020Beauvoir, S. (2020). O segundo sexo. Nova Fronteira.), em suas reflexões sobre a categoria gênero, a filósofa francesa afirma que ser mulher é ser definida em relação e pelo olhar do homem, que a tem em um lugar de submissão na hierarquia social. A mulher negra estaria em um lugar ainda mais difícil. Conforme reflexão sobre o pensamento de Grada Kilomba (2012, como citado em Ribeiro, 2017Ribeiro, D. (2017). O que é lugar de fala? Letramento.), mulheres negras representam a antítese entre a branquitude e a masculinidade, ao estar em um espaço à margem das categorias raça e gênero, ou seja, não são brancas nem homens, mas negras e mulheres. A masculinidade heterossexual, norma e polo superior na hierarquia social, leva a posições de inferioridade as expressões do feminino de diferentes grupos raciais. Todavia, a linha de cor determinará maior desvalorização e opressão para as pessoas de pele com mais melanina, seja do ponto de vista simbólico, na inserção no mundo material, seja nas relações sociais e políticas (Geledés, 2013Geledés. (2013). Racismo institucional: Uma abordagem conceitual. Instituto da Mulher Negra.).

Há diversos rumos que poderiam ser tomados diante desse desafio de ser mulher e negra no Brasil e dos demais desafios apontados anteriormente - o mito da democracia racial, o pequeno número de estudos sobre raça/cor e saúde mental, o desconhecimento da população sobre esse assunto e a desatenção e despreparo de psicólogas e psicólogos. Essa pesquisa busca apreender, sob uma perspectiva da psicologia humanista - mais especificamente da abordagem centrada na pessoa - a experiência subjetiva de mulheres negras no Brasil, para compreender e interpretar fenomenologicamente o impacto do racismo sobre suas vivências. Para tanto, recorremos a relatos publicados em blogs.

Sendo um estudo fenomenológico, parte de uma “receptividade, um deslumbramento, colocando de lado pressuposições de hipóteses previamente estabelecidas” (Halling, 2020Halling, S. (2020). Phenomenology as Fidelity to Phenomena: Moving Beyond the Van Manen, Smith, and Zahavi Debate. The Humanistic Psychologist, 49(2), 342-353. http://dx.doi.org/10.1037/hum0000195
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, p. 3, tradução nossa) e vai ao encontro do fenômeno tal qual é vivido, descrevendo seus significados.

Considerando o número limitado de produções científicas brasileiras na área de psicologia clínica que abordam diretamente as questões étnico-raciais, este estudo se apresenta de grande relevância, pois o sofrimento que atravessa as vivências das mulheres negras e as torna emocionalmente vulneráveis é um problema de saúde pública.

Método

Esta é uma pesquisa qualitativa de inspiração fenomenológica que estuda o racismo a partir das vivências das mulheres negras. Edmund Husserl, considerado pioneiro da fenomenologia moderna, sugere “retornar às coisas mesmas”, pois as considera como o ponto de partida do conhecimento. Para que tenhamos acesso a um fenômeno, é necessário que exista uma correlação essencial entre consciência, que é sempre intencional, e o objeto (Oliveira, Fadda, Bezerra, & Cury, 2019Oliveira, A. E. G., Fadda, G. M., Bezerra, M. C. S., & Cury, V. E. (2019). O gesto fenomenológico em Husserl: Implicações para a pesquisa e a clínica psicológicas. In A. M. L. C. Feijoo, & M. B. M. F. Lessa (Orgs.), O gesto fenomenológico: Corpo, afeto e discurso na clínica (pp. 79-102). Ifen.). Assim, a intencionalidade é o ato de doar sentido, e é por meio dela que se unifica a consciência e o objeto, o sujeito e o mundo: ela possibilita o reconhecimento de que o mundo não é apenas exterioridade, nem o sujeito apenas interioridade.

A fenomenologia proposta por Edmund Husserl apresenta a redução fenomenológica como um convite ao abandono de atitudes preconcebidas (atitude natural) e juízos de valores sobre a realidade, de modo a concebê-la conforme se apresenta, ou seja, olhar para o fenômeno considerando a experiência em si mesma (atitude fenomenológica), abrindo-se a qualquer tipo de conteúdo ou tema que possa emergir (Amatuzzi, 2009Amatuzzi, M. M. (2009). Psicologia fenomenológica: Uma aproximação teórica humanista. Estudos de psicologia, 26(1), 93-100. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2009000100010
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). A redução fenomenológica é o recurso utilizado para se chegar à essência do fenômeno e torná-lo compreensível e legítimo em termos científicos (Barreira, 2017Barreira, C. R. A. (2017). Análise fenomenológica aplicada à psicologia: Recursos operacionais para pesquisa empírica. In M. Mahfoud, & J. Savian Filho (Orgs.), Diálogos com Edith Stein: Filosofia, psicologia e educação (pp. 317-368). Paulus.). Assim, a escolha do método fenomenológico e sua aplicação à pesquisa psicológica se faz visando compreender vivências, como a do racismo, a partir da experiência vivida, e não de ideias estabelecidas previamente.

No contexto da psicologia humanista, teoria da qual iremos lançar mão na discussão deste trabalho, busca-se explicitar na descrição de vivências subjetivas seus sentidos em relação a algum contexto, e ampliar a visão de ser humano do psicólogo, dado que isso lhe possibilita estar mais preparado para oferecer uma relação que desperte autonomia. As pesquisas possibilitam, também, fornecer uma base mais segura de conhecimento sobre o ser humano e compreender de forma mais ampla significados e contextos.

Para estudar fenômenos dessa ordem, o foco na singularidade permite que se volte à compreensão dos fenômenos estudados que surgem apenas quando situados. Além disso, há também uma mútua influência entre pesquisadora e situação de pesquisa, considerando seu envolvimento ativo, sua história e contexto cultural, vistos como elementos de grande significado e importância no processo (Brisola & Cury, 2016Brisola, E. B. V., & Cury, V. E. (2016). Researcher experience as an instrument of investigation of a phenomenon: An example of heuristic research. Estudos de Psicologia, 33(1), 95-105. http://dx.doi.org/10.1590/1982-027520160001000010
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). Ao priorizar a busca por informações singulares, tira-se de foco a teoria e se aceita o empírico como via de produção do conhecimento e de novas teorias.

Procedimento

Para investigar as vivências de mulheres negras derivadas do fenômeno do racismo, foram utilizados blogs e sites da internet que contivessem relatos de pessoas que se autodeclaravam negras sobre experiências de racismo.

Foi utilizado o site de pesquisas “Google” com os seguintes descritores: “desabafo+mulheres+negras+saúde+mental”, “relato+história+mulheres+ negras”, e “relato+racismo+mulheres+negras”. Da pesquisa, foram selecionadas quatro fontes de dados encontradas: portal Geledés, por meio do qual se encontrou o blog “não estamos bem”, e os websites “nós, mulheres da periferia” e “desabafo social”. Atualmente, é possível encontrar na internet material rico e vasto, que permite a abordagem de várias questões humanas (Schulte, Gallo-Belluzzo, & Aiello-Vaisberg, 2019Schulte, A. A., Gallo-Belluzzo, S. R., & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2019). A experiencia emocional de autoras de mommy blogs. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 10(1), 107-130. http://dx.doi.org/10.5433/2236-6407.2019v10n1p107
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; Tostes, Assis, Corbett, & Vaisberg, 2018Tostes, G. W., Assis, N. D. P., Corbett, E., & Vaisberg, T. M. J. A. (2018). Dor cortante: Sofrimento emocional de meninas adolescentes. Contextos Clínicos, 11(2), 257-267. https://doi.org/10.4013/ctc.2018.112.10
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). A escolha por essas fontes foi considerada suficiente ao chegar-se num critério de saturação, ou seja, quando foi observado que a leitura dos relatos encontrados já não apresentava nenhum novo elemento que alterasse a compreensão do fenômeno em estudo.

Os critérios de seleção dos relatos foram mulheres que se autodeclaravam negras, que relatavam experiências pessoais. Foram excluídos relatos que apresentavam experiências de terceiros, de mulheres não negras ou que foram escritos por homens. A identificação do gênero de cada relato se deu considerando os pronomes pessoais utilizados nos textos e/ou os nomes nas assinaturas das postagens. Os relatos anônimos, em que não foi possível identificar o gênero da pessoa que os escreveu, também foram excluídos. Foram selecionados 23 relatos para esta investigação.

Análise

O conteúdo dos blogs foi analisado a partir da proposta de Giorgi e Sousa (2010Giorgi, A., & Sousa, D. (2010). Método fenomenológico de investigação em psicologia. Fim de Século.) sobre o método fenomenológico de investigação em psicologia, que inclui os seguintes passos:

  1. Estabelecimento do Sentido Geral: procurou-se apreender o sentido geral de cada relato a partir de sucessivas leituras, a fim de se alcançar o sentido da experiência como um todo, em sua globalidade, sem a pretensão de encontrar elementos principais ou hipóteses.

  2. Divisão do texto em Unidades de Significado: retomou-se a leitura de cada relato dividindo-o em partes menores, denominadas Unidades de Significado, que se assemelham a parágrafos com sentido próprio. Para tanto, cada texto foi relido em atitude de redução fenomenológica e, ao se perceber uma mudança de sentido, apontava-se uma nova unidade de significado (Giorgi, Giorgi, & Morley, 2017Giorgi, A., Giorgi, B., & Morley, J. (2017). The descriptive phenomenological psychological method. In C. Willig & Rogers, W. S. (Eds.), The Sage handbook of qualitative research in psychology (2nd ed., pp. 176-192). Sage Publications.). Nesse passo manteve-se a linguagem utilizada pela pessoa.

  3. Transformação das Unidades de Significado em expressões de caráter psicológico: a linguagem escrita do relato foi transformada, objetivando explicitar o significado psicológico das descrições das participantes. O objetivo neste terceiro passo é “desvelar e articular o sentido psicológico vivido pelas participantes, em relação ao objeto de estudo da investigação” (Giorgi & Sousa, 2010Giorgi, A., & Sousa, D. (2010). Método fenomenológico de investigação em psicologia. Fim de Século., p. 88). O sentido psicológico, portanto, deve apresentar uma conexão com o tema estudado. Esse passo constitui o cerne da análise, pois possibilitará compreender, em essência, os sentidos contidos nas unidades de significado.

  4. Determinação da Estrutura Geral dos significados psicológicos: as unidades de significado foram transformadas em uma estrutura geral, contendo a descrição de todos os sentidos apreendidos, de forma a constituir a estrutura essencial do fenômeno. Conforme Giorgi e Sousa (2010Giorgi, A., & Sousa, D. (2010). Método fenomenológico de investigação em psicologia. Fim de Século.), essa estrutura “engloba os sentidos mais invariantes que pertencem às unidades de significado transformadas em linguagem psicológica” (p. 90). Todos os dados foram considerados nesse passo, entretanto nem todas as unidades de significado têm igual relevância. Desse modo, o importante é que a estrutura final expresse a rede essencial das relações entre as partes, permitindo que o significado psicológico do todo esteja em evidência. Neste passo foi elaborada uma síntese das unidades de significado.

O resultado apresentado na seção a seguir procura descrever uma estrutura geral que contém a essência das vivências das mulheres negras relacionadas ao racismo sob o formato de uma narrativa. Essa narrativa, ou vinheta, é semelhante aos relatos selecionados: por meio de uma situação ficcional são abordados os elementos compreendidos como essenciais para as vivências em foco no estudo. A narrativa não foi construída por meio do agrupamento de fragmentos dos vários relatos, mas escrita pela pesquisadora a partir do impacto que as sucessivas leituras lhe causaram, visando explicitar os elementos essenciais das vivências das mulheres. Em algumas passagens, fragmentos dos relatos originais são retomados de modo a exemplificar determinados elementos significativos.

Resultado

A partir da leitura e análise dos blogs e sites, foram levantadas nove expressões de caráter psicológico que explicitam os significados apreendidos nas descrições desses relatos, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Significados apreendidos nos relatos.

Esses significados foram reunidos e transformados na narrativa a seguir, expressando a estrutura psicológica da experiência vivida por mulheres negras brasileiras sobre racismo.

Narrativa

Meu nome é Dandara, sou mulher negra e tenho 30 anos. Nasci em uma família de baixa renda e os impactos disso ressoaram e ainda ressoam, em alguma medida, em minha vida e na de minha família. Conheci os impactos do racismo muito cedo. Começou no próprio contexto familiar, principalmente pelos apelidos que recebia de meus tios. Era chamada de “negrinha” e outros apelidos devido ao fato de meu cabelo ser crespo e volumoso. Por algum tempo, eu não sabia identificar se eram apelidos carinhosos ou insultos. Sempre ficava em dúvida. Havia uma sensação estranha, como se algo estivesse errado, mas eu não conseguia entender do que se tratava.

A sensação de que havia algo errado comigo se apresentava de várias formas: recordo-me de uma brincadeira em específico, em que colocava um lençol no cabelo e ficava balançando de um lado para o outro como se aquele fosse o meu cabelo; eu insistia que aquele era o cabelo que eu queria ter - longo e liso, aquele que via nas propagandas, nos programas de TV e nas bonecas. Não gostava do meu.

Na escola, passei por experiências diversas e, constantemente, tinha a sensação de estar só. Certa vez, um garoto da turma disse que meu cabelo o atrapalhava ver o quadro e a professora logo me trocou de lugar; colocou-me no fundo da sala para que eu não “atrapalhasse” a turma. Hoje sei que senti muita raiva e humilhação, mas não conseguia expressar nem compreender o que se passava em mim quando essas situações aconteciam. Apenas as aceitava e me calava. Esse episódio deixou mais evidente ainda que realmente havia algo de errado comigo. Comecei a usar o cabelo preso e, por volta dos nove ou dez anos de idade, alisei-o quimicamente. Eu não gostava do meu cabelo crespo, achava feio e sentia vergonha de usá-lo daquela forma. Eu queria manter meu cabelo liso.

Por volta dos meus sete ou oito anos de idade, na escola também, comecei a perceber que minha cor era um problema. Compreendi que ter aquela cor (que eu ainda não nomeava) era visto como algo ruim. Eu não queria mais tomar sol e certo dia disse à minha mãe que eu queria ter aquela doença (vitiligo) que deixa a pele das pessoas clara, como aconteceu com o Michael Jackson, para poder ficar branca. Minha mãe ficava sem saber o que responder. Imagino que ela também (por ser negra) passou por muitas situações parecidas na vida. Passei a não gostar de mim e pensava que precisava mudar minha aparência para ser aceita pelas outras pessoas. Quando me recordo disso, percebo e sinto o quão violento e doloroso é o racismo. Lembrar disso causa-me muita angústia e muita dor!

Na adolescência me sentia feia, desinteressante e inferior a todos. Sentimentos como vergonha e insegurança ficaram ainda mais intensos. Tinha algumas amigas e amigos, mas ainda assim me sentia muito sozinha. Em alguns momentos, me isolava, sentia uma tristeza constante e uma infelicidade imensa por ser quem eu era. Nessa época, além da química, comecei a usar escova e chapinha nos fios. Inicialmente, senti uma felicidade e um bem-estar artificiais que não se sustentaram por muito tempo. Logo, voltei a sentir que havia algo errado, já que por mais que tentasse e quisesse, não conseguia ser igual às meninas brancas nem ser tratada como elas, porque eu não era branca. Porém, isso ainda não estava nítido para mim e eu continuava tentando… isso pode parecer óbvio, mas não era óbvio para mim.

Eu não admitia mais usar o cabelo de outra forma que não fosse alisado, escovado e pranchado. Eu tinha certeza que se usasse o cabelo crespo, seria impossível que alguém gostasse ou se interessasse por mim; com chapinha, achava que talvez tivesse alguma chance. Eu sofria muito, sentia uma dor na alma, mas não conseguia dizer nada sobre isso. Acho que tinha medo de não ser compreendida. Eu não gostava de mim; já nem sabia quem eu era, só sabia que não gostava, não queria e detestava ser como eu era.

Não me recordo quando, mas passei a ter em mente que só conseguiria ter a chance de melhorar na vida e de ser aceita (sim, sentia que tinha que fazer algo para tentar mudar minha vida e me mudar, como uma obrigação, uma necessidade), por meio dos estudos. Assim, passada minha adolescência, após muita luta, consegui entrar em uma universidade federal, algo totalmente inédito em minha família.

Foi na universidade que a realidade das desigualdades de raça, classe e gênero ficou escancarada para mim e isso foi muito assustador. Eu realmente sentia medo de estar naquele lugar, medo de falar, medo de me expor. Aquele ambiente era muito ameaçador para mim. As desigualdades de oportunidades ao longo da vida também ficaram evidentes na universidade e eu questionava a minha capacidade para estar lá. Duvidei muito que tivesse capacidade para estar onde estava. Foi na universidade que tive acesso a discussões sobre raça, gênero, classes sociais e sexualidade. Tive acesso ao conceito de racismo, compreendi o quanto ele é violento e que, pelo fato de poder se apresentar de diversas formas, às vezes não nos damos conta dele. Apesar disso, não deixamos de sofrer seus efeitos.

Tomar consciência de todas essas coisas me fez despertar para o fato de que sim, eu sou uma mulher negra. Até aquele momento, eu nunca havia efetivamente me conscientizado disso ou confessado o racismo para mim mesma, pois eu tinha vivenciado de tantas formas, desde o início da vida, que não poderia ser como eu era, que não conseguia me ver dessa forma. Fato é que, até ali, eu me autodeclarava parda ou dizia que era morena, mas não negra. Uma segunda descoberta muito sofrida foi a de me dar conta do tamanho e da intensidade da opressão em que estava inserida por ser negra, mulher e pobre. Nessa época, pude entender um pouco melhor a forma como muitas vezes fui tratada nos “rolês”, sendo preterida, sentindo-me rejeitada ao longo da vida. Percebi como os homens me tratavam de forma sexualizada. Dar-me conta de tudo isso me fez experimentar sentimentos e emoções como dor, raiva, revolta, medo, angústia, ansiedade, tristeza, insegurança e muita impotência. Questionei se seria possível fazer algo em relação a isso; temia que não.

Um acontecimento de muita importância para mim se deu quando eu percebi que não estava mais sozinha e que tudo aquilo não acontecia apenas comigo. Discutir sobre o racismo e outros temas, escutar mulheres negras e homens negros falarem sobre suas histórias, sobre o reconhecimento e a construção de suas identidades, enquanto pessoas negras, foi muito fortalecedor para mim. Aos poucos, fui abandonando a chapinha, a escova, processos químicos, aceitando meu cabelo, minha cor, até conseguir ir me aceitando como realmente sou. Atualmente, terminei a graduação, dei continuidade aos estudos, tenho um trabalho em minha área, mas sei que ainda sou uma exceção. Inclusive, percebo pouquíssimas pessoas negras em meu trabalho em cargos que envolvem, no mínimo, ter a graduação.

Existem momentos em que ainda é muito difícil e que me sinto inferior. O racismo deixa marcas em nossas vidas; travar lutas, diariamente, em qualquer ambiente em que se esteja é exaustivo. É muito cansativo! Ainda há muitas coisas com que preciso lidar dentro de mim e na forma como me percebo, devido a todos os impactos que o racismo me causou e ainda causa. Sei também que há muita luta pela frente, porém hoje me sinto mais fortalecida desde que venho me reconhecendo enquanto mulher negra e me aceitando. Deixei de me sentir totalmente sozinha quando passei a estar entre as minhas e os meus.

Hoje, sei que ainda existem muitas correntes em que tentam nos prender. Há aquelas mais visíveis como, por exemplo, nas universidades a maioria dos alunos e professores ainda é branca; no mercado de trabalho, cargos que envolvem graduação têm minoria negra, ou quando determinadas vagas são negadas pelo fato de a pessoa ser negra; e correntes “invisíveis” ou menos visíveis, como em todos os outros casos de racismo “velado” ou quando insistem em dizer que não existem mais diferenças e que “somos todos iguais”. Mesmo diante das tantas batalhas que ainda precisamos e precisaremos travar, sinto que é possível lutar contra o racismo, pelo direito de nos reconhecermos como pessoas de valor, e de construirmos nossas próprias histórias.

Discussão

A análise dos relatos revela o impacto do racismo sobre a vivência de mulheres negras no Brasil, apontando, inicialmente, que vivências relacionadas ao racismo começam a ser sentidas na infância, seja no âmbito familiar ou fora dele. Desde os primeiros anos de vida as crianças negras, especificamente neste estudo, as meninas, passam a experimentar sentimentos de confusão, dúvida e incerteza sobre a forma como são vistas pelas outras pessoas e quanto aos sentimentos que são nutridos por elas. Esse estado de dúvida rapidamente se modifica e passa a ser confirmado por meio de elementos mais concretos, à medida que a criança está mais frequentemente em contato com outras pessoas em ambientes diversificados, por exemplo, quando se inicia a vida escolar. Ao vivenciar essas situações, aumenta a sensação de estranhamento, de que existe algo errado consigo.

Ainda nessa fase, o cabelo crespo começa a ser objeto de incômodo, sendo comumente um dos primeiros e mais significativos aspectos físicos a se tentar modificar por meio de brincadeiras (ex. colocar lençol no cabelo), corte, utilizá-lo preso ou recorrer a procedimentos químicos para alisá-lo. Existe uma recusa e uma não aceitação do cabelo como característica física. Além disso, a criança experimenta vários sentimentos, emoções e percepções em relação a si mesma e a outras pessoas, porém, pelas características cognitivas e emocionais dessa fase, ainda tem dificuldade de compreender bem o que está ocorrendo em si e no mundo ao seu redor.

Conforme Oliveira e Mattos (2019Oliveira, A. P. O., & Mattos, A. R. (2019). Identidades em transição: Narrativas de mulheres negras sobre cabelos, técnicas de embranquecimento e racismo. Estudos & Pesquisas em Psicologia, 19(2), 445-463. https://doi.org/10.12957/epp.2019.44283
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), mulheres negras crescem frequentemente tendo como ideal de beleza o estereótipo de pessoas brancas. Esses padrões operam consciente ou inconscientemente e perpetuam tentativas de regulação dos corpos, além de impactar na construção da identidade dessas mulheres. Assim, de forma reiterada, os estereótipos ligados às mulheres negras afirmam seus corpos como estando fora do padrão. No entanto, atualmente está ocorrendo um movimento de valorização do cabelo crespo e cacheado, visível em sites on-line (Ellington, 2015Ellington, T. N. (2015). Social networking sites: A support system for African-American women wearing natural hair. International Journal of Fashion Design, Technology and Education, 8(1), 21-29. https://doi.org/10.1080/17543266.2014.974689
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, Maynard & Jules, 2021Maynard, D. M. B., & Jules, M. A. (2021). Exploring her roots: Black Caribbean hair identity and going natural using social media networks. Journal of Black Psychology , 47(1), 3-30. https://doi.org/10.1177/0095798420971892
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), e exemplificado pela adesão a processos como a transição capilar (abandono de processos químicos e adesão ao uso do cabelo natural) e o big chop (corte de toda parte do cabelo que ainda contém química, deixando apenas os fios naturais).

A percepção da rejeição experienciada por meninas negras diz mais do que o afastamento em relação ao seu pertencimento étnico racial, expresso nos comportamentos de modificação do cabelo: ela revela também construções sociopolítico-culturais, em que o distanciamento entre negros e brancos é reforçado e legitimado pela crença da supremacia branca e da inferioridade negra. Assim, atribui-se um sentido negativo às características físicas, culturais e estéticas de indivíduos negros, de modo a colocá-los em determinado lugar socialmente (Gomes, 2019Gomes, N. L. (2019). Negro, corpo e cabelo: Rejeição, aceitação e ressignificação. In N. L. Gomes, Sem perder a raiz: Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra (3a ed., pp. 135-186). Autêntica.). E que lugar seria esse? Falaremos disso mais adiante.

Gomes (2019Gomes, N. L. (2019). Negro, corpo e cabelo: Rejeição, aceitação e ressignificação. In N. L. Gomes, Sem perder a raiz: Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra (3a ed., pp. 135-186). Autêntica.) aponta que esse processo de distanciamento racial é incorporado e naturalizado, de modo a convencer essas mulheres de forma social e psicológica a desenvolverem táticas para pleitear uma aproximação da posição desejada. Nessa perspectiva, as manipulações do corpo e do cabelo assumem a expressão da alocação desses sujeitos nos diferentes polos sociais e raciais, o que pode significar uma aproximação com o polo branco e um afastamento do polo negro.

Conforme visto até aqui, as referências estéticas de meninas negras são, desde os primeiros anos de vida, construídas e padronizadas em atributos físicos de meninas brancas. Com o tempo, a recusa do cabelo é transferida para a recusa de si e da própria identidade, já que “no caso de mulheres negras, [sua] identidade parece estar intimamente ligada ao quanto modificam, estilizam e apresentam seu cabelo” (Maynard & Jules, 2021Maynard, D. M. B., & Jules, M. A. (2021). Exploring her roots: Black Caribbean hair identity and going natural using social media networks. Journal of Black Psychology , 47(1), 3-30. https://doi.org/10.1177/0095798420971892
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, p. 4, tradução nossa).

Ao se perceberem em um mundo de brancos, indivíduos negros encontram muitas dificuldades para elaborar seu esquema corporal. Assim, o conhecimento do corpo negro se torna uma atividade de negação e em torno deste gira uma atmosfera de incertezas (Fanon, 2008Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. Edufba.). Costa (1983Costa, J. F. (1983). Da cor ao corpo: a violência do racismo. In N. S. Souza, Tornar-se negro: As vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social (pp. 1-16). Edições Graal.) corrobora essa ideia ao afirmar que a violência do racismo é vivência fundamental e contínua experienciada por mulheres negras e homens negros, ao se verem imersos em uma estruturação de mundo em que o branco é a norma. Essa violência atua de modo a destruir a identidade do indivíduo negro que passa a recusar, anular e negar seu próprio corpo.

Além de apontar a maneira violenta como o racismo atua sobre a formação da identidade, o autor sugere possíveis impactos à saúde mental dessas pessoas. Munanga (2002Munanga, K. (2002). Prefácio. In I. Carone, & M. A. S. Bento (Orgs.). Psicologia Social do racismo: Estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil (pp. 13-23). Vozes.) acrescenta que a interiorização de discursos e ideologias como a do branqueamento marca o imaginário e as representações que indivíduos e coletividades têm de si por interferir no processo de constituição dessas representações. A internalização da brancura e suas características como norma, conforme prescrito pela ideologia do branqueamento, se reflete em alienação, negação da própria humanidade e na baixa autoestima vivenciadas por mulheres negras.

Ao incidir sobre a formação da identidade, pode-se sugerir que o racismo acaba por interferir na constituição da “noção de eu” que mulheres negras têm de si mesmas. A noção de eu, termo utilizado pelos teóricos da Abordagem Centrada na Pessoa - ACP (Kinget, 1977Kinget, G. M. (1977). A noção chave. In C. R. Rogers, & G. M. Kinget, Psicoterapia e relações humanas: Teoria e prática da terapia não diretiva (2a ed., pp. 39-56). Interlivros.), diz respeito à estrutura de percepções da própria pessoa, como características, qualidades, defeitos, capacidades, limites, atributos, valores e relações que cada um de nós percebe como constituinte de nossa identidade. Esse conjunto de percepções de si abrange todas as experiências da pessoa, em toda sua vida. Esses autores acreditam que há uma tendência em todo ser humano que o conduz ao crescimento e ao desenvolvimento (a tendência atualizante, conforme a ACP) e para que a pessoa exerça essas potencialidades, um contexto de relações humanas positivas e favoráveis à conservação e valorização do eu precisa existir.

A percepção dos atributos pessoais de forma realista será influenciada pelas experiências vividas e pela conduta que os outros têm em relação à pessoa (Kinget, 1977Kinget, G. M. (1977). A noção chave. In C. R. Rogers, & G. M. Kinget, Psicoterapia e relações humanas: Teoria e prática da terapia não diretiva (2a ed., pp. 39-56). Interlivros.). A noção que ela tem de si mesma dependerá ainda do modo como experiencia seus fenômenos internos, se se sente livre para elaborar suas experiências, sentimentos, pensamentos e emoções da maneira que os percebe, independentemente da conformidade ou não com as normas sociais e morais de seu ambiente. A impossibilidade de experienciar suas vivências dessa forma pode levar a uma incongruência entre a experiência vivida e a representação que a pessoa tem de si (Polkinghorne, 2015Polkinghorne, D. E. (2015). The self and humanistic psychology. In K. J. Schneider, J. F. T., Bugental, & J. Fraser (Eds.), Humanistic handbook of humanistic psychology: Leading edges in theory, research, and practice (pp. 87-109). Sage Publications.), o que promoverá interferências no funcionamento psíquico e em seu sistema de comunicação interno.

Outro elemento importante sobre a constituição da identidade e da noção que a pessoa desenvolve sobre ela mesma, apresentado por Tambara e Freire (1999Tambara, N., & Freire, E. (1999). Terapia centrada no cliente - Teoria e prática: Um caminho sem volta. Delphos.), é que o autoconceito começa a ser constituído desde os primeiros anos de vida, à medida que se estabelecem interações com outras pessoas. Nesse processo, a aceitação de si e sentir-se amada ou amado pelas pessoas referência são de extrema importância, pois é a partir dessas relações que vão se estruturando as percepções sobre si e sobre o mundo. Entretanto, desde a infância meninas negras experienciam vivências de racismo nos contextos em que estão inseridas e estabelecem relações interpessoais em que se sentem desvalorizadas. Desse modo, acredita-se que ocorre uma alteração significativa na percepção do eu que mulheres negras têm de si mesmas, o que pode revelar um dos aspectos mais violentos do racismo: a não aceitação de si, a recusa e a negação da própria existência.

Com o passar do tempo, sentimentos e percepções de baixa autoestima, inferioridade, solidão, incompreensão, insegurança, tristeza e dor parecem ficar mais cognoscíveis, e consequentemente o sofrimento experienciado por meio dessas vivências também. A análise dos relatos de blogs sugere a juventude e a idade adulta como momentos em que mulheres negras podem passar a ter consciência mais nitidamente sobre o racismo e demais mecanismos de opressão que se relacionam a ele, associados à classe, gênero, entre outros. Isso pode ocorrer, por exemplo, na universidade ou em algum outro ambiente em que existam discussões a respeito dessas temáticas, fomentadas, em grande parte, por outras pessoas negras. Sabemos, no entanto, que o acesso ao ensino superior ou ao espaço da universidade ainda é um direito alcançado por apenas parte das mulheres negras, não a maioria, e pode, também, não existir um espaço desses na faculdade. O acesso a essas informações pode ocorrer também por meio de sites, blogs e fóruns da internet, salões étnicos, coletivos de mulheres negras e de homens negros, demais instâncias dos movimentos sociais negros ou de grupos culturais, e em conversas informais com outras pessoas negras que tenham elaborado suas experiências de racismo, entre outros. O processo de tomada de consciência quanto à negritude e às vivências de racismo se revelou como uma experiência conflituosa: ao mesmo tempo em que gerou possibilidade de fortalecimento e enfrentamento na luta contra o racismo, apresentou-se, também, como conscientização de todo o sofrimento a que essas mulheres estiveram expostas ao longo da vida, despertando sentimentos e emoções como dor, raiva, revolta, medo, angústia, ansiedade, tristeza, insegurança e impotência.

Confirmando o que foi abordado na introdução deste trabalho, observamos nos relatos a opressão à qual mulheres negras estão submetidas (por sua raça, gênero, classe e sexualidade). Isso tem determinado formas desiguais de relacionamento. As narrativas de hiperssexualização, objetificação e/ou animalização perpetuam percepções sociais que desumanizam essas mulheres e legitimam violações físicas, psicológicas e afetivas (Oliveira & Mattos, 2019Oliveira, A. P. O., & Mattos, A. R. (2019). Identidades em transição: Narrativas de mulheres negras sobre cabelos, técnicas de embranquecimento e racismo. Estudos & Pesquisas em Psicologia, 19(2), 445-463. https://doi.org/10.12957/epp.2019.44283
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), colocando-as em um lugar ainda mais difícil. Relações de dominação e inferiorização refletem um preterimento das mulheres negras (Hooks, 2013Hooks, B. (2013). Vivendo de amor (M. Mendonça, Trad.). Afrocenticidade. https://afrocentricidade.files.wordpress.com/2016/03/vivendo-de-amor.pdf. (Trabalho original publicado em 1993)
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).

Quanto à questão do lugar reservado às mulheres negras na sociedade, de “outro do outro” (nem homem, nem branca), a atribuição de características negativas opera sua cristalização em determinado lugar que se manifesta como um lugar de inferioridade e subalternidade. Também se revela como um não lugar, como se não existissem diante da negação do racismo e de seus efeitos. Kilomba (2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.) aponta que mulheres negras têm sido incluídas em discursos que não interpretam bem a sua realidade. Ela acrescenta que

as mulheres negras habitam um espaço vazio, um espaço que se sobrepõe às margens da raça e do gênero, o chamado “terceiro espaço” . . . habitamos uma espécie de vácuo de apagamento e contradição . . . Tais narrativas separadas mantém a invisibilidade de mulheres negras. (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó., pp. 97-98)

Em contraposição a esses lugares que são destinados pela sociedade às mulheres negras, o ato de definir-se surge como elemento essencial de fortalecimento e de demarcação de possibilidades de transcendência da norma (Ribeiro, 2017Ribeiro, D. (2017). O que é lugar de fala? Letramento.). Assim, o processo de tomada de consciência do racismo e da negritude parece ser fundamental para que essas mulheres possam se reconhecer enquanto pessoas e ter sua existência legitimada. Representa também a possibilidade de assumir um lugar de protagonismo, como autoras na constituição de si e de suas histórias.

Sobre o processo de tornar-se pessoa, Rogers (2001Rogers, C. R (2001). Tornar-se pessoa (5a ed.). Martins Fontes.) sugere que não é benéfico agirmos nas relações como se fôssemos algo que não somos, ou nos expressarmos em desacordo com o que estamos sentindo. Tornamo-nos mais realizados quando somos capazes de nos ouvir, nos aceitar, e quando podemos ser nós mesmas (os). Para que ocorra a aceitação de si é necessário certo tipo de relação que, quando proporcionada à outra pessoa, ajuda-a a descobrir dentro de si capacidades para o crescimento e o desenvolvimento, gerando mudanças subjetivas. Em relações interpessoais construtivas há uma compreensão empática e aceitação dos sentimentos e das comunicações de cada pessoa. Quando me coloco no lugar da pessoa com a intenção de compreender como ela se vê, é possível que sinta liberdade para explorar toda sua experiência interior profunda. A empatia, conforme descrita por Rogers (2012Rogers, C. R. (2012). Uma maneira negligenciada de ser: A maneira empática. In C. R. Rogers, & R. L. Rosenberg, A pessoa como centro (pp. 69-90). E.P.U.), o acolhimento, a sensação de pertencimento e a legitimação das vivências experienciadas, ao estar entre seus semelhantes, possibilitam abertura para o processo de aceitação e reconhecimento de si.

Parte do processo de autoaceitação é vivenciado por meio do cabelo que, antes rejeitado e fonte de intenso sofrimento, passa a ser assumido em sua forma crespa ou cacheada, ou modelado em penteados, como é o caso das tranças. Por meio do cabelo natural há uma declaração política, de consciência racial, de redefinição dos padrões dominantes de beleza e de descolonização do corpo negro (Kilomba, 2019Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Cobogó.). Ele pode passar a ser apresentado como um dado concreto de um processo de reconhecimento e aceitação da negritude (Gomes, 2019Gomes, N. L. (2019). Negro, corpo e cabelo: Rejeição, aceitação e ressignificação. In N. L. Gomes, Sem perder a raiz: Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra (3a ed., pp. 135-186). Autêntica.). A modificação na forma de utilizar o cabelo pode ser compreendida como uma das maneiras encontradas por mulheres negras de valorizar seu pertencimento étnico-racial e também a si mesmas enquanto pessoas. Mais do que qualquer outro processo, o reconhecimento inaugura a entrada do indivíduo na existência especificamente humana.

A experiência de empatia, além de poder ser encontrada pelas mulheres negras nas relações com outras pessoas negras, deveria também existir como elemento fundamental na psicoterapia. Consoante ao que foi visto até aqui, a não aceitação de si e da negritude se apresenta como fonte de intenso sofrimento psíquico para mulheres negras. A psicoterapia poderia auxiliar no processo de reconhecimento e autoaceitação. Para Gomes (2019Gomes, N. L. (2019). Negro, corpo e cabelo: Rejeição, aceitação e ressignificação. In N. L. Gomes, Sem perder a raiz: Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra (3a ed., pp. 135-186). Autêntica.), o reconhecimento e a nomeação da experiência promovem a consciência da dor vivida e facilitam a busca por caminhos de liberdade.

Ainda sobre a importância da empatia no atendimento a mulheres negras, Gomes (2019Gomes, N. L. (2019). Negro, corpo e cabelo: Rejeição, aceitação e ressignificação. In N. L. Gomes, Sem perder a raiz: Corpo e cabelo como símbolos da identidade negra (3a ed., pp. 135-186). Autêntica.) aponta que a compreensão empática não depende de condições que diferenciam ou assemelham psicoterapeutas e clientes, todavia, é importante se familiarizar com as vivências de racismo para conseguir, efetivamente, escutá-las. Todos podem escutar as especificidades desse sofrimento, porém é necessário o reconhecimento dessa realidade e a ampliação do universo branco em relação às dores das pessoas negras.

No estudo de Gouveia e Zanello (2019Gouveia, M., & Zanello, V. (2019). Psicoterapia, raça e racismo no contexto brasileiro: Experiências e percepções de mulheres negras. Psicologia em Estudo, 24, 1-15. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v24i0.42738
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) com mulheres negras sobre suas experiências e percepções quanto à psicoterapia, as participantes evidenciaram que o déficit na formação de psicoterapeutas para atender pessoas negras e a dificuldade em compreendê-las empaticamente são fatores que limitam a eficácia da psicoterapia. Tais fatores foram observados tanto no atendimento com profissionais negras (os), quanto com profissionais brancas (os). A violência causada pela universalização de teorias eurocêntricas e norte-americanas, adotadas pelas (os) psicoterapeutas brasileiras (os), em que o homem branco heterossexual é tomado como modelo humano universal, evidencia a necessidade de um maior aporte teórico racial nos cursos de graduação em psicologia e para profissionais formados, assim como treinamento de habilidades e atitudes de empatia. Também sugere a importância do processo psicoterapêutico para psicólogas (os) negras (os) para que possam cuidar das próprias questões emocionais ligadas às vivências de racismo.

Apesar desse déficit ainda observado na formação de psicólogas(os) e na produção científica na psicologia, há alguns movimentos em direção à conscientização desse tema na academia. Psicólogos(as) e pesquisadores negras(os) se reuniram em 2010 no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), para discutir relações raciais e subjetividades; a partir desse encontro foi criada a Articulação Nacional de psicólogas(os) negras(os) e pesquisadores (Anpsinep). Essa associação tem como objetivo “implementar ações de enfrentamento ao racismo a partir da organização e articulação de psicólogas(os) comprometidas(os) com o tema da psicologia e relações raciais” (Conselho Federal de Psicologia, 2014Conselho Federal de Psicologia. (2014). Documento subsídio para assembleia geral ANPSINEP: Resgate histórico. CFP., p. 2), viabilizando, por exemplo, discussões de relações raciais e efeitos psíquicos do racismo, nos cursos de formação e em diversos setores de atuação da psicologia. Faz-se presente nas redes sociais e em publicações científicas (Silva, Vieira & Amauro, 2020Silva, M. L. D., Vieira, C. S., & Amauro, N. Q. (Eds.). (2020). Caderno Temático Articulação Nacional de Psicólogos/as Negras/os e Pesquisadoras/es [Edição Especial]. Revista da ABPN, 12.).

A Associação de Psicólogos Negros, fundada nos Estados Unidos em 1968 (Williams, 1974Williams, R. (1974). A history of the association of black psychologists: Early formation and development. Journal of Black Psychology , 1(1), 9-24. https://doi.org/10.1177/009579847400100102
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) é outro exemplo de movimento possível em direção a uma psicologia que reconhece os problemas que a população negra encara, investe na construção e divulgação de conhecimento sobre a saúde mental de profissionais e da comunidade negra por meio de programas, serviços, formação e assistência jurídica. A revista Journal of Black Psychology é publicada desde 1974 por essa associação, divulga estudos teóricos, empíricos e metodológicos sobre temas relacionados às experiências vividas pela população afrodescendente. Em 2021, por exemplo, publicou uma chamada para publicações a respeito de imagem corporal de mulheres negras e suas implicações para a formação da identidade e bem-estar (Dickens & Stephens, 2021Dickens, D., & Stephens, D. (2021). JBP special issue call for papers: Black women’s body image: Implications for identity formation and well-being. Journal of Black Psychology, 47(1), 81-84. https://doi.org/10.1177/0095798421991976
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).

Considerações finais

O racismo é um fenômeno baseado no conceito de raça que exerce de forma sistemática e determinante uma dinâmica de dominação sobre grupos raciais considerados inferiores, por grupos raciais considerados superiores. Pessoas negras começam a vivenciar seu impacto desde os primeiros anos de vida e ao atuar em momentos tão iniciais da constituição do ser humano, acaba por influenciar todo o desenvolvimento, com repercussões na saúde mental. Como se constitui essa experiência inicial e qual a participação e influência da própria família nesse percurso individual é um tema importante que merece atenção de pesquisadores em estudos futuros.

Constatou-se que o cabelo surge como dado concreto de discriminação, levando frequentemente à recusa desse aspecto e à adesão ao padrão estético das mulheres brancas. A cor também aparece como outro dado de recusa, que se amplia para a não aceitação do próprio eu. As atitudes e orientações dos adultos dirigidas às crianças podem auxiliar no sentido de uma escuta empática esclarecedora em relação às percepções, sentimentos e vivências conflituosas relativas a diferenças físicas e seus significados pessoais e sociais. A escola deve ser um contexto importante nesse sentido, enquanto espaço privilegiado para discussões, enfrentamento e intervenções sobre as desigualdades de raça, gênero, sexualidade e classe.

Na adolescência, à medida que as sensações de recusa e de não aceitação do eu aumentam, levando à intensificação e reconhecimento gradual de sentimentos de tristeza, solidão e dor, para muitas meninas, os recursos químicos para alisar os cabelos aparecem como única possibilidade de incorporação do cabelo à própria identidade. É uma tentativa de saírem da invisibilidade, de serem notadas e aceitas. A impossibilidade de alcançarem o padrão estético de referência alimenta sentimentos de impotência, frustração e culpa. Tal sofrimento costuma ser silenciado e não compartilhado, por medo da incompreensão por parte de outras pessoas e, ao mesmo tempo, por uma dificuldade de conscientização efetiva das vivências provocadas pelo racismo. Tendem a naturalizar o problema e senti-lo como algo de ordem individual - outro mecanismo de ação e de dominação do racismo. Conforme nos aponta I. Gomes (2019Gomes, I. (2019). Reflexão sobre os limites e possibilidades de empatia na escuta de mulheres negras. In M. Tassinari, & W. Durange (Orgs.), Empatia: A capacidade de dar luz à dignidade humana (pp. 85-104). CRV.), “reconhecer tais vivências como racismo é essencial para uma construção de si mais congruente, de maneira que a opressão seja considerada pela origem social que tem” (p. 98).

Considerando-se que essas vivências incidem sobre o próprio corpo e provocam sensações constantes de angústia, ansiedade e estresse, podem, eventualmente, levar a um processo de despersonalização, caracterizado por vivências perturbadoras e angustiantes em que a pessoa sente estranheza em relação a si mesma e ao próprio corpo (Dalgalarrondo, 2019Dalgalarrondo, P. (2019). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Artmed.). Desse modo, essas experiências derivadas do racismo podem ser fator de risco relevante no desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, por serem condições determinantes no processo de adoecimento da população negra.

Quando há uma tomada de consciência da negritude, mesmo que inicialmente conflituosa, abre-se a possibilidade à experiência de se sentirem vistas, compreendidas e, assim, diminuir a percepção de solidão e individualização dessas vivências; podem experienciar segurança e dar início ao processo de se reconhecerem, de se aceitarem e construírem a própria identidade enquanto mulheres negras. O cabelo natural que antes aparecia como dado concreto para a recusa e negação da própria identidade, surge como elemento de grande relevância nessa nova perspectiva.

Assim, como o presente estudo apontou para a interrupção da utilização de processos químicos no cabelo como uma maneira de reconhecimento e aceitação da negritude, certamente há outros caminhos que as mulheres negras podem trilhar para serem protagonistas de um processo de autoaceitação e de construção da identidade negra.

Psicoterapeutas podem também ajudar, ao considerarem as especificidades das vivências das mulheres negras, observando e sinalizando como as demais formas de opressão se interseccionam e como elas incidem sobre os diferentes grupos raciais e sociais. A área da psicologia clínica ainda carece de estudos sobre essa temática que assumam paradigmas outros que não aqueles que partem de uma compreensão ingênua do indivíduo como ser isolado. Deve levar em conta as fortes influências que construções ideológicas e fatores de ordem sociopolítico-culturais têm sobre as vivências das pessoas.

Há limitações neste estudo, entre as quais o fato de terem sido utilizados como dados apenas relatos publicados em sites e blogs que não representam as mulheres negras brasileiras como um todo. As autoras dos relatos selecionados certamente têm acesso aos meios de comunicação virtuais e à internet, bem como desejo e facilidade para assim se expressarem. Possivelmente, representam mulheres com boa formação educacional e capazes de refletir e discutir sobre racismo e de desenvolverem certa conscientização subjetiva a respeito. No entanto, a riqueza da experiência vivida se faz presente à medida que, ao buscar uma compreensão da essência da experiência de sofrimento de mulheres negras frente ao racismo, não se desconsidera a especificidade das vivências individuais, pois, como enfatiza Amatuzzi (2007Amatuzzi, M. M. (2007). Experiência: Um termo chave para a psicologia. Memorandum, 13, 8-15.), “há sempre mais na experiência vivida do que no significado que dela construímos” (p. 9).

Sugerimos que as pesquisas futuras na área da psicologia incluam em sua descrição dados referentes à raça/cor de participantes como forma de considerar as especificidades de suas vivências. Além disso, pode-se investigar como tem se dado o processo de tomada de consciência e reconhecimento da negritude e a construção da identidade na experiência de mulheres negras que utilizam os cabelos alisados/lisos, por meio de processos químicos ou não; bem como na experiência de construção de identidade em homens negros.

Espera-se que este trabalho possa contribuir para a compreensão do impacto do racismo sobre a vivência de mulheres negras no Brasil, e diminuir o sofrimento vivido por elas, ajudando-as em seu processo de reconhecimento e autoaceitação, ao possibilitar uma melhor compreensão de si e do impacto do racismo em suas vidas. Além disso, espera-se que esta contribuição teórica e vivencial possa sensibilizar e auxiliar a prática e o processo de aprimoramento de intervenções psicológicas destinadas a pessoas que vivem a experiência do racismo. Por meio da implementação de relações de ajuda psicológica mais humanizadas, emancipatórias e inclusivas, psicólogas (os) estarão melhor preparados para proporcionar aos clientes possibilidades de existir com dignidade em sociedades ainda marcadas por uma herança de racismo e de outras formas de discriminação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2021
  • Aceito
    21 Set 2021
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